FARO – A ensolarada região do Algarve, no litoral sul de Portugal, é um lugar onde mochileiros que tocam violão se reúnem em meio a laranjeiras perfumadas e nômades digitais em busca de vibrações descontraídas. Não é exatamente o que vem à mente quando se imagina um reduto de sentimentos políticos de extrema direita.
No entanto, foi na região do Algarve que o partido antiestablishment Chega ficou em primeiro lugar nas eleições nacionais deste mês, perturbando a política portuguesa e injetando novos temores de crescimento da extrema direita em toda a Europa. Em nível nacional, o Chega recebeu 18% dos votos.
“É um sinal forte para a Europa e para o mundo”, disse João Paulo da Silva Graça, um legislador recém-eleito do Chega, sentado na nova sede do partido no Algarve, enquanto os turistas pediam pastéis de nata veganos em uma padaria no andar de baixo. “Nossos valores devem prevalecer.”
O Chega é o primeiro partido de extrema direita a ganhar espaço no cenário político de Portugal desde 1974 e o fim da ditadura nacionalista de António de Oliveira Salazar. A fórmula de sucesso mistura promessas de maior lei e ordem com medidas mais rígidas contra a imigração e um apelo aos ressentimentos econômicos.
O avanço de Chega apresentou Portugal como a versão mais recente de um dilema já conhecido na Europa, onde as incursões dos partidos de extrema direita tornaram cada vez mais difícil para os principais concorrentes evitá-los.
O líder da coalizão de centro-direita de Portugal, que venceu as eleições, recusou-se a se aliar ao Chega, mas os especialistas dizem que o resultado provavelmente será um governo minoritário instável que pode não durar muito tempo.
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O Chega demonstrou mais uma vez que os tabus que mantiveram os partidos de extrema direita fora do poder, antes da longa sombra de uma ditadura de direita do século passado, estavam caindo. Atualmente, a extrema direita obteve ganhos na Itália, Espanha e Alemanha, entre outros lugares.
Portugal era considerado uma exceção. O país emergiu da ditadura de Salazar como uma sociedade progressista que apoiava leis liberais sobre drogas e demonstrava pouco apetite pela extrema direita. Nos últimos anos, tornou-se um destino turístico em expansão, repleto de investimentos estrangeiros, expatriados e uma economia em crescimento.
Mesmo assim, neste mês, mais de um milhão de portugueses votaram no Chega, o que muitos consideraram um voto de protesto. Nas últimas décadas, o partido socialista e o partido conservador social-democrata presidiram uma dolorosa crise financeira e um duro período de austeridade. Porém, mesmo com a recente recuperação econômica do país, muitos se sentiram excluídos e esquecidos.
Um grande número de jovens portugueses está deixando o país. Muitos dos que ficam trabalham com salários baixos que não acompanharam a inflação e os deixaram fora de um mercado imobiliário inacessível. Os serviços públicos estão sob estresse.
O Chega fez uma campanha prometendo salários mais altos e melhores condições para os trabalhadores, que, segundo o partido, foram empobrecidos por uma elite gananciosa. Encampou as guerras culturais e lutou contra banheiros de gênero misto nas escolas e restituições para antigas colônias.
Uma investigação de corrupção na condução de projetos de energia limpa, que derrubou o governo socialista no ano passado, deu ao Chega outro ponto de discussão para atacar a classe dominante.
A mensagem do partido atingiu muitos portugueses que não votavam antes e atraiu jovens eleitores por meio de um poderoso alcance de campanhas em mídia social. Também repercutiu entre os eleitores do Algarve que, no passado, votaram com confiança no Partido Socialista.
“Aqui temos que trabalhar, trabalhar, trabalhar e não recebemos nada”, disse Pedro Bonanca, um eleitor do Chega que leva turistas em um barco para a ilha pesqueira de Culatra, na costa do Algarve.
“Quando pergunto aos idosos por que eles votam no Partido Socialista, a única coisa que eles podem dizer é que eles nos tiraram da ditadura”, disse Bonanca, 25 anos. “Mas eu não sei se isso é verdade. Foi há muito tempo.”
A parte superior de sua barra de pesquisa no Instagram mostrava André Ventura, o carismático ex-comentarista de futebol que treinou como padre antes de fundar o Chega em 2019.
Em campanhas anteriores, o Chega usou o slogan “Deus, Pátria, Família, Trabalho”, semelhante ao “Deus, Pátria, Família” da ditadura de Salazar. Antes da recente eleição, Chega prometeu uma combinação de políticas sociais que os especialistas descreveram como irrealistas, incluindo planos para aumentar o salário mínimo e as pensões e, ao mesmo tempo, cortar impostos.
“O Chega se tornou uma espécie de partido que reúne todas as ansiedades”, disse António Costa Pinto, cientista político do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.
Na região do Algarve, o Chega atraiu os garçons mal remunerados com empregos instáveis, que saíram de suas cidades natais ou foram forçados a emigrar. A mensagem do partido repercutiu entre os pescadores idosos que precisavam continuar trabalhando para ganhar a vida. Falou aos fazendeiros que disseram que se sentiam abandonados e que o governo havia priorizado a irrigação de campos de golfe, apesar da seca iminente.
“Se morrermos, será por causa deles”, disse Pedro Cabrita, um fazendeiro, sobre o governo. “Meu voto em Chega é um voto de protesto”, disse ele enquanto olhava ansiosamente para seu laranjal, que ele temia que pudesse secar neste verão.
Em Olhão, uma cidade turística empobrecida onde Chega obteve quase 30% dos votos, José Manuel Fernandes, um peixeiro, se perguntava por que, apesar de Portugal pertencer à União Europeia, ele não podia aspirar ao estilo de vida dos turistas alemães ou franceses ao seu redor.
“No verão, vejo casais se divertindo aqui, morando em trailers”, disse Fernandes, que votou em Chega, enquanto limpava um choco gigante. “Há 30 anos que quero ir de férias para o estrangeiro”, acrescentou, “mas esse momento nunca chegou.”
Os economistas dizem que Portugal, que partiu de um ponto econômico inferior quando entrou para a União Europeia em 1986, fez progressos, mas não o tipo de ganhos de produtividade necessários para alcançar seus parceiros europeus mais ricos. Em vez disso, o país continua sendo uma relativa pechincha para turistas e aposentados europeus, enquanto muitos portugueses se sentem cada vez mais espoliados.
Na cidade litorânea de Albufeira, enquanto os esquadrões de solteiras britânicas com orelhas de coelho piscando percorriam as ruas, Tiago Capela Rito, um garçom de 30 anos, fechou o bar de coquetéis onde trabalhava. Apesar de trabalhar desde os 15 anos, ele ainda mora com a mãe porque não tem condições de pagar seu próprio apartamento, disse ele.
Ele nunca havia votado antes, mas votou em Chega. “Ventura está nos dizendo que não precisamos sair do país para sobreviver”, disse Rito, que na baixa temporada faz malabarismos com trabalhos de construção e cozinha, “que podemos ficar aqui e ter uma vida”.
Mais adiante, Luís Araújo, 61 anos, um garçom que também votou em Chega, disse que seu filho, 25 anos, ganhava mais do que o triplo de seu salário em um restaurante em Dublin.
“Nossos jovens vão embora e esses caras ficam aqui”, disse ele sobre o fluxo de trabalhadores do Nepal e da Índia que chegaram para ocupar empregos de baixa remuneração.
Embora o número de imigrantes que chegam a Portugal tenha sido menor do que na Itália ou na Espanha, Ventura classificou o recente fluxo de imigrantes do sul da Ásia como uma ameaça.
“A União Europeia está sendo demograficamente substituída pelos filhos de imigrantes”, disse ele no Parlamento em 2022, evocando a teoria da conspiração da “grande substituição”. “Ninguém quer que, em 20 anos, a Europa seja composta em sua maior parte por indivíduos de outros continentes.”
Para alguns, a ascensão do Chega trouxe de volta velhos temores, especialmente para os membros da comunidade cigana, um dos primeiros alvos de Ventura.
Para alguns portugueses mais velhos, também, o espectro do renascimento da direita dura tem sido inquietante.
Enquanto limpava suas redes de pequenos caranguejos e chocos, Vitór Silvestre, 67 anos, um pescador na Culatra, disse que ainda se lembrava de ter medo de falar com o sapateiro ou até mesmo com amigos durante os anos da ditadura, sem saber quem poderia ser um informante.
“E agora estamos votando na extrema direita novamente?”, perguntou ele.