Ver o naufrágio do Titanic com os próprios olhos é uma viagem.
A pessoa tem que embarcar em um veículo submersível mais ou menos do tamanho de uma minivan construído para mergulhar quase 4.000 metros nas profundezas do Oceano Atlântico. Leva cerca de duas horas para chegar ao navio afundado e outras duas para retornar à superfície, além do tempo explorando o naufrágio.
E mesmo com o ingresso da expedição custando US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão), não faltam interessados em empreender tamanha aventura. Philippe Brown, fundador da agência de turismo de luxo Brown and Hudson, afirma que existe uma longa lista de espera para a experiência submersível da OceanGate Expeditions que ocupa atualmente o centro das atenções no planeta. A embarcação, chamada Titan, desapareceu no domingo no Atlântico Norte com cinco pessoas a bordo, e resgatistas têm enfrentado dificuldades para localizá-la à medida que o oxigênio diminui no submarino.
Para os viajantes mais ricos e intrépidos, jornadas em submersíveis não são nenhuma extravagância, afirmou Roman Chiporukha, cofundador da Roman & Erica, uma agência de viagens para clientes ricaços com taxas anuais de afiliação começando em US$ 100 mil (R$ 477 mil).
“São pessoas que já escalaram os sete cumes, que atravessam o Atlântico em seus próprios barcos”, afirmou Chiporukha. As férias típicas dos demais ricaços, como um refúgio litorâneo na Riviera Italiana ou em São Bartolomeu, “não satisfaz de verdade essas pessoas”, acrescentou ele.
Essa descrição define perfeitamente o magnata Hamish Harding, um dos cinco indivíduos no submarino desaparecido. Aventureiro ávido, que explorou detalhadamente o Polo Sul e a Fossa das Marianas, Harding também foi um dos passageiros no quinto voo ao espaço da Blue Origin, a empresa de turismo espacial fundada por Jeff Bezos, dono do Washington Post.
Harding e a jornada do Titan representam o extremo da indústria do turismo de submersíveis, que tem crescido em popularidade desde os anos 80. O piloto veterano de submersíveis Ofer Ketter, cofundador da SubMerge, uma empresa que fornece serviços de consultoria e operação de submersíveis privados, afirmou que esse tipo de viagem ao fundo do mar é raro em comparação às explorações em localidades mais tropicais. Por exemplo, a operadora de turismo de luxo Kensington Tours oferece um pacote de US$ 700 mil (R$ 3,3 milhões) que inclui uma viagem de 10 dias em um iate e um mergulho de mais de 180 metros de profundidade dentro de um submersível nas Bahamas, para explorar o leito marinho de Exumas.
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O que é o turismo de submersíveis?
Um submersível é um tipo de embarcação capaz de navegar embaixo d’água e com frequência define veículos de exploração subaquática projetados para pesquisa e exploração, com ou sem pessoas a bordo. Eles são usados em diversos setores, para propósitos comerciais, militares e científicos. “Recuperar tesouros perdidos no mar, inspeção de cabos e manutenção são exemplos”, afirmou o capitão da Guarda Costeira dos EUA aposentado Andrew Norris.
Submersíveis têm sido usados no turismo desde meados dos anos 80 e agora são encontrados em todo o planeta, disse William Kohnen, diretor do Hydrospace Group, uma empresa de engenharia especializada em construção de submersíveis. É possível encontrá-los com frequência em meio às paisagens deslumbrantes de lugares como Havaí e o Caribe, onde os passageiros podem admirar todas as cores da vida marinha e dos recifes.
“É basicamente a mesma coisa que uma excursão de ônibus”, afirmou Kohnen.
Geralmente, os “subs turísticos” têm capacidade de transportar de 20 a 60 pessoas, afirmou Kohnen, e empreender jornadas de poucas horas, que não chegam nem perto da profundidade das missões ao Titanic. Ele estimou que 99% dos submarinos não passam de 45 metros de profundidade (o equivalente à extensão de duas quadras de tênis). Ketter afirmou que, segundo sua experiência, as expedições tendem a durar de duas a três horas, visitando normalmente naufrágios e aviões da 2.ª Guerra afundados ou explorando vida marinha.
Brown afirmou que os clientes que se interessam no lado extremo do turismo de submersíveis, como um mergulho ao Titanic, não consideram a si mesmos turistas, mas exploradores dos dias modernos. Essas viagens são oportunidades para desafiar seus próprios limites em nome do crescimento pessoal ou “estar envolvido em iniciativas que fazem a humanidade avançar ou que ajudam a entender melhor o passado”, acrescentou Brown.
Quando começaram as expedições turísticas ao naufrágio do Titanic?
O naufrágio do RMS Titanic, que afundou em 1912, foi descoberto em 1985, e turistas têm visitado o local há décadas. A OceanGate Expeditions vinha levando grupos de “cientistas cidadãos” e “tripulantes” até lá havia dois anos, mas a empresa realizou mais de uma dúzia de mergulhos desde 2010.
Ketter afirmou que poucos clientes lhe perguntaram a respeito de expedições ao Titanic em seus 20 anos de pilotagem de submersíveis. “Existe muito mais interesse por outros locais de mergulho”, afirmou ele. “As pessoas normalmente querem ver vida selvagem, (…) coisas que elas não veem em aquários ou profundidades de mergulho com cilindro.”
A que profundidade os grupos chegam em expedições ao naufrágio do Titanic?
Na Expedição de Pesquisa no Titanic, da OceanGate Expeditions, a empresa afirma que chega no máximo a uma profundidade de 3.900 metros. O naufrágio do Titanic fica a 3.810 metros, cerca de 600 quilômetros ao sul de Newfoundland, Canadá.
Quanto custa participar de uma expedição turística ao Titanic?
O ingresso da expedição ao Titanic da OceanGate custa US$ 250 mil (R$ 1,2 milhão) por pessoa, e o pacote não inclui o transporte até St. John’s, Newfoundland, onde começa e acaba a jornada de aproximadamente 650 quilômetros até o naufrágio. A empresa informa em seu website que as expedições para o Titanic duram oito dias.
Brown afirmou que sua empresa tem uma “versão mais sofisticada e de maior duração” que a experiência da OceanGate, que custa em torno de US$ 293.535 (R$ 1,4 milhão) por pessoa. O pacote inclui “maior preparação em terra em St. John e o contexto mais amplo do Titanic”, assim como exercícios de mitigação de risco que começam meses antes do mergulho. Adicionalmente, “nós propomos mergulhos a naufrágios mais acessíveis em outros lugares para garantir que o cliente seja capaz de lidar com qualquer problema imprevisto de claustrofobia”, afirmou Brown.
Turistas viajam em segurança nos submersíveis?
Em um comunicado enviado ao Washington Post, a Marine Technology Society (MTS) afirmou que a indústria dos submersíveis é “regulada em acordo com padrões de segurança internacionais” e tem um histórico de segurança de 50 anos sem incidentes.
Kohnen acrescentou que o Titan é fruto de um projeto singular e não é um submersível “classificado”, que “opere dentro das diretrizes de segurança propriamente estabelecidas”.
“O submersível tripulado usado na expedição ao Titanic não seria classificado como um submersível turístico segundo as atuais definições da indústria”, afirmou ele. “É um elemento fora da curva, um tipo muito específico de submersível de exploração oceanográfica a grandes profundidades.”
Norris afirmou que os pilotos adquirem muito treinamento em sistemas de segurança e que as missões são “abortadas com bastante frequência” quando as condições não estão ideais ou são detectadas falhas em qualquer sistema. “É como escalar o Everest”, afirmou Chiporukha. Se o tempo está ruim, “você não sobe”.
Mas da mesma forma que em qualquer meio de transporte, viajar de submersível implica em algum risco, afirmou Ketter, que afirmou ter centenas de horas de pilotagem de submersíveis e chegado a até 457 metros de profundidade. “Nós sabemos que isso pode ser feito com segurança”, afirmou Ketter, comparando a indústria dos submersíveis ao histórico de jornadas bem-sucedidas e fracassadas ao espaço sideral.
Brown afirmou que seus clientes têm bastante consciência dos riscos quando consideram uma viagem ao fundo do mar. “Como parte do nosso processo de formulação da expedição, nós realizamos duas avaliações de risco detalhadas para cada experiência”, afirmou ele. “Uma no início do planejamento e outra imediatamente antes do cliente viajar.” Adicionalmente, “o cliente — ou o escritório de sua família — pode fazer sua própria avaliação de risco e analisar sua própria atitude e nível de conforto em relação ao perigo”, acrescentou Brown.
Em entrevista à BBC, na terça-feira, um ex-passageiro da OceanGate, Mike Reiss, afirmou que, antes da viagem, a empresa exigiu que ele assinasse uma “isenção de responsabilidade massiva, que lista uma a uma as maneiras que você pode morrer durante a viagem”.
Ketter espera que o incidente com o Titan não venha a definir a indústria, mas não tem certeza sobre como isso afetará o futuro dos negócios. “O que sei é que nós temos mergulhado com submersíveis turísticos há mais de 20 anos”, disse ele, “e temos feito isso com segurança, (…) de uma maneira que propiciou a milhares de pessoas experiências transformadoras e memórias que elas não poderão repetir de qualquer outra maneira”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO