Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Expansão do Brics seria mau negócio para o Brasil; leia a coluna de Oliver Stuenkel


A Índia e o Brasil acertam ao se opor à tentativa chinesa e russa de convidar novos integrantes para o Brics

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul estão reunidos em Johannesburgo para a 15ª cúpula do Brics. Por vários motivos, será o encontro mais importante da história do bloco, que se transformou em um grupo geopolítico em 2009, quando houve a primeira cúpula dos líderes.

Em primeiro lugar, o anfitrião precisa lidar com uma situação diplomática delicada: como signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), a África do Sul tem a obrigação de prender o presidente russo se ele comparecer à cúpula, pois o TPI emitiu, em março, mandado de prisão contra Putin pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

Ao longo dos últimos meses, o governo sul-africano até considerou, para evitar o constrangimento, transferir a cúpula para a China – que não é signatária do TPI. Afinal, como o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki apontou recentemente: “Não podemos dizer ao presidente Putin, ‘por favor, venha para a África do Sul’ e depois prendê-lo. Ao mesmo tempo, não podemos dizer ‘venha para a África do Sul’ e não o prender – porque estamos violando nossa própria lei – e não podemos nos comportar como um governo sem lei”.

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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a primeira dama, Janja, são recebidos com cerimônia típica sul-africana na chegada para a Cúpula do Brics Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Porém, ao que tudo indica, é justamente isso que o governo sul-africano fará, atitude que não apenas representaria um triunfo diplomático para Vladimir Putin, mas também fortaleceria o grupo Brics: afinal, a África do Sul se mostraria disposta a violar sua própria legislação para preservar a tradição diplomática das cúpulas do Brics, às quais nenhum presidente deixou de comparecer desde que a plataforma foi criada.

Em segundo lugar, na cúpula de Johannesburgo, o grupo Brics estará diante da decisão mais importante de sua história: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes do clube. Em 2010, a China conseguiu convencer o Brasil, a Rússia e a Índia a agregar a África do Sul, argumentando que incluir um país africano dava ao Brics mais legitimidade para falar em nome do mundo em desenvolvimento.

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Parte da motivação, porém, provavelmente foi o desejo chinês de tornar supérfluo o IBAS – grupo criado em 2003 composto por Índia, Brasil e África do Sul – pois a consolidação de um agrupamento de três grandes democracias no Sul Global não era do interesse de Pequim. De fato, em 2013, o grupo IBAS, uma das principais inovações da política externa do primeiro mandato Lula, perdeu relevância.

Desde 2017, a China está promovendo sua visão de um Brics ampliado, e perto de 20 países – entre eles o Egito, o Irã, a Argentina e a Arábia Saudita – sinalizaram informalmente seu interesse em aderir.

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Como a China, cujo PIB é maior do que de todos os outros integrantes somados, sempre será vista como líder do grupo, a expansão faz sentido para Pequim, e um Brics com dez ou vinte integrantes pode ajudar a formalizar a enorme influência econômica e política que a China já exerce globalmente. Para a Rússia, a expansão também faz sentido para se proteger do crescente isolamento diplomático que sofre no Ocidente.

O presidente chinês Xi Jinping, à esquerda, com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, durante a Cúpula do Brics Foto: Themba Hadebe/AP

Para a Índia e o Brasil, porém, ampliar o agrupamento teria um custo estratégico significativo: um Brics diluído dificilmente traria o mesmo prestígio, status e exclusividade que o grupo oferece em seu formato atual. É em parte graças ao grupo Brics – tradicionalmente conhecido como “clube dos emergentes” – que o Brasil ainda é visto, por muitos, como uma potência em ascensão, apesar de estar em estagnação há uma década.

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Enquanto Nova Deli e Brasília têm a capacidade de vetar decisões em um agrupamento de cinco países, é bem mais difícil exercer a mesma influência em uma aliança de dez ou vinte, onde o maior objetivo dos novos integrantes é fortalecer laços econômicos com a China.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é recebido pelo vice-presidente da África do Sul, Paul Mashatile, na chegada para participação na Cúpula do Brics  Foto: Jacoline Schoonees/Dirco/via Reuters

Além disso, é importante lembrar que vários dos países que buscam aderir ao grupo – e que possivelmente obteriam apoio chinês e russo para fazê-lo – adotam uma estratégia explicitamente anti-ocidental, contrária à estratégia brasileira e indiana de articular uma postura de não-alinhamento no contexto das crescentes tensões entre os EUA e a China. Um grupo Brics que inclua a Venezuela, o Irã e a Síria, porém, dificultaria as tentativas brasileiras e indianas de garantir que as declarações finais das cúpulas dos líderes adotem um tom moderado.

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A participação brasileira do grupo Brics, do jeito que está, produz vantagens concretas para o Brasil, trazendo prestígio diplomático e facilitando o diálogo com quatro atores-chave no sistema internacional com os quais o País não tinha relação estreita há apenas duas décadas. Aceitar um Brics ampliado equivaleria a abrir mão desses benefícios. Para fortalecer seus laços com os países que almejam entrar no Brics, o Brasil pode aproveitar-se de uma plataforma já existente: o G77.

Os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul estão reunidos em Johannesburgo para a 15ª cúpula do Brics. Por vários motivos, será o encontro mais importante da história do bloco, que se transformou em um grupo geopolítico em 2009, quando houve a primeira cúpula dos líderes.

Em primeiro lugar, o anfitrião precisa lidar com uma situação diplomática delicada: como signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), a África do Sul tem a obrigação de prender o presidente russo se ele comparecer à cúpula, pois o TPI emitiu, em março, mandado de prisão contra Putin pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

Ao longo dos últimos meses, o governo sul-africano até considerou, para evitar o constrangimento, transferir a cúpula para a China – que não é signatária do TPI. Afinal, como o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki apontou recentemente: “Não podemos dizer ao presidente Putin, ‘por favor, venha para a África do Sul’ e depois prendê-lo. Ao mesmo tempo, não podemos dizer ‘venha para a África do Sul’ e não o prender – porque estamos violando nossa própria lei – e não podemos nos comportar como um governo sem lei”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a primeira dama, Janja, são recebidos com cerimônia típica sul-africana na chegada para a Cúpula do Brics Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Porém, ao que tudo indica, é justamente isso que o governo sul-africano fará, atitude que não apenas representaria um triunfo diplomático para Vladimir Putin, mas também fortaleceria o grupo Brics: afinal, a África do Sul se mostraria disposta a violar sua própria legislação para preservar a tradição diplomática das cúpulas do Brics, às quais nenhum presidente deixou de comparecer desde que a plataforma foi criada.

Em segundo lugar, na cúpula de Johannesburgo, o grupo Brics estará diante da decisão mais importante de sua história: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes do clube. Em 2010, a China conseguiu convencer o Brasil, a Rússia e a Índia a agregar a África do Sul, argumentando que incluir um país africano dava ao Brics mais legitimidade para falar em nome do mundo em desenvolvimento.

Parte da motivação, porém, provavelmente foi o desejo chinês de tornar supérfluo o IBAS – grupo criado em 2003 composto por Índia, Brasil e África do Sul – pois a consolidação de um agrupamento de três grandes democracias no Sul Global não era do interesse de Pequim. De fato, em 2013, o grupo IBAS, uma das principais inovações da política externa do primeiro mandato Lula, perdeu relevância.

Desde 2017, a China está promovendo sua visão de um Brics ampliado, e perto de 20 países – entre eles o Egito, o Irã, a Argentina e a Arábia Saudita – sinalizaram informalmente seu interesse em aderir.

Como a China, cujo PIB é maior do que de todos os outros integrantes somados, sempre será vista como líder do grupo, a expansão faz sentido para Pequim, e um Brics com dez ou vinte integrantes pode ajudar a formalizar a enorme influência econômica e política que a China já exerce globalmente. Para a Rússia, a expansão também faz sentido para se proteger do crescente isolamento diplomático que sofre no Ocidente.

O presidente chinês Xi Jinping, à esquerda, com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, durante a Cúpula do Brics Foto: Themba Hadebe/AP

Para a Índia e o Brasil, porém, ampliar o agrupamento teria um custo estratégico significativo: um Brics diluído dificilmente traria o mesmo prestígio, status e exclusividade que o grupo oferece em seu formato atual. É em parte graças ao grupo Brics – tradicionalmente conhecido como “clube dos emergentes” – que o Brasil ainda é visto, por muitos, como uma potência em ascensão, apesar de estar em estagnação há uma década.

Enquanto Nova Deli e Brasília têm a capacidade de vetar decisões em um agrupamento de cinco países, é bem mais difícil exercer a mesma influência em uma aliança de dez ou vinte, onde o maior objetivo dos novos integrantes é fortalecer laços econômicos com a China.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é recebido pelo vice-presidente da África do Sul, Paul Mashatile, na chegada para participação na Cúpula do Brics  Foto: Jacoline Schoonees/Dirco/via Reuters

Além disso, é importante lembrar que vários dos países que buscam aderir ao grupo – e que possivelmente obteriam apoio chinês e russo para fazê-lo – adotam uma estratégia explicitamente anti-ocidental, contrária à estratégia brasileira e indiana de articular uma postura de não-alinhamento no contexto das crescentes tensões entre os EUA e a China. Um grupo Brics que inclua a Venezuela, o Irã e a Síria, porém, dificultaria as tentativas brasileiras e indianas de garantir que as declarações finais das cúpulas dos líderes adotem um tom moderado.

A participação brasileira do grupo Brics, do jeito que está, produz vantagens concretas para o Brasil, trazendo prestígio diplomático e facilitando o diálogo com quatro atores-chave no sistema internacional com os quais o País não tinha relação estreita há apenas duas décadas. Aceitar um Brics ampliado equivaleria a abrir mão desses benefícios. Para fortalecer seus laços com os países que almejam entrar no Brics, o Brasil pode aproveitar-se de uma plataforma já existente: o G77.

Os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia, da China e da África do Sul estão reunidos em Johannesburgo para a 15ª cúpula do Brics. Por vários motivos, será o encontro mais importante da história do bloco, que se transformou em um grupo geopolítico em 2009, quando houve a primeira cúpula dos líderes.

Em primeiro lugar, o anfitrião precisa lidar com uma situação diplomática delicada: como signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), a África do Sul tem a obrigação de prender o presidente russo se ele comparecer à cúpula, pois o TPI emitiu, em março, mandado de prisão contra Putin pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.

Ao longo dos últimos meses, o governo sul-africano até considerou, para evitar o constrangimento, transferir a cúpula para a China – que não é signatária do TPI. Afinal, como o ex-presidente sul-africano Thabo Mbeki apontou recentemente: “Não podemos dizer ao presidente Putin, ‘por favor, venha para a África do Sul’ e depois prendê-lo. Ao mesmo tempo, não podemos dizer ‘venha para a África do Sul’ e não o prender – porque estamos violando nossa própria lei – e não podemos nos comportar como um governo sem lei”.

O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e a primeira dama, Janja, são recebidos com cerimônia típica sul-africana na chegada para a Cúpula do Brics Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

Porém, ao que tudo indica, é justamente isso que o governo sul-africano fará, atitude que não apenas representaria um triunfo diplomático para Vladimir Putin, mas também fortaleceria o grupo Brics: afinal, a África do Sul se mostraria disposta a violar sua própria legislação para preservar a tradição diplomática das cúpulas do Brics, às quais nenhum presidente deixou de comparecer desde que a plataforma foi criada.

Em segundo lugar, na cúpula de Johannesburgo, o grupo Brics estará diante da decisão mais importante de sua história: criar ou não um processo formal para admitir novos integrantes do clube. Em 2010, a China conseguiu convencer o Brasil, a Rússia e a Índia a agregar a África do Sul, argumentando que incluir um país africano dava ao Brics mais legitimidade para falar em nome do mundo em desenvolvimento.

Parte da motivação, porém, provavelmente foi o desejo chinês de tornar supérfluo o IBAS – grupo criado em 2003 composto por Índia, Brasil e África do Sul – pois a consolidação de um agrupamento de três grandes democracias no Sul Global não era do interesse de Pequim. De fato, em 2013, o grupo IBAS, uma das principais inovações da política externa do primeiro mandato Lula, perdeu relevância.

Desde 2017, a China está promovendo sua visão de um Brics ampliado, e perto de 20 países – entre eles o Egito, o Irã, a Argentina e a Arábia Saudita – sinalizaram informalmente seu interesse em aderir.

Como a China, cujo PIB é maior do que de todos os outros integrantes somados, sempre será vista como líder do grupo, a expansão faz sentido para Pequim, e um Brics com dez ou vinte integrantes pode ajudar a formalizar a enorme influência econômica e política que a China já exerce globalmente. Para a Rússia, a expansão também faz sentido para se proteger do crescente isolamento diplomático que sofre no Ocidente.

O presidente chinês Xi Jinping, à esquerda, com o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, durante a Cúpula do Brics Foto: Themba Hadebe/AP

Para a Índia e o Brasil, porém, ampliar o agrupamento teria um custo estratégico significativo: um Brics diluído dificilmente traria o mesmo prestígio, status e exclusividade que o grupo oferece em seu formato atual. É em parte graças ao grupo Brics – tradicionalmente conhecido como “clube dos emergentes” – que o Brasil ainda é visto, por muitos, como uma potência em ascensão, apesar de estar em estagnação há uma década.

Enquanto Nova Deli e Brasília têm a capacidade de vetar decisões em um agrupamento de cinco países, é bem mais difícil exercer a mesma influência em uma aliança de dez ou vinte, onde o maior objetivo dos novos integrantes é fortalecer laços econômicos com a China.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, é recebido pelo vice-presidente da África do Sul, Paul Mashatile, na chegada para participação na Cúpula do Brics  Foto: Jacoline Schoonees/Dirco/via Reuters

Além disso, é importante lembrar que vários dos países que buscam aderir ao grupo – e que possivelmente obteriam apoio chinês e russo para fazê-lo – adotam uma estratégia explicitamente anti-ocidental, contrária à estratégia brasileira e indiana de articular uma postura de não-alinhamento no contexto das crescentes tensões entre os EUA e a China. Um grupo Brics que inclua a Venezuela, o Irã e a Síria, porém, dificultaria as tentativas brasileiras e indianas de garantir que as declarações finais das cúpulas dos líderes adotem um tom moderado.

A participação brasileira do grupo Brics, do jeito que está, produz vantagens concretas para o Brasil, trazendo prestígio diplomático e facilitando o diálogo com quatro atores-chave no sistema internacional com os quais o País não tinha relação estreita há apenas duas décadas. Aceitar um Brics ampliado equivaleria a abrir mão desses benefícios. Para fortalecer seus laços com os países que almejam entrar no Brics, o Brasil pode aproveitar-se de uma plataforma já existente: o G77.

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