MOSCOU - O presidente da Rússia, Vladimir Putin, declarou nesta quarta-feira, 19, uma lei marcial em quatro territórios ocupados e posteriormente anexados ilegalmente da Ucrânia. A partir de meia-noite (horário local), autoridades pró-Rússia nas regiões de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia terão maiores poderes para impor restrições a civis. Além disso, cidadãos ucranianos podem ser colocados para combater seus compatriotas.
A determinação de Putin ocorre em meio a contínuas derrotas no campo de batalha, e sob o temor de uma contraofensiva ucraniana que poderia retomar o toda a província de Kherson. Segundo especialistas, esta seria a primeira vez que o Kremlin estaria convocando a lei desde a 2ª Guerra Mundial, durante o período soviético.
Uma lei marcial em geral é utilizada em situações extremas, como desastres. No caso da Rússia, ainda não ficou claro, segundo analistas, o que de fato muda para Moscou no campo de batalha. Putin justificou a medida dizendo que as quatro regiões já estavam sob lei marcial antes mesmo de serem anexadas pela Rússia e ele estava apenas legalizando este estado de acordo com a legislação russa.
Autoridades do governo ucraniano disseram nesta quarta que, na prática, nada muda para o país. “A implementação da ‘lei marcial’ nos territórios ocupados deve ser considerada apenas como uma pseudo-legalização do saque de propriedades dos ucranianos por outro ‘reagrupamento’”, disse o assessor do presidente ucraniano Volodmir Zelenski, Mikhailo Podoliak, no Twitter. . “Continuaremos a liberação e desocupação do nosso território”.
Há o temor, no entanto, que a medida pode abrir caminho para deportações em massa dessas províncias, principalmente entre civis que falam ucraniano e não russo. “A lei marcial de Putin nas regiões anexadas de Ucrânia é uma preparação para a deportação em massa da população ucraniana para áreas da Rússia a fim de mudar a composição étnica do território ocupado”, escreveu Oleksi Danilov, secretário do conselho de defesa e segurança nacional da Ucrânia.
O que diz a lei marcial russa
A lei marcial, que entra em vigor à meia-noite no horário local, impõe rígidos controles militares sobre as áreas ocupadas de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia e concede amplos poderes de prisão e detenção às autoridades militares e por procuração da Rússia.
Não ficou claro, porém, o que de fato mudará com a imposição, mas, na prática, a lei marcial russa permite às autoridades impor toques de recolher, confiscar propriedades, reassentar residentes à força em outra região, prender imigrantes indocumentados, estabelecer postos de controle e deter pessoas por até 30 dias. A declaração também autoriza a criação de forças de defesa territorial nas quatro regiões anexadas.
Outras determinações do decreto de Putin
A ordem também estabelece a criação de forças de defesa territorial, uma espécie de milícia civil, nas regiões, levantando a possibilidade de que as forças de Moscou tentem recrutar ucranianos para combater contra outros ucranianos. A medida ocorre enquanto o Kremlin enfrenta dificuldades para recrutar novos soldados, com homens russos fugindo após a convocação de 300 mil reservistas para lutarem na Ucrânia.
O decreto também permite que medidas significativamente mais restritivas sejam introduzidas em regiões da própria Rússia, inclusive em Moscou, para controlar mais rigidamente instalações de infraestrutura crítica, transporte público e comunicações.
“Na situação atual, considero necessário dar poderes adicionais aos líderes de todas as regiões russas”, disse Putin. A medida ocorre em um momento em que o presidente vem sofrendo diversas críticas pelas perdas russas na guerra.
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Várias explosões atingiram Kiev, capital da Ucrânia, a cidade ainda vivia o trauma do forte ataque russo há uma semana
Por que impor a lei agora
O decreto baseia-se na premissa de que o território russo está sob ataque – embora as quatro regiões, como a Crimeia em 2014, tenham sido anexadas em um movimento amplamente condenado em uma votação da ONU. Ao anexar as áreas, a Rússia as tornou parte integrante do seu território, o que significa que qualquer ataque ucraniano pode ser interpretado como um ataque ao Estado russo.
Como os territórios estão sob ocupação militar há muitos meses e os moradores que não fugiram vivem sob intensas restrições, segundo relatos, a declaração de Putin parecia projetada para comunicação estratégica, inclusive para falcões (nacionalistas conservadores) pró-guerra em casa que criticaram as falhas dos militares russos. Também criou alguma cobertura legal, pelo menos sob a lei nacional russa, para uma série de possíveis abusos por autoridades militares e seus representantes.
A declaração, no entanto, ocorreu enquanto militares russos retiravam milhares de civis da cidade de Kherson, uma das primeiras a ser tomadas pelos russos e que agora pode ser retomada pela Ucrânia em uma contraofensiva. Sob a justificativa de um ataque iminente, moveram os moradores no que foi considerado forçado e alarmista por autoridades ucranianas. Com a lei marcial, a retirada de moradores pode ser feita mais amplamente./AP, NYT e W.POST