Na recente Conferência de Segurança de Munique, tradicional encontro de lideranças políticas e militares ocidentais, o clima nos corredores às vezes ficava sombrio: durante os três dias de conversas na capital bávara, o governo russo celebrou duas vitórias. A primeira: o dissidente Alexei Navalni faleceu na prisão, sinal de que Vladimir Putin está conseguindo implementar um sistema de repressão política cada vez mais implacável – e que o espaço para qualquer oposição real na Rússia está desaparecendo.
A segunda: as Forças Armadas russas tomaram o controle, depois de meses de batalhas sangrentas, da cidade ucraniana de Avdiivka, reflexo do cenário militar cada vez mais favorável a Moscou. Além disso, não é segredo que uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro provavelmente levaria a uma redução dramática da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, aumentando as chances de triunfo russo e de enfraquecimento da OTAN.
A despeito do visível pessimismo europeu em Munique, havia poucos sinais de pânico. Em vez disso, líderes e generais do velho continente, apesar de reconhecerem as dificuldades no horizonte, pareciam confiantes de que a Europa conseguirá se adaptar à nova realidade geopolítica, marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.
Poucos dias antes do início da conferência, a Rússia colocou Kaja Kallas, primeira-ministra da Estônia, na lista de “procurados” depois de ela mandar retirar dos espaços públicos de seu país monumentos aos soldados soviéticos da 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma ameaça explícita à soberania do país báltico. Até recentemente, parecia pouco provável o presidente russo iniciar um conflito com a OTAN – afinal, segundo o artigo 5 da aliança militar, um ataque contra um integrante representa um ataque contra todos.
Porém, a julgar por sua retórica, Putin acredita já estar em guerra contra a OTAN e parece obcecado com a ideia de entrar para a história como o líder que vingou a humilhação da União Soviética, escreve Alexander Gabuev, escritor russo exilado em Berlim. Representantes tanto dos governos da Estônia quanto da Dinamarca foram enfáticos ao apontar que Putin pode “testar” a validade do artigo 5 da OTAN dentro de 3 a 5 anos – evento que poderia ocorrer com Trump na Casa Branca, se ele se eleger em novembro.
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O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, chamou atenção ao afirmar, na conferência, que os gastos militares do país teriam que se elevar para bem além dos 2% estipulados pela OTAN, e mencionou 3,5% – cifra que implica profundas mudanças na sociedade alemã, habituada por décadas ao luxo de investir muito pouco em sua defesa, em parte graças à proteção militar norte-americana.
Da mesma forma, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte — ao que tudo indica, o próximo secretário-geral da OTAN — afirmou ser preciso “parar de choramingar” e implementar as reformas necessárias para lidar com a crescente ameaça russa. Os primeiros resultados práticos dessa retórica devem aparecer antes do esperado: até o fim deste ano, a Europa deverá produzir anualmente 1-2 milhões de bombas, superando os EUA. Os gastos militares europeus, em valores absolutos, alcançaram os da Rússia em 2024, mas precisam crescer muito mais, atingindo, idealmente, 3% do PIB, para que o continente possa se defender sem ajuda dos EUA. Na Rússia, mais de 6% do PIB será destinado aos militares em 2024.
O fato de a Europa ainda exportar 40% de seus produtos da área de defesa sugere que, além de capacidade industrial, falta-lhe vontade política. Afinal, enquanto se forma um consenso, entre elites políticas europeias, sobre a necessidade de mais investimentos militares, mal teve início o complexo trabalho de definir o que cortar para evitar problemas fiscais.
Com a economia estagnada e o descontentamento em relação à qualidade dos serviços públicos, como saúde e transporte ferroviário, a Alemanha está “caindo na real de que já não vive no País das Maravilhas, onde dá para fingir que a geopolítica não existe”. Foi o que me disse um político alemão durante a conferência, acrescentando que muitos alemães ainda vivem em negação quanto à necessidade de “virar um país normal, que precisa dedicar parte de seu orçamento e de seus indivíduos mais talentosos à defesa.” Isso também requer superar os traumas que a sociedade ainda tem das Forças Armadas fortes e tornar a carreira militar algo não apenas bem remunerado, mas também de mais prestígio social.
Não há dúvida de que a Europa tem o potencial de implementar um “rejuvenescimento geopolítico” e dar os passos necessários para se defender contra um possível ataque de Moscou – afinal, a economia da União Europeia é dez vezes maior que a da Rússia –, mas o caminho será árduo para um continente acostumado, por significativa parte dos últimos 75 anos, a terceirizar as questões geopolíticas mais espinhosas para os EUA.