Comparações são sempre imperfeitas, mas o humor no campo de Javier Milei desde sua retumbante vitória no domingo recorda inevitavelmente o que vimos após os presidentes Gabriel Boric, do Chile, e Gustavo Petro, da Colômbia, serem eleitos. E sim, isto é sinal de possíveis problemas adiante.
É verdade que a situação na Argentina hoje é muito diferente de outros países na região. A Argentina está à beira da hiperinflação e até de um colapso econômico mais grave. O presidente-eleito terá de se tornar um presidente de facto assim que possível para evitar que o barco afunde antes dele tomar posse, em 10 de dezembro. Ainda assim, durante esta curta transição, Milei pode aprender com os erros que Boric e Petro cometeram ao longo de seus primeiros meses na função.
Boric ganhou a eleição em dezembro de 2021 com quase a mesma margem que Milei acabou de obter, 56% dos votos contra 44% de seu oponente. Petro venceu em junho com uma margem menor, de 3 pontos. Mas ambos os presidentes equivocaram-se a respeito da verdadeira razão de suas vitórias.
Em retrospectiva, fica evidente que Boric e Petro ganharam principalmente em razão da vontade dos eleitores de punir o governo anterior, não porque os eleitorados aceitaram plenamente suas agendas por transformação radical. Se Milei cometer o mesmo erro e ler os 55,7% de apoio que recebeu no segundo turno como prova de que em sua maioria os argentinos renasceram libertários, ele estará a caminho de um rude despertar.
Na realidade, os argentinos quiseram punir o governo peronista de Alberto Fernández — e as quase duas décadas da versão kirchnerista do peronismo. As pessoas votaram contra o status quo porque querem ver o país de volta ao rumo certo.
As pessoas não votaram em Milei para apoiar os experimentos econômicos radicais que ele pregou durante a campanha, nunca tentados em nenhum outro lugar. Afinal, no primeiro turno da votação, Milei recebeu menos de 30% dos votos. Por lhe faltar uma maioria funcional na legislatura, Milei terá de mostrar que sabe trabalhar em equipe e construir consenso se quiser evitar que o barco afunde ainda mais sob seu comando.
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Quando candidatos, Boric e Petro também prometeram transformações centradas no Estado e na sociedade de seus respectivos países. Boric não balançou nenhuma motosserra em sua campanha, mas declarou que o Chile, assim como tinha sido o berço do neoliberalismo, seria também sua sepultura se ele fosse eleito presidente. Por sua vez, em junho Petro conclamou o fim da “noite neoliberal” iniciada com a queda do Muro de Berlim, na qual os humanos competem “como numa corrida de cavalos”.
Retóricas à parte, poucos meses depois do início de seus mandatos ficou claro que as promessas de Boric e Petro não se cumpririam. Os eleitores estavam descontentes com o status quo e queriam mudança, mas não gostaram dos tipos de mudança que esses presidentes transformadores estavam tentando levar a cabo. Boric e Petro perderam as maiorias que detinham em suas legislaturas conforme congressistas moderados saltaram do barco quando a aprovação presidencial declinou.
Para avançar com suas agendas de reformas, Boric e Petro tiveram que diluir suas iniciativas legislativas e se afastar dos discursos fundacionais que pronunciaram com tanta força durante suas campanhas. É verdade que Petro e Boric continuam a usar discursos combativos de quando em quando, mas isso é associado mais à frustração de não serem capazes de realizar o que pretendem e até a um senso de resignação, como na ocasião em que Boric admitiu, em julho, que parte dele ainda queria acabar com o capitalismo.
A Argentina de hoje está numa situação muito mais complicada do que o Chile e a Colômbia quando Boric e Petro assumiram a presidência. O status quo na Argentina é insustentável. Milei não se contentará em se ater apenas a reformas diluídas. Abolir o Banco Central e avançar com uma dolarização será impossível.
Mas cortar subsídios do governo e reduzir o número de funcionários públicos é factível, contanto que ele consiga reunir o apoio político necessário no Congresso. Os votos mais prováveis estarão entre os legisladores de centro-direita e moderados da Proposta Republicana, o partido de Macri, da União Cívica Radical e talvez até de alguns representantes do peronismo de direita.
Para alcançar o objetivo de formar uma maioria legislativa, Milei precisará manter o apoio popular. Sua lua de mel será curta. Os argentinos só aprovarão Milei se virem evidências de que seu país está se movendo para a direção certa. Se Milei continuar sua estratégia de campanha e polarizar o eleitorado falando de argentinos bons ou maus, os moderados começarão a rejeitá-lo, da mesma maneira que os eleitores fizeram com Petro e Boric.
Para ser bem-sucedido, Milei deveria soltar sua motosserra e entender que os argentinos não o elegeram por acreditar verdadeiramente em seu programa econômico, mas porque consideram o status quo do incumbente insustentável. Uma abordagem comedida e calculada será necessária. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
* Navia é colunista colaborador da Americas Quarterly, professor de estudos liberais da NYU e professor de ciência política da Universidade Diego Portales, no Chile