A invasão sem precedentes à embaixada do México em Quito pela polícia do Equador causou rejeição generalizada na comunidade internacional. Países da região repudiaram o ato, o México rompeu relações diplomáticas e uma denúncia vai ser apresentada na Corte Internacional de Justiça (CIJ) nesta segunda-feira, 8.
Mas além da crise diplomática, o Equador enfrenta outras consequências, legais, econômicas e no combate ao crime. Abaixo, leia o que dizem os especialistas sobre o que pode acontecer com o país sul-americano após a invasão:
Quem criticou a ação da polícia na embaixada?
Até o momento, 18 países da América Latina, 10 europeus, além dos Estados Unidos e Canadá criticaram a ação da polícia do Equador na embaixada e externaram apoio ao México. As Nações Unidas (ONU), a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Comunidade do Caribe (Caricom), a União Europeia e outras organizações internacionais também fizeram o mesmo.
O governo do Brasil repudiou a invasão à embaixada do México para prender o ex-vice-presidente equatoriano Jorge Glas (2013-2017), foragido da Justiça por acusações de corrupção.
Em um comunicado, o Itamaraty condenou “nos mais firmes termos” a medida levada adiante pelo governo equatoriano. É “uma clara violação” de convenções internacionais que estabelecem que “os locais de uma missão diplomática são invioláveis”, e constitui um “grave precedente” que merece um “enérgico repúdio”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores.
A Nicarágua foi mais longe e rompeu relações em solidariedade ao México, que fez o mesmo após ter a sua embaixada atacada. “Nossa solidariedade e apoio, em qualquer ação legal que possa surgir disso, ao Presidente do México, Dom Andrés Manuel López Obrador”, disse o governo de Daniel Ortega.
O país também recordou que retirou o seu embaixador de Quito em 2020, depois que o governo equatoriano encerrou o refúgio do australiano Julian Assange, que divulgou documentos confidenciais dos EUA na sua rede WikiLeaks, na sua embaixada em Londres.
Já o Ministério das Relações Exteriores da Argentina emitiu um comunicado condenando a invasão da embaixada mexicana em Quito, ao mesmo tempo em que pede a plena observância das disposições da Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954 e da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
Países como Venezuela, Peru, Cuba, Chile, Panamá, Bolívia, Colômbia e Costa Rica também se manifestaram com notas de solidariedade ao México e repúdio ao governo do Equador. A exceção é do presidente de El Salvador, Nayib Bukele, que não se pronunciou até o momento.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, ressaltou a importância de que locais diplomáticos tenham sua segurança preservada, como diz o direito internacional.
Punição legal e econômica
Após romper relações com Quito, o presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, vai apresentar uma denúncia contra o Equador na Corte Internacional de Justiça (CIJ) nesta segunda-feira, 8. “Vamos a todos os fóruns multilaterais, regionais e internacionais relevantes para que isso seja realmente condenado por toda a comunidade internacional”, disse a chanceler mexicana, Alicia Bárcena Ibarra.
Segundo Esteban Nicholls, diretor de estudos latino-americanos da Universidade Andina Simón Bolívar do Equador (UASB), espera-se duas ações do CIJ: “Uma penalidade financeira, ou a exclusão do Equador de certos comitês e votações em organizações multilaterais como a OEA”, declarou.
Ele acrescentou que o México é livre para definir as pretensões perante a CIJ, e que o Equador pode se defender no tribunal. “[O Equador] vai argumentar que a embaixada mexicana deu abrigo a um criminoso comum, não a um perseguido político. O direito internacional não permite que um criminoso comum se refugie em uma embaixada”, afirmou. “[Mas] o tribunal provavelmente vai considerar o Equador culpado porque invadir uma embaixada é - pelo menos na teoria do direito internacional - invadir outro país”.
As repercussões econômicas estão relacionadas um tratado de livre comércio entre México e Equador, requisito para que o país sul-americano possa ingressar na Aliança do Pacífico e, assim, ter acesso ao mercado asiático. As negociações foram colocadas em “pausa”, informou o Ministério das Relações Exteriores mexicano neste domingo, 7.
Isolamento
A invasão à embaixada mexicana deixou o Equador isolado na região e retarda estratégias de cooperação com o México. “Cortar relações com o México não é uma punição pequena, é um país de grande peso na região [...] Vai ser difícil tê-lo contra nós e também contra seus aliados”, antecipa Michel Levi, professor de estudos globais na UASB, em Quito. Levi acrescentou que a retirada de todo o pessoal diplomático do país, sem deixar sequer atendimento consular, é “medida bastante radical”.
A ruptura “é perigosa e pode retardar estratégias de cooperação” entre dois países-chave nas rotas do tráfico de drogas para os Estados Unidos, aponta Roberto Beltrán, professor de gestão de conflitos da Universidade Técnica Particular de Loja.
Linha-dura
A política linha-dura do presidente equatoriano, Daniel Noboa, que levou à invasão da embaixada recebeu apoio da política interna do país, segundo Michel Levi. Autoproclamado de centro-esquerda, mas apoiado no parlamento pela direita, Noboa apresentou a operação contra a delegação mexicana como parte de sua “luta contra a impunidade”, observou o professor.
Glas, condenado em 2017 a oito anos de prisão por participar do esquema de subornos da construtora brasileira Odebrecht e libertado em 2022 por um recurso legal, é “símbolo da corrupção no Equador”, disse o professor Esteban Nicholls.
No ano passado, a ex-ministra equatoriana dos Transportes, María de los Ángeles Duarte, condenada a oito anos de prisão por suborno, fugiu para a Venezuela, depois de mais de um ano refugiada na embaixada argentina em Quito. O episódio causou uma crise diplomática entre o então presidente do Equador, Guillermo Lasso, e Buenos Aires.
Agora Noboa se apresenta como um líder com muita força, com moral suficiente para tomar decisões drásticas, acrescentou Beltrán.
O político de 36 anos exibe uma característica linha-dura às vésperas de um referendo proposto por seu governo para conceder maiores poderes à força pública na luta contra a criminalidade. Os equatorianos votarão a iniciativa em 21 de abril. /Com informações da AFP e colaboração de Daniel Gateno