Enquanto alguns líderes com ambições autoritárias ainda optam pela abordagem clássica de destruir a democracia – como Pedro Castillo, cuja tentativa de autogolpe no dia 7 de dezembro fracassou –, um grupo crescente escolhe uma estratégia mais sutil, buscando enfraquecer os órgãos eleitorais de seus respectivos países, para depois poder lançar dúvidas sobre os resultados. Sem apresentar provas concretas de fraude, tais líderes questionam a imparcialidade das estruturas responsáveis pela organização dos pleitos e sugerem que o sistema opera contra eles. Projetando-se como “homens do povo” em luta contra o establishment, argumentam que o sistema eleitoral é corrupto, enviesado e intransparente.
Foi exatamente com essa argumentação que o partido governista mexicano aprovou no Congresso, na última quinta-feira, uma reforma eleitoral, reduzindo o financiamento público para o Instituto Nacional Eleitoral (INE), entidade autônoma responsável pela organização das eleições. O INE perderá em torno de 85% de sua burocracia profissional, limitando sua capacidade de garantir a organização de eleições limpas e que partidos cumpram a legislação eleitoral. Trata-se de um ataque devastador contra a democracia mexicana.
Tanto quanto Trump e Bolsonaro, que nunca explicitamente reconheceram suas respectivas derrotas nas eleições de 2020 e 2022, o atual presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador (conhecido como AMLO) não aceitou sua derrota apertada nas eleições presidenciais de 2006, quando perdeu por 0.4% dos votos. Em gesto patético, chegou a organizar uma “posse” paralela para si mesmo e mobilizou seus seguidores, sem ter apresentado provas concretas de fraude. A destruição do INE é particularmente trágica porque a estrutura, uma das instituições mais respeitadas do país, é um verdadeiro símbolo da transição para a democracia ao longo da década de 1990.
Os ataques contra órgãos eleitorais são o reflexo natural de lideranças cujo objetivo é a concentração indevida de poder. Enquanto Donald Trump tentou, sem sucesso, convencer oficiais eleitorais a alterar o resultado em alguns estados que perdeu em 2020, o presidente Bolsonaro há anos semeou dúvidas e instou seus seguidores a criticarem o TSE. O resultado são democracias mais vulneráveis e uma quantidade cada vez maior de seguidores incapazes a virar a página quando seu candidato perde. Da mesma forma, os ataques populistas contra os órgãos eleitorais servem para promover uma teoria conspiratória usada com frequência: a burocracia estatal seria controlada por uma elite desconectada do “povo” e, portanto, representa uma ameaça à vontade popular.
As investidas contra os órgãos eleitorais têm o potencial de corroer a estabilidade democrática, pois reduzem, aos olhos de parte dos eleitores, a legitimidade dos governantes e afetam negativamente a governabilidade. No caso do México, porém, as consequências nefastas podem surtir efeito mais rapidamente ainda: depois dos cortes orçamentários, é altamente incerto se o INE ainda terá a capacidade de organizar eleições seguras, dando mais espaço ao partido governista de abusar de seu controle sobre o sistema. Não surpreende, portanto, que numerosos representantes da sociedade civil, da oposição e de associações de negócios tenham criticado o desmonte do órgão eleitoral.
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As estratégias de Trump, AMLO e Bolsonaro podem ter sinais ideológicos diferentes – AMLO é esquerdista, enquanto Trump e Bolsonaro são de direita, mas a essência de sua rejeição de freios e contrapesos é a mesma. Tanto AMLO quanto Bolsonaro, ambos nacionalistas, promoveram uma militarização da política, demonizam a imprensa tradicional e buscam dialogar diretamente com seus seguidores, frequentemente criticam ONGs de direitos humanos e movimentos feministas, não priorizam o combate contra mudanças climáticas, têm o hábito de organizar marchas pró-governo e reclamam que o legislativo e o judiciário não o deixam governar. Inimigos, é claro, são rotulados como “inimigos da pátria”.
É mais um exemplo a demonstrar que a tradicional divisão esquerda vs. direita para compreender a política nos faz ignorar uma divisão talvez mais importante ainda: governos comprometidos com a ordem democrática e a divisão de poderes – como o presidente uruguaio Lacalle Pou, de direita, e o presidente chileno Gabriel Boric, de esquerda – e líderes que buscam enfraquecer as instituições democráticas – como AMLO de esquerda e Bolsonaro de direita.