Ocidente se prepara para guerra longa e além das fronteiras da Ucrânia


Ataques na Moldávia e cortes de gás russo na Polônia e Bulgária aumentam temor de que guerra se expanda para outros países; Ocidente muda de discurso e espera guerra longa

Por David Sanger e Steven Erlanger, The New York Times

WASHINGTON - Por nove semanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os aliados ocidentais enfatizaram a necessidade de manter a guerra pela Ucrânia dentro da Ucrânia.

Agora, o medo em Washington e nas capitais europeias é que o conflito possa em breve se transformar em uma guerra mais ampla – se espalhando para estados vizinhos, para o ciberespaço e para países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que de repente enfrentam um corte de gás russo.

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A longo prazo, tal expansão pode evoluir para um conflito mais direto entre Washington e Moscou, reminiscente da Guerra Fria, pois cada um procura minar o poder do outro.

Nos últimos três dias, o secretário de Defesa americano pediu um esforço para degradar a capacidade dos militares russos para que não possam invadir outro país nos próximos anos. Os russos cortaram os envios de gás para a Polônia e a Bulgária, que aderiram à Otan após o colapso da União Soviética; Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, denunciou imediatamente a medida como um “instrumento de chantagem”.

Membro da força militar da Moldávia sai de ônibus após realizar checagem de passageiros na entrada da auto-proclamada "República da Transnístria" nesta quinta-feira, 28. Região separatista, que faz fronteira com a Ucrânia, sofreu ataques com autoria não identificada nos últimos dias, e temor de uma guerra mais ampla aumentou Foto: Daniel Mihailescu / AFP
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Explosões abalaram uma área disputada da Moldávia, um próximo alvo natural para os russos, e depósitos de gás e até uma fábrica de mísseis na Rússia pegaram fogo misteriosamente ou foram atacados diretamente pelas forças ucranianas.

E com frequência crescente, os russos estão lembrando ao mundo o tamanho e o poder de seu arsenal nuclear, um aviso nada sutil de que, se as forças convencionais do presidente Vladimir Putin enfrentarem perdas mais humilhantes, ele terá outras opções.

Autoridades americanas e europeias dizem não ver evidências de que os russos estejam mobilizando suas forças nucleares no campo de batalha, mas, nos bastidores, as autoridades já estão imaginando como podem reagir a um teste nuclear russo, ou uma “explosão de demonstração”, sobre o Mar Negro ou na Ucrânia.

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“Ninguém quer ver essa guerra aumentar mais do que já aumentou”, disse John Kirby, porta-voz do Pentágono, na quarta-feira, quando questionado sobre as ameaças nucleares da Rússia. “Certamente ninguém quer ver, ou ninguém deveria querer ver, isso escalar para o reino nuclear.”

Autoridades americanas e europeias dizem que seus temores se baseiam em parte na crescente convicção de que o conflito pode “continuar por muito tempo”, como disse recentemente o secretário de Estado dos EUA Antony J. Blinken.

Guerra longa

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Mais de dois meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os líderes ocidentais alteraram o tom dos seus discursos e sugerem que se preparam para uma guerra longa e desgastante.

Isso ocorre no momento em que Moscou adota a estratégia de ganhos progressivos no campo de batalha, com foco no leste e no sul da Ucrânia, e abandona o antigo plano de tomar Kiev de imediato.

Antes focados em um desfecho rápido da guerra, os líderes ocidentais agora declaram ter como objetivo enfraquecer a Rússia. Essa foi a afirmação do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, na segunda-feira, 25, no final de uma visita à Ucrânia.

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Reunido no dia seguinte com 40 países aliados na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, Austin ressaltou a formação da aliança para coordenar uma assistência militar e humanitária à Ucrânia, com a meta principal de “fortalecer as forças armadas da Ucrânia para longo prazo”. A linguagem, em parte, pareceu ter como objetivo preparar os norte-americanos para as consequências econômicas e políticas que o conflito pode causar se for estendido.

No Reino Unido, a retórica de um desfecho rápido para a guerra foi substituída por uma linguagem semelhante. O ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, disse nesta quinta-feira, por exemplo, que a invasão da Rússia poderia se transformar em uma “ocupação lenta e congelada, como uma espécie de crescimento cancerígeno na Ucrânia”.

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O discurso é outro na própria Rússia. Segundo um relatório do Royal United Services Institute, do Reino Unido, quando a guerra começou, o Kremlin acreditava que as forças armadas da Ucrânia seriam rapidamente destruídas e Moscou teria controle suficiente do país para anunciar a vitória no feriado do Dia da Vitória da Rússia, em 9 de maio.

Agora, são realizados avanços mais moderados no leste. “A Rússia está agora se preparando, diplomaticamente, militarmente e economicamente, para um conflito prolongado”, disse o relatório.

As conversas sobre uma resolução diplomática ou mesmo um cessar-fogo – tentada em vários pontos pelos líderes da França, Israel e Turquia, entre outros – se extinguiram. As forças ucranianas e russas estão trabalhando a longo prazo, concentrando-se no que esperam que seja uma guerra de artilharia no sul e leste do país, onde a Rússia concentrou suas forças após uma retirada humilhante de Kiev e outras cidades importantes.

“Putin não está disposto a recuar, nem os ucranianos, então há mais sangue por vir”, disse Robin Niblett, diretor da Chatham House, um think tank britânico. Ao mesmo tempo, a determinação americana e europeia de ajudar a Ucrânia a derrotar os russos endureceu, em parte depois que as atrocidades em Bucha e outras cidades ocupadas pelos russos ficaram claras, com até a Alemanha superando suas objeções iniciais e enviando artilharia e veículos blindados.

Seth G. Jones, que dirige o Programa de Segurança Europeu no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse na quarta-feira que “o risco de uma guerra crescente é sério agora”.

“As baixas russas continuam aumentando, e os EUA estão comprometidos em enviar armas mais poderosas que estão causando essas baixas”, disse Jones. Mais cedo ou mais tarde, acrescentou ele, o serviço de inteligência militar da Rússia pode começar a atacar esses carregamentos de armas dentro das fronteiras da Otan.

Esperança de diplomacia

Nem todas as linhas de comunicação entre Washington e Moscou entraram em colapso. Os EUA e a Rússia anunciaram uma troca de prisioneiros na quarta-feira. A troca ocorreu secretamente na Turquia, onde Trevor Reed, um ex-fuzileiro naval, foi trocado por um piloto russo que o Departamento de Justiça há muito chamava de “um traficante de drogas internacional experiente”. Mas mesmo isso tinha um ar de retorno à Guerra Fria, destacando o quanto do conflito atual também é uma luta pelo poder entre Washington e Moscou.

O momento pareceu reforçar o argumento que Stephen Kotkin, professor da Universidade de Princeton e membro sênior da Hoover Institution em Stanford, fez recentemente em Relações Exteriores quando escreveu que “o fim original da Guerra Fria foi uma miragem”, já que o esforço para integrar a Rússia no Ocidente entrou em colapso lentamente.

O próprio Biden endossou a teoria de que Putin tem projetos que vão além da Ucrânia. A invasão, disse ele no dia em que começou, em 24 de fevereiro, foi “sempre sobre agressão gratuita, sobre o desejo de Putin por um império por qualquer meio necessário”.

Mas até agora, a guerra permaneceu em grande parte dentro dos limites geográficos da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados disseram que seu objetivo era fazer a Rússia retirar suas forças “irreversivelmente”, como disse Blinken, e respeitar as fronteiras da Ucrânia como existiam antes da invasão.

Biden se recusou a impor uma zona de exclusão aérea que colocaria pilotos americanos e russos uns contra os outros. Putin denunciou o influxo de armas ocidentais para ajudar os militares ucranianos, mas nunca atacou essas linhas de abastecimento dentro do território da Otan. Agora, há sinais de que a restrição está se rompendo.

Veterano da Marinha dos EUA, Trevor Reed, foi preso em 2019 após policiais o acusarem de agressão. Na imagem, os pais de Trevor Reed pousam ao lado de um banner que diz "Liberdade para Trevor Reed" diante da Casa Branca, no dia 30 de março deste ano Foto: Stefani Reynolds / AFP

Quando a Gazprom, a gigante russa de energia, cortou o fluxo para a Polônia e a Bulgária, foi claramente um sinal de alerta de que a Alemanha – extremamente dependente do gás russo – poderia ser a próxima. A Rússia estava usando sua arma econômica mais potente, enviando uma mensagem de que poderia trazer dor e, no próximo inverno, um frio considerável à Europa Oriental e Ocidental sem disparar um tiro. Autoridades americanas disseram que foi claramente um esforço para fragmentar os aliados da Otan, que até agora permaneceram unidos.

Coincidentemente ou não, a decisão de Putin veio logo depois que o secretário de Defesa Lloyd Austin III foi além da declaração repetida do governo de que queria garantir que a Rússia saísse de sua experiência na Ucrânia estrategicamente enfraquecida.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia”, disse Austin, uma linha que parecia sugerir que os EUA queriam corroer o poder militar russo por anos - presumivelmente enquanto Putin permanecer no poder. Os controles de exportação que os EUA impuseram aos principais componentes microeletrônicos que a Rússia precisa para produzir seus mísseis e tanques parecem projetados para fazer exatamente isso.

Alguns europeus se perguntaram se os objetivos de guerra de Washington haviam se ampliado de ajudar a Ucrânia a se defender, que tem amplo apoio, para prejudicar a própria Rússia, um objetivo controverso que alimentaria uma narrativa russa de que as ações de Moscou na Ucrânia são para se defender da Otan.

Alguns funcionários do governo insistem que os comentários de Austin foram mal interpretados e que ele não estava sugerindo um objetivo estratégico de longo prazo de minar o poder russo.

Em vez disso, dizem eles, ele estava apenas ampliando declarações passadas sobre a necessidade de aprimorar as escolhas que Putin enfrenta - enquanto atrasa a capacidade da Rússia de lançar outra invasão.

Mas muitos na Europa pensaram que sua declaração sugeria uma longa guerra de atrito que poderia ter muitas frentes. “Estamos indo para uma guerra mais ampla ou isso é apenas uma gafe de Austin?” perguntou François Heisbourg, um analista de defesa francês.

“Há um consenso cada vez maior sobre o fornecimento de canhões e sistemas de armas mais complexos para a Ucrânia, e todos estão fazendo isso agora”, observou Heisbourg.

“Mas outra coisa é mudar o objetivo de guerra da Ucrânia para a Rússia. Não acredito que haja um consenso sobre isso.” Enfraquecer a capacidade militar da Rússia “é uma coisa boa a se fazer”, disse Heisbourg, “mas é um meio para um fim, não um fim em si mesmo”.

Expansão da Otan

Há outros fatores que correm o risco de ampliar o conflito. Dentro de semanas, espera-se que a Suécia e a Finlândia busquem entrar na Otan – expandindo a aliança em reação aos esforços de Putin para desfazê-la.

Mas o processo pode levar meses porque cada país da aliança teria que ratificar a medida, e isso poderia abrir um período de vulnerabilidade. A Rússia pode ameaçar os dois países antes que eles sejam formalmente aceitos na aliança e sejam cobertos pelo tratado da Otan que estipula que um ataque a um membro é um ataque a todos.

Mas há cada vez menos dúvidas de que a Suécia e a Finlândia se tornarão os 31º e 32º membros da aliança. Niblett disse que uma nova expansão da Otan – exatamente o que Putin vem se opondo nas últimas duas décadas – “tornaria explícitas as novas linhas de frente do impasse com a Rússia”.

Não surpreendentemente, ambos os lados estão jogando com o medo de que a guerra possa se espalhar, em campanhas de propaganda paralelas à guerra em andamento no terreno. O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, frequentemente levanta a possibilidade em seus discursos de rádio noturnos; há duas semanas, implorando aos aliados da Otan por mais armas, ele argumentou que “podemos parar a Rússia ou perder toda a Europa Oriental”.

A Rússia tem seu próprio manual, argumentando episodicamente que seus objetivos vão além da “desnazificação” da Ucrânia para a remoção das forças e armas da Otan de países aliados que não os acolheram antes de 1997. As referências freqüentes de Moscou ao risco crescente de guerra nuclear parecem destinadas a deixar claro que o Ocidente não deve ir longe demais.

Essa mensagem ressoa na Alemanha, que há muito procura evitar provocar Putin, disse Ulrich Speck, analista alemão. Dizer que “a Rússia não deve ganhar”, disse ele, é diferente de dizer “a Rússia deve perder”.

Há uma preocupação em Berlim de que “não devemos empurrar Putin com muita força contra a parede”, disse Speck, “para que ele não fique desesperado e faça algo verdadeiramente irresponsável”.

WASHINGTON - Por nove semanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os aliados ocidentais enfatizaram a necessidade de manter a guerra pela Ucrânia dentro da Ucrânia.

Agora, o medo em Washington e nas capitais europeias é que o conflito possa em breve se transformar em uma guerra mais ampla – se espalhando para estados vizinhos, para o ciberespaço e para países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que de repente enfrentam um corte de gás russo.

A longo prazo, tal expansão pode evoluir para um conflito mais direto entre Washington e Moscou, reminiscente da Guerra Fria, pois cada um procura minar o poder do outro.

Nos últimos três dias, o secretário de Defesa americano pediu um esforço para degradar a capacidade dos militares russos para que não possam invadir outro país nos próximos anos. Os russos cortaram os envios de gás para a Polônia e a Bulgária, que aderiram à Otan após o colapso da União Soviética; Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, denunciou imediatamente a medida como um “instrumento de chantagem”.

Membro da força militar da Moldávia sai de ônibus após realizar checagem de passageiros na entrada da auto-proclamada "República da Transnístria" nesta quinta-feira, 28. Região separatista, que faz fronteira com a Ucrânia, sofreu ataques com autoria não identificada nos últimos dias, e temor de uma guerra mais ampla aumentou Foto: Daniel Mihailescu / AFP

Explosões abalaram uma área disputada da Moldávia, um próximo alvo natural para os russos, e depósitos de gás e até uma fábrica de mísseis na Rússia pegaram fogo misteriosamente ou foram atacados diretamente pelas forças ucranianas.

E com frequência crescente, os russos estão lembrando ao mundo o tamanho e o poder de seu arsenal nuclear, um aviso nada sutil de que, se as forças convencionais do presidente Vladimir Putin enfrentarem perdas mais humilhantes, ele terá outras opções.

Autoridades americanas e europeias dizem não ver evidências de que os russos estejam mobilizando suas forças nucleares no campo de batalha, mas, nos bastidores, as autoridades já estão imaginando como podem reagir a um teste nuclear russo, ou uma “explosão de demonstração”, sobre o Mar Negro ou na Ucrânia.

“Ninguém quer ver essa guerra aumentar mais do que já aumentou”, disse John Kirby, porta-voz do Pentágono, na quarta-feira, quando questionado sobre as ameaças nucleares da Rússia. “Certamente ninguém quer ver, ou ninguém deveria querer ver, isso escalar para o reino nuclear.”

Autoridades americanas e europeias dizem que seus temores se baseiam em parte na crescente convicção de que o conflito pode “continuar por muito tempo”, como disse recentemente o secretário de Estado dos EUA Antony J. Blinken.

Guerra longa

Mais de dois meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os líderes ocidentais alteraram o tom dos seus discursos e sugerem que se preparam para uma guerra longa e desgastante.

Isso ocorre no momento em que Moscou adota a estratégia de ganhos progressivos no campo de batalha, com foco no leste e no sul da Ucrânia, e abandona o antigo plano de tomar Kiev de imediato.

Antes focados em um desfecho rápido da guerra, os líderes ocidentais agora declaram ter como objetivo enfraquecer a Rússia. Essa foi a afirmação do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, na segunda-feira, 25, no final de uma visita à Ucrânia.

Reunido no dia seguinte com 40 países aliados na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, Austin ressaltou a formação da aliança para coordenar uma assistência militar e humanitária à Ucrânia, com a meta principal de “fortalecer as forças armadas da Ucrânia para longo prazo”. A linguagem, em parte, pareceu ter como objetivo preparar os norte-americanos para as consequências econômicas e políticas que o conflito pode causar se for estendido.

No Reino Unido, a retórica de um desfecho rápido para a guerra foi substituída por uma linguagem semelhante. O ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, disse nesta quinta-feira, por exemplo, que a invasão da Rússia poderia se transformar em uma “ocupação lenta e congelada, como uma espécie de crescimento cancerígeno na Ucrânia”.

O discurso é outro na própria Rússia. Segundo um relatório do Royal United Services Institute, do Reino Unido, quando a guerra começou, o Kremlin acreditava que as forças armadas da Ucrânia seriam rapidamente destruídas e Moscou teria controle suficiente do país para anunciar a vitória no feriado do Dia da Vitória da Rússia, em 9 de maio.

Agora, são realizados avanços mais moderados no leste. “A Rússia está agora se preparando, diplomaticamente, militarmente e economicamente, para um conflito prolongado”, disse o relatório.

As conversas sobre uma resolução diplomática ou mesmo um cessar-fogo – tentada em vários pontos pelos líderes da França, Israel e Turquia, entre outros – se extinguiram. As forças ucranianas e russas estão trabalhando a longo prazo, concentrando-se no que esperam que seja uma guerra de artilharia no sul e leste do país, onde a Rússia concentrou suas forças após uma retirada humilhante de Kiev e outras cidades importantes.

“Putin não está disposto a recuar, nem os ucranianos, então há mais sangue por vir”, disse Robin Niblett, diretor da Chatham House, um think tank britânico. Ao mesmo tempo, a determinação americana e europeia de ajudar a Ucrânia a derrotar os russos endureceu, em parte depois que as atrocidades em Bucha e outras cidades ocupadas pelos russos ficaram claras, com até a Alemanha superando suas objeções iniciais e enviando artilharia e veículos blindados.

Seth G. Jones, que dirige o Programa de Segurança Europeu no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse na quarta-feira que “o risco de uma guerra crescente é sério agora”.

“As baixas russas continuam aumentando, e os EUA estão comprometidos em enviar armas mais poderosas que estão causando essas baixas”, disse Jones. Mais cedo ou mais tarde, acrescentou ele, o serviço de inteligência militar da Rússia pode começar a atacar esses carregamentos de armas dentro das fronteiras da Otan.

Esperança de diplomacia

Nem todas as linhas de comunicação entre Washington e Moscou entraram em colapso. Os EUA e a Rússia anunciaram uma troca de prisioneiros na quarta-feira. A troca ocorreu secretamente na Turquia, onde Trevor Reed, um ex-fuzileiro naval, foi trocado por um piloto russo que o Departamento de Justiça há muito chamava de “um traficante de drogas internacional experiente”. Mas mesmo isso tinha um ar de retorno à Guerra Fria, destacando o quanto do conflito atual também é uma luta pelo poder entre Washington e Moscou.

O momento pareceu reforçar o argumento que Stephen Kotkin, professor da Universidade de Princeton e membro sênior da Hoover Institution em Stanford, fez recentemente em Relações Exteriores quando escreveu que “o fim original da Guerra Fria foi uma miragem”, já que o esforço para integrar a Rússia no Ocidente entrou em colapso lentamente.

O próprio Biden endossou a teoria de que Putin tem projetos que vão além da Ucrânia. A invasão, disse ele no dia em que começou, em 24 de fevereiro, foi “sempre sobre agressão gratuita, sobre o desejo de Putin por um império por qualquer meio necessário”.

Mas até agora, a guerra permaneceu em grande parte dentro dos limites geográficos da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados disseram que seu objetivo era fazer a Rússia retirar suas forças “irreversivelmente”, como disse Blinken, e respeitar as fronteiras da Ucrânia como existiam antes da invasão.

Biden se recusou a impor uma zona de exclusão aérea que colocaria pilotos americanos e russos uns contra os outros. Putin denunciou o influxo de armas ocidentais para ajudar os militares ucranianos, mas nunca atacou essas linhas de abastecimento dentro do território da Otan. Agora, há sinais de que a restrição está se rompendo.

Veterano da Marinha dos EUA, Trevor Reed, foi preso em 2019 após policiais o acusarem de agressão. Na imagem, os pais de Trevor Reed pousam ao lado de um banner que diz "Liberdade para Trevor Reed" diante da Casa Branca, no dia 30 de março deste ano Foto: Stefani Reynolds / AFP

Quando a Gazprom, a gigante russa de energia, cortou o fluxo para a Polônia e a Bulgária, foi claramente um sinal de alerta de que a Alemanha – extremamente dependente do gás russo – poderia ser a próxima. A Rússia estava usando sua arma econômica mais potente, enviando uma mensagem de que poderia trazer dor e, no próximo inverno, um frio considerável à Europa Oriental e Ocidental sem disparar um tiro. Autoridades americanas disseram que foi claramente um esforço para fragmentar os aliados da Otan, que até agora permaneceram unidos.

Coincidentemente ou não, a decisão de Putin veio logo depois que o secretário de Defesa Lloyd Austin III foi além da declaração repetida do governo de que queria garantir que a Rússia saísse de sua experiência na Ucrânia estrategicamente enfraquecida.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia”, disse Austin, uma linha que parecia sugerir que os EUA queriam corroer o poder militar russo por anos - presumivelmente enquanto Putin permanecer no poder. Os controles de exportação que os EUA impuseram aos principais componentes microeletrônicos que a Rússia precisa para produzir seus mísseis e tanques parecem projetados para fazer exatamente isso.

Alguns europeus se perguntaram se os objetivos de guerra de Washington haviam se ampliado de ajudar a Ucrânia a se defender, que tem amplo apoio, para prejudicar a própria Rússia, um objetivo controverso que alimentaria uma narrativa russa de que as ações de Moscou na Ucrânia são para se defender da Otan.

Alguns funcionários do governo insistem que os comentários de Austin foram mal interpretados e que ele não estava sugerindo um objetivo estratégico de longo prazo de minar o poder russo.

Em vez disso, dizem eles, ele estava apenas ampliando declarações passadas sobre a necessidade de aprimorar as escolhas que Putin enfrenta - enquanto atrasa a capacidade da Rússia de lançar outra invasão.

Mas muitos na Europa pensaram que sua declaração sugeria uma longa guerra de atrito que poderia ter muitas frentes. “Estamos indo para uma guerra mais ampla ou isso é apenas uma gafe de Austin?” perguntou François Heisbourg, um analista de defesa francês.

“Há um consenso cada vez maior sobre o fornecimento de canhões e sistemas de armas mais complexos para a Ucrânia, e todos estão fazendo isso agora”, observou Heisbourg.

“Mas outra coisa é mudar o objetivo de guerra da Ucrânia para a Rússia. Não acredito que haja um consenso sobre isso.” Enfraquecer a capacidade militar da Rússia “é uma coisa boa a se fazer”, disse Heisbourg, “mas é um meio para um fim, não um fim em si mesmo”.

Expansão da Otan

Há outros fatores que correm o risco de ampliar o conflito. Dentro de semanas, espera-se que a Suécia e a Finlândia busquem entrar na Otan – expandindo a aliança em reação aos esforços de Putin para desfazê-la.

Mas o processo pode levar meses porque cada país da aliança teria que ratificar a medida, e isso poderia abrir um período de vulnerabilidade. A Rússia pode ameaçar os dois países antes que eles sejam formalmente aceitos na aliança e sejam cobertos pelo tratado da Otan que estipula que um ataque a um membro é um ataque a todos.

Mas há cada vez menos dúvidas de que a Suécia e a Finlândia se tornarão os 31º e 32º membros da aliança. Niblett disse que uma nova expansão da Otan – exatamente o que Putin vem se opondo nas últimas duas décadas – “tornaria explícitas as novas linhas de frente do impasse com a Rússia”.

Não surpreendentemente, ambos os lados estão jogando com o medo de que a guerra possa se espalhar, em campanhas de propaganda paralelas à guerra em andamento no terreno. O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, frequentemente levanta a possibilidade em seus discursos de rádio noturnos; há duas semanas, implorando aos aliados da Otan por mais armas, ele argumentou que “podemos parar a Rússia ou perder toda a Europa Oriental”.

A Rússia tem seu próprio manual, argumentando episodicamente que seus objetivos vão além da “desnazificação” da Ucrânia para a remoção das forças e armas da Otan de países aliados que não os acolheram antes de 1997. As referências freqüentes de Moscou ao risco crescente de guerra nuclear parecem destinadas a deixar claro que o Ocidente não deve ir longe demais.

Essa mensagem ressoa na Alemanha, que há muito procura evitar provocar Putin, disse Ulrich Speck, analista alemão. Dizer que “a Rússia não deve ganhar”, disse ele, é diferente de dizer “a Rússia deve perder”.

Há uma preocupação em Berlim de que “não devemos empurrar Putin com muita força contra a parede”, disse Speck, “para que ele não fique desesperado e faça algo verdadeiramente irresponsável”.

WASHINGTON - Por nove semanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os aliados ocidentais enfatizaram a necessidade de manter a guerra pela Ucrânia dentro da Ucrânia.

Agora, o medo em Washington e nas capitais europeias é que o conflito possa em breve se transformar em uma guerra mais ampla – se espalhando para estados vizinhos, para o ciberespaço e para países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que de repente enfrentam um corte de gás russo.

A longo prazo, tal expansão pode evoluir para um conflito mais direto entre Washington e Moscou, reminiscente da Guerra Fria, pois cada um procura minar o poder do outro.

Nos últimos três dias, o secretário de Defesa americano pediu um esforço para degradar a capacidade dos militares russos para que não possam invadir outro país nos próximos anos. Os russos cortaram os envios de gás para a Polônia e a Bulgária, que aderiram à Otan após o colapso da União Soviética; Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, denunciou imediatamente a medida como um “instrumento de chantagem”.

Membro da força militar da Moldávia sai de ônibus após realizar checagem de passageiros na entrada da auto-proclamada "República da Transnístria" nesta quinta-feira, 28. Região separatista, que faz fronteira com a Ucrânia, sofreu ataques com autoria não identificada nos últimos dias, e temor de uma guerra mais ampla aumentou Foto: Daniel Mihailescu / AFP

Explosões abalaram uma área disputada da Moldávia, um próximo alvo natural para os russos, e depósitos de gás e até uma fábrica de mísseis na Rússia pegaram fogo misteriosamente ou foram atacados diretamente pelas forças ucranianas.

E com frequência crescente, os russos estão lembrando ao mundo o tamanho e o poder de seu arsenal nuclear, um aviso nada sutil de que, se as forças convencionais do presidente Vladimir Putin enfrentarem perdas mais humilhantes, ele terá outras opções.

Autoridades americanas e europeias dizem não ver evidências de que os russos estejam mobilizando suas forças nucleares no campo de batalha, mas, nos bastidores, as autoridades já estão imaginando como podem reagir a um teste nuclear russo, ou uma “explosão de demonstração”, sobre o Mar Negro ou na Ucrânia.

“Ninguém quer ver essa guerra aumentar mais do que já aumentou”, disse John Kirby, porta-voz do Pentágono, na quarta-feira, quando questionado sobre as ameaças nucleares da Rússia. “Certamente ninguém quer ver, ou ninguém deveria querer ver, isso escalar para o reino nuclear.”

Autoridades americanas e europeias dizem que seus temores se baseiam em parte na crescente convicção de que o conflito pode “continuar por muito tempo”, como disse recentemente o secretário de Estado dos EUA Antony J. Blinken.

Guerra longa

Mais de dois meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os líderes ocidentais alteraram o tom dos seus discursos e sugerem que se preparam para uma guerra longa e desgastante.

Isso ocorre no momento em que Moscou adota a estratégia de ganhos progressivos no campo de batalha, com foco no leste e no sul da Ucrânia, e abandona o antigo plano de tomar Kiev de imediato.

Antes focados em um desfecho rápido da guerra, os líderes ocidentais agora declaram ter como objetivo enfraquecer a Rússia. Essa foi a afirmação do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, na segunda-feira, 25, no final de uma visita à Ucrânia.

Reunido no dia seguinte com 40 países aliados na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, Austin ressaltou a formação da aliança para coordenar uma assistência militar e humanitária à Ucrânia, com a meta principal de “fortalecer as forças armadas da Ucrânia para longo prazo”. A linguagem, em parte, pareceu ter como objetivo preparar os norte-americanos para as consequências econômicas e políticas que o conflito pode causar se for estendido.

No Reino Unido, a retórica de um desfecho rápido para a guerra foi substituída por uma linguagem semelhante. O ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, disse nesta quinta-feira, por exemplo, que a invasão da Rússia poderia se transformar em uma “ocupação lenta e congelada, como uma espécie de crescimento cancerígeno na Ucrânia”.

O discurso é outro na própria Rússia. Segundo um relatório do Royal United Services Institute, do Reino Unido, quando a guerra começou, o Kremlin acreditava que as forças armadas da Ucrânia seriam rapidamente destruídas e Moscou teria controle suficiente do país para anunciar a vitória no feriado do Dia da Vitória da Rússia, em 9 de maio.

Agora, são realizados avanços mais moderados no leste. “A Rússia está agora se preparando, diplomaticamente, militarmente e economicamente, para um conflito prolongado”, disse o relatório.

As conversas sobre uma resolução diplomática ou mesmo um cessar-fogo – tentada em vários pontos pelos líderes da França, Israel e Turquia, entre outros – se extinguiram. As forças ucranianas e russas estão trabalhando a longo prazo, concentrando-se no que esperam que seja uma guerra de artilharia no sul e leste do país, onde a Rússia concentrou suas forças após uma retirada humilhante de Kiev e outras cidades importantes.

“Putin não está disposto a recuar, nem os ucranianos, então há mais sangue por vir”, disse Robin Niblett, diretor da Chatham House, um think tank britânico. Ao mesmo tempo, a determinação americana e europeia de ajudar a Ucrânia a derrotar os russos endureceu, em parte depois que as atrocidades em Bucha e outras cidades ocupadas pelos russos ficaram claras, com até a Alemanha superando suas objeções iniciais e enviando artilharia e veículos blindados.

Seth G. Jones, que dirige o Programa de Segurança Europeu no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse na quarta-feira que “o risco de uma guerra crescente é sério agora”.

“As baixas russas continuam aumentando, e os EUA estão comprometidos em enviar armas mais poderosas que estão causando essas baixas”, disse Jones. Mais cedo ou mais tarde, acrescentou ele, o serviço de inteligência militar da Rússia pode começar a atacar esses carregamentos de armas dentro das fronteiras da Otan.

Esperança de diplomacia

Nem todas as linhas de comunicação entre Washington e Moscou entraram em colapso. Os EUA e a Rússia anunciaram uma troca de prisioneiros na quarta-feira. A troca ocorreu secretamente na Turquia, onde Trevor Reed, um ex-fuzileiro naval, foi trocado por um piloto russo que o Departamento de Justiça há muito chamava de “um traficante de drogas internacional experiente”. Mas mesmo isso tinha um ar de retorno à Guerra Fria, destacando o quanto do conflito atual também é uma luta pelo poder entre Washington e Moscou.

O momento pareceu reforçar o argumento que Stephen Kotkin, professor da Universidade de Princeton e membro sênior da Hoover Institution em Stanford, fez recentemente em Relações Exteriores quando escreveu que “o fim original da Guerra Fria foi uma miragem”, já que o esforço para integrar a Rússia no Ocidente entrou em colapso lentamente.

O próprio Biden endossou a teoria de que Putin tem projetos que vão além da Ucrânia. A invasão, disse ele no dia em que começou, em 24 de fevereiro, foi “sempre sobre agressão gratuita, sobre o desejo de Putin por um império por qualquer meio necessário”.

Mas até agora, a guerra permaneceu em grande parte dentro dos limites geográficos da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados disseram que seu objetivo era fazer a Rússia retirar suas forças “irreversivelmente”, como disse Blinken, e respeitar as fronteiras da Ucrânia como existiam antes da invasão.

Biden se recusou a impor uma zona de exclusão aérea que colocaria pilotos americanos e russos uns contra os outros. Putin denunciou o influxo de armas ocidentais para ajudar os militares ucranianos, mas nunca atacou essas linhas de abastecimento dentro do território da Otan. Agora, há sinais de que a restrição está se rompendo.

Veterano da Marinha dos EUA, Trevor Reed, foi preso em 2019 após policiais o acusarem de agressão. Na imagem, os pais de Trevor Reed pousam ao lado de um banner que diz "Liberdade para Trevor Reed" diante da Casa Branca, no dia 30 de março deste ano Foto: Stefani Reynolds / AFP

Quando a Gazprom, a gigante russa de energia, cortou o fluxo para a Polônia e a Bulgária, foi claramente um sinal de alerta de que a Alemanha – extremamente dependente do gás russo – poderia ser a próxima. A Rússia estava usando sua arma econômica mais potente, enviando uma mensagem de que poderia trazer dor e, no próximo inverno, um frio considerável à Europa Oriental e Ocidental sem disparar um tiro. Autoridades americanas disseram que foi claramente um esforço para fragmentar os aliados da Otan, que até agora permaneceram unidos.

Coincidentemente ou não, a decisão de Putin veio logo depois que o secretário de Defesa Lloyd Austin III foi além da declaração repetida do governo de que queria garantir que a Rússia saísse de sua experiência na Ucrânia estrategicamente enfraquecida.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia”, disse Austin, uma linha que parecia sugerir que os EUA queriam corroer o poder militar russo por anos - presumivelmente enquanto Putin permanecer no poder. Os controles de exportação que os EUA impuseram aos principais componentes microeletrônicos que a Rússia precisa para produzir seus mísseis e tanques parecem projetados para fazer exatamente isso.

Alguns europeus se perguntaram se os objetivos de guerra de Washington haviam se ampliado de ajudar a Ucrânia a se defender, que tem amplo apoio, para prejudicar a própria Rússia, um objetivo controverso que alimentaria uma narrativa russa de que as ações de Moscou na Ucrânia são para se defender da Otan.

Alguns funcionários do governo insistem que os comentários de Austin foram mal interpretados e que ele não estava sugerindo um objetivo estratégico de longo prazo de minar o poder russo.

Em vez disso, dizem eles, ele estava apenas ampliando declarações passadas sobre a necessidade de aprimorar as escolhas que Putin enfrenta - enquanto atrasa a capacidade da Rússia de lançar outra invasão.

Mas muitos na Europa pensaram que sua declaração sugeria uma longa guerra de atrito que poderia ter muitas frentes. “Estamos indo para uma guerra mais ampla ou isso é apenas uma gafe de Austin?” perguntou François Heisbourg, um analista de defesa francês.

“Há um consenso cada vez maior sobre o fornecimento de canhões e sistemas de armas mais complexos para a Ucrânia, e todos estão fazendo isso agora”, observou Heisbourg.

“Mas outra coisa é mudar o objetivo de guerra da Ucrânia para a Rússia. Não acredito que haja um consenso sobre isso.” Enfraquecer a capacidade militar da Rússia “é uma coisa boa a se fazer”, disse Heisbourg, “mas é um meio para um fim, não um fim em si mesmo”.

Expansão da Otan

Há outros fatores que correm o risco de ampliar o conflito. Dentro de semanas, espera-se que a Suécia e a Finlândia busquem entrar na Otan – expandindo a aliança em reação aos esforços de Putin para desfazê-la.

Mas o processo pode levar meses porque cada país da aliança teria que ratificar a medida, e isso poderia abrir um período de vulnerabilidade. A Rússia pode ameaçar os dois países antes que eles sejam formalmente aceitos na aliança e sejam cobertos pelo tratado da Otan que estipula que um ataque a um membro é um ataque a todos.

Mas há cada vez menos dúvidas de que a Suécia e a Finlândia se tornarão os 31º e 32º membros da aliança. Niblett disse que uma nova expansão da Otan – exatamente o que Putin vem se opondo nas últimas duas décadas – “tornaria explícitas as novas linhas de frente do impasse com a Rússia”.

Não surpreendentemente, ambos os lados estão jogando com o medo de que a guerra possa se espalhar, em campanhas de propaganda paralelas à guerra em andamento no terreno. O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, frequentemente levanta a possibilidade em seus discursos de rádio noturnos; há duas semanas, implorando aos aliados da Otan por mais armas, ele argumentou que “podemos parar a Rússia ou perder toda a Europa Oriental”.

A Rússia tem seu próprio manual, argumentando episodicamente que seus objetivos vão além da “desnazificação” da Ucrânia para a remoção das forças e armas da Otan de países aliados que não os acolheram antes de 1997. As referências freqüentes de Moscou ao risco crescente de guerra nuclear parecem destinadas a deixar claro que o Ocidente não deve ir longe demais.

Essa mensagem ressoa na Alemanha, que há muito procura evitar provocar Putin, disse Ulrich Speck, analista alemão. Dizer que “a Rússia não deve ganhar”, disse ele, é diferente de dizer “a Rússia deve perder”.

Há uma preocupação em Berlim de que “não devemos empurrar Putin com muita força contra a parede”, disse Speck, “para que ele não fique desesperado e faça algo verdadeiramente irresponsável”.

WASHINGTON - Por nove semanas, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e os aliados ocidentais enfatizaram a necessidade de manter a guerra pela Ucrânia dentro da Ucrânia.

Agora, o medo em Washington e nas capitais europeias é que o conflito possa em breve se transformar em uma guerra mais ampla – se espalhando para estados vizinhos, para o ciberespaço e para países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que de repente enfrentam um corte de gás russo.

A longo prazo, tal expansão pode evoluir para um conflito mais direto entre Washington e Moscou, reminiscente da Guerra Fria, pois cada um procura minar o poder do outro.

Nos últimos três dias, o secretário de Defesa americano pediu um esforço para degradar a capacidade dos militares russos para que não possam invadir outro país nos próximos anos. Os russos cortaram os envios de gás para a Polônia e a Bulgária, que aderiram à Otan após o colapso da União Soviética; Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia, denunciou imediatamente a medida como um “instrumento de chantagem”.

Membro da força militar da Moldávia sai de ônibus após realizar checagem de passageiros na entrada da auto-proclamada "República da Transnístria" nesta quinta-feira, 28. Região separatista, que faz fronteira com a Ucrânia, sofreu ataques com autoria não identificada nos últimos dias, e temor de uma guerra mais ampla aumentou Foto: Daniel Mihailescu / AFP

Explosões abalaram uma área disputada da Moldávia, um próximo alvo natural para os russos, e depósitos de gás e até uma fábrica de mísseis na Rússia pegaram fogo misteriosamente ou foram atacados diretamente pelas forças ucranianas.

E com frequência crescente, os russos estão lembrando ao mundo o tamanho e o poder de seu arsenal nuclear, um aviso nada sutil de que, se as forças convencionais do presidente Vladimir Putin enfrentarem perdas mais humilhantes, ele terá outras opções.

Autoridades americanas e europeias dizem não ver evidências de que os russos estejam mobilizando suas forças nucleares no campo de batalha, mas, nos bastidores, as autoridades já estão imaginando como podem reagir a um teste nuclear russo, ou uma “explosão de demonstração”, sobre o Mar Negro ou na Ucrânia.

“Ninguém quer ver essa guerra aumentar mais do que já aumentou”, disse John Kirby, porta-voz do Pentágono, na quarta-feira, quando questionado sobre as ameaças nucleares da Rússia. “Certamente ninguém quer ver, ou ninguém deveria querer ver, isso escalar para o reino nuclear.”

Autoridades americanas e europeias dizem que seus temores se baseiam em parte na crescente convicção de que o conflito pode “continuar por muito tempo”, como disse recentemente o secretário de Estado dos EUA Antony J. Blinken.

Guerra longa

Mais de dois meses após a invasão da Ucrânia pela Rússia, os líderes ocidentais alteraram o tom dos seus discursos e sugerem que se preparam para uma guerra longa e desgastante.

Isso ocorre no momento em que Moscou adota a estratégia de ganhos progressivos no campo de batalha, com foco no leste e no sul da Ucrânia, e abandona o antigo plano de tomar Kiev de imediato.

Antes focados em um desfecho rápido da guerra, os líderes ocidentais agora declaram ter como objetivo enfraquecer a Rússia. Essa foi a afirmação do secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd J. Austin III, na segunda-feira, 25, no final de uma visita à Ucrânia.

Reunido no dia seguinte com 40 países aliados na Base Aérea de Ramstein, na Alemanha, Austin ressaltou a formação da aliança para coordenar uma assistência militar e humanitária à Ucrânia, com a meta principal de “fortalecer as forças armadas da Ucrânia para longo prazo”. A linguagem, em parte, pareceu ter como objetivo preparar os norte-americanos para as consequências econômicas e políticas que o conflito pode causar se for estendido.

No Reino Unido, a retórica de um desfecho rápido para a guerra foi substituída por uma linguagem semelhante. O ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, disse nesta quinta-feira, por exemplo, que a invasão da Rússia poderia se transformar em uma “ocupação lenta e congelada, como uma espécie de crescimento cancerígeno na Ucrânia”.

O discurso é outro na própria Rússia. Segundo um relatório do Royal United Services Institute, do Reino Unido, quando a guerra começou, o Kremlin acreditava que as forças armadas da Ucrânia seriam rapidamente destruídas e Moscou teria controle suficiente do país para anunciar a vitória no feriado do Dia da Vitória da Rússia, em 9 de maio.

Agora, são realizados avanços mais moderados no leste. “A Rússia está agora se preparando, diplomaticamente, militarmente e economicamente, para um conflito prolongado”, disse o relatório.

As conversas sobre uma resolução diplomática ou mesmo um cessar-fogo – tentada em vários pontos pelos líderes da França, Israel e Turquia, entre outros – se extinguiram. As forças ucranianas e russas estão trabalhando a longo prazo, concentrando-se no que esperam que seja uma guerra de artilharia no sul e leste do país, onde a Rússia concentrou suas forças após uma retirada humilhante de Kiev e outras cidades importantes.

“Putin não está disposto a recuar, nem os ucranianos, então há mais sangue por vir”, disse Robin Niblett, diretor da Chatham House, um think tank britânico. Ao mesmo tempo, a determinação americana e europeia de ajudar a Ucrânia a derrotar os russos endureceu, em parte depois que as atrocidades em Bucha e outras cidades ocupadas pelos russos ficaram claras, com até a Alemanha superando suas objeções iniciais e enviando artilharia e veículos blindados.

Seth G. Jones, que dirige o Programa de Segurança Europeu no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse na quarta-feira que “o risco de uma guerra crescente é sério agora”.

“As baixas russas continuam aumentando, e os EUA estão comprometidos em enviar armas mais poderosas que estão causando essas baixas”, disse Jones. Mais cedo ou mais tarde, acrescentou ele, o serviço de inteligência militar da Rússia pode começar a atacar esses carregamentos de armas dentro das fronteiras da Otan.

Esperança de diplomacia

Nem todas as linhas de comunicação entre Washington e Moscou entraram em colapso. Os EUA e a Rússia anunciaram uma troca de prisioneiros na quarta-feira. A troca ocorreu secretamente na Turquia, onde Trevor Reed, um ex-fuzileiro naval, foi trocado por um piloto russo que o Departamento de Justiça há muito chamava de “um traficante de drogas internacional experiente”. Mas mesmo isso tinha um ar de retorno à Guerra Fria, destacando o quanto do conflito atual também é uma luta pelo poder entre Washington e Moscou.

O momento pareceu reforçar o argumento que Stephen Kotkin, professor da Universidade de Princeton e membro sênior da Hoover Institution em Stanford, fez recentemente em Relações Exteriores quando escreveu que “o fim original da Guerra Fria foi uma miragem”, já que o esforço para integrar a Rússia no Ocidente entrou em colapso lentamente.

O próprio Biden endossou a teoria de que Putin tem projetos que vão além da Ucrânia. A invasão, disse ele no dia em que começou, em 24 de fevereiro, foi “sempre sobre agressão gratuita, sobre o desejo de Putin por um império por qualquer meio necessário”.

Mas até agora, a guerra permaneceu em grande parte dentro dos limites geográficos da Ucrânia. Os Estados Unidos e seus aliados disseram que seu objetivo era fazer a Rússia retirar suas forças “irreversivelmente”, como disse Blinken, e respeitar as fronteiras da Ucrânia como existiam antes da invasão.

Biden se recusou a impor uma zona de exclusão aérea que colocaria pilotos americanos e russos uns contra os outros. Putin denunciou o influxo de armas ocidentais para ajudar os militares ucranianos, mas nunca atacou essas linhas de abastecimento dentro do território da Otan. Agora, há sinais de que a restrição está se rompendo.

Veterano da Marinha dos EUA, Trevor Reed, foi preso em 2019 após policiais o acusarem de agressão. Na imagem, os pais de Trevor Reed pousam ao lado de um banner que diz "Liberdade para Trevor Reed" diante da Casa Branca, no dia 30 de março deste ano Foto: Stefani Reynolds / AFP

Quando a Gazprom, a gigante russa de energia, cortou o fluxo para a Polônia e a Bulgária, foi claramente um sinal de alerta de que a Alemanha – extremamente dependente do gás russo – poderia ser a próxima. A Rússia estava usando sua arma econômica mais potente, enviando uma mensagem de que poderia trazer dor e, no próximo inverno, um frio considerável à Europa Oriental e Ocidental sem disparar um tiro. Autoridades americanas disseram que foi claramente um esforço para fragmentar os aliados da Otan, que até agora permaneceram unidos.

Coincidentemente ou não, a decisão de Putin veio logo depois que o secretário de Defesa Lloyd Austin III foi além da declaração repetida do governo de que queria garantir que a Rússia saísse de sua experiência na Ucrânia estrategicamente enfraquecida.

“Queremos ver a Rússia enfraquecida ao ponto de não poder fazer o tipo de coisa que fez ao invadir a Ucrânia”, disse Austin, uma linha que parecia sugerir que os EUA queriam corroer o poder militar russo por anos - presumivelmente enquanto Putin permanecer no poder. Os controles de exportação que os EUA impuseram aos principais componentes microeletrônicos que a Rússia precisa para produzir seus mísseis e tanques parecem projetados para fazer exatamente isso.

Alguns europeus se perguntaram se os objetivos de guerra de Washington haviam se ampliado de ajudar a Ucrânia a se defender, que tem amplo apoio, para prejudicar a própria Rússia, um objetivo controverso que alimentaria uma narrativa russa de que as ações de Moscou na Ucrânia são para se defender da Otan.

Alguns funcionários do governo insistem que os comentários de Austin foram mal interpretados e que ele não estava sugerindo um objetivo estratégico de longo prazo de minar o poder russo.

Em vez disso, dizem eles, ele estava apenas ampliando declarações passadas sobre a necessidade de aprimorar as escolhas que Putin enfrenta - enquanto atrasa a capacidade da Rússia de lançar outra invasão.

Mas muitos na Europa pensaram que sua declaração sugeria uma longa guerra de atrito que poderia ter muitas frentes. “Estamos indo para uma guerra mais ampla ou isso é apenas uma gafe de Austin?” perguntou François Heisbourg, um analista de defesa francês.

“Há um consenso cada vez maior sobre o fornecimento de canhões e sistemas de armas mais complexos para a Ucrânia, e todos estão fazendo isso agora”, observou Heisbourg.

“Mas outra coisa é mudar o objetivo de guerra da Ucrânia para a Rússia. Não acredito que haja um consenso sobre isso.” Enfraquecer a capacidade militar da Rússia “é uma coisa boa a se fazer”, disse Heisbourg, “mas é um meio para um fim, não um fim em si mesmo”.

Expansão da Otan

Há outros fatores que correm o risco de ampliar o conflito. Dentro de semanas, espera-se que a Suécia e a Finlândia busquem entrar na Otan – expandindo a aliança em reação aos esforços de Putin para desfazê-la.

Mas o processo pode levar meses porque cada país da aliança teria que ratificar a medida, e isso poderia abrir um período de vulnerabilidade. A Rússia pode ameaçar os dois países antes que eles sejam formalmente aceitos na aliança e sejam cobertos pelo tratado da Otan que estipula que um ataque a um membro é um ataque a todos.

Mas há cada vez menos dúvidas de que a Suécia e a Finlândia se tornarão os 31º e 32º membros da aliança. Niblett disse que uma nova expansão da Otan – exatamente o que Putin vem se opondo nas últimas duas décadas – “tornaria explícitas as novas linhas de frente do impasse com a Rússia”.

Não surpreendentemente, ambos os lados estão jogando com o medo de que a guerra possa se espalhar, em campanhas de propaganda paralelas à guerra em andamento no terreno. O presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski, frequentemente levanta a possibilidade em seus discursos de rádio noturnos; há duas semanas, implorando aos aliados da Otan por mais armas, ele argumentou que “podemos parar a Rússia ou perder toda a Europa Oriental”.

A Rússia tem seu próprio manual, argumentando episodicamente que seus objetivos vão além da “desnazificação” da Ucrânia para a remoção das forças e armas da Otan de países aliados que não os acolheram antes de 1997. As referências freqüentes de Moscou ao risco crescente de guerra nuclear parecem destinadas a deixar claro que o Ocidente não deve ir longe demais.

Essa mensagem ressoa na Alemanha, que há muito procura evitar provocar Putin, disse Ulrich Speck, analista alemão. Dizer que “a Rússia não deve ganhar”, disse ele, é diferente de dizer “a Rússia deve perder”.

Há uma preocupação em Berlim de que “não devemos empurrar Putin com muita força contra a parede”, disse Speck, “para que ele não fique desesperado e faça algo verdadeiramente irresponsável”.

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