Opinião|O que Lula e a diplomacia do Brasil podem aprender com a visita de Modi à Ucrânia?


Apesar de também ser criticada pela postura neutra em relação à guerra, Índia evita ruídos e consegue se manter relevante geopoliticamente ao adotar pragmatismo

Por Daniel Buarque

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Ucrânia e a Rússia nas últimas semanas, se encontrou com Vladimir Putin e com Volodimir Zelenski e fez um apelo pelo fim da guerra entre os dois países. Sem muito efeito prático para uma resolução do conflito, as viagens tiveram um forte simbolismo para a guerra e para a tentativa de projeção de um protagonismo indiano no mundo, mas serve também para entender aspectos de interesses globais sobre o confronto e pode até mesmo ajudar o Brasil a repensar sua estratégia de política externa.

Depois de ser criticado por sua visita a Moscou, quando foi fotografado abraçado a Putin, Modi chegou a Kiev com uma mensagem de paz e pediu diálogo entre a Rússia e a Ucrânia o mais rápido possível. Ele alegou que apoia a integridade territorial e a soberania da Ucrânia e negou que o país tenha sido neutro em relação à guerra: “Tomamos partido e somos, decididamente, a favor da paz”, disse Modi.

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Sem muito conteúdo além da defesa de uma paz que parece distante, o posicionamento não pareceu muito diferente dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes de países do chamado Sul Global têm sido criticados pela equidistância adotada desde o princípio do conflito. Eles chegam a ser acusados pelo Ocidente de estarem alinhados à Rússia, por mais que não tenha havido declarações abertas de nenhum dos dois países neste sentido.

O presidente da Índia, Narendra Modi, cumprimenta o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, no Palácio Mariinski em Kiev em 23 de agosto Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

Assim como o Brasil (tanto sob Lula quanto durante o governo de Jair Bolsonaro), o governo Modi tem uma postura ambígua em relação ao confronto. A Índia tem falado em cessar-fogo e paz na Ucrânia, mas se absteve de condenar a invasão da Rússia e mantém relações com Moscou, parceiro essencial no equilíbrio da sua relação com a vizinha gigante China. Assim como o Brasil, a Índia continuou a manter relações comerciais com a Rússia, apesar das sanções americanas, e chegou a aumentar as compras de petróleo do país, o que ajudou Putin a evitar o isolamento.

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Ainda assim, a viagem de Modi a Kiev e o encontro com Zelenski parecem indicar que a Índia conseguiu manter uma postura mais relevante numa possível tentativa de negociação de paz no conflito do que o Brasil. A viagem pode não representar uma nova postura da Índia, mas aponta para uma atuação mais pragmática do país. E isso pode indicar caminhos para a política externa brasileira.

Uma das principais lições das viagens de Modi é o pragmatismo com que a Índia tem lidado com suas relações internacionais. Ainda que tenha sido criticado pela proximidade com Putin, Modi conseguiu manter canais abertos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, mesmo em meio à guerra, equilibrando cuidadosamente os interesses indianos. Essa postura pragmática demonstra que a manutenção de uma política externa baseada em interesses nacionais claros e definidos pode ser mais eficaz do que alinhar-se cegamente a blocos ou ideologias específicas.

Lula tem consistentemente defendido a importância do diálogo e do multilateralismo na resolução do conflito na Ucrânia. Em discursos em fóruns internacionais, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula enfatizou que a guerra não será resolvida por meio de armas, mas sim por negociações diplomáticas.

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Entretanto, suas declarações públicas têm desviado a atenção da postura mais equilibrada e burocrática da diplomacia brasileira, diferenciando o país da Índia e enfraquecendo o pleito brasileiro por um lugar na negociação pela paz.

Isso ficou evidente quando, pouco depois de se reunir com Modi, Zelenski criticou publicamente Lula, que segundo ele, “vive as narrativas da União Soviética”, e questionou o porquê de o Brasil “estar junto” da China e do Irã.

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A percepção da Ucrânia é baseada nessas declarações problemáticas de Lula, que mais de uma vez expressou a visão de que tanto a Rússia quanto a Ucrânia (e o Ocidente) compartilham responsabilidade pelo conflito. Esse posicionamento acaba arriscando fechar portas para o Brasil e deixar o país de fora das negociações sobre o fim do conflito. Apesar de o brasileiro já ter se reunido com o ucraniano, o governo Lula é visto como um país que apoia a agressão russa.

Sem atravessar a rua para escorregar em declarações que têm impacto internacional, Modi tem demonstrado a importância de manter uma diplomacia que tem a capacidade de dialogar e manter relações positivas com diferentes atores globais, mesmo em situações de conflito. Suas visitas à Rússia e à Ucrânia, apesar das tensões entre os dois países, destacam a habilidade de equilibrar interesses conflitantes e atuar como uma ponte entre diferentes lados.

Para o Brasil, essa abordagem pode ser inspiradora ao lidar não só com a guerra, mas também com questões globais complexas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e instabilidade geopolítica. Segundo a tradição da diplomacia nacional, manter diálogos abertos com todos os lados, sem tomar partido e sem dar margem para que declarações sejam interpretadas como alinhamento, pode fortalecer a posição do Brasil como mediador e facilitador de negociações internacionais. Essa abordagem pode ser particularmente útil na resolução de crises regionais e na promoção de uma governança global mais inclusiva e equilibrada.

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Modi mostrou a importância de uma comunicação eficaz ao articular claramente a posição da Índia em relação à guerra na Ucrânia e ao expressar preocupações humanitárias sem alienar seus aliados. Essa clareza de mensagem ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a confiança de todos os lados.

Para a política externa brasileira, a lição aqui é a importância de uma comunicação clara, transparente e consistente. Ao abordar questões sensíveis, o Brasil deve articular suas posições de maneira que reafirme seus princípios de paz, cooperação e desenvolvimento, sem alienar parceiros estratégicos. Uma comunicação eficaz não só fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional, mas também facilita a construção de coalizões em questões de interesse comum. E, mais importante, é preciso haver um alinhamento permanente entre a postura oficial do país e as declarações do presidente a fim de evitar ruídos e percepção de alinhamento.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Ucrânia e a Rússia nas últimas semanas, se encontrou com Vladimir Putin e com Volodimir Zelenski e fez um apelo pelo fim da guerra entre os dois países. Sem muito efeito prático para uma resolução do conflito, as viagens tiveram um forte simbolismo para a guerra e para a tentativa de projeção de um protagonismo indiano no mundo, mas serve também para entender aspectos de interesses globais sobre o confronto e pode até mesmo ajudar o Brasil a repensar sua estratégia de política externa.

Depois de ser criticado por sua visita a Moscou, quando foi fotografado abraçado a Putin, Modi chegou a Kiev com uma mensagem de paz e pediu diálogo entre a Rússia e a Ucrânia o mais rápido possível. Ele alegou que apoia a integridade territorial e a soberania da Ucrânia e negou que o país tenha sido neutro em relação à guerra: “Tomamos partido e somos, decididamente, a favor da paz”, disse Modi.

Sem muito conteúdo além da defesa de uma paz que parece distante, o posicionamento não pareceu muito diferente dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes de países do chamado Sul Global têm sido criticados pela equidistância adotada desde o princípio do conflito. Eles chegam a ser acusados pelo Ocidente de estarem alinhados à Rússia, por mais que não tenha havido declarações abertas de nenhum dos dois países neste sentido.

O presidente da Índia, Narendra Modi, cumprimenta o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, no Palácio Mariinski em Kiev em 23 de agosto Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

Assim como o Brasil (tanto sob Lula quanto durante o governo de Jair Bolsonaro), o governo Modi tem uma postura ambígua em relação ao confronto. A Índia tem falado em cessar-fogo e paz na Ucrânia, mas se absteve de condenar a invasão da Rússia e mantém relações com Moscou, parceiro essencial no equilíbrio da sua relação com a vizinha gigante China. Assim como o Brasil, a Índia continuou a manter relações comerciais com a Rússia, apesar das sanções americanas, e chegou a aumentar as compras de petróleo do país, o que ajudou Putin a evitar o isolamento.

Ainda assim, a viagem de Modi a Kiev e o encontro com Zelenski parecem indicar que a Índia conseguiu manter uma postura mais relevante numa possível tentativa de negociação de paz no conflito do que o Brasil. A viagem pode não representar uma nova postura da Índia, mas aponta para uma atuação mais pragmática do país. E isso pode indicar caminhos para a política externa brasileira.

Uma das principais lições das viagens de Modi é o pragmatismo com que a Índia tem lidado com suas relações internacionais. Ainda que tenha sido criticado pela proximidade com Putin, Modi conseguiu manter canais abertos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, mesmo em meio à guerra, equilibrando cuidadosamente os interesses indianos. Essa postura pragmática demonstra que a manutenção de uma política externa baseada em interesses nacionais claros e definidos pode ser mais eficaz do que alinhar-se cegamente a blocos ou ideologias específicas.

Lula tem consistentemente defendido a importância do diálogo e do multilateralismo na resolução do conflito na Ucrânia. Em discursos em fóruns internacionais, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula enfatizou que a guerra não será resolvida por meio de armas, mas sim por negociações diplomáticas.

Entretanto, suas declarações públicas têm desviado a atenção da postura mais equilibrada e burocrática da diplomacia brasileira, diferenciando o país da Índia e enfraquecendo o pleito brasileiro por um lugar na negociação pela paz.

Isso ficou evidente quando, pouco depois de se reunir com Modi, Zelenski criticou publicamente Lula, que segundo ele, “vive as narrativas da União Soviética”, e questionou o porquê de o Brasil “estar junto” da China e do Irã.

A percepção da Ucrânia é baseada nessas declarações problemáticas de Lula, que mais de uma vez expressou a visão de que tanto a Rússia quanto a Ucrânia (e o Ocidente) compartilham responsabilidade pelo conflito. Esse posicionamento acaba arriscando fechar portas para o Brasil e deixar o país de fora das negociações sobre o fim do conflito. Apesar de o brasileiro já ter se reunido com o ucraniano, o governo Lula é visto como um país que apoia a agressão russa.

Sem atravessar a rua para escorregar em declarações que têm impacto internacional, Modi tem demonstrado a importância de manter uma diplomacia que tem a capacidade de dialogar e manter relações positivas com diferentes atores globais, mesmo em situações de conflito. Suas visitas à Rússia e à Ucrânia, apesar das tensões entre os dois países, destacam a habilidade de equilibrar interesses conflitantes e atuar como uma ponte entre diferentes lados.

Para o Brasil, essa abordagem pode ser inspiradora ao lidar não só com a guerra, mas também com questões globais complexas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e instabilidade geopolítica. Segundo a tradição da diplomacia nacional, manter diálogos abertos com todos os lados, sem tomar partido e sem dar margem para que declarações sejam interpretadas como alinhamento, pode fortalecer a posição do Brasil como mediador e facilitador de negociações internacionais. Essa abordagem pode ser particularmente útil na resolução de crises regionais e na promoção de uma governança global mais inclusiva e equilibrada.

Modi mostrou a importância de uma comunicação eficaz ao articular claramente a posição da Índia em relação à guerra na Ucrânia e ao expressar preocupações humanitárias sem alienar seus aliados. Essa clareza de mensagem ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a confiança de todos os lados.

Para a política externa brasileira, a lição aqui é a importância de uma comunicação clara, transparente e consistente. Ao abordar questões sensíveis, o Brasil deve articular suas posições de maneira que reafirme seus princípios de paz, cooperação e desenvolvimento, sem alienar parceiros estratégicos. Uma comunicação eficaz não só fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional, mas também facilita a construção de coalizões em questões de interesse comum. E, mais importante, é preciso haver um alinhamento permanente entre a postura oficial do país e as declarações do presidente a fim de evitar ruídos e percepção de alinhamento.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Ucrânia e a Rússia nas últimas semanas, se encontrou com Vladimir Putin e com Volodimir Zelenski e fez um apelo pelo fim da guerra entre os dois países. Sem muito efeito prático para uma resolução do conflito, as viagens tiveram um forte simbolismo para a guerra e para a tentativa de projeção de um protagonismo indiano no mundo, mas serve também para entender aspectos de interesses globais sobre o confronto e pode até mesmo ajudar o Brasil a repensar sua estratégia de política externa.

Depois de ser criticado por sua visita a Moscou, quando foi fotografado abraçado a Putin, Modi chegou a Kiev com uma mensagem de paz e pediu diálogo entre a Rússia e a Ucrânia o mais rápido possível. Ele alegou que apoia a integridade territorial e a soberania da Ucrânia e negou que o país tenha sido neutro em relação à guerra: “Tomamos partido e somos, decididamente, a favor da paz”, disse Modi.

Sem muito conteúdo além da defesa de uma paz que parece distante, o posicionamento não pareceu muito diferente dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes de países do chamado Sul Global têm sido criticados pela equidistância adotada desde o princípio do conflito. Eles chegam a ser acusados pelo Ocidente de estarem alinhados à Rússia, por mais que não tenha havido declarações abertas de nenhum dos dois países neste sentido.

O presidente da Índia, Narendra Modi, cumprimenta o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, no Palácio Mariinski em Kiev em 23 de agosto Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

Assim como o Brasil (tanto sob Lula quanto durante o governo de Jair Bolsonaro), o governo Modi tem uma postura ambígua em relação ao confronto. A Índia tem falado em cessar-fogo e paz na Ucrânia, mas se absteve de condenar a invasão da Rússia e mantém relações com Moscou, parceiro essencial no equilíbrio da sua relação com a vizinha gigante China. Assim como o Brasil, a Índia continuou a manter relações comerciais com a Rússia, apesar das sanções americanas, e chegou a aumentar as compras de petróleo do país, o que ajudou Putin a evitar o isolamento.

Ainda assim, a viagem de Modi a Kiev e o encontro com Zelenski parecem indicar que a Índia conseguiu manter uma postura mais relevante numa possível tentativa de negociação de paz no conflito do que o Brasil. A viagem pode não representar uma nova postura da Índia, mas aponta para uma atuação mais pragmática do país. E isso pode indicar caminhos para a política externa brasileira.

Uma das principais lições das viagens de Modi é o pragmatismo com que a Índia tem lidado com suas relações internacionais. Ainda que tenha sido criticado pela proximidade com Putin, Modi conseguiu manter canais abertos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, mesmo em meio à guerra, equilibrando cuidadosamente os interesses indianos. Essa postura pragmática demonstra que a manutenção de uma política externa baseada em interesses nacionais claros e definidos pode ser mais eficaz do que alinhar-se cegamente a blocos ou ideologias específicas.

Lula tem consistentemente defendido a importância do diálogo e do multilateralismo na resolução do conflito na Ucrânia. Em discursos em fóruns internacionais, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula enfatizou que a guerra não será resolvida por meio de armas, mas sim por negociações diplomáticas.

Entretanto, suas declarações públicas têm desviado a atenção da postura mais equilibrada e burocrática da diplomacia brasileira, diferenciando o país da Índia e enfraquecendo o pleito brasileiro por um lugar na negociação pela paz.

Isso ficou evidente quando, pouco depois de se reunir com Modi, Zelenski criticou publicamente Lula, que segundo ele, “vive as narrativas da União Soviética”, e questionou o porquê de o Brasil “estar junto” da China e do Irã.

A percepção da Ucrânia é baseada nessas declarações problemáticas de Lula, que mais de uma vez expressou a visão de que tanto a Rússia quanto a Ucrânia (e o Ocidente) compartilham responsabilidade pelo conflito. Esse posicionamento acaba arriscando fechar portas para o Brasil e deixar o país de fora das negociações sobre o fim do conflito. Apesar de o brasileiro já ter se reunido com o ucraniano, o governo Lula é visto como um país que apoia a agressão russa.

Sem atravessar a rua para escorregar em declarações que têm impacto internacional, Modi tem demonstrado a importância de manter uma diplomacia que tem a capacidade de dialogar e manter relações positivas com diferentes atores globais, mesmo em situações de conflito. Suas visitas à Rússia e à Ucrânia, apesar das tensões entre os dois países, destacam a habilidade de equilibrar interesses conflitantes e atuar como uma ponte entre diferentes lados.

Para o Brasil, essa abordagem pode ser inspiradora ao lidar não só com a guerra, mas também com questões globais complexas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e instabilidade geopolítica. Segundo a tradição da diplomacia nacional, manter diálogos abertos com todos os lados, sem tomar partido e sem dar margem para que declarações sejam interpretadas como alinhamento, pode fortalecer a posição do Brasil como mediador e facilitador de negociações internacionais. Essa abordagem pode ser particularmente útil na resolução de crises regionais e na promoção de uma governança global mais inclusiva e equilibrada.

Modi mostrou a importância de uma comunicação eficaz ao articular claramente a posição da Índia em relação à guerra na Ucrânia e ao expressar preocupações humanitárias sem alienar seus aliados. Essa clareza de mensagem ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a confiança de todos os lados.

Para a política externa brasileira, a lição aqui é a importância de uma comunicação clara, transparente e consistente. Ao abordar questões sensíveis, o Brasil deve articular suas posições de maneira que reafirme seus princípios de paz, cooperação e desenvolvimento, sem alienar parceiros estratégicos. Uma comunicação eficaz não só fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional, mas também facilita a construção de coalizões em questões de interesse comum. E, mais importante, é preciso haver um alinhamento permanente entre a postura oficial do país e as declarações do presidente a fim de evitar ruídos e percepção de alinhamento.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, visitou a Ucrânia e a Rússia nas últimas semanas, se encontrou com Vladimir Putin e com Volodimir Zelenski e fez um apelo pelo fim da guerra entre os dois países. Sem muito efeito prático para uma resolução do conflito, as viagens tiveram um forte simbolismo para a guerra e para a tentativa de projeção de um protagonismo indiano no mundo, mas serve também para entender aspectos de interesses globais sobre o confronto e pode até mesmo ajudar o Brasil a repensar sua estratégia de política externa.

Depois de ser criticado por sua visita a Moscou, quando foi fotografado abraçado a Putin, Modi chegou a Kiev com uma mensagem de paz e pediu diálogo entre a Rússia e a Ucrânia o mais rápido possível. Ele alegou que apoia a integridade territorial e a soberania da Ucrânia e negou que o país tenha sido neutro em relação à guerra: “Tomamos partido e somos, decididamente, a favor da paz”, disse Modi.

Sem muito conteúdo além da defesa de uma paz que parece distante, o posicionamento não pareceu muito diferente dos discursos de Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois líderes de países do chamado Sul Global têm sido criticados pela equidistância adotada desde o princípio do conflito. Eles chegam a ser acusados pelo Ocidente de estarem alinhados à Rússia, por mais que não tenha havido declarações abertas de nenhum dos dois países neste sentido.

O presidente da Índia, Narendra Modi, cumprimenta o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, no Palácio Mariinski em Kiev em 23 de agosto Foto: Presidência da Ucrânia via AFP

Assim como o Brasil (tanto sob Lula quanto durante o governo de Jair Bolsonaro), o governo Modi tem uma postura ambígua em relação ao confronto. A Índia tem falado em cessar-fogo e paz na Ucrânia, mas se absteve de condenar a invasão da Rússia e mantém relações com Moscou, parceiro essencial no equilíbrio da sua relação com a vizinha gigante China. Assim como o Brasil, a Índia continuou a manter relações comerciais com a Rússia, apesar das sanções americanas, e chegou a aumentar as compras de petróleo do país, o que ajudou Putin a evitar o isolamento.

Ainda assim, a viagem de Modi a Kiev e o encontro com Zelenski parecem indicar que a Índia conseguiu manter uma postura mais relevante numa possível tentativa de negociação de paz no conflito do que o Brasil. A viagem pode não representar uma nova postura da Índia, mas aponta para uma atuação mais pragmática do país. E isso pode indicar caminhos para a política externa brasileira.

Uma das principais lições das viagens de Modi é o pragmatismo com que a Índia tem lidado com suas relações internacionais. Ainda que tenha sido criticado pela proximidade com Putin, Modi conseguiu manter canais abertos tanto com a Rússia quanto com a Ucrânia, mesmo em meio à guerra, equilibrando cuidadosamente os interesses indianos. Essa postura pragmática demonstra que a manutenção de uma política externa baseada em interesses nacionais claros e definidos pode ser mais eficaz do que alinhar-se cegamente a blocos ou ideologias específicas.

Lula tem consistentemente defendido a importância do diálogo e do multilateralismo na resolução do conflito na Ucrânia. Em discursos em fóruns internacionais, como na Assembleia Geral das Nações Unidas, Lula enfatizou que a guerra não será resolvida por meio de armas, mas sim por negociações diplomáticas.

Entretanto, suas declarações públicas têm desviado a atenção da postura mais equilibrada e burocrática da diplomacia brasileira, diferenciando o país da Índia e enfraquecendo o pleito brasileiro por um lugar na negociação pela paz.

Isso ficou evidente quando, pouco depois de se reunir com Modi, Zelenski criticou publicamente Lula, que segundo ele, “vive as narrativas da União Soviética”, e questionou o porquê de o Brasil “estar junto” da China e do Irã.

A percepção da Ucrânia é baseada nessas declarações problemáticas de Lula, que mais de uma vez expressou a visão de que tanto a Rússia quanto a Ucrânia (e o Ocidente) compartilham responsabilidade pelo conflito. Esse posicionamento acaba arriscando fechar portas para o Brasil e deixar o país de fora das negociações sobre o fim do conflito. Apesar de o brasileiro já ter se reunido com o ucraniano, o governo Lula é visto como um país que apoia a agressão russa.

Sem atravessar a rua para escorregar em declarações que têm impacto internacional, Modi tem demonstrado a importância de manter uma diplomacia que tem a capacidade de dialogar e manter relações positivas com diferentes atores globais, mesmo em situações de conflito. Suas visitas à Rússia e à Ucrânia, apesar das tensões entre os dois países, destacam a habilidade de equilibrar interesses conflitantes e atuar como uma ponte entre diferentes lados.

Para o Brasil, essa abordagem pode ser inspiradora ao lidar não só com a guerra, mas também com questões globais complexas, como mudanças climáticas, segurança alimentar e instabilidade geopolítica. Segundo a tradição da diplomacia nacional, manter diálogos abertos com todos os lados, sem tomar partido e sem dar margem para que declarações sejam interpretadas como alinhamento, pode fortalecer a posição do Brasil como mediador e facilitador de negociações internacionais. Essa abordagem pode ser particularmente útil na resolução de crises regionais e na promoção de uma governança global mais inclusiva e equilibrada.

Modi mostrou a importância de uma comunicação eficaz ao articular claramente a posição da Índia em relação à guerra na Ucrânia e ao expressar preocupações humanitárias sem alienar seus aliados. Essa clareza de mensagem ajuda a evitar mal-entendidos e a manter a confiança de todos os lados.

Para a política externa brasileira, a lição aqui é a importância de uma comunicação clara, transparente e consistente. Ao abordar questões sensíveis, o Brasil deve articular suas posições de maneira que reafirme seus princípios de paz, cooperação e desenvolvimento, sem alienar parceiros estratégicos. Uma comunicação eficaz não só fortalece a imagem do Brasil no cenário internacional, mas também facilita a construção de coalizões em questões de interesse comum. E, mais importante, é preciso haver um alinhamento permanente entre a postura oficial do país e as declarações do presidente a fim de evitar ruídos e percepção de alinhamento.

Opinião por Daniel Buarque

Editor-executivo do portal Interesse Nacional. Jornalista, doutor em Relações Internacionais do King’s College London (KCL) e do IRI/USP. Autor dos livros Brazil’s international status and recognition as an emerging power, Brazil, um país do presente (Alameda Editorial), O Brazil é um país sério? (Pioneira) e O Brasil voltou? (Pioneira)

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