Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|EUA se preparam para cenário de instabilidade pós-eleitoral no Brasil


Americanos temem ‘6 de janeiro à brasileira’, no qual apoiadores de Bolsonaro poderiam tentar tumulturar a transição após eventual derrota nas urnas

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Nos debates atuais em Washington sobre o cenário político latino-americano, ninguém tenta esconder o desânimo. Há consenso de que a situação econômica na Argentina deve piorar. Cresce o temor de que a rejeição no referendo sobre a nova constituição no Chile, em setembro, possa deixar o país à deriva. Foi-se qualquer esperança de reverter a erosão da democracia em El Salvador ou na Nicarágua.

Ao longo das últimas semanas, porém, entrou no radar uma nova preocupação entre diplomatas, deputados e assessores do governo americano na capital: a possibilidade de instabilidade pós-eleitoral no Brasil em decorrência da contestação do resultado por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Durante várias das últimas eleições na região, temores de que os derrotados poderiam não reconhecer o resultado das urnas e causar instabilidade revelaram-se como excessivamente alarmistas. Tanto Jose Antonio Kast no Chile quanto Rodolfo Hernández na Colômbia prontamente aceitaram suas derrotas e parabenizaram os vitoriosos.

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Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o americano Joe Biden; ao fundo, o presidente colombiano Iván Duque Foto: Jim Watson/AFP

Caso Jair Bolsonaro perca as eleições em outubro, poucos observadores em Washington acreditam que ele siga o exemplo republicano dos seus pares na região. Afinal, nenhum dos candidatos citados acima investiu tanto na narrativa do suposto fraude eleitoral ou chegou a convidar embaixadores estrangeiros para questionar a integridade do sistema eleitoral. Em função disso, a contestação do resultado por Bolsonaro é vista, em Washington, como o resultado mais provável, antecipando um debate sobre como o governo Biden deve reagir.

Os mais otimistas na capital americana mencionam o chamado “cenário argentino”: referem-se ao ano 2015, quando Cristina Fernández de Kirchner foi derrotada por Maurício Macri. Houve um atrito público entre os dois, e ela renunciou em seu último dia no cargo para não ter que entregar a Macri a faixa e o bastão presidenciais. Não procurou, porém, sabotar a transição em si, e a democracia argentina não sofreu abalos.

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Outro cenário, esse mais preocupante, é o “6 de janeiro brasileiro”, em referência ao episódio vivido pelos EUA em 2021, quando apoiadores armados de Donald Trump invadiram o Congresso para inviabilizar a certificação do resultado das eleições presidenciais.

A probabilidade de algo ainda mais grave – uma decisão por parte do presidente, apoiado pelas Forças Armadas, de rejeitar o resultado – é vista como baixa pela maioria dos analistas na capital norte-americana. Em parte devido à intervenção de interlocutores brasileiros como Raul Jungmann, que recentemente buscou tranquilizar Washington por meio de um artigo na revista Americas Quarterly – publicação lida por tomadores de decisão nos EUA cujo trabalho tem relação com a América Latina – dizendo, enfaticamente, que “não haverá golpe no Brasil”.

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Até mesmo no Partido Democrata, junto ao qual Bolsonaro tem uma péssima reputação, poucos esperam uma versão brasileira do “autogolpe” peruano de 1992, quando o presidente Fujimori, democraticamente eleito, se tornou autocrata.

Essa visão explica por que teve pouco apoio a recente iniciativa de alguns deputados do Partido Democrata de condicionar a cooperação militar dos EUA com o Brasil a uma postura republicana das Forças Armadas brasileiras no processo eleitoral. Na visão de muitos analistas, tal medida afetaria negativamente a cooperação entre as duas Forças Armadas em áreas como o combate ao crime transnacional.

Trumpistas que defendiam tese de fraude invadiram Capitólio em janeiro Foto: Shannon Stapleton/REUTERS
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Da mesma forma, há a preocupação de que uma postura dura dos EUA contra o questionamento em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro poderia acabar empurrando o Brasil para os braços da China, que não costuma comentar assuntos internos de outros países. Mesmo que Bolsonaro e altos representantes do Ministério da Defesa continuem questionando a legitimidade do processo eleitoral nas próximas semanas, é pouco provável que o governo americano vá além do que já disse, a portas fechadas, ao presidente brasileiro: Washington não acredita nas teses bolsonaristas sobre fraude eleitoral e sinaliza que qualquer tentativa de Bolsonaro de “melar o jogo” levaria a uma deterioração da relação bilateral.

Mesmo assim, é difícil prever qual seria a reação exata do governo Biden a uma possível não-aceitação do resultado por parte do presidente brasileiro. Muito dependerá dos detalhes da situação em Brasília.

É líquido e certo, porém, que até mesmo uma versão mais branda no Brasil dos eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington não ficaria sem resposta dos EUA, inclusive porque traria memórias da violência pós-eleitoral do ano passado. Até hoje, conversando com assessores de deputados republicanos e de democratas, percebe-se que, na política americana, o dia 6 de janeiro ainda não acabou.

Nos debates atuais em Washington sobre o cenário político latino-americano, ninguém tenta esconder o desânimo. Há consenso de que a situação econômica na Argentina deve piorar. Cresce o temor de que a rejeição no referendo sobre a nova constituição no Chile, em setembro, possa deixar o país à deriva. Foi-se qualquer esperança de reverter a erosão da democracia em El Salvador ou na Nicarágua.

Ao longo das últimas semanas, porém, entrou no radar uma nova preocupação entre diplomatas, deputados e assessores do governo americano na capital: a possibilidade de instabilidade pós-eleitoral no Brasil em decorrência da contestação do resultado por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Durante várias das últimas eleições na região, temores de que os derrotados poderiam não reconhecer o resultado das urnas e causar instabilidade revelaram-se como excessivamente alarmistas. Tanto Jose Antonio Kast no Chile quanto Rodolfo Hernández na Colômbia prontamente aceitaram suas derrotas e parabenizaram os vitoriosos.

Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o americano Joe Biden; ao fundo, o presidente colombiano Iván Duque Foto: Jim Watson/AFP

Caso Jair Bolsonaro perca as eleições em outubro, poucos observadores em Washington acreditam que ele siga o exemplo republicano dos seus pares na região. Afinal, nenhum dos candidatos citados acima investiu tanto na narrativa do suposto fraude eleitoral ou chegou a convidar embaixadores estrangeiros para questionar a integridade do sistema eleitoral. Em função disso, a contestação do resultado por Bolsonaro é vista, em Washington, como o resultado mais provável, antecipando um debate sobre como o governo Biden deve reagir.

Os mais otimistas na capital americana mencionam o chamado “cenário argentino”: referem-se ao ano 2015, quando Cristina Fernández de Kirchner foi derrotada por Maurício Macri. Houve um atrito público entre os dois, e ela renunciou em seu último dia no cargo para não ter que entregar a Macri a faixa e o bastão presidenciais. Não procurou, porém, sabotar a transição em si, e a democracia argentina não sofreu abalos.

Outro cenário, esse mais preocupante, é o “6 de janeiro brasileiro”, em referência ao episódio vivido pelos EUA em 2021, quando apoiadores armados de Donald Trump invadiram o Congresso para inviabilizar a certificação do resultado das eleições presidenciais.

A probabilidade de algo ainda mais grave – uma decisão por parte do presidente, apoiado pelas Forças Armadas, de rejeitar o resultado – é vista como baixa pela maioria dos analistas na capital norte-americana. Em parte devido à intervenção de interlocutores brasileiros como Raul Jungmann, que recentemente buscou tranquilizar Washington por meio de um artigo na revista Americas Quarterly – publicação lida por tomadores de decisão nos EUA cujo trabalho tem relação com a América Latina – dizendo, enfaticamente, que “não haverá golpe no Brasil”.

Até mesmo no Partido Democrata, junto ao qual Bolsonaro tem uma péssima reputação, poucos esperam uma versão brasileira do “autogolpe” peruano de 1992, quando o presidente Fujimori, democraticamente eleito, se tornou autocrata.

Essa visão explica por que teve pouco apoio a recente iniciativa de alguns deputados do Partido Democrata de condicionar a cooperação militar dos EUA com o Brasil a uma postura republicana das Forças Armadas brasileiras no processo eleitoral. Na visão de muitos analistas, tal medida afetaria negativamente a cooperação entre as duas Forças Armadas em áreas como o combate ao crime transnacional.

Trumpistas que defendiam tese de fraude invadiram Capitólio em janeiro Foto: Shannon Stapleton/REUTERS

Da mesma forma, há a preocupação de que uma postura dura dos EUA contra o questionamento em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro poderia acabar empurrando o Brasil para os braços da China, que não costuma comentar assuntos internos de outros países. Mesmo que Bolsonaro e altos representantes do Ministério da Defesa continuem questionando a legitimidade do processo eleitoral nas próximas semanas, é pouco provável que o governo americano vá além do que já disse, a portas fechadas, ao presidente brasileiro: Washington não acredita nas teses bolsonaristas sobre fraude eleitoral e sinaliza que qualquer tentativa de Bolsonaro de “melar o jogo” levaria a uma deterioração da relação bilateral.

Mesmo assim, é difícil prever qual seria a reação exata do governo Biden a uma possível não-aceitação do resultado por parte do presidente brasileiro. Muito dependerá dos detalhes da situação em Brasília.

É líquido e certo, porém, que até mesmo uma versão mais branda no Brasil dos eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington não ficaria sem resposta dos EUA, inclusive porque traria memórias da violência pós-eleitoral do ano passado. Até hoje, conversando com assessores de deputados republicanos e de democratas, percebe-se que, na política americana, o dia 6 de janeiro ainda não acabou.

Nos debates atuais em Washington sobre o cenário político latino-americano, ninguém tenta esconder o desânimo. Há consenso de que a situação econômica na Argentina deve piorar. Cresce o temor de que a rejeição no referendo sobre a nova constituição no Chile, em setembro, possa deixar o país à deriva. Foi-se qualquer esperança de reverter a erosão da democracia em El Salvador ou na Nicarágua.

Ao longo das últimas semanas, porém, entrou no radar uma nova preocupação entre diplomatas, deputados e assessores do governo americano na capital: a possibilidade de instabilidade pós-eleitoral no Brasil em decorrência da contestação do resultado por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Durante várias das últimas eleições na região, temores de que os derrotados poderiam não reconhecer o resultado das urnas e causar instabilidade revelaram-se como excessivamente alarmistas. Tanto Jose Antonio Kast no Chile quanto Rodolfo Hernández na Colômbia prontamente aceitaram suas derrotas e parabenizaram os vitoriosos.

Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o americano Joe Biden; ao fundo, o presidente colombiano Iván Duque Foto: Jim Watson/AFP

Caso Jair Bolsonaro perca as eleições em outubro, poucos observadores em Washington acreditam que ele siga o exemplo republicano dos seus pares na região. Afinal, nenhum dos candidatos citados acima investiu tanto na narrativa do suposto fraude eleitoral ou chegou a convidar embaixadores estrangeiros para questionar a integridade do sistema eleitoral. Em função disso, a contestação do resultado por Bolsonaro é vista, em Washington, como o resultado mais provável, antecipando um debate sobre como o governo Biden deve reagir.

Os mais otimistas na capital americana mencionam o chamado “cenário argentino”: referem-se ao ano 2015, quando Cristina Fernández de Kirchner foi derrotada por Maurício Macri. Houve um atrito público entre os dois, e ela renunciou em seu último dia no cargo para não ter que entregar a Macri a faixa e o bastão presidenciais. Não procurou, porém, sabotar a transição em si, e a democracia argentina não sofreu abalos.

Outro cenário, esse mais preocupante, é o “6 de janeiro brasileiro”, em referência ao episódio vivido pelos EUA em 2021, quando apoiadores armados de Donald Trump invadiram o Congresso para inviabilizar a certificação do resultado das eleições presidenciais.

A probabilidade de algo ainda mais grave – uma decisão por parte do presidente, apoiado pelas Forças Armadas, de rejeitar o resultado – é vista como baixa pela maioria dos analistas na capital norte-americana. Em parte devido à intervenção de interlocutores brasileiros como Raul Jungmann, que recentemente buscou tranquilizar Washington por meio de um artigo na revista Americas Quarterly – publicação lida por tomadores de decisão nos EUA cujo trabalho tem relação com a América Latina – dizendo, enfaticamente, que “não haverá golpe no Brasil”.

Até mesmo no Partido Democrata, junto ao qual Bolsonaro tem uma péssima reputação, poucos esperam uma versão brasileira do “autogolpe” peruano de 1992, quando o presidente Fujimori, democraticamente eleito, se tornou autocrata.

Essa visão explica por que teve pouco apoio a recente iniciativa de alguns deputados do Partido Democrata de condicionar a cooperação militar dos EUA com o Brasil a uma postura republicana das Forças Armadas brasileiras no processo eleitoral. Na visão de muitos analistas, tal medida afetaria negativamente a cooperação entre as duas Forças Armadas em áreas como o combate ao crime transnacional.

Trumpistas que defendiam tese de fraude invadiram Capitólio em janeiro Foto: Shannon Stapleton/REUTERS

Da mesma forma, há a preocupação de que uma postura dura dos EUA contra o questionamento em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro poderia acabar empurrando o Brasil para os braços da China, que não costuma comentar assuntos internos de outros países. Mesmo que Bolsonaro e altos representantes do Ministério da Defesa continuem questionando a legitimidade do processo eleitoral nas próximas semanas, é pouco provável que o governo americano vá além do que já disse, a portas fechadas, ao presidente brasileiro: Washington não acredita nas teses bolsonaristas sobre fraude eleitoral e sinaliza que qualquer tentativa de Bolsonaro de “melar o jogo” levaria a uma deterioração da relação bilateral.

Mesmo assim, é difícil prever qual seria a reação exata do governo Biden a uma possível não-aceitação do resultado por parte do presidente brasileiro. Muito dependerá dos detalhes da situação em Brasília.

É líquido e certo, porém, que até mesmo uma versão mais branda no Brasil dos eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington não ficaria sem resposta dos EUA, inclusive porque traria memórias da violência pós-eleitoral do ano passado. Até hoje, conversando com assessores de deputados republicanos e de democratas, percebe-se que, na política americana, o dia 6 de janeiro ainda não acabou.

Nos debates atuais em Washington sobre o cenário político latino-americano, ninguém tenta esconder o desânimo. Há consenso de que a situação econômica na Argentina deve piorar. Cresce o temor de que a rejeição no referendo sobre a nova constituição no Chile, em setembro, possa deixar o país à deriva. Foi-se qualquer esperança de reverter a erosão da democracia em El Salvador ou na Nicarágua.

Ao longo das últimas semanas, porém, entrou no radar uma nova preocupação entre diplomatas, deputados e assessores do governo americano na capital: a possibilidade de instabilidade pós-eleitoral no Brasil em decorrência da contestação do resultado por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Durante várias das últimas eleições na região, temores de que os derrotados poderiam não reconhecer o resultado das urnas e causar instabilidade revelaram-se como excessivamente alarmistas. Tanto Jose Antonio Kast no Chile quanto Rodolfo Hernández na Colômbia prontamente aceitaram suas derrotas e parabenizaram os vitoriosos.

Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o americano Joe Biden; ao fundo, o presidente colombiano Iván Duque Foto: Jim Watson/AFP

Caso Jair Bolsonaro perca as eleições em outubro, poucos observadores em Washington acreditam que ele siga o exemplo republicano dos seus pares na região. Afinal, nenhum dos candidatos citados acima investiu tanto na narrativa do suposto fraude eleitoral ou chegou a convidar embaixadores estrangeiros para questionar a integridade do sistema eleitoral. Em função disso, a contestação do resultado por Bolsonaro é vista, em Washington, como o resultado mais provável, antecipando um debate sobre como o governo Biden deve reagir.

Os mais otimistas na capital americana mencionam o chamado “cenário argentino”: referem-se ao ano 2015, quando Cristina Fernández de Kirchner foi derrotada por Maurício Macri. Houve um atrito público entre os dois, e ela renunciou em seu último dia no cargo para não ter que entregar a Macri a faixa e o bastão presidenciais. Não procurou, porém, sabotar a transição em si, e a democracia argentina não sofreu abalos.

Outro cenário, esse mais preocupante, é o “6 de janeiro brasileiro”, em referência ao episódio vivido pelos EUA em 2021, quando apoiadores armados de Donald Trump invadiram o Congresso para inviabilizar a certificação do resultado das eleições presidenciais.

A probabilidade de algo ainda mais grave – uma decisão por parte do presidente, apoiado pelas Forças Armadas, de rejeitar o resultado – é vista como baixa pela maioria dos analistas na capital norte-americana. Em parte devido à intervenção de interlocutores brasileiros como Raul Jungmann, que recentemente buscou tranquilizar Washington por meio de um artigo na revista Americas Quarterly – publicação lida por tomadores de decisão nos EUA cujo trabalho tem relação com a América Latina – dizendo, enfaticamente, que “não haverá golpe no Brasil”.

Até mesmo no Partido Democrata, junto ao qual Bolsonaro tem uma péssima reputação, poucos esperam uma versão brasileira do “autogolpe” peruano de 1992, quando o presidente Fujimori, democraticamente eleito, se tornou autocrata.

Essa visão explica por que teve pouco apoio a recente iniciativa de alguns deputados do Partido Democrata de condicionar a cooperação militar dos EUA com o Brasil a uma postura republicana das Forças Armadas brasileiras no processo eleitoral. Na visão de muitos analistas, tal medida afetaria negativamente a cooperação entre as duas Forças Armadas em áreas como o combate ao crime transnacional.

Trumpistas que defendiam tese de fraude invadiram Capitólio em janeiro Foto: Shannon Stapleton/REUTERS

Da mesma forma, há a preocupação de que uma postura dura dos EUA contra o questionamento em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro poderia acabar empurrando o Brasil para os braços da China, que não costuma comentar assuntos internos de outros países. Mesmo que Bolsonaro e altos representantes do Ministério da Defesa continuem questionando a legitimidade do processo eleitoral nas próximas semanas, é pouco provável que o governo americano vá além do que já disse, a portas fechadas, ao presidente brasileiro: Washington não acredita nas teses bolsonaristas sobre fraude eleitoral e sinaliza que qualquer tentativa de Bolsonaro de “melar o jogo” levaria a uma deterioração da relação bilateral.

Mesmo assim, é difícil prever qual seria a reação exata do governo Biden a uma possível não-aceitação do resultado por parte do presidente brasileiro. Muito dependerá dos detalhes da situação em Brasília.

É líquido e certo, porém, que até mesmo uma versão mais branda no Brasil dos eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington não ficaria sem resposta dos EUA, inclusive porque traria memórias da violência pós-eleitoral do ano passado. Até hoje, conversando com assessores de deputados republicanos e de democratas, percebe-se que, na política americana, o dia 6 de janeiro ainda não acabou.

Nos debates atuais em Washington sobre o cenário político latino-americano, ninguém tenta esconder o desânimo. Há consenso de que a situação econômica na Argentina deve piorar. Cresce o temor de que a rejeição no referendo sobre a nova constituição no Chile, em setembro, possa deixar o país à deriva. Foi-se qualquer esperança de reverter a erosão da democracia em El Salvador ou na Nicarágua.

Ao longo das últimas semanas, porém, entrou no radar uma nova preocupação entre diplomatas, deputados e assessores do governo americano na capital: a possibilidade de instabilidade pós-eleitoral no Brasil em decorrência da contestação do resultado por parte do presidente Jair Bolsonaro.

Durante várias das últimas eleições na região, temores de que os derrotados poderiam não reconhecer o resultado das urnas e causar instabilidade revelaram-se como excessivamente alarmistas. Tanto Jose Antonio Kast no Chile quanto Rodolfo Hernández na Colômbia prontamente aceitaram suas derrotas e parabenizaram os vitoriosos.

Presidente Jair Bolsonaro durante encontro com o americano Joe Biden; ao fundo, o presidente colombiano Iván Duque Foto: Jim Watson/AFP

Caso Jair Bolsonaro perca as eleições em outubro, poucos observadores em Washington acreditam que ele siga o exemplo republicano dos seus pares na região. Afinal, nenhum dos candidatos citados acima investiu tanto na narrativa do suposto fraude eleitoral ou chegou a convidar embaixadores estrangeiros para questionar a integridade do sistema eleitoral. Em função disso, a contestação do resultado por Bolsonaro é vista, em Washington, como o resultado mais provável, antecipando um debate sobre como o governo Biden deve reagir.

Os mais otimistas na capital americana mencionam o chamado “cenário argentino”: referem-se ao ano 2015, quando Cristina Fernández de Kirchner foi derrotada por Maurício Macri. Houve um atrito público entre os dois, e ela renunciou em seu último dia no cargo para não ter que entregar a Macri a faixa e o bastão presidenciais. Não procurou, porém, sabotar a transição em si, e a democracia argentina não sofreu abalos.

Outro cenário, esse mais preocupante, é o “6 de janeiro brasileiro”, em referência ao episódio vivido pelos EUA em 2021, quando apoiadores armados de Donald Trump invadiram o Congresso para inviabilizar a certificação do resultado das eleições presidenciais.

A probabilidade de algo ainda mais grave – uma decisão por parte do presidente, apoiado pelas Forças Armadas, de rejeitar o resultado – é vista como baixa pela maioria dos analistas na capital norte-americana. Em parte devido à intervenção de interlocutores brasileiros como Raul Jungmann, que recentemente buscou tranquilizar Washington por meio de um artigo na revista Americas Quarterly – publicação lida por tomadores de decisão nos EUA cujo trabalho tem relação com a América Latina – dizendo, enfaticamente, que “não haverá golpe no Brasil”.

Até mesmo no Partido Democrata, junto ao qual Bolsonaro tem uma péssima reputação, poucos esperam uma versão brasileira do “autogolpe” peruano de 1992, quando o presidente Fujimori, democraticamente eleito, se tornou autocrata.

Essa visão explica por que teve pouco apoio a recente iniciativa de alguns deputados do Partido Democrata de condicionar a cooperação militar dos EUA com o Brasil a uma postura republicana das Forças Armadas brasileiras no processo eleitoral. Na visão de muitos analistas, tal medida afetaria negativamente a cooperação entre as duas Forças Armadas em áreas como o combate ao crime transnacional.

Trumpistas que defendiam tese de fraude invadiram Capitólio em janeiro Foto: Shannon Stapleton/REUTERS

Da mesma forma, há a preocupação de que uma postura dura dos EUA contra o questionamento em relação à segurança do sistema eleitoral brasileiro poderia acabar empurrando o Brasil para os braços da China, que não costuma comentar assuntos internos de outros países. Mesmo que Bolsonaro e altos representantes do Ministério da Defesa continuem questionando a legitimidade do processo eleitoral nas próximas semanas, é pouco provável que o governo americano vá além do que já disse, a portas fechadas, ao presidente brasileiro: Washington não acredita nas teses bolsonaristas sobre fraude eleitoral e sinaliza que qualquer tentativa de Bolsonaro de “melar o jogo” levaria a uma deterioração da relação bilateral.

Mesmo assim, é difícil prever qual seria a reação exata do governo Biden a uma possível não-aceitação do resultado por parte do presidente brasileiro. Muito dependerá dos detalhes da situação em Brasília.

É líquido e certo, porém, que até mesmo uma versão mais branda no Brasil dos eventos de 6 de janeiro de 2021 em Washington não ficaria sem resposta dos EUA, inclusive porque traria memórias da violência pós-eleitoral do ano passado. Até hoje, conversando com assessores de deputados republicanos e de democratas, percebe-se que, na política americana, o dia 6 de janeiro ainda não acabou.

Opinião por Oliver Stuenkel

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