Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Eleições colombianas refletem crise da democracia na América Latina


Surgimento de candidatos populistas como o (por pouco) derrotado Rodolfo Hernández é sinal da profunda disfunção democrática na região

Por Oliver Stuenkel

Eleições, em princípio, representam o ápice de qualquer sistema democrático. Afinal, é justamente o poder do cidadão de definir quem governará seu país ao longo do próximo ciclo eleitoral que distingue regimes democráticos de sistemas autoritários, nos quais a elite política é escolhida e sustentada por grupos restritos. Entretanto, em vez de reafirmar o espírito democrático e promover um rico debate público sobre como lidar com os principais desafios da sociedade, eleições gerais na América Latina, ao longo dos últimos anos, têm representado, muitas vezes, a expressão do descontentamento público e uma polarização destrutiva.

O resultado tem sido um número crescente de eleitores que, a contragosto, optam pelo candidato que consideram menos ruim. Outro fenômeno cada vez mais frequente é a rejeição ampla do status quo: nas eleições peruanas do ano passado, no pleito costarriquenho em abril deste ano e no sufrágio colombiano ontem, uma quantidade expressiva de eleitores votou, no segundo turno, em um candidato que simplesmente prometeu uma mudança radical, sem dizer exatamente quais seriam suas propostas ou o que faria para implementá-las.

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Seria um erro, porém, acreditar que o problema está na qualidade dos candidatos. Afinal, ao longo dos últimos anos, surgiram, na América Latina, lideranças com propostas sensatas e inovadoras, tanto à esquerda quanto à direita, mas parcela considerável delas não conseguiu viabilizar candidaturas competitivas.

Vista da propaganda política do candidato presidencial colombiano do partido 'Liga de Gobernantes Anticorrupción' Rodolfo Hernandez em Bucaramanga, Colômbia, em 3 de junho de 2022 Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP

O principal problema é que o “combo de desafios” na região – baixo crescimento econômico, aumento da pobreza, ampliação da desigualdade, violência, má qualidade de serviços públicos –, gera profundo descontentamento público com a política em geral, e isso propicia um terreno fértil para outsiders que propõem combater o establishment.

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Seja Nayib Bukele em El Salvador, seja Pedro Castillo no Peru, seja Rodrigo Chaves na Costa Rica, seja Rodolfo Hernández na Colômbia, a força de suas candidaturas não veio de suas propostas em si, mas da capacidade de se projetarem como uma ruptura com a elite política.

Todos esses candidatos perceberam durante a campanha que não havia demanda popular por debates sutis sobre o que preservar e o que mudar. Ao contrário: eles observaram que quanto mais se colocassem como veículos para mudanças radicais — e, portanto, a melhor opção para eleitores dispostos a vingar-se da elite política do momento — mais elevadas seriam suas chances de vencer o pleito.

O surgimento de candidatos populistas como Castillo, Bukele e Hernández não é, via de regra, a causa da crise na democracia de um país, mas a consequência da disfunção de sistemas políticos incapazes de oferecer soluções para lidar com os desafios de uma dada sociedade. Afinal, candidatos despreparados, com propostas radicais e ambições antidemocráticas, podem surgir em qualquer democracia do mundo – mas, em geral, a chance de eles ganharem eleições em democracias sólidas é bem menor.

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Na Colômbia, Rodolfo Hernández – o candidato derrotado no segundo turno – abraçou, em vários sentidos, uma campanha populista clássica. De acordo com especialistas, como Jan Werner Müller, professor de Princeton, a retórica populista geralmente inclui uma série de ingredientes fundamentais. O primeiro e talvez mais importante é a crítica às elites políticas. O segundo é apresentar-se como representante exclusivo e moral do “povo” e de seus interesses. Terceiro: articulação de uma narrativa moralista da política.

O colombiano Hernández ofereceu uma proposta simples para combater a corrupção — “Não roube, não minta, não traia” —, reforçando a ilusão de que basta eleger pessoas honestas para acabar com o problema. Outro truque comum é chamar os oponentes de antipatrióticos e insinuar que eles seriam guiados por interesses estrangeiros.

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O populista húngaro Viktor Orbán declarou, certa vez, que “a nação não pode estar na oposição”, e o atual presidente mexicano, Andrés Manuel Lópes Obrador, descreveu a vitória da direita de “moralmente impossível” – desenvolvendo, assim, uma forma moral de antipluralismo. A partir daí, o caminho para questionar o resultado das eleições e descrever a oposição como ilegítima, imoral e “inimiga do povo” não está longe, o que explica por que tantos especialistas expressaram sua preocupação com a possibilidade de que o candidato derrotado nas eleições colombianas não aceitar o resultado do pleito.

Com a derrota de Hernández, a democracia colombiana parece ter escapado, por enquanto, do perigo. Porém, não há dúvida de que, enquanto governos na região não promoverem desenvolvimento socioeconômico, reduzirem a desigualdade e oferecerem serviços públicos de qualidade, propostas populistas continuarão competitivas, expondo a democracia a um risco constante.

Eleições, em princípio, representam o ápice de qualquer sistema democrático. Afinal, é justamente o poder do cidadão de definir quem governará seu país ao longo do próximo ciclo eleitoral que distingue regimes democráticos de sistemas autoritários, nos quais a elite política é escolhida e sustentada por grupos restritos. Entretanto, em vez de reafirmar o espírito democrático e promover um rico debate público sobre como lidar com os principais desafios da sociedade, eleições gerais na América Latina, ao longo dos últimos anos, têm representado, muitas vezes, a expressão do descontentamento público e uma polarização destrutiva.

O resultado tem sido um número crescente de eleitores que, a contragosto, optam pelo candidato que consideram menos ruim. Outro fenômeno cada vez mais frequente é a rejeição ampla do status quo: nas eleições peruanas do ano passado, no pleito costarriquenho em abril deste ano e no sufrágio colombiano ontem, uma quantidade expressiva de eleitores votou, no segundo turno, em um candidato que simplesmente prometeu uma mudança radical, sem dizer exatamente quais seriam suas propostas ou o que faria para implementá-las.

Seria um erro, porém, acreditar que o problema está na qualidade dos candidatos. Afinal, ao longo dos últimos anos, surgiram, na América Latina, lideranças com propostas sensatas e inovadoras, tanto à esquerda quanto à direita, mas parcela considerável delas não conseguiu viabilizar candidaturas competitivas.

Vista da propaganda política do candidato presidencial colombiano do partido 'Liga de Gobernantes Anticorrupción' Rodolfo Hernandez em Bucaramanga, Colômbia, em 3 de junho de 2022 Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP

O principal problema é que o “combo de desafios” na região – baixo crescimento econômico, aumento da pobreza, ampliação da desigualdade, violência, má qualidade de serviços públicos –, gera profundo descontentamento público com a política em geral, e isso propicia um terreno fértil para outsiders que propõem combater o establishment.

Seja Nayib Bukele em El Salvador, seja Pedro Castillo no Peru, seja Rodrigo Chaves na Costa Rica, seja Rodolfo Hernández na Colômbia, a força de suas candidaturas não veio de suas propostas em si, mas da capacidade de se projetarem como uma ruptura com a elite política.

Todos esses candidatos perceberam durante a campanha que não havia demanda popular por debates sutis sobre o que preservar e o que mudar. Ao contrário: eles observaram que quanto mais se colocassem como veículos para mudanças radicais — e, portanto, a melhor opção para eleitores dispostos a vingar-se da elite política do momento — mais elevadas seriam suas chances de vencer o pleito.

O surgimento de candidatos populistas como Castillo, Bukele e Hernández não é, via de regra, a causa da crise na democracia de um país, mas a consequência da disfunção de sistemas políticos incapazes de oferecer soluções para lidar com os desafios de uma dada sociedade. Afinal, candidatos despreparados, com propostas radicais e ambições antidemocráticas, podem surgir em qualquer democracia do mundo – mas, em geral, a chance de eles ganharem eleições em democracias sólidas é bem menor.

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Na Colômbia, Rodolfo Hernández – o candidato derrotado no segundo turno – abraçou, em vários sentidos, uma campanha populista clássica. De acordo com especialistas, como Jan Werner Müller, professor de Princeton, a retórica populista geralmente inclui uma série de ingredientes fundamentais. O primeiro e talvez mais importante é a crítica às elites políticas. O segundo é apresentar-se como representante exclusivo e moral do “povo” e de seus interesses. Terceiro: articulação de uma narrativa moralista da política.

O colombiano Hernández ofereceu uma proposta simples para combater a corrupção — “Não roube, não minta, não traia” —, reforçando a ilusão de que basta eleger pessoas honestas para acabar com o problema. Outro truque comum é chamar os oponentes de antipatrióticos e insinuar que eles seriam guiados por interesses estrangeiros.

O populista húngaro Viktor Orbán declarou, certa vez, que “a nação não pode estar na oposição”, e o atual presidente mexicano, Andrés Manuel Lópes Obrador, descreveu a vitória da direita de “moralmente impossível” – desenvolvendo, assim, uma forma moral de antipluralismo. A partir daí, o caminho para questionar o resultado das eleições e descrever a oposição como ilegítima, imoral e “inimiga do povo” não está longe, o que explica por que tantos especialistas expressaram sua preocupação com a possibilidade de que o candidato derrotado nas eleições colombianas não aceitar o resultado do pleito.

Com a derrota de Hernández, a democracia colombiana parece ter escapado, por enquanto, do perigo. Porém, não há dúvida de que, enquanto governos na região não promoverem desenvolvimento socioeconômico, reduzirem a desigualdade e oferecerem serviços públicos de qualidade, propostas populistas continuarão competitivas, expondo a democracia a um risco constante.

Eleições, em princípio, representam o ápice de qualquer sistema democrático. Afinal, é justamente o poder do cidadão de definir quem governará seu país ao longo do próximo ciclo eleitoral que distingue regimes democráticos de sistemas autoritários, nos quais a elite política é escolhida e sustentada por grupos restritos. Entretanto, em vez de reafirmar o espírito democrático e promover um rico debate público sobre como lidar com os principais desafios da sociedade, eleições gerais na América Latina, ao longo dos últimos anos, têm representado, muitas vezes, a expressão do descontentamento público e uma polarização destrutiva.

O resultado tem sido um número crescente de eleitores que, a contragosto, optam pelo candidato que consideram menos ruim. Outro fenômeno cada vez mais frequente é a rejeição ampla do status quo: nas eleições peruanas do ano passado, no pleito costarriquenho em abril deste ano e no sufrágio colombiano ontem, uma quantidade expressiva de eleitores votou, no segundo turno, em um candidato que simplesmente prometeu uma mudança radical, sem dizer exatamente quais seriam suas propostas ou o que faria para implementá-las.

Seria um erro, porém, acreditar que o problema está na qualidade dos candidatos. Afinal, ao longo dos últimos anos, surgiram, na América Latina, lideranças com propostas sensatas e inovadoras, tanto à esquerda quanto à direita, mas parcela considerável delas não conseguiu viabilizar candidaturas competitivas.

Vista da propaganda política do candidato presidencial colombiano do partido 'Liga de Gobernantes Anticorrupción' Rodolfo Hernandez em Bucaramanga, Colômbia, em 3 de junho de 2022 Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP

O principal problema é que o “combo de desafios” na região – baixo crescimento econômico, aumento da pobreza, ampliação da desigualdade, violência, má qualidade de serviços públicos –, gera profundo descontentamento público com a política em geral, e isso propicia um terreno fértil para outsiders que propõem combater o establishment.

Seja Nayib Bukele em El Salvador, seja Pedro Castillo no Peru, seja Rodrigo Chaves na Costa Rica, seja Rodolfo Hernández na Colômbia, a força de suas candidaturas não veio de suas propostas em si, mas da capacidade de se projetarem como uma ruptura com a elite política.

Todos esses candidatos perceberam durante a campanha que não havia demanda popular por debates sutis sobre o que preservar e o que mudar. Ao contrário: eles observaram que quanto mais se colocassem como veículos para mudanças radicais — e, portanto, a melhor opção para eleitores dispostos a vingar-se da elite política do momento — mais elevadas seriam suas chances de vencer o pleito.

O surgimento de candidatos populistas como Castillo, Bukele e Hernández não é, via de regra, a causa da crise na democracia de um país, mas a consequência da disfunção de sistemas políticos incapazes de oferecer soluções para lidar com os desafios de uma dada sociedade. Afinal, candidatos despreparados, com propostas radicais e ambições antidemocráticas, podem surgir em qualquer democracia do mundo – mas, em geral, a chance de eles ganharem eleições em democracias sólidas é bem menor.

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Na Colômbia, Rodolfo Hernández – o candidato derrotado no segundo turno – abraçou, em vários sentidos, uma campanha populista clássica. De acordo com especialistas, como Jan Werner Müller, professor de Princeton, a retórica populista geralmente inclui uma série de ingredientes fundamentais. O primeiro e talvez mais importante é a crítica às elites políticas. O segundo é apresentar-se como representante exclusivo e moral do “povo” e de seus interesses. Terceiro: articulação de uma narrativa moralista da política.

O colombiano Hernández ofereceu uma proposta simples para combater a corrupção — “Não roube, não minta, não traia” —, reforçando a ilusão de que basta eleger pessoas honestas para acabar com o problema. Outro truque comum é chamar os oponentes de antipatrióticos e insinuar que eles seriam guiados por interesses estrangeiros.

O populista húngaro Viktor Orbán declarou, certa vez, que “a nação não pode estar na oposição”, e o atual presidente mexicano, Andrés Manuel Lópes Obrador, descreveu a vitória da direita de “moralmente impossível” – desenvolvendo, assim, uma forma moral de antipluralismo. A partir daí, o caminho para questionar o resultado das eleições e descrever a oposição como ilegítima, imoral e “inimiga do povo” não está longe, o que explica por que tantos especialistas expressaram sua preocupação com a possibilidade de que o candidato derrotado nas eleições colombianas não aceitar o resultado do pleito.

Com a derrota de Hernández, a democracia colombiana parece ter escapado, por enquanto, do perigo. Porém, não há dúvida de que, enquanto governos na região não promoverem desenvolvimento socioeconômico, reduzirem a desigualdade e oferecerem serviços públicos de qualidade, propostas populistas continuarão competitivas, expondo a democracia a um risco constante.

Eleições, em princípio, representam o ápice de qualquer sistema democrático. Afinal, é justamente o poder do cidadão de definir quem governará seu país ao longo do próximo ciclo eleitoral que distingue regimes democráticos de sistemas autoritários, nos quais a elite política é escolhida e sustentada por grupos restritos. Entretanto, em vez de reafirmar o espírito democrático e promover um rico debate público sobre como lidar com os principais desafios da sociedade, eleições gerais na América Latina, ao longo dos últimos anos, têm representado, muitas vezes, a expressão do descontentamento público e uma polarização destrutiva.

O resultado tem sido um número crescente de eleitores que, a contragosto, optam pelo candidato que consideram menos ruim. Outro fenômeno cada vez mais frequente é a rejeição ampla do status quo: nas eleições peruanas do ano passado, no pleito costarriquenho em abril deste ano e no sufrágio colombiano ontem, uma quantidade expressiva de eleitores votou, no segundo turno, em um candidato que simplesmente prometeu uma mudança radical, sem dizer exatamente quais seriam suas propostas ou o que faria para implementá-las.

Seria um erro, porém, acreditar que o problema está na qualidade dos candidatos. Afinal, ao longo dos últimos anos, surgiram, na América Latina, lideranças com propostas sensatas e inovadoras, tanto à esquerda quanto à direita, mas parcela considerável delas não conseguiu viabilizar candidaturas competitivas.

Vista da propaganda política do candidato presidencial colombiano do partido 'Liga de Gobernantes Anticorrupción' Rodolfo Hernandez em Bucaramanga, Colômbia, em 3 de junho de 2022 Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP

O principal problema é que o “combo de desafios” na região – baixo crescimento econômico, aumento da pobreza, ampliação da desigualdade, violência, má qualidade de serviços públicos –, gera profundo descontentamento público com a política em geral, e isso propicia um terreno fértil para outsiders que propõem combater o establishment.

Seja Nayib Bukele em El Salvador, seja Pedro Castillo no Peru, seja Rodrigo Chaves na Costa Rica, seja Rodolfo Hernández na Colômbia, a força de suas candidaturas não veio de suas propostas em si, mas da capacidade de se projetarem como uma ruptura com a elite política.

Todos esses candidatos perceberam durante a campanha que não havia demanda popular por debates sutis sobre o que preservar e o que mudar. Ao contrário: eles observaram que quanto mais se colocassem como veículos para mudanças radicais — e, portanto, a melhor opção para eleitores dispostos a vingar-se da elite política do momento — mais elevadas seriam suas chances de vencer o pleito.

O surgimento de candidatos populistas como Castillo, Bukele e Hernández não é, via de regra, a causa da crise na democracia de um país, mas a consequência da disfunção de sistemas políticos incapazes de oferecer soluções para lidar com os desafios de uma dada sociedade. Afinal, candidatos despreparados, com propostas radicais e ambições antidemocráticas, podem surgir em qualquer democracia do mundo – mas, em geral, a chance de eles ganharem eleições em democracias sólidas é bem menor.

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Na Colômbia, Rodolfo Hernández – o candidato derrotado no segundo turno – abraçou, em vários sentidos, uma campanha populista clássica. De acordo com especialistas, como Jan Werner Müller, professor de Princeton, a retórica populista geralmente inclui uma série de ingredientes fundamentais. O primeiro e talvez mais importante é a crítica às elites políticas. O segundo é apresentar-se como representante exclusivo e moral do “povo” e de seus interesses. Terceiro: articulação de uma narrativa moralista da política.

O colombiano Hernández ofereceu uma proposta simples para combater a corrupção — “Não roube, não minta, não traia” —, reforçando a ilusão de que basta eleger pessoas honestas para acabar com o problema. Outro truque comum é chamar os oponentes de antipatrióticos e insinuar que eles seriam guiados por interesses estrangeiros.

O populista húngaro Viktor Orbán declarou, certa vez, que “a nação não pode estar na oposição”, e o atual presidente mexicano, Andrés Manuel Lópes Obrador, descreveu a vitória da direita de “moralmente impossível” – desenvolvendo, assim, uma forma moral de antipluralismo. A partir daí, o caminho para questionar o resultado das eleições e descrever a oposição como ilegítima, imoral e “inimiga do povo” não está longe, o que explica por que tantos especialistas expressaram sua preocupação com a possibilidade de que o candidato derrotado nas eleições colombianas não aceitar o resultado do pleito.

Com a derrota de Hernández, a democracia colombiana parece ter escapado, por enquanto, do perigo. Porém, não há dúvida de que, enquanto governos na região não promoverem desenvolvimento socioeconômico, reduzirem a desigualdade e oferecerem serviços públicos de qualidade, propostas populistas continuarão competitivas, expondo a democracia a um risco constante.

Eleições, em princípio, representam o ápice de qualquer sistema democrático. Afinal, é justamente o poder do cidadão de definir quem governará seu país ao longo do próximo ciclo eleitoral que distingue regimes democráticos de sistemas autoritários, nos quais a elite política é escolhida e sustentada por grupos restritos. Entretanto, em vez de reafirmar o espírito democrático e promover um rico debate público sobre como lidar com os principais desafios da sociedade, eleições gerais na América Latina, ao longo dos últimos anos, têm representado, muitas vezes, a expressão do descontentamento público e uma polarização destrutiva.

O resultado tem sido um número crescente de eleitores que, a contragosto, optam pelo candidato que consideram menos ruim. Outro fenômeno cada vez mais frequente é a rejeição ampla do status quo: nas eleições peruanas do ano passado, no pleito costarriquenho em abril deste ano e no sufrágio colombiano ontem, uma quantidade expressiva de eleitores votou, no segundo turno, em um candidato que simplesmente prometeu uma mudança radical, sem dizer exatamente quais seriam suas propostas ou o que faria para implementá-las.

Seria um erro, porém, acreditar que o problema está na qualidade dos candidatos. Afinal, ao longo dos últimos anos, surgiram, na América Latina, lideranças com propostas sensatas e inovadoras, tanto à esquerda quanto à direita, mas parcela considerável delas não conseguiu viabilizar candidaturas competitivas.

Vista da propaganda política do candidato presidencial colombiano do partido 'Liga de Gobernantes Anticorrupción' Rodolfo Hernandez em Bucaramanga, Colômbia, em 3 de junho de 2022 Foto: RAUL ARBOLEDA/AFP

O principal problema é que o “combo de desafios” na região – baixo crescimento econômico, aumento da pobreza, ampliação da desigualdade, violência, má qualidade de serviços públicos –, gera profundo descontentamento público com a política em geral, e isso propicia um terreno fértil para outsiders que propõem combater o establishment.

Seja Nayib Bukele em El Salvador, seja Pedro Castillo no Peru, seja Rodrigo Chaves na Costa Rica, seja Rodolfo Hernández na Colômbia, a força de suas candidaturas não veio de suas propostas em si, mas da capacidade de se projetarem como uma ruptura com a elite política.

Todos esses candidatos perceberam durante a campanha que não havia demanda popular por debates sutis sobre o que preservar e o que mudar. Ao contrário: eles observaram que quanto mais se colocassem como veículos para mudanças radicais — e, portanto, a melhor opção para eleitores dispostos a vingar-se da elite política do momento — mais elevadas seriam suas chances de vencer o pleito.

O surgimento de candidatos populistas como Castillo, Bukele e Hernández não é, via de regra, a causa da crise na democracia de um país, mas a consequência da disfunção de sistemas políticos incapazes de oferecer soluções para lidar com os desafios de uma dada sociedade. Afinal, candidatos despreparados, com propostas radicais e ambições antidemocráticas, podem surgir em qualquer democracia do mundo – mas, em geral, a chance de eles ganharem eleições em democracias sólidas é bem menor.

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Na Colômbia, Rodolfo Hernández – o candidato derrotado no segundo turno – abraçou, em vários sentidos, uma campanha populista clássica. De acordo com especialistas, como Jan Werner Müller, professor de Princeton, a retórica populista geralmente inclui uma série de ingredientes fundamentais. O primeiro e talvez mais importante é a crítica às elites políticas. O segundo é apresentar-se como representante exclusivo e moral do “povo” e de seus interesses. Terceiro: articulação de uma narrativa moralista da política.

O colombiano Hernández ofereceu uma proposta simples para combater a corrupção — “Não roube, não minta, não traia” —, reforçando a ilusão de que basta eleger pessoas honestas para acabar com o problema. Outro truque comum é chamar os oponentes de antipatrióticos e insinuar que eles seriam guiados por interesses estrangeiros.

O populista húngaro Viktor Orbán declarou, certa vez, que “a nação não pode estar na oposição”, e o atual presidente mexicano, Andrés Manuel Lópes Obrador, descreveu a vitória da direita de “moralmente impossível” – desenvolvendo, assim, uma forma moral de antipluralismo. A partir daí, o caminho para questionar o resultado das eleições e descrever a oposição como ilegítima, imoral e “inimiga do povo” não está longe, o que explica por que tantos especialistas expressaram sua preocupação com a possibilidade de que o candidato derrotado nas eleições colombianas não aceitar o resultado do pleito.

Com a derrota de Hernández, a democracia colombiana parece ter escapado, por enquanto, do perigo. Porém, não há dúvida de que, enquanto governos na região não promoverem desenvolvimento socioeconômico, reduzirem a desigualdade e oferecerem serviços públicos de qualidade, propostas populistas continuarão competitivas, expondo a democracia a um risco constante.

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