A morte de sua mãe, Diana. Décadas de irritação sob o olhar da imprensa britânica. Seu casamento com Meghan Markle e sua querela com a família real. Uso de drogas, os anos no Exército, até sua decisão de manter a barba: na primeira entrevista sobre seu livro de memórias, “Spare”, o príncipe Harry pareceu confiante ao defender sua perspectiva, mesmo sob intensos questionamentos.
Depois de 38 anos lendo sua história contada por outras pessoas, “pareceu um bom momento para eu mesmo contá-la”, afirmou Harry no livro, que a Random House publica nesta terça-feira.
As entrevistas exibidas pela rede britânica ITV e no programa “60 Minutes”, da CBS, não foram as primeiras em que Harry falou publicamente a respeito do implacável escrutínio sobre sua família e os custos disso, mas foram as primeiras em que ele o fez sem sua mulher, Meghan, a duquesa de Sussex, ao lado. Ambas trataram de temas similares, com poucas exceções.
‘60 Minutes’
Em sua primeira entrevista ao público americano, Harry disse a Anderson Cooper que “Spare” fornece “um retrato completo da situação conforme crescíamos”. “E também anula essa ideia de que, de alguma maneira, minha mulher foi quem destruiu a relação entre esses dois irmãos.”
Harry descreveu o que aconteceu em setembro após o palácio anunciar que sua avó, a rainha, estava sob supervisão médica no Castelo de Balmoral, na Escócia. Ele estava em Londres, mas não foi convidado a unir-se aos seus parentes que viajaram juntos para lá. Ele viajou para Balmoral por conta própria; quando chegou, sua tia perguntou-lhe se ele queria ver sua avó, que tinha morrido.
“Subi as escadas”, afirmou ele, “e apenas passei algum tempo sozinho com ela”.
Cooper perguntou a Harry a respeito dos tratamentos que ele experimentou depois de procurar terapia pela primeira vez, sete anos atrás, incluindo o uso de drogas psicodélicas.
“Eu jamais recomendaria que as pessoas fizessem isso de maneira recreativa”, afirmou Harry, acrescentando: “Mas com as pessoas certas, se você está sofrendo por uma perda enorme, luto ou trauma, essas coisas têm um jeito de funcionar como medicamento”.
“Para mim, elas limparam o para-brisas, varreram a tristeza da perda”, disse ele.
‘Harry: A Entrevista’
O entrevistador do programa de 90 minutos que ouviu Harry na ITV foi Tom Bradby, que em 2019 fez a Meghan uma pergunta direta que ficou famosa: Você está legal? Ela não estava. A expressão de angústia na cara da duquesa prenunciou uma série de revelações sobre a vida na família real que ressoaram constantemente nos últimos três anos — e incluiu uma entrevista explosiva para Oprah Winfrey.
Harry e Bradby encontraram-se diante de uma janela iluminada pelo sol, coberta por cortinas de brocado amarelo. O ambiente parecia-se mais a uma aconchegante sala de estar do que a uma sala de visitas formal; a conversa abordou uma miríade de temas, ocasionalmente contenciosos. Quando o rosto de Harry ficava vermelho e seus olhos esboçavam lágrimas, ele ainda projetava um ar de compostura.
Harry encerrou o assunto rapidamente quando foi questionado a respeito de como e quando perdeu sua virgindade, episódio que, afirmou ele, mereceu apenas quatro linhas no livro. Bradby sugeriu que o uso de cocaína por Harry seria de interesse público, mas Harry retornou o foco para o tratamento que recebe da imprensa.
“Minha vida inteira foi batida em um liquidificador”, afirmou ele.
A mídia foi um tema recorrente ao longo de toda a entrevista. Toda vez que um novo tema era levantado, Harry encontrou alguma maneira de retornar para seu saco de pancadas favorito.
Uma revelação inesperada teve a ver com a barba de Harry, que agora é parte de sua identidade. De acordo com o protocolo, o príncipe precisou da aprovação de sua avó para manter os pelos faciais em seu casamento. A rainha Elizabeth II foi receptiva, mas seu irmão, William, não; ele ordenou que Harry se barbeasse. A resposta de Harry: “Acho que Meghan não vai me reconhecer”.
Quando Bradby perguntou a Harry a respeito dos sentimentos de William em relação a Meghan, Harry afirmou: “Ele nunca tentou me dissuadir de casar com Meghan”, mas “disse que seria muito difícil”.
O comportamento de seu irmão e cunhada em relação a Meghan, disse Harry, o fez sentir como se “estereótipos estivessem construindo um tipo de barreira a eles, sabe, apresentando-a ou recebendo-a”.
“Você fala a respeito de responsabilizações”, afirmou Bradby. “Na entrevista com Winfrey, você acusou membros da sua família de racismo.”
“Não, não acusei”, disse Harry. “A imprensa britânica disse isso.”
A família real é sim culpada, afirmou Harry, de parcialidades institucionais. Posteriormente, ele ilustrou seu argumento descrevendo o que ocorreu quando Susan Hussey — uma das mais antigas damas de honra da rainha Elizabeth — fixou sua atenção em uma convidada, Ngozi Fulani, durante uma recepção no palácio e questionou-a insistentemente a respeito de onde ela vinha, sem aceitar que a mulher é britânica.
Posteriormente, Hussey encontrou-se com Fulani no Palácio de Buckingham e pediu desculpas.
Harry afirmou que Hussey “não quis fazer nenhum mal, mas a resposta da imprensa britânica e das pessoas online, após suas reportagens, foi horrenda”.
Nos momentos mais comovente da conversa, Harry relatou sua decisão, anos depois da morte de sua mãe, de olhar as fotos tiradas após o acidente automobilístico que a matou em Paris. Nas fotos, ele percebeu reflexos dos paparazzi nas janelas do carro: “Nenhum deles estava vendo se ela estava bem, oferencendo-lhe ajuda ou confortando-a. Eles estavam apenas tirando fotos, tirando fotos, tirando fotos.”
Bradby pressionou Harry em relação à questão de como ele concatena seu desejo por privacidade e seus relatos públicos de sua história. Harry afirmou sentir que sua recente série documental no Netflix e seu livro são “necessários e essenciais”.
Harry lamentou que “eu dominar minha história” desagrade a alguns, afirmou ele. Mas ainda acredita que alguma reconciliação com a Casa de Windsor é possível, disse ele, acrescentando: “A paz é possível quando a verdade existe”. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO