Obama devolve a Kamala apoio que permitiu sua candidatura há 17 anos


Decisão de Kamala de apoiar Obama em uma corrida primária de 2008 dominada por Hillary Clinton foi um risco político que valeu a pena, e o ex-presidente nunca esqueceu

Por Katie Rogers

CHICAGO — Na véspera do ano-novo de 2007, Kamala Harris, então promotora distrital de São Francisco, preparava-se para passar o feriado a mais de 1,6 mil km de distância de sua Califórnia natal. Ela voou para Iowa pela primeira vez, aterrissando em Des Moines durante um dos invernos mais rigorosos já registrados.

Kamala apareceu em um humilde escritório de campanha, vestindo um casaco fofinho e botas. Perto de um emaranhado de cabos de energia, alguém havia colado o pôster “Afro-americanos por Obama”. No meio daquele sombrio inverno do Meio-Oeste, Kamala estava lá, pronta para bater de porta em porta por Barack Obama, o senador júnior de Illinois que montava uma improvável candidatura presidencial.

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”Estar aqui vale por mil garrafas de champanhe e fogos de artifício”, disse ela a um repórter no dia de ano-novo, rodeada de material de campanha. “É equivalente a isso, em termos de emoção, excitação e promessa para o amanhã.”

Apoiar Obama foi um risco político. Kamala era uma das poucas californianas ocupando um cargo eletivo – e uma das poucas no Partido Democrata em geral – a endossá-lo para a presidência. A maior parte do peso institucional do partido havia anunciado apoio a Hillary Clinton, uma senadora de Nova York que tinha um poderoso cabo eleitoral em seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Mas a aposta precoce de Kamala deu certo, e  Obama nunca esqueceu isso. “Ela foi uma apoiadora absolutamente sólida do presidente em um momento em que todo o establishment político não estava com ele”, disse Buffy Wicks, membro da Assembleia Estadual da Califórnia, que trabalhou na campanha de Obama. “Ela dedicou tempo e energia significativos para ajudá-lo a ser eleito, e ele é muito grato por isso.”

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Na noite desta terça-feira, 20, na Convenção Nacional Democrata, Obama retribuirá o favor, fazendo um discurso no qual ele vem trabalhando por pelo menos três meses, de acordo com uma pessoa informada sobre seus preparativos. Claro, ele fez alguns ajustes nas últimas semanas para adaptá-lo  a uma candidata diferente, mas uma que se alinhou politicamente a ele por duas décadas. Eles compartilham uma visão de política definida por oferecer oportunidades econômicas e sociais a  pessoas que historicamente foram excluídas delas.

”É uma percepção de que a política não é sobre você”, disse Dan Pfeiffer, que foi conselheiro sênior de  Obama. “É sobre construir um movimento.”

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Depois que Obama conquistou a nomeação presidencial democrata em junho de 2008 e a presidência em novembro, Kamala surfou uma onda de manchetes lisonjeiras e comparações favoráveis ao novo líder do partido. Ela declarou uma candidatura para procuradora-geral da Califórnia logo após Obama ser empossado.

”Há uma auréola do Obama que, você sabe, iluminou ela”, disse Brian Brokaw, que coordenou sua campanha para procuradora-geral. “As comparações vieram natural e rapidamente.”

Na época, Obama achava que ela era “inteligente pra caramba”, como dizia a seus auxiliares, elogiando suas habilidades como política e sua dureza enquanto lidava com sua improvável campanha para se tornar a principal oficial de Justiça da Califórnia. Ainda assim, ele indubitavelmente se tornou a maior estrela, e o apoio dela à sua campanha a levou até certo ponto.

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Ele não a endossou até depois que ela venceu a corrida primária. Para um presidente apoiar um candidato em uma disputa estadual de segundo escalão é algo incomum. “Mesmo após vencer, ela teve de pedir seu endosso”, lembrou Brokaw.

Kamala e Obama se aproximaram em 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Foto: Kenny Holston/The New York Times

Em outra ocasião, Kamala tentou comparecer a um evento liderado por Obama em São Francisco, mas foi barrada na porta por não ter o convite correto, segundo Brokaw. Ela disse à polícia que era a promotora distrital, e teve permissão para entrar e ver o presidente.

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Mas Kamala visitou Obama na Casa Branca, ela foi recebida “de braços abertos” por ele, lembrou  Wicks, que trabalhou na administração do democrata como diretora adjunta do escritório de engajamento público da Casa Branca.

”Eles se encontraram, se entenderam e, ao longo dos anos, desenvolveram uma amizade muito próxima”, disse Valerie Jarrett, uma das mais próximas amigas de  Obama e conselheira sênior dele quando era presidente.

O relacionamento deles remonta a 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Jarrett acrescentou que Obama e Kamala rapidamente se uniram por seus antecedentes culturais, encontrando consolo um no outro em um mundo político dominado por políticos brancos.

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Ambos são americanos de raça mista, nascidos de pais que vieram de diferentes partes do mundo, uma experiência compartilhada que os levou a “acreditar que você pode encontrar algo em comum com quase qualquer pessoa”.

Em 2007 e 2008, Kamala, filha de uma cientista indiana e um professor de economia jamaicano, tornou-se não apenas uma poderosa substituta para as políticas de Obama, mas também uma embaixadora de seu contexto cultural, explicando as complexidades de sua identidade para eleitores que nunca haviam contemplado um candidato presidencial como ele antes.

”Muitos de nós tendem a simplificar excessivamente rótulos políticos”, disse Kamala, em 2007. “Ele é muito mais interessante e complexo do que essas categorias normais.”

Sua marca compartilhada de política baseia-se na ideia de que a ascensão de pessoas com antecedentes raciais e culturais como os deles é um testemunho das forças do país, em vez de uma rejeição de seus valores.

Eles passaram suas carreiras argumentando para um país predominantemente branco que “um garoto magro com um nome engraçado”, como Obama se referia a si mesmo como candidato ao Senado na convenção democrata de 2004, e Kamala, “uma filha de Oakland” criada em Berkeley por uma mãe solteira, poderiam ajudar os americanos a construir pontes culturais uns com os outros e transcender diferenças políticas.

No início de sua relação política, Kamala argumentava que o contexto de Obama – sua mãe era uma branca do Kansas e seu pai era do Quênia – era uma vantagem, o tipo de identidade que um número crescente de americanos consideraria não como uma ameaça ao status quo, mas como uma característica bem-vinda de viver em uma democracia diversificada.

Obama com Kamala Harris, na época procuradora-geral da Califórnia, ao chegar em São Francisco, fevereiro de 2011.  Foto: Doug Mills/The New York Times

Sua relação foi definida por suas trajetórias políticas mutuamente benéficas, de acordo com pessoas que conhecem ambos, mas Obama aparentemente viu algo mais. Em 2013, ele se encontrou no centro de uma tempestade midiática por elogiar a aparência física de Kamala em um evento de arrecadação de fundos na Califórnia.

”Você tem de ter cuidado, antes de tudo, para dizer que ela é brilhante e ela é dedicada e ela é durona, e ela é exatamente o que você quereria em alguém que está administrando a lei, e garantindo que todos tenham um tratamento justo”, disse Obama, na época. “Ela também acontece de ser, de longe, a procuradora-geral mais bonita do país.”

Obama não soube imediatamente que tinha cometido um erro, segundo dois ex-assistentes da Casa Branca que trabalharam para ele na época. Mas um deles, que falou na condição de anonimato para descrever a situação delicada que se seguiu, lembrou-se de desejar “que a terra me engolisse inteiro” para evitar perguntas de repórteres depois que Obama fez o comentário. Obama depois se desculpou com Kamala. Ela não expressou nenhuma raiva ou aborrecimento sobre o comentário, de acordo com o ex-assistente da Casa Branca.

”Ela deixou claro que ele era um amigo tentando elogiar um amigo”, disse Gil Durán, que trabalhou como assessor de Kamala quando ela era procuradora-geral.

O episódio não causou nenhum dano real à relação deles. Na verdade, Kamala foi cogitada como possível substituta para Eric H. Holder Jr. em 2014, enquanto ele se preparava para deixar o cargo de procurador-geral dos EUA.  Holder ligou e perguntou se ela estava interessada, segundo sua memória de 2019, The Truths We Hold. Ela fez uma lista de prós e contras em um bloco de notas, decidindo finalmente contra a busca pela posição: “Quando se tratava do trabalho que mais importava, eu ainda não havia terminado”.

Ao longo de ligações telefônicas regulares e refeições ocasionais, o envolvimento de Obama em sua carreira se intensificou durante a vice-presidência dela. Quando as coisas estavam difíceis, ele ofereceu apoio e sugestões.

Há mais de um ano, uma de suas ex-assessoras, Stephanie Cutter, começou a trabalhar com Kamala. Seu papel na campanha presidencial de 2008 foi moldar a imagem pública de Michelle Obama – e ajudá-la a evitar armadilhas invisíveis que vieram com o fato de ser a primeira mulher negra do primeiro candidato presidencial negro. Cutter agora é uma conselheira sênior na campanha de Kamala.

Quando o presidente Joe Biden tomou a decisão de encerrar sua campanha de 2024 e informou à sua vice, ela teve uma série de ligações para fazer. As primeiras foram para membros da família, incluindo Doug Emhoff, seu marido. Mas de mais de 100 pessoas com quem a vice-presidente falou naquele dia, Obama estava em terceiro ou quarto na lista dela, de acordo com uma pessoa informada sobre suas ligações.

Desde então, Obama ajudou a aconselhá-la sobre mensagens políticas e pessoal, incluindo sua seleção de um companheiro de chapa. E não é por acaso que a campanha de Kamala focou nas ideias de alegria e liberdade, 16 anos depois que a campanha de Obama prometeu esperança e um novo começo.

”Eles são ambos espíritos realmente alegres e otimistas”, disse Jarrett, que voou com  Obama de Martha’s Vineyard para a convenção em Chicago, na segunda-feira à tarde. “Isso é algo com que eles nasceram. Isso não mudou ao longo do tempo.”

CHICAGO — Na véspera do ano-novo de 2007, Kamala Harris, então promotora distrital de São Francisco, preparava-se para passar o feriado a mais de 1,6 mil km de distância de sua Califórnia natal. Ela voou para Iowa pela primeira vez, aterrissando em Des Moines durante um dos invernos mais rigorosos já registrados.

Kamala apareceu em um humilde escritório de campanha, vestindo um casaco fofinho e botas. Perto de um emaranhado de cabos de energia, alguém havia colado o pôster “Afro-americanos por Obama”. No meio daquele sombrio inverno do Meio-Oeste, Kamala estava lá, pronta para bater de porta em porta por Barack Obama, o senador júnior de Illinois que montava uma improvável candidatura presidencial.

”Estar aqui vale por mil garrafas de champanhe e fogos de artifício”, disse ela a um repórter no dia de ano-novo, rodeada de material de campanha. “É equivalente a isso, em termos de emoção, excitação e promessa para o amanhã.”

Apoiar Obama foi um risco político. Kamala era uma das poucas californianas ocupando um cargo eletivo – e uma das poucas no Partido Democrata em geral – a endossá-lo para a presidência. A maior parte do peso institucional do partido havia anunciado apoio a Hillary Clinton, uma senadora de Nova York que tinha um poderoso cabo eleitoral em seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Mas a aposta precoce de Kamala deu certo, e  Obama nunca esqueceu isso. “Ela foi uma apoiadora absolutamente sólida do presidente em um momento em que todo o establishment político não estava com ele”, disse Buffy Wicks, membro da Assembleia Estadual da Califórnia, que trabalhou na campanha de Obama. “Ela dedicou tempo e energia significativos para ajudá-lo a ser eleito, e ele é muito grato por isso.”

Na noite desta terça-feira, 20, na Convenção Nacional Democrata, Obama retribuirá o favor, fazendo um discurso no qual ele vem trabalhando por pelo menos três meses, de acordo com uma pessoa informada sobre seus preparativos. Claro, ele fez alguns ajustes nas últimas semanas para adaptá-lo  a uma candidata diferente, mas uma que se alinhou politicamente a ele por duas décadas. Eles compartilham uma visão de política definida por oferecer oportunidades econômicas e sociais a  pessoas que historicamente foram excluídas delas.

”É uma percepção de que a política não é sobre você”, disse Dan Pfeiffer, que foi conselheiro sênior de  Obama. “É sobre construir um movimento.”

Depois que Obama conquistou a nomeação presidencial democrata em junho de 2008 e a presidência em novembro, Kamala surfou uma onda de manchetes lisonjeiras e comparações favoráveis ao novo líder do partido. Ela declarou uma candidatura para procuradora-geral da Califórnia logo após Obama ser empossado.

”Há uma auréola do Obama que, você sabe, iluminou ela”, disse Brian Brokaw, que coordenou sua campanha para procuradora-geral. “As comparações vieram natural e rapidamente.”

Na época, Obama achava que ela era “inteligente pra caramba”, como dizia a seus auxiliares, elogiando suas habilidades como política e sua dureza enquanto lidava com sua improvável campanha para se tornar a principal oficial de Justiça da Califórnia. Ainda assim, ele indubitavelmente se tornou a maior estrela, e o apoio dela à sua campanha a levou até certo ponto.

Ele não a endossou até depois que ela venceu a corrida primária. Para um presidente apoiar um candidato em uma disputa estadual de segundo escalão é algo incomum. “Mesmo após vencer, ela teve de pedir seu endosso”, lembrou Brokaw.

Kamala e Obama se aproximaram em 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Foto: Kenny Holston/The New York Times

Em outra ocasião, Kamala tentou comparecer a um evento liderado por Obama em São Francisco, mas foi barrada na porta por não ter o convite correto, segundo Brokaw. Ela disse à polícia que era a promotora distrital, e teve permissão para entrar e ver o presidente.

Mas Kamala visitou Obama na Casa Branca, ela foi recebida “de braços abertos” por ele, lembrou  Wicks, que trabalhou na administração do democrata como diretora adjunta do escritório de engajamento público da Casa Branca.

”Eles se encontraram, se entenderam e, ao longo dos anos, desenvolveram uma amizade muito próxima”, disse Valerie Jarrett, uma das mais próximas amigas de  Obama e conselheira sênior dele quando era presidente.

O relacionamento deles remonta a 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Jarrett acrescentou que Obama e Kamala rapidamente se uniram por seus antecedentes culturais, encontrando consolo um no outro em um mundo político dominado por políticos brancos.

Ambos são americanos de raça mista, nascidos de pais que vieram de diferentes partes do mundo, uma experiência compartilhada que os levou a “acreditar que você pode encontrar algo em comum com quase qualquer pessoa”.

Em 2007 e 2008, Kamala, filha de uma cientista indiana e um professor de economia jamaicano, tornou-se não apenas uma poderosa substituta para as políticas de Obama, mas também uma embaixadora de seu contexto cultural, explicando as complexidades de sua identidade para eleitores que nunca haviam contemplado um candidato presidencial como ele antes.

”Muitos de nós tendem a simplificar excessivamente rótulos políticos”, disse Kamala, em 2007. “Ele é muito mais interessante e complexo do que essas categorias normais.”

Sua marca compartilhada de política baseia-se na ideia de que a ascensão de pessoas com antecedentes raciais e culturais como os deles é um testemunho das forças do país, em vez de uma rejeição de seus valores.

Eles passaram suas carreiras argumentando para um país predominantemente branco que “um garoto magro com um nome engraçado”, como Obama se referia a si mesmo como candidato ao Senado na convenção democrata de 2004, e Kamala, “uma filha de Oakland” criada em Berkeley por uma mãe solteira, poderiam ajudar os americanos a construir pontes culturais uns com os outros e transcender diferenças políticas.

No início de sua relação política, Kamala argumentava que o contexto de Obama – sua mãe era uma branca do Kansas e seu pai era do Quênia – era uma vantagem, o tipo de identidade que um número crescente de americanos consideraria não como uma ameaça ao status quo, mas como uma característica bem-vinda de viver em uma democracia diversificada.

Obama com Kamala Harris, na época procuradora-geral da Califórnia, ao chegar em São Francisco, fevereiro de 2011.  Foto: Doug Mills/The New York Times

Sua relação foi definida por suas trajetórias políticas mutuamente benéficas, de acordo com pessoas que conhecem ambos, mas Obama aparentemente viu algo mais. Em 2013, ele se encontrou no centro de uma tempestade midiática por elogiar a aparência física de Kamala em um evento de arrecadação de fundos na Califórnia.

”Você tem de ter cuidado, antes de tudo, para dizer que ela é brilhante e ela é dedicada e ela é durona, e ela é exatamente o que você quereria em alguém que está administrando a lei, e garantindo que todos tenham um tratamento justo”, disse Obama, na época. “Ela também acontece de ser, de longe, a procuradora-geral mais bonita do país.”

Obama não soube imediatamente que tinha cometido um erro, segundo dois ex-assistentes da Casa Branca que trabalharam para ele na época. Mas um deles, que falou na condição de anonimato para descrever a situação delicada que se seguiu, lembrou-se de desejar “que a terra me engolisse inteiro” para evitar perguntas de repórteres depois que Obama fez o comentário. Obama depois se desculpou com Kamala. Ela não expressou nenhuma raiva ou aborrecimento sobre o comentário, de acordo com o ex-assistente da Casa Branca.

”Ela deixou claro que ele era um amigo tentando elogiar um amigo”, disse Gil Durán, que trabalhou como assessor de Kamala quando ela era procuradora-geral.

O episódio não causou nenhum dano real à relação deles. Na verdade, Kamala foi cogitada como possível substituta para Eric H. Holder Jr. em 2014, enquanto ele se preparava para deixar o cargo de procurador-geral dos EUA.  Holder ligou e perguntou se ela estava interessada, segundo sua memória de 2019, The Truths We Hold. Ela fez uma lista de prós e contras em um bloco de notas, decidindo finalmente contra a busca pela posição: “Quando se tratava do trabalho que mais importava, eu ainda não havia terminado”.

Ao longo de ligações telefônicas regulares e refeições ocasionais, o envolvimento de Obama em sua carreira se intensificou durante a vice-presidência dela. Quando as coisas estavam difíceis, ele ofereceu apoio e sugestões.

Há mais de um ano, uma de suas ex-assessoras, Stephanie Cutter, começou a trabalhar com Kamala. Seu papel na campanha presidencial de 2008 foi moldar a imagem pública de Michelle Obama – e ajudá-la a evitar armadilhas invisíveis que vieram com o fato de ser a primeira mulher negra do primeiro candidato presidencial negro. Cutter agora é uma conselheira sênior na campanha de Kamala.

Quando o presidente Joe Biden tomou a decisão de encerrar sua campanha de 2024 e informou à sua vice, ela teve uma série de ligações para fazer. As primeiras foram para membros da família, incluindo Doug Emhoff, seu marido. Mas de mais de 100 pessoas com quem a vice-presidente falou naquele dia, Obama estava em terceiro ou quarto na lista dela, de acordo com uma pessoa informada sobre suas ligações.

Desde então, Obama ajudou a aconselhá-la sobre mensagens políticas e pessoal, incluindo sua seleção de um companheiro de chapa. E não é por acaso que a campanha de Kamala focou nas ideias de alegria e liberdade, 16 anos depois que a campanha de Obama prometeu esperança e um novo começo.

”Eles são ambos espíritos realmente alegres e otimistas”, disse Jarrett, que voou com  Obama de Martha’s Vineyard para a convenção em Chicago, na segunda-feira à tarde. “Isso é algo com que eles nasceram. Isso não mudou ao longo do tempo.”

CHICAGO — Na véspera do ano-novo de 2007, Kamala Harris, então promotora distrital de São Francisco, preparava-se para passar o feriado a mais de 1,6 mil km de distância de sua Califórnia natal. Ela voou para Iowa pela primeira vez, aterrissando em Des Moines durante um dos invernos mais rigorosos já registrados.

Kamala apareceu em um humilde escritório de campanha, vestindo um casaco fofinho e botas. Perto de um emaranhado de cabos de energia, alguém havia colado o pôster “Afro-americanos por Obama”. No meio daquele sombrio inverno do Meio-Oeste, Kamala estava lá, pronta para bater de porta em porta por Barack Obama, o senador júnior de Illinois que montava uma improvável candidatura presidencial.

”Estar aqui vale por mil garrafas de champanhe e fogos de artifício”, disse ela a um repórter no dia de ano-novo, rodeada de material de campanha. “É equivalente a isso, em termos de emoção, excitação e promessa para o amanhã.”

Apoiar Obama foi um risco político. Kamala era uma das poucas californianas ocupando um cargo eletivo – e uma das poucas no Partido Democrata em geral – a endossá-lo para a presidência. A maior parte do peso institucional do partido havia anunciado apoio a Hillary Clinton, uma senadora de Nova York que tinha um poderoso cabo eleitoral em seu marido, o ex-presidente Bill Clinton.

Mas a aposta precoce de Kamala deu certo, e  Obama nunca esqueceu isso. “Ela foi uma apoiadora absolutamente sólida do presidente em um momento em que todo o establishment político não estava com ele”, disse Buffy Wicks, membro da Assembleia Estadual da Califórnia, que trabalhou na campanha de Obama. “Ela dedicou tempo e energia significativos para ajudá-lo a ser eleito, e ele é muito grato por isso.”

Na noite desta terça-feira, 20, na Convenção Nacional Democrata, Obama retribuirá o favor, fazendo um discurso no qual ele vem trabalhando por pelo menos três meses, de acordo com uma pessoa informada sobre seus preparativos. Claro, ele fez alguns ajustes nas últimas semanas para adaptá-lo  a uma candidata diferente, mas uma que se alinhou politicamente a ele por duas décadas. Eles compartilham uma visão de política definida por oferecer oportunidades econômicas e sociais a  pessoas que historicamente foram excluídas delas.

”É uma percepção de que a política não é sobre você”, disse Dan Pfeiffer, que foi conselheiro sênior de  Obama. “É sobre construir um movimento.”

Depois que Obama conquistou a nomeação presidencial democrata em junho de 2008 e a presidência em novembro, Kamala surfou uma onda de manchetes lisonjeiras e comparações favoráveis ao novo líder do partido. Ela declarou uma candidatura para procuradora-geral da Califórnia logo após Obama ser empossado.

”Há uma auréola do Obama que, você sabe, iluminou ela”, disse Brian Brokaw, que coordenou sua campanha para procuradora-geral. “As comparações vieram natural e rapidamente.”

Na época, Obama achava que ela era “inteligente pra caramba”, como dizia a seus auxiliares, elogiando suas habilidades como política e sua dureza enquanto lidava com sua improvável campanha para se tornar a principal oficial de Justiça da Califórnia. Ainda assim, ele indubitavelmente se tornou a maior estrela, e o apoio dela à sua campanha a levou até certo ponto.

Ele não a endossou até depois que ela venceu a corrida primária. Para um presidente apoiar um candidato em uma disputa estadual de segundo escalão é algo incomum. “Mesmo após vencer, ela teve de pedir seu endosso”, lembrou Brokaw.

Kamala e Obama se aproximaram em 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Foto: Kenny Holston/The New York Times

Em outra ocasião, Kamala tentou comparecer a um evento liderado por Obama em São Francisco, mas foi barrada na porta por não ter o convite correto, segundo Brokaw. Ela disse à polícia que era a promotora distrital, e teve permissão para entrar e ver o presidente.

Mas Kamala visitou Obama na Casa Branca, ela foi recebida “de braços abertos” por ele, lembrou  Wicks, que trabalhou na administração do democrata como diretora adjunta do escritório de engajamento público da Casa Branca.

”Eles se encontraram, se entenderam e, ao longo dos anos, desenvolveram uma amizade muito próxima”, disse Valerie Jarrett, uma das mais próximas amigas de  Obama e conselheira sênior dele quando era presidente.

O relacionamento deles remonta a 2004, quando Kamala ajudou a organizar um evento de arrecadação de fundos para a corrida de Obama ao Senado em um salão de hotel em São Francisco. Jarrett acrescentou que Obama e Kamala rapidamente se uniram por seus antecedentes culturais, encontrando consolo um no outro em um mundo político dominado por políticos brancos.

Ambos são americanos de raça mista, nascidos de pais que vieram de diferentes partes do mundo, uma experiência compartilhada que os levou a “acreditar que você pode encontrar algo em comum com quase qualquer pessoa”.

Em 2007 e 2008, Kamala, filha de uma cientista indiana e um professor de economia jamaicano, tornou-se não apenas uma poderosa substituta para as políticas de Obama, mas também uma embaixadora de seu contexto cultural, explicando as complexidades de sua identidade para eleitores que nunca haviam contemplado um candidato presidencial como ele antes.

”Muitos de nós tendem a simplificar excessivamente rótulos políticos”, disse Kamala, em 2007. “Ele é muito mais interessante e complexo do que essas categorias normais.”

Sua marca compartilhada de política baseia-se na ideia de que a ascensão de pessoas com antecedentes raciais e culturais como os deles é um testemunho das forças do país, em vez de uma rejeição de seus valores.

Eles passaram suas carreiras argumentando para um país predominantemente branco que “um garoto magro com um nome engraçado”, como Obama se referia a si mesmo como candidato ao Senado na convenção democrata de 2004, e Kamala, “uma filha de Oakland” criada em Berkeley por uma mãe solteira, poderiam ajudar os americanos a construir pontes culturais uns com os outros e transcender diferenças políticas.

No início de sua relação política, Kamala argumentava que o contexto de Obama – sua mãe era uma branca do Kansas e seu pai era do Quênia – era uma vantagem, o tipo de identidade que um número crescente de americanos consideraria não como uma ameaça ao status quo, mas como uma característica bem-vinda de viver em uma democracia diversificada.

Obama com Kamala Harris, na época procuradora-geral da Califórnia, ao chegar em São Francisco, fevereiro de 2011.  Foto: Doug Mills/The New York Times

Sua relação foi definida por suas trajetórias políticas mutuamente benéficas, de acordo com pessoas que conhecem ambos, mas Obama aparentemente viu algo mais. Em 2013, ele se encontrou no centro de uma tempestade midiática por elogiar a aparência física de Kamala em um evento de arrecadação de fundos na Califórnia.

”Você tem de ter cuidado, antes de tudo, para dizer que ela é brilhante e ela é dedicada e ela é durona, e ela é exatamente o que você quereria em alguém que está administrando a lei, e garantindo que todos tenham um tratamento justo”, disse Obama, na época. “Ela também acontece de ser, de longe, a procuradora-geral mais bonita do país.”

Obama não soube imediatamente que tinha cometido um erro, segundo dois ex-assistentes da Casa Branca que trabalharam para ele na época. Mas um deles, que falou na condição de anonimato para descrever a situação delicada que se seguiu, lembrou-se de desejar “que a terra me engolisse inteiro” para evitar perguntas de repórteres depois que Obama fez o comentário. Obama depois se desculpou com Kamala. Ela não expressou nenhuma raiva ou aborrecimento sobre o comentário, de acordo com o ex-assistente da Casa Branca.

”Ela deixou claro que ele era um amigo tentando elogiar um amigo”, disse Gil Durán, que trabalhou como assessor de Kamala quando ela era procuradora-geral.

O episódio não causou nenhum dano real à relação deles. Na verdade, Kamala foi cogitada como possível substituta para Eric H. Holder Jr. em 2014, enquanto ele se preparava para deixar o cargo de procurador-geral dos EUA.  Holder ligou e perguntou se ela estava interessada, segundo sua memória de 2019, The Truths We Hold. Ela fez uma lista de prós e contras em um bloco de notas, decidindo finalmente contra a busca pela posição: “Quando se tratava do trabalho que mais importava, eu ainda não havia terminado”.

Ao longo de ligações telefônicas regulares e refeições ocasionais, o envolvimento de Obama em sua carreira se intensificou durante a vice-presidência dela. Quando as coisas estavam difíceis, ele ofereceu apoio e sugestões.

Há mais de um ano, uma de suas ex-assessoras, Stephanie Cutter, começou a trabalhar com Kamala. Seu papel na campanha presidencial de 2008 foi moldar a imagem pública de Michelle Obama – e ajudá-la a evitar armadilhas invisíveis que vieram com o fato de ser a primeira mulher negra do primeiro candidato presidencial negro. Cutter agora é uma conselheira sênior na campanha de Kamala.

Quando o presidente Joe Biden tomou a decisão de encerrar sua campanha de 2024 e informou à sua vice, ela teve uma série de ligações para fazer. As primeiras foram para membros da família, incluindo Doug Emhoff, seu marido. Mas de mais de 100 pessoas com quem a vice-presidente falou naquele dia, Obama estava em terceiro ou quarto na lista dela, de acordo com uma pessoa informada sobre suas ligações.

Desde então, Obama ajudou a aconselhá-la sobre mensagens políticas e pessoal, incluindo sua seleção de um companheiro de chapa. E não é por acaso que a campanha de Kamala focou nas ideias de alegria e liberdade, 16 anos depois que a campanha de Obama prometeu esperança e um novo começo.

”Eles são ambos espíritos realmente alegres e otimistas”, disse Jarrett, que voou com  Obama de Martha’s Vineyard para a convenção em Chicago, na segunda-feira à tarde. “Isso é algo com que eles nasceram. Isso não mudou ao longo do tempo.”

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