Odessa e a Ucrânia que poderia ter sido e não foi; leia a análise de Paul Krugman


Em 1913, Odessa parecia a caminho de se tornar uma das grandes cidades do mundo, então a história interveio

Por Paul Krugman*

THE NEW YORK TIMES - A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin elevou os preços de muitas commodities. E não é só petróleo e gás. Do ponto de vista humanitário, o aumento dos preços dos alimentos, especialmente do trigo, pode ser um problema ainda maior.

Antes da guerra, a Rússia e a Ucrânia produziam quase um quarto do trigo do mundo, grande parte exportado. Tanto os efeitos diretos da guerra quanto as sanções impostas à Rússia estão interrompendo esse fornecimento; ninguém sabe quanto tempo essa ruptura pode durar ou quanto sofrimento os altos preços dos alimentos causarão em todo o mundo, especialmente nos países pobres.

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Mas como e quando o mundo se tornou dependente do trigo de partes da antiga União Soviética? (O Departamento de Agricultura dos EUA se refere aos principais exportadores de trigo como KRU, para Casaquistão, Rússia e Ucrânia.) Essa é uma história mais interessante do que você imagina, pois a KRU se tornou o celeiro do mundo não uma, mas duas vezes.

Família se despede em Odessa em 22 de março Foto: Petros Giannakouris/AP

O comunismo fez muitas coisas mal feitas, mas uma das coisas que fez pior foi produzir alimentos. A coletivização da agricultura de Joseph Stalin levou à fome na Ucrânia de 1932-33 – o Holodomor – que matou milhões. Em seus anos finais, a União Soviética não passava fome, mas dependia de importações de grãos em grande escala.

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Após o colapso soviético, no entanto, isso mudou. Cerca de 20 anos atrás, a KRU, aproveitando a fertilidade de seu famoso “solo negro” e a ascensão da globalização em geral, começou a exportar quantidades cada vez maiores de grãos:

Mas enquanto isso era algo novo, também era algo antigo. Como sabem os estudantes de história econômica, a globalização realmente começou no século 19, possibilitada pelas tecnologias revolucionárias das ferrovias e navios a vapor.

Comparação das imagens de um hotel em Odessa antes e após a invasão da Ucrânia pela Rússia  Foto: Sedat Suna/EFE/EPA
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Se pensarmos na globalização como algo mais recente, é apenas porque o comércio mundial recuou diante das guerras mundiais e da Grande Depressão, recuperando-se aos níveis anteriores à 1ª Guerra apenas por volta de 1980.

E a KRU inicialmente se tornou um grande produtor de trigo durante a primeira era da globalização.

Qual foi o epicentro desse grande complexo agrícola? A cidade de Odessa, que no sentido econômico se tornou mais ou menos a Chicago do Oriente, o lugar onde as ferrovias reuniam a abundância de um vasto coração agrícola e o enviavam para o mundo.

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A cidade só foi fundada em 1794 - por Catarina, a Grande - mas cresceu junto com o comércio exterior da região, tornando-se a quarta maior cidade do Império Russo, depois de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia (há uma razão para os poloneses estarem especialmente preocupados com a agressão de Putin).

E a odessa. Como porta de entrada para o mundo, atraiu uma população extraordinariamente diversificada.

Como parte do Pale of Settlement - a parte do império russo em que os judeus podiam residir - era especialmente atraente para milhares de jovens que buscavam escapar dos confins do shtetl, as minúsculas aldeias isoladas no leste europeu onde os judeus moravam. Os judeus compunham cerca de um terço de sua população. (Meus avós maternos vieram de algum lugar perto de Odessa.)

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Essa mistura de pessoas em busca de liberdade e oportunidade levou a um florescimento cultural. Odessa era famosa por seus cafés, sua literatura, sua música.

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Na estação de metrô Syrets, em Kiev, diversos idosos precisam se acomodar para passarem seus dias e noites protegidos

Então a história interveio.

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Não acho tolo ou anacrônico dizer que as coisas que tornavam Odessa especial, que deveriam tê-la tornado uma das grandes metrópoles do mundo, eram precisamente as coisas que os etnonacionalistas, então e agora, odeiam: diversidade étnica e religiosa, curiosidade, abertura para o mundo.

Às vésperas da invasão russa, parecia que a Ucrânia estava finalmente conseguindo recuperar algumas dessas coisas – o que, por sua vez, certamente é parte da razão pela qual Vladimir Putin decidiu que tinha que ser conquistada.

E talvez lembrar o que Odessa pode ter se tornado nos ajude a lembrar como é importante que essa tentativa de conquista falhe.

*Paul Krugman é colunista de opinião do NYT e professor do City University of New York. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

THE NEW YORK TIMES - A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin elevou os preços de muitas commodities. E não é só petróleo e gás. Do ponto de vista humanitário, o aumento dos preços dos alimentos, especialmente do trigo, pode ser um problema ainda maior.

Antes da guerra, a Rússia e a Ucrânia produziam quase um quarto do trigo do mundo, grande parte exportado. Tanto os efeitos diretos da guerra quanto as sanções impostas à Rússia estão interrompendo esse fornecimento; ninguém sabe quanto tempo essa ruptura pode durar ou quanto sofrimento os altos preços dos alimentos causarão em todo o mundo, especialmente nos países pobres.

Mas como e quando o mundo se tornou dependente do trigo de partes da antiga União Soviética? (O Departamento de Agricultura dos EUA se refere aos principais exportadores de trigo como KRU, para Casaquistão, Rússia e Ucrânia.) Essa é uma história mais interessante do que você imagina, pois a KRU se tornou o celeiro do mundo não uma, mas duas vezes.

Família se despede em Odessa em 22 de março Foto: Petros Giannakouris/AP

O comunismo fez muitas coisas mal feitas, mas uma das coisas que fez pior foi produzir alimentos. A coletivização da agricultura de Joseph Stalin levou à fome na Ucrânia de 1932-33 – o Holodomor – que matou milhões. Em seus anos finais, a União Soviética não passava fome, mas dependia de importações de grãos em grande escala.

Após o colapso soviético, no entanto, isso mudou. Cerca de 20 anos atrás, a KRU, aproveitando a fertilidade de seu famoso “solo negro” e a ascensão da globalização em geral, começou a exportar quantidades cada vez maiores de grãos:

Mas enquanto isso era algo novo, também era algo antigo. Como sabem os estudantes de história econômica, a globalização realmente começou no século 19, possibilitada pelas tecnologias revolucionárias das ferrovias e navios a vapor.

Comparação das imagens de um hotel em Odessa antes e após a invasão da Ucrânia pela Rússia  Foto: Sedat Suna/EFE/EPA

Se pensarmos na globalização como algo mais recente, é apenas porque o comércio mundial recuou diante das guerras mundiais e da Grande Depressão, recuperando-se aos níveis anteriores à 1ª Guerra apenas por volta de 1980.

E a KRU inicialmente se tornou um grande produtor de trigo durante a primeira era da globalização.

Qual foi o epicentro desse grande complexo agrícola? A cidade de Odessa, que no sentido econômico se tornou mais ou menos a Chicago do Oriente, o lugar onde as ferrovias reuniam a abundância de um vasto coração agrícola e o enviavam para o mundo.

A cidade só foi fundada em 1794 - por Catarina, a Grande - mas cresceu junto com o comércio exterior da região, tornando-se a quarta maior cidade do Império Russo, depois de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia (há uma razão para os poloneses estarem especialmente preocupados com a agressão de Putin).

E a odessa. Como porta de entrada para o mundo, atraiu uma população extraordinariamente diversificada.

Como parte do Pale of Settlement - a parte do império russo em que os judeus podiam residir - era especialmente atraente para milhares de jovens que buscavam escapar dos confins do shtetl, as minúsculas aldeias isoladas no leste europeu onde os judeus moravam. Os judeus compunham cerca de um terço de sua população. (Meus avós maternos vieram de algum lugar perto de Odessa.)

Essa mistura de pessoas em busca de liberdade e oportunidade levou a um florescimento cultural. Odessa era famosa por seus cafés, sua literatura, sua música.

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Então a história interveio.

Não acho tolo ou anacrônico dizer que as coisas que tornavam Odessa especial, que deveriam tê-la tornado uma das grandes metrópoles do mundo, eram precisamente as coisas que os etnonacionalistas, então e agora, odeiam: diversidade étnica e religiosa, curiosidade, abertura para o mundo.

Às vésperas da invasão russa, parecia que a Ucrânia estava finalmente conseguindo recuperar algumas dessas coisas – o que, por sua vez, certamente é parte da razão pela qual Vladimir Putin decidiu que tinha que ser conquistada.

E talvez lembrar o que Odessa pode ter se tornado nos ajude a lembrar como é importante que essa tentativa de conquista falhe.

*Paul Krugman é colunista de opinião do NYT e professor do City University of New York. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

THE NEW YORK TIMES - A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin elevou os preços de muitas commodities. E não é só petróleo e gás. Do ponto de vista humanitário, o aumento dos preços dos alimentos, especialmente do trigo, pode ser um problema ainda maior.

Antes da guerra, a Rússia e a Ucrânia produziam quase um quarto do trigo do mundo, grande parte exportado. Tanto os efeitos diretos da guerra quanto as sanções impostas à Rússia estão interrompendo esse fornecimento; ninguém sabe quanto tempo essa ruptura pode durar ou quanto sofrimento os altos preços dos alimentos causarão em todo o mundo, especialmente nos países pobres.

Mas como e quando o mundo se tornou dependente do trigo de partes da antiga União Soviética? (O Departamento de Agricultura dos EUA se refere aos principais exportadores de trigo como KRU, para Casaquistão, Rússia e Ucrânia.) Essa é uma história mais interessante do que você imagina, pois a KRU se tornou o celeiro do mundo não uma, mas duas vezes.

Família se despede em Odessa em 22 de março Foto: Petros Giannakouris/AP

O comunismo fez muitas coisas mal feitas, mas uma das coisas que fez pior foi produzir alimentos. A coletivização da agricultura de Joseph Stalin levou à fome na Ucrânia de 1932-33 – o Holodomor – que matou milhões. Em seus anos finais, a União Soviética não passava fome, mas dependia de importações de grãos em grande escala.

Após o colapso soviético, no entanto, isso mudou. Cerca de 20 anos atrás, a KRU, aproveitando a fertilidade de seu famoso “solo negro” e a ascensão da globalização em geral, começou a exportar quantidades cada vez maiores de grãos:

Mas enquanto isso era algo novo, também era algo antigo. Como sabem os estudantes de história econômica, a globalização realmente começou no século 19, possibilitada pelas tecnologias revolucionárias das ferrovias e navios a vapor.

Comparação das imagens de um hotel em Odessa antes e após a invasão da Ucrânia pela Rússia  Foto: Sedat Suna/EFE/EPA

Se pensarmos na globalização como algo mais recente, é apenas porque o comércio mundial recuou diante das guerras mundiais e da Grande Depressão, recuperando-se aos níveis anteriores à 1ª Guerra apenas por volta de 1980.

E a KRU inicialmente se tornou um grande produtor de trigo durante a primeira era da globalização.

Qual foi o epicentro desse grande complexo agrícola? A cidade de Odessa, que no sentido econômico se tornou mais ou menos a Chicago do Oriente, o lugar onde as ferrovias reuniam a abundância de um vasto coração agrícola e o enviavam para o mundo.

A cidade só foi fundada em 1794 - por Catarina, a Grande - mas cresceu junto com o comércio exterior da região, tornando-se a quarta maior cidade do Império Russo, depois de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia (há uma razão para os poloneses estarem especialmente preocupados com a agressão de Putin).

E a odessa. Como porta de entrada para o mundo, atraiu uma população extraordinariamente diversificada.

Como parte do Pale of Settlement - a parte do império russo em que os judeus podiam residir - era especialmente atraente para milhares de jovens que buscavam escapar dos confins do shtetl, as minúsculas aldeias isoladas no leste europeu onde os judeus moravam. Os judeus compunham cerca de um terço de sua população. (Meus avós maternos vieram de algum lugar perto de Odessa.)

Essa mistura de pessoas em busca de liberdade e oportunidade levou a um florescimento cultural. Odessa era famosa por seus cafés, sua literatura, sua música.

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Na estação de metrô Syrets, em Kiev, diversos idosos precisam se acomodar para passarem seus dias e noites protegidos

Então a história interveio.

Não acho tolo ou anacrônico dizer que as coisas que tornavam Odessa especial, que deveriam tê-la tornado uma das grandes metrópoles do mundo, eram precisamente as coisas que os etnonacionalistas, então e agora, odeiam: diversidade étnica e religiosa, curiosidade, abertura para o mundo.

Às vésperas da invasão russa, parecia que a Ucrânia estava finalmente conseguindo recuperar algumas dessas coisas – o que, por sua vez, certamente é parte da razão pela qual Vladimir Putin decidiu que tinha que ser conquistada.

E talvez lembrar o que Odessa pode ter se tornado nos ajude a lembrar como é importante que essa tentativa de conquista falhe.

*Paul Krugman é colunista de opinião do NYT e professor do City University of New York. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

THE NEW YORK TIMES - A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin elevou os preços de muitas commodities. E não é só petróleo e gás. Do ponto de vista humanitário, o aumento dos preços dos alimentos, especialmente do trigo, pode ser um problema ainda maior.

Antes da guerra, a Rússia e a Ucrânia produziam quase um quarto do trigo do mundo, grande parte exportado. Tanto os efeitos diretos da guerra quanto as sanções impostas à Rússia estão interrompendo esse fornecimento; ninguém sabe quanto tempo essa ruptura pode durar ou quanto sofrimento os altos preços dos alimentos causarão em todo o mundo, especialmente nos países pobres.

Mas como e quando o mundo se tornou dependente do trigo de partes da antiga União Soviética? (O Departamento de Agricultura dos EUA se refere aos principais exportadores de trigo como KRU, para Casaquistão, Rússia e Ucrânia.) Essa é uma história mais interessante do que você imagina, pois a KRU se tornou o celeiro do mundo não uma, mas duas vezes.

Família se despede em Odessa em 22 de março Foto: Petros Giannakouris/AP

O comunismo fez muitas coisas mal feitas, mas uma das coisas que fez pior foi produzir alimentos. A coletivização da agricultura de Joseph Stalin levou à fome na Ucrânia de 1932-33 – o Holodomor – que matou milhões. Em seus anos finais, a União Soviética não passava fome, mas dependia de importações de grãos em grande escala.

Após o colapso soviético, no entanto, isso mudou. Cerca de 20 anos atrás, a KRU, aproveitando a fertilidade de seu famoso “solo negro” e a ascensão da globalização em geral, começou a exportar quantidades cada vez maiores de grãos:

Mas enquanto isso era algo novo, também era algo antigo. Como sabem os estudantes de história econômica, a globalização realmente começou no século 19, possibilitada pelas tecnologias revolucionárias das ferrovias e navios a vapor.

Comparação das imagens de um hotel em Odessa antes e após a invasão da Ucrânia pela Rússia  Foto: Sedat Suna/EFE/EPA

Se pensarmos na globalização como algo mais recente, é apenas porque o comércio mundial recuou diante das guerras mundiais e da Grande Depressão, recuperando-se aos níveis anteriores à 1ª Guerra apenas por volta de 1980.

E a KRU inicialmente se tornou um grande produtor de trigo durante a primeira era da globalização.

Qual foi o epicentro desse grande complexo agrícola? A cidade de Odessa, que no sentido econômico se tornou mais ou menos a Chicago do Oriente, o lugar onde as ferrovias reuniam a abundância de um vasto coração agrícola e o enviavam para o mundo.

A cidade só foi fundada em 1794 - por Catarina, a Grande - mas cresceu junto com o comércio exterior da região, tornando-se a quarta maior cidade do Império Russo, depois de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia (há uma razão para os poloneses estarem especialmente preocupados com a agressão de Putin).

E a odessa. Como porta de entrada para o mundo, atraiu uma população extraordinariamente diversificada.

Como parte do Pale of Settlement - a parte do império russo em que os judeus podiam residir - era especialmente atraente para milhares de jovens que buscavam escapar dos confins do shtetl, as minúsculas aldeias isoladas no leste europeu onde os judeus moravam. Os judeus compunham cerca de um terço de sua população. (Meus avós maternos vieram de algum lugar perto de Odessa.)

Essa mistura de pessoas em busca de liberdade e oportunidade levou a um florescimento cultural. Odessa era famosa por seus cafés, sua literatura, sua música.

Seu navegador não suporta esse video.

Na estação de metrô Syrets, em Kiev, diversos idosos precisam se acomodar para passarem seus dias e noites protegidos

Então a história interveio.

Não acho tolo ou anacrônico dizer que as coisas que tornavam Odessa especial, que deveriam tê-la tornado uma das grandes metrópoles do mundo, eram precisamente as coisas que os etnonacionalistas, então e agora, odeiam: diversidade étnica e religiosa, curiosidade, abertura para o mundo.

Às vésperas da invasão russa, parecia que a Ucrânia estava finalmente conseguindo recuperar algumas dessas coisas – o que, por sua vez, certamente é parte da razão pela qual Vladimir Putin decidiu que tinha que ser conquistada.

E talvez lembrar o que Odessa pode ter se tornado nos ajude a lembrar como é importante que essa tentativa de conquista falhe.

*Paul Krugman é colunista de opinião do NYT e professor do City University of New York. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

THE NEW YORK TIMES - A invasão da Ucrânia por Vladimir Putin elevou os preços de muitas commodities. E não é só petróleo e gás. Do ponto de vista humanitário, o aumento dos preços dos alimentos, especialmente do trigo, pode ser um problema ainda maior.

Antes da guerra, a Rússia e a Ucrânia produziam quase um quarto do trigo do mundo, grande parte exportado. Tanto os efeitos diretos da guerra quanto as sanções impostas à Rússia estão interrompendo esse fornecimento; ninguém sabe quanto tempo essa ruptura pode durar ou quanto sofrimento os altos preços dos alimentos causarão em todo o mundo, especialmente nos países pobres.

Mas como e quando o mundo se tornou dependente do trigo de partes da antiga União Soviética? (O Departamento de Agricultura dos EUA se refere aos principais exportadores de trigo como KRU, para Casaquistão, Rússia e Ucrânia.) Essa é uma história mais interessante do que você imagina, pois a KRU se tornou o celeiro do mundo não uma, mas duas vezes.

Família se despede em Odessa em 22 de março Foto: Petros Giannakouris/AP

O comunismo fez muitas coisas mal feitas, mas uma das coisas que fez pior foi produzir alimentos. A coletivização da agricultura de Joseph Stalin levou à fome na Ucrânia de 1932-33 – o Holodomor – que matou milhões. Em seus anos finais, a União Soviética não passava fome, mas dependia de importações de grãos em grande escala.

Após o colapso soviético, no entanto, isso mudou. Cerca de 20 anos atrás, a KRU, aproveitando a fertilidade de seu famoso “solo negro” e a ascensão da globalização em geral, começou a exportar quantidades cada vez maiores de grãos:

Mas enquanto isso era algo novo, também era algo antigo. Como sabem os estudantes de história econômica, a globalização realmente começou no século 19, possibilitada pelas tecnologias revolucionárias das ferrovias e navios a vapor.

Comparação das imagens de um hotel em Odessa antes e após a invasão da Ucrânia pela Rússia  Foto: Sedat Suna/EFE/EPA

Se pensarmos na globalização como algo mais recente, é apenas porque o comércio mundial recuou diante das guerras mundiais e da Grande Depressão, recuperando-se aos níveis anteriores à 1ª Guerra apenas por volta de 1980.

E a KRU inicialmente se tornou um grande produtor de trigo durante a primeira era da globalização.

Qual foi o epicentro desse grande complexo agrícola? A cidade de Odessa, que no sentido econômico se tornou mais ou menos a Chicago do Oriente, o lugar onde as ferrovias reuniam a abundância de um vasto coração agrícola e o enviavam para o mundo.

A cidade só foi fundada em 1794 - por Catarina, a Grande - mas cresceu junto com o comércio exterior da região, tornando-se a quarta maior cidade do Império Russo, depois de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia (há uma razão para os poloneses estarem especialmente preocupados com a agressão de Putin).

E a odessa. Como porta de entrada para o mundo, atraiu uma população extraordinariamente diversificada.

Como parte do Pale of Settlement - a parte do império russo em que os judeus podiam residir - era especialmente atraente para milhares de jovens que buscavam escapar dos confins do shtetl, as minúsculas aldeias isoladas no leste europeu onde os judeus moravam. Os judeus compunham cerca de um terço de sua população. (Meus avós maternos vieram de algum lugar perto de Odessa.)

Essa mistura de pessoas em busca de liberdade e oportunidade levou a um florescimento cultural. Odessa era famosa por seus cafés, sua literatura, sua música.

Seu navegador não suporta esse video.

Na estação de metrô Syrets, em Kiev, diversos idosos precisam se acomodar para passarem seus dias e noites protegidos

Então a história interveio.

Não acho tolo ou anacrônico dizer que as coisas que tornavam Odessa especial, que deveriam tê-la tornado uma das grandes metrópoles do mundo, eram precisamente as coisas que os etnonacionalistas, então e agora, odeiam: diversidade étnica e religiosa, curiosidade, abertura para o mundo.

Às vésperas da invasão russa, parecia que a Ucrânia estava finalmente conseguindo recuperar algumas dessas coisas – o que, por sua vez, certamente é parte da razão pela qual Vladimir Putin decidiu que tinha que ser conquistada.

E talvez lembrar o que Odessa pode ter se tornado nos ajude a lembrar como é importante que essa tentativa de conquista falhe.

*Paul Krugman é colunista de opinião do NYT e professor do City University of New York. Ele ganhou o Prêmio Nobel de Ciências Econômicas de 2008 por seu trabalho sobre comércio internacional e geografia econômica.

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