Ao acompanhar os eventos no Afeganistão, me vejo tentando ignorar todos os comentários e desejando entrevistar três pessoas: o ex-presidente Lyndon Johnson, o presidente chinês, Xi Jinping, e Mohammed Zahir Shah, o último rei do Afeganistão.
Friedman: Presidente Johnson, o que o sr. achou do discurso de Joe Biden a respeito da retirada do Afeganistão?
Johnson: Escutei a fala e devo dizer que ela me fez engasgar. Quisera eu ter tido colhões para dar um discurso como esse em 7 de abril de 1965, a respeito do envolvimento americano no Vietnã – a guerra que herdei e intensifiquei com aquele discurso. Prometa-me uma coisa: não relacione as falas.
Friedman: Perdoe-me, sr. presidente, mas já relacionei. Aqui vão alguns dos pontos altos do seu discurso: Por que estamos no Vietnã do Sul? Estamos lá porque temos uma promessa a cumprir. Que ninguém pense em nenhum momento que uma retirada do Vietnã poria fim ao conflito. A batalha se renovaria em outro país, depois em mais outro. …
Friedman: Presidente Xi, o que o sr. acha de todos os comentaristas americanos proclamando a China vencedora no contexto da retirada das forças americanas do Afeganistão determinada por Biden?
Xi: Nossa, esses são os que chamamos de idiotas úteis. Em que planeta essas pessoas vivem? A condição era perfeita para nós antes de Biden aparecer. Os EUA sangravam vidas, dinheiro, energia e foco no Afeganistão – e sua presença tornava o país seguro o suficiente para que as multinacionais chinesas o explorassem.
Friedman: E quanto ao Taleban?Xi: O Taleban?! Você acha que confiamos neles? Você já viu o que os irmãos deles do Taleban paquistanês têm feito com nossos investimentos no Paquistão? O Paquistão não consegue nem nos proteger de seu Taleban, nem dos separatistas do Baluchistão e nós somos donos do Paquistão! E não me venha com a história de que a vitória do Taleban poderia inspirar nossos muçulmanos uigures. … Joe, Joe, o que você fez com a gente, Joe? Você deveria ter escutado seus conselheiros de política externa e ficado no Afeganistão. A última coisa que queremos é que você concentre todos os recursos e energias dos EUA na competição com a China pelas indústrias do século 21 em vez de caçar o Taleban no Hindu Kush.Friedman: Mohammed Zahir Shah foi o último rei do Afeganistão, assumiu o poder em 1933 e foi deposto pelo cunhado em 1973, o que desencadeou meio século de golpes de Estado, guerras e invasões. O que sua majestade pensa a respeito da decisão de Biden de sair do Afeganistão e da tomada de poder do Taleban?
Zahir: Deixe-me lhe dizer algo a respeito do meu país. A primeira coisa que você tem de saber é que somos e sempre seremos um mosaico de muitas línguas, culturas e etnias diferentes entre si, com distintas interpretações do Islã. Catorze grupos étnicos são reconhecidos no nosso hino nacional. Temos muçulmanos sunitas, sufistas e xiitas. A razão pela qual o país era relativamente pacífico sob a minha liderança, até que meu primo idiota me depusesse, era que as pessoas me viam como um símbolo unificador, com o qual podiam se identificar. O Taleban representa apenas um elemento do nosso mosaico – o islamismo sunita pashtun. Desde que foram depostos pelos americanos, 20 anos atrás, eles não pensaram em outra coisa a não ser dominar novamente o Afeganistão – e não como governar o novo Afeganistão dos dias de hoje. Aqui vai minha previsão: se o Taleban forma um governo de unidade nacional que inclua todos os principais grupos étnicos e tribais, a aposta do presidente Biden de sair do país se mostrará acertada. Mas se o Taleban tentar concentrar o poder, sem nenhum dos primos, teremos problemas. Em algum momento, o Afeganistão resistirá ao jugo, o Taleban aumentará a repressão, e o país não vai implodir – vai explodir.
O território afegão se dividirá em regiões que sangrarão refugiados e instabilidade. A coisa ficará feia, e os EUA e Biden serão culpados pelo caos. Mas os EUA também terão ido embora, e o Afeganistão se tornará um imenso problema para os países vizinhos, particularmente Paquistão, China, Rússia e Irã.
Friedman: Hmm. Paquistão, China, Rússia e Irã? Talvez fosse essa a intenção de Biden desde o início. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL *É COLUNISTA