Enquanto colunista da editoria internacional do The New York Times desde 1995, uma das lições mais permanentes que aprendi é que há boas e más temporadas nesta área, que são definidas pelas grandes escolhas feitas pelos maiores participantes do jogo.
Minha primeira década no cargo teve sua cota de más escolhas, principalmente envolvendo a resposta dos Estados Unidos ao 11 de setembro, mas elas foram acompanhadas por outras, muito mais esperançosas: o nascimento da democracia na Rússia e na Europa Oriental, graças às escolhas de Mikhail Gorbachev. O processo de paz de Oslo, graças às escolhas de Yitzhak Rabin e Yasser Arafat. A aceleração da abertura da China para o mundo, graças às escolhas de Deng Xiaoping. A adoção da globalização por parte da Índia, graças às escolhas iniciadas por Manmohan Singh. A expansão da União Europeia, a eleição do primeiro presidente americano negro e a evolução da África do Sul para uma democracia multirracial com foco na reconciliação, e não na vingança: tudo isso foi o resultado de boas escolhas das lideranças e dos liderados. Havia até indícios de que o mundo estaria finalmente começando a levar a sério a mudança climática.
Tomadas em conjunto, essas escolhas impulsionaram a política global para uma trajetória mais positiva, com a sensação de mais pessoas conectadas entre si e capazes de realizar seu pleno potencial pacificamente. Era animador acordar de manhã e pensar em uma dessas tendências para abordar na minha coluna.
Mas, nos anos mais recentes, a sensação tem sido o oposto: boa parte do meu trabalho envolvia criticar as más escolhas dos maiores participantes do jogo. A ditadura cada vez mais rigorosa e agressiva de Vladimir Putin, culminando na sua brutal invasão à Ucrânia; a reversão da abertura da China, encabeçada por Xi Jinping; a eleição do governo mais à direita da história de Israel; os efeitos cumulativos da mudança climática; a perda do controle sobre a fronteira sul dos Estados Unidos; e, talvez a mais ameaçadora dessas tendências, uma aproximação com o autoritarismo, não apenas em países europeus como Turquia, Polônia e Hungria, mas também no Partido Republicado dos próprios EUA.
Dito de outra forma: quando penso nos três pilares que estabilizaram o mundo desde que me tornei jornalista, em 1978 (uma América forte comprometida com a proteção da ordem mundial liberal com a ajuda de instituições multilaterais saudáveis como a Otan, uma China em crescimento constante sempre presente para sustentar a economia mundial, e fronteiras essencialmente estáveis na Europa e nos países em desenvolvimento), todos estão sendo abalados por grandes escolhas feitas pelos maiores participantes do jogo ao longo dos dez anos mais recentes. O resultado disso é uma guerra fria entre EUA e China, a migração em massa do sul para o norte e uma América que se tornou mais uma fonte de desconfiança do que indispensável.
Mas essa não é nem metade da história. Afinal, agora que tecnologias militares avançadas como drones estão prontamente disponíveis, jogadores menores podem exercer um poder muito maior e projetá-lo muito mais amplamente do que antes, o que possibilita que até as más escolhas deles abalem o mundo. Basta pensar em como empresas de frete do mundo inteiro estão desviando seu tráfego e pagando mais pelo seguro agora porque os Houthis, uma tribo do Iêmen da qual ninguém tinha ouvido falar até recentemente, adquiriram drones e foguetes e começaram a perturbar as rotas marítimas na região do Mar Vermelho e do Canal de Suez.
É por isso que me referi à invasão da Ucrânia pela Rússia como nossa primeira guerra verdadeiramente mundial e, sob certos aspectos, me parece que a guerra do Hamas contra Israel seria nossa segunda guerra verdadeiramente mundial.
Elas são travadas em campos de batalha tanto físicos quanto digitais, com imenso alcance e implicações globais. Como para os agricultores na Argentina, que viram sua produção afetada quando perderam subitamente o acesso ao fertilizante da Ucrânia e da Rússia. Como os jovens usuários do TikTok em todo o mundo observando, opinando, protestando e boicotando grandes redes globais como Zara e McDonald’s, depois de ficarem indignados com algo que viram em um vídeo de 15 segundos transmitido de Gaza. Como um grupo de hackers pró-Israel que alegou ser responsável por desativar cerca de 70% dos postos de gasolina do Irã outro dia, supostamente como retaliação pelo apoio do Irã ao Hamas. E muitos outros casos.
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De fato, no mundo profundamente interconectado de hoje, é possível que a guerra na Faixa de Gaza, que ocupa aproximadamente duas vezes o espaço de Washington, D.C., seja um fator decisivo na escolha do próximo presidente americano, com alguns jovens democratas pensando em abandonar o presidente Biden por causa do seu apoio a Israel.
São as escolhas, estúpido
Mas, antes de exagerarmos no pessimismo, é importante lembrar que estamos falando apenas de escolhas. Não havia nada de inevitável ou predefinido nelas. As lideranças e os povos sempre têm arbítrio e, enquanto observadores, não podemos cair no conto desonesto dos covardes acostumados a dizer “bem, não havia escolha”.
Gorbachev, Deng Xiaoping, Anwar el-Sadat, Menachem Begin, George H.W. Bush e Volodimir Zelenski, para citar apenas alguns nomes, enfrentaram escolhas dificílimas, mas optaram por um caminho na encruzilhada que levou a um mundo mais próspero e seguro, ao menos por algum tempo. Outros, infelizmente, fizeram o oposto.
Para encerrar o ano, é através desse prisma das escolhas que desejo examinar o assunto que tem consumido a mim e, ouso dizer, a boa parte do mundo desde 7 de outubro: a guerra entre Israel e Hamas. Ela não era tão inevitável quanto algumas pessoas querem fazer parecer.
Comecei a pensar nisso algumas semanas atrás, quando voei para Dubai para participar da cúpula climática das Nações Unidas. Para quem nunca esteve lá, o aeroporto de Dubai tem algumas das pistas mais longas do mundo. E, quando meu voo da Emirates pousou, taxiamos até uma das extremidades da pista B e, olhando pela janela, vi em simetria quase perfeita cerca de 15 jatos de passageiros da Emirates, estendendo-se até o horizonte. E um pensamento me ocorreu: qual é o ingrediente essencial que está presente em Dubai e está ausente em Gaza? Afinal, em um certo sentido, ambos começaram como uma convergência de areia e água do mar situada em uma das intersecções fundamentais do mundo.
Não é o petróleo, que hoje desempenha um pequeno papel na diversificada economia de Dubai. E não é a democracia. Dubai não é uma democracia e nem sonha em sê-lo. Mas pessoas do mundo todo querem viver ali, e a população de mais de 3,5 milhões aumentou vertiginosamente após a pandemia da Covid. Por quê? A resposta está na liderança visionária.
Dubai foi beneficiada com duas gerações de monarcas dos Emirados Árabes Unidos que tiveram uma poderosa visão de como os EAU em geral, e o emirado de Dubai em particular, poderiam escolher ser árabes, modernos, pluralistas, globalizados e adeptos de uma interpretação moderada do Islã. Sua fórmula incorpora uma abertura radical para o mundo, uma ênfase no ensino e nos livres mercados, a proibição ao Islã político extremista, pouca corrupção relativa, um robusto estado de direito promulgado a partir do topo e um compromisso implacável com a diversificação econômica, o recrutamento de talentos e o desenvolvimento.
Há um milhão de críticas que poderíamos fazer a Dubai, dos direitos trabalhistas dos muitos trabalhadores estrangeiros que fazem tudo funcionar até os ciclos de prosperidade e quebra do mercado imobiliário, dos exageros da construção à falta de uma imprensa verdadeiramente livre ou da liberdade de reunião, para citar apenas alguns. Mas o fato de que os árabes e outros seguem interessados em viver, trabalhar, passear e fundar empresas ali indica que a liderança converteu este promontório quentíssimo do Golfo Persa em uma das encruzilhadas mais prósperas do mundo para o comércio, o turismo, o transporte, a inovação, a navegação e o golfe, com um panorama de arranha-céus (um deles com mais de 820 metros de altura) que daria inveja em Hong Kong ou Manhattan.
E tudo isso foi feito na sombra (e com a inveja) de uma perigosa República Islâmica do Irã. Quando visitei Dubai pela primeira vez, em 1980, ainda havia tradicionais barcos de pesca de madeira no porto. Hoje, a empresa de logística DP World, dos Emirados Árabes, gerencia o transporte de carga e os terminais em portos do mundo inteiro. Qualquer um dos vizinhos de Dubai (Kuwait, Catar, Omã, Bahrein, Irã e Arábia Saudita) poderia ter feito o mesmo com seu litoral, mas foram os EAU que chegaram a este resultado graças às escolhas feitas.
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Visitei o local da conferência climática da ONU na companhia da ministra dos EAU para a cooperação internacional, Reem al-Hashimy, que supervisionou a construção da imensa Expo City 2020 em Dubai, posteriormente adaptada para receber o evento. Nas três horas que passamos caminhando por lá, fomos interrompidos pelo menos seis ou sete vezes por grupos de mulheres dos Emirados vestindo robes pretos, em grupos de duas ou três, que me pediam para dar licença enquanto elas tiravam uma selfie com Reem, ou então me pediam para tirar a foto. Ela era uma estrela, um modelo de comportamento para elas: uma mulher que estudou em Harvard e Tufts, não faz parte da família real e trabalha em um cargo de liderança do governo.
Comparemos isso com a situação em Gaza, onde os modelos de comportamento atuais são os mártires do Hamas na sua interminável guerra contra Israel.
Entre as coisas mais ignorantes e desprezíveis ditas a respeito da atual guerra em Gaza é que o Hamas não tinha escolha, como se as guerras do Hamas contra Israel culminando em 7 de outubro com uma investida assassina, o sequestro de israelenses de apenas 10 meses ou de até 86 anos e o estupro de mulheres israelenses pudessem de alguma forma ser justificadas como uma fuga da prisão por homens oprimidos.
Nada disso. Vamos rebobinar a fita: em setembro de 2005, Ariel Sharon concluiu uma retirada unilateral de todas as forças israelenses e assentamentos de Gaza, ocupada por Israel na guerra de 1967. Em rápida sequência, o Hamas começou a atacar os pontos de cruzamento entre Gaza e Israel para mostrar que, mesmo com a saída de Israel, o movimento de resistência não estava acabado; esses pontos de cruzamento eram essenciais para o comércio e os empregos, e Israel acabou reduzindo-os de seis para duas rotas.
Em janeiro de 2006, os palestinos realizaram eleições com a esperança de conferir à Autoridade Palestina legitimidade para administrar Gaza e a Cisjordânia. Houve um debate entre israelenses, palestinos e funcionários do governo Bush a respeito da permissão ao Hamas para que participasse nas eleições ou não, afinal o grupo havia rejeitado os acordos de paz de Oslo com Israel.
Yossi Beilin, um dos arquitetos israelenses de Oslo, me disse que ele e outros argumentaram que o Hamas não deverias ser aceito na eleição, opinião ecoada por muitos membros do Fatah, o grupo de Arafat, que havia aceito as propostas de Oslo e reconhecido a existência de Israel. Mas a equipe do governo Bush insistiu para que o Hamas pudesse participar sem ter reconhecido Oslo, na esperança de que o grupo fosse derrotado e, finalmente, refutado. Infelizmente, por motivos complexos, o Fatah promoveu um número muito grande de candidatos em muitos distritos, dividindo o eleitorado, enquanto o Hamas, mais disciplinado, promoveu candidaturas específicas e conseguiu ficar com a maioria no parlamento.
Então o Hamas se viu diante de uma escolha fundamental: agora que controlava o parlamento palestino, o grupo poderia trabalhar dentro dos Acordos de Oslo e do protocolo de Paris que regia os laços econômicos entre Israel, Gaza e a Cisjordânia… ou não.
O Hamas optou por não fazê-lo, tornando inevitável um confronto entre Hamas e Fatah, que defendia Oslo. No fim, o Hamas expulsou violentamente o Fatah de Gaza em 2007, assassinando alguns de seus representantes e deixando claro que não seguiria os Acordos de Oslo nem o protocolo de Paris. Isso levou ao primeiro embargo econômico israelense a Gaza, e o que seriam 22 anos de ataques intermitentes do Hamas usando foguetes, da abertura e fechamento de postos de controle israelenses, guerras e períodos de cessar-fogo, tudo culminando no 7 de outubro.
Foram escolhas fatídicas. Depois que Sharon tirou Israel de Gaza, os palestinos tiveram, pela primeira vez, controle total sobre um território. Sim, era uma faixa de areia empobrecida no litoral, com algumas áreas agrícolas. E não era o lar original de muitos de seus moradores. Mas pertencia a eles, e ali poderiam construir o que quisessem.
Se o Hamas tivesse adotado Oslo e optado por construir sua própria Dubai, além de ver o mundo fazendo fila para auxiliar a região e investir nela, isso representaria o trampolim mais poderoso imaginável para um estado palestino na Cisjordânia, no coração das terras ancestrais palestinas. Os palestinos teriam provado para si, para os israelenses e para o mundo o que seriam capazes de fazer quando tivessem o próprio território.
Mas, em vez disso, o Hamas decidiu transformar Gaza em um trampolim para a destruição de Israel. Dito de outra forma, o Hamas tinha uma escolha: imitar Dubai em 2023 ou imitar Hanói em 1968. A escolha foi pelo modelo de Hanói, cuja rede de túneis Củ Chi serviu para lançar a ofensiva do Tet, em 1968.
O Hamas não está simplesmente envolvido em uma pura e inocente luta anticolonial contra Israel. Só os inocentes úteis do Hamas nos campi americanos acreditariam nisso. O Hamas está envolvido em uma disputa brutal pelo poder com o Fatah para decidir quem controlará Gaza e a Cisjordânia, e está envolvido na disputa pelo poder na região, ao lado de outros partidos e governos favoráveis à Irmandade Islâmica (como Turquia e Catar), contra monarquias pró-Ocidente como Arábia Saudita, Jordânia, Kuwait e os EAU, e regimes mais militares como o do Egito.
Nessa disputa, o Hamas queria Gaza isolada e em conflito com Israel porque isso permitiria ao Hamas manter sua mão de ferro islâmica apertando a política na faixa, deixando de lado as eleições e controlando todas as rotas de contrabando, que financiaram seus túneis e sua máquina de guerra, e o estilo de vida de suas lideranças e defensores leais. Exatamente como o regime islâmico do Irã precisa da hostilidade contra os EUA para justificar sua mão de ferro controlando a sociedade iraniana e o controle da Guarda Revolucionária sobre todo o contrabando.
Exatamente como o Hezbollah precisa do seu conflito com Israel para justificar o treinamento do seu próprio exército no Líbano, controlando o contrabando de drogas e impedindo a formação de qualquer governo libanês que seja hostil aos seus interesses, independentemente de quem for eleito. E exatamente como Vladimir Putin precisa do seu conflito com a Otan para justificar sua permanência no poder, a militarização da sociedade russa e o saque dos cofres do estado por seus asseclas.
Esta já se tornou uma estratégia comum para consolidar o poder e ater-se a ele indefinidamente, usada por facções políticas disfarçada como ideologia de resistência. Não surpreende que todas essas facções se apoiem mutuamente.
Há muito o que criticar na ocupação israelense da Cisjordânia, à qual sempre fui contra. Mas me poupem da ladainha ouvida nos corredores de Harvard segundo a qual esta é uma guerra dos oprimidos inocentes e colonizados contra seus malignos opressores coloniais; segundo a qual Israel seria o único responsável pelo isolamento de Gaza; e segundo a qual a única escolha que restou ao Hamas há anos tem sido criar um panorama subterrâneo de “arranha-céus” que chegam a 70 metros de profundidade (uma anti-Dubai) e que sua única alternativa no 7 de outubro era o martírio.
O Hamas nunca hesitou no seu principal interesse de destruir Israel, muito mais do que erguer um estado palestino, porque foi a meta de aniquilar Israel que possibilitou ao Hamas justificar sua permanência no poder indefinidamente, mesmo com Gaza conhecendo apenas a miséria econômica desde que o Hamas assumiu o controle.
Não estamos ajudando os palestinos que realmente desejam e merecem um estado próprio quando fingimos que isso não passa de uma narrativa.
Os moradores de Gaza conhecem a verdade. Pesquisas de opinião recentes citadas pela AFP indicam que, na véspera do 7 de outubro, “muitos moradores de Gaza eram hostis ao Hamas antes do brutal ataque do grupo contra Israel em 7 de outubro, com alguns descrevendo este governo como uma outra ocupação”.
Conforme o controle do Hamas sobre Gaza for relaxado, prevejo que ouviremos muitas outras dessas vozes de Gaza dizendo o que realmente pensam do Hamas, o que deve constranger os defensores do Hamas nos campi americanos.
Mas nossa história sobre arbítrio e escolhas não termina aqui. Benjamin Netanyahu, o primeiro-ministro mais longevo de Israel (16 anos no poder) também fez escolhas. E antes mesmo desta guerra, ele fez escolhas terríveis, para Israel e para os judeus em todo o mundo.
A lista é longa: antes da guerra atual, Netanyahu trabalhou ativamente para manter os palestinos divididos e enfraquecidos ao fortalecer o Hamas em Gaza com bilhões de dólares do Catar, ao mesmo tempo agindo para desacreditar e deslegitimar a Autoridade Palestina, mais moderada, em Ramallah, comprometida com os acordos de Oslo e renunciando à violência na Cisjordânia. Com isso, Netanyahu podia dizer a todos os presidentes americanos uma variação do seguinte: eu adoraria firmar uma paz com os palestinos, mas eles se encontram divididos e, além disso, os melhores dentre eles são incapazes de controlar a Cisjordânia, enquanto os piores dentre eles controlam Gaza. O que esperam de mim?
O objetivo de Netanyahu sempre foi destruir a opção de Oslo de uma vez por todas. Nesse sentido, Bibi e Hamas sempre precisaram um do outro: Bibi precisava do Hamas para dizer aos EUA e aos israelenses que ele não tinha escolha, e o Hamas precisava de Bibi para dizer à população de Gaza e seus ingênuos defensores em todo o mundo que a única escolha dos palestinos seria uma luta armada liderada pelo Hamas.
A única saída para esta destruição mútua garantida é trazer alguma versão transformada da Autoridade Palestina na Cisjordânia, ou todo um novo governo de tecnocratas palestinos nomeados pela OLP, em parceria com estados árabes moderados como Egito, Jordânia e Arábia Saudita. Mas, quando menciono essa necessidade diante de muitos israelenses hoje em dia, eles me dizem, “Tom, ainda não é o momento. Ninguém quer saber disso”.
Isso me dá vontade de berrar: ao contrário, o momento é exatamente esse. Será que eles não percebem? O maior feito político de Netanyahu foi convencer os israelenses e o mundo de que nunca era o momento de falar sobre a ocupação moralmente corrosiva e sobre como ajudar a construir um parceiro palestino crível para tirá-la das mãos de Israel.
Ele e os colonos venceram todo mundo pelo cansaço. Quando eu cobria o departamento de estado americano no início dos anos 1990, os assentamentos na Cisjordânia costumavam ser descritos por autoridades americanas como “obstáculos para a paz”. Mas tal expressão foi gradualmente abandonada. O governo Trump chegou ao ponto de deixar de chamar a Cisjordânia de território “ocupado”.
Insisto em falar nessas escolhas agora porque Israel está sendo cercado pelo que chamo de porta-aviões terrestres do Irã: Hamas, Hezbollah, os Houthis e as milícias xiitas no Iraque. O Irã está empurrando Israel para uma guerra em múltiplas frentes contra seus aliados. Estou realmente preocupado com o futuro de Israel.
Mas Israel não contará com a simpatia do mundo, da qual necessita, e nem terá os múltiplos aliados dos quais precisará para confrontar este polvo iraniano, e nem terá os parceiros palestinos necessários para governar uma Gaza pós-Hamas, e nem terá o duradouro apoio do seu melhor amigo, Joe Biden, a não ser que esteja pronto para escolher um rumo de longo prazo para se separar dos palestinos com um parceiro palestino legítimo e melhorado.
Biden está gritando isso no ouvido de Netanyahu nos telefonemas privados entre eles. Por tudo isso, se Netanyahu seguir recusando porque, mais uma vez, politicamente o momento não é bom para ele, Biden também terá de escolher: entre os interesses dos EUA e os de Netanyahu.
Netanyahu busca minar a pedra de toque da política americana para o Oriente Médio nas três décadas passadas: a estrutura proposta em Oslo, com dois estados para dois povos, que garante a existência de um estado palestino e a segurança de Israel, algo que nenhum dos dois lados se esforçou muito para implementar. A destruição da estrutura de Oslo não é do interesse dos EUA.
Resumindo, esta guerra é tão horrível, mortal e dolorosa que não surpreende o fato de tantos palestinos e israelenses preferirem se concentrar na sobrevivência, e não nas escolhas que os levaram a essa situação. Em suma, essa guerra é tão feia, letal e dolorosa que não é de se admirar que tantos palestinos e israelenses queiram se concentrar apenas na sobrevivência e não em nenhuma das escolhas que os trouxeram até aqui.
Dahlia Scheindlin descreveu a situação lindamente em um ensaio recente no Haaretz: “A situação atual é tão terrível que as pessoas fogem da realidade como fogem de foguetes, escondendo-se no abrigo de seus pontos cegos. É inútil apontar o dedo. A única coisa que resta é mudar essa realidade”.
Para mim, sempre será o momento de escolher este rumo. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL