Cuba registrou, nesse domingo, 11, protestos de rua em várias cidades, no que vem sendo considerada a maior demonstração de insatisfação ao regime comunista, em território cubano, desde 1994.
As manifestações ocorrem em meio a um cenário de crise econômica e sanitária no país, agravada pela pandemia do novo coronavírus. Segundo o governo revolucionário, liderado pelo presidente Miguel Díaz-Canel, a crise no país é provocada pelos embargos econômicos dos Estados Unidos à ilha.
Representantes da comunidade internacional se dividiram nas reações aos protestos. EUA, União Europeia e ONU pediram respeito ao direito de manifestação do povo cubano nesta segunda-feira, 12, após o governo reprimir os manifestantes e convocar apoiadores a "enfrentar" as provocações na noite de domingo. A Rússia pediu respeito à soberania cubana, enquanto o México ofereceu apoio ao governo cubano para enfrentar a atual crise.
O que está acontecendo em Cuba?
Milhares de manifestantes saíram às ruas de cidades cubanas no domingo, 11, para protestar contra o governo em meio a uma grave crise econômica e sanitária no país. O protesto vem sendo considerado a maior demonstração de descontentamento do povo cubano contra o governo revolucionário desde a manifestação de 1994, em Havana, que ficou conhecida como “maleconazo”.
Onde ocorreram e como estão sendo as manifestações?
O principal protesto foi registrado na cidade de San Antonio de los Baños, a 33 km da capital, Havana, mas também houve marchas nos municípios de Güira de Melena e Alquízar – ambos na Província de Artemisa –, Palma Soriano, Santiago de Cuba, em alguns bairros de Havana e no malecón.
Em San Antonio de los Baños, os manifestantes conseguiram transmitir parte do protesto ao vivo pelo Facebook, mas os vídeos foram retirados do ar. Gritando principalmente “Pátria e vida”, título de uma canção polêmica, mas também “Abaixo a ditadura!” e “Não temos medo”, os manifestantes, na maioria jovens, caminharam pelas ruas.
Pelas imagens compartilhadas nas redes sociais, a marcha seguia pacífica até ser interceptada por forças de segurança e partidários do governo, o que levou a violentos confrontos e prisões.
O movimento ganhou projeção com o engajamento de cantores, atores e influenciadores digitais, que compartilharam a hashtag #SOSCuba nas redes sociais. A cantora cubana Camila Cabello foi uma das que compartilhou a hashtag e comentou sobre os protestos, pedindo apoio.
Em Cardenas, a cerca de 145 km a leste de Havana, manifestantes viraram um carro da polícia. Outro vídeo mostrou pessoas saqueando uma loja administrada pelo governo cubano - conhecida por vender itens caros, em moedas que a maioria dos cubanos não possui.
Por que as pessoas estão se manifestando em Cuba?
Os protestos eclodiram em meio a uma grave crise econômica e de saúde em Cuba, onde a pandemia do novo coronavírus ganha força, ao mesmo tempo em que o país perde cruciais dólares vindos do setor do turismo.
Muitas pessoas não conseguem trabalhar porque restaurantes e outras empresas estão fechadas há meses. Além disso, desde o começo da pandemia, os cubanos são obrigados a esperar em longas filas para obter alimentos, uma situação que se somou a uma grave escassez de medicamentos, o que desencadeou um mal-estar social generalizado.
“As pessoas estão morrendo de fome!”, gritava uma mulher durante um protesto filmado na província de Artemisa. “Nossos filhos estão morrendo de fome!”
Quanto à pandemia, o país registrou, no domingo, mais um recorde de infecções por covid-19 em 24 horas, com 6.923 novos casos e 47 mortos. A situação é especialmente tensa na província turística de Matanzas, localizada a 100 km de Havana, onde o alto número de infecções pode causar o colapso dos serviços de saúde.
O que o governo cubano diz sobre os protestos?
O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, esteve em San Antonio de los Baños no domingo, e se reuniu com partidários em uma praça da cidade. Ele atribuiu ao embargo dos EUA a falta de alimentos e remédios na ilha.
No fim da tarde do domingo, Díaz-Canel falou à nação pela TV e acusou os Estados Unidos de serem responsáveis pelo protesto. Ele enviou as forças especiais às ruas da capital, pediu a seus apoiadores que enfrentassem as “provocações”, e disse que seus partidários estão dispostos a defender o governo com suas vidas. “A ordem está dada. Às ruas, revolucionários”, incentivou.
Nesta segunda-feira, 12, Díaz-Canel voltou a acusar Washington de impor "uma política de asfixia econômica para provocar revoltas sociais no país". Em transmissão ao vivo pela televisão e pelo rádio, o líder comunista, rodeado por vários de seus ministros, garantiu que seu governo está tentando "enfrentar e superar" as dificuldades diante das sanções dos Estados Unidos, reforçadas desde o mandato de Donald Trump.
"O que querem com essas situações? Provocar revoltas sociais, provocar mal-entendidos" entre os cubanos, mas também "a famosa mudança de regime", denunciou o presidente.
O que diz a oposição ao regime cubano?
Exilados cubanos manifestaram apoio aos protestos em Cuba e pediram aos Estados Unidos que liderem uma intervenção internacional para evitar que os manifestantes sejam vítimas de “um banho de sangue”.
“Chegou o dia em que o povo cubano se levantou”, disse Orlando Gutiérrez, da Assembleia de Resistência Cubana, uma plataforma de organizações opositoras de dentro e fora da ilha. Gutiérrez, que vive exilado em Miami e também preside o Diretório Democrático Cubano, destacou que, segundo suas fontes em Cuba, ocorreram protestos em mais de 15 cidades da ilha. “Está muito claro o que o povo de Cuba quer, que termine esse regime”, afirmou.
A Assembleia de Resistência Cubana exortou o povo a permanecer nas ruas e pediu à polícia e às Forças Armadas que fiquem do lado do povo.
Como a comunidade internacional reagiu aos protestos?
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, pediu ao governo cubano que não use de violência contra os protestos de rua e declarou apoio aos manifestantes. “Fazemos um chamado ao governo de Cuba para que se abstenha de violência”, disse a repórteres.
Antes, em um comunicado divulgado à imprensa, Biden já havia pedido que as autoridades cubanas “escutassem o seu povo”."Nós apoiamos o povo cubano em seu claro pedido por liberdade", disse o presidente. E completou: "Os Estados Unidos chamam o regime cubano a ouvir seu povo e servir seu interesse neste momento vital, em vez de enriquecer a si mesmo"
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse, nesta segunda-feira, que o líder cubano errou ao culpar os Estados Unidos pelos protestos. “Seria um grave erro do regime cubano interpretar o que está acontecendo em dezenas de vilas e cidades em toda a ilha como resultado ou produto de qualquer coisa que os Estados Unidos tenham feito."
A ONU se manifestou nesta segunda-feira e cobrou que as autoridades locais respeitem plenamente a liberdade de expressão e de manifestação da população. "Estamos, simplesmente, observando o que acontece e queremos que os direitos básicos das pessoas sejam respeitados", afirmou o porta-voz da agência, Farhan Haq, em entrevista coletiva.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, instou Cuba a permitir a realização de manifestações pacíficas e a “escutar” seus participantes. “Quero pedir ao governo que permita essas manifestações e que escute ao descontentamento dos manifestantes”, disse.
A Rússia, um dos principais defensores do regime cubano desde os tempos soviéticos, alertou nesta segunda-feira contra qualquer "interferência externa" na crise.
"Consideramos inaceitável qualquer ingerência externa nos assuntos internos de um Estado soberano e qualquer ação destrutiva que favoreça a desestabilização da situação na ilha", disse Maria Zakharova, porta-voz do ministério russo das Relações Exteriores.
Enquanto isso, opresidente do México, Andrés Manuel López Obrador, rejeitou a política "intervencionista" da situação em Cuba e se ofereceu para enviar ajuda humanitária.
O México poderia "ajudar com remédios, vacinas (contra a covid-19), com o que for necessário e com alimentação, porque saúde e alimentação são direitos humanos fundamentais", disse o presidente./ NYT, AFP, EFE e REUTERS