Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Europa se prepara para cenário de ataque russo além da Ucrânia


Crescente número de analistas europeus acredita que, uma vez vitorioso na Ucrânia, Putin pode mirar países Bálticos

Por Oliver Stuenkel

Na recente Conferência de Segurança de Munique, tradicional encontro de lideranças políticas e militares ocidentais, o clima nos corredores às vezes ficava sombrio: durante os três dias de conversas na capital bávara, o governo russo celebrou duas vitórias. A primeira: o dissidente Alexei Navalni faleceu na prisão, sinal de que Vladimir Putin está conseguindo implementar um sistema de repressão política cada vez mais implacável – e que o espaço para qualquer oposição real na Rússia está desaparecendo.

A segunda: as Forças Armadas russas tomaram o controle, depois de meses de batalhas sangrentas, da cidade ucraniana de Avdiivka, reflexo do cenário militar cada vez mais favorável a Moscou. Além disso, não é segredo que uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro provavelmente levaria a uma redução dramática da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, aumentando as chances de triunfo russo e de enfraquecimento da OTAN.

A despeito do visível pessimismo europeu em Munique, havia poucos sinais de pânico. Em vez disso, líderes e generais do velho continente, apesar de reconhecerem as dificuldades no horizonte, pareciam confiantes de que a Europa conseguirá se adaptar à nova realidade geopolítica, marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.

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Poucos dias antes do início da conferência, a Rússia colocou Kaja Kallas, primeira-ministra da Estônia, na lista de “procurados” depois de ela mandar retirar dos espaços públicos de seu país monumentos aos soldados soviéticos da 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma ameaça explícita à soberania do país báltico. Até recentemente, parecia pouco provável o presidente russo iniciar um conflito com a OTAN – afinal, segundo o artigo 5 da aliança militar, um ataque contra um integrante representa um ataque contra todos.

Porém, a julgar por sua retórica, Putin acredita já estar em guerra contra a OTAN e parece obcecado com a ideia de entrar para a história como o líder que vingou a humilhação da União Soviética, escreve Alexander Gabuev, escritor russo exilado em Berlim. Representantes tanto dos governos da Estônia quanto da Dinamarca foram enfáticos ao apontar que Putin pode “testar” a validade do artigo 5 da OTAN dentro de 3 a 5 anos – evento que poderia ocorrer com Trump na Casa Branca, se ele se eleger em novembro.

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O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, chamou atenção ao afirmar, na conferência, que os gastos militares do país teriam que se elevar para bem além dos 2% estipulados pela OTAN, e mencionou 3,5% – cifra que implica profundas mudanças na sociedade alemã, habituada por décadas ao luxo de investir muito pouco em sua defesa, em parte graças à proteção militar norte-americana.

Da mesma forma, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte — ao que tudo indica, o próximo secretário-geral da OTAN — afirmou ser preciso “parar de choramingar” e implementar as reformas necessárias para lidar com a crescente ameaça russa. Os primeiros resultados práticos dessa retórica devem aparecer antes do esperado: até o fim deste ano, a Europa deverá produzir anualmente 1-2 milhões de bombas, superando os EUA. Os gastos militares europeus, em valores absolutos, alcançaram os da Rússia em 2024, mas precisam crescer muito mais, atingindo, idealmente, 3% do PIB, para que o continente possa se defender sem ajuda dos EUA. Na Rússia, mais de 6% do PIB será destinado aos militares em 2024.

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Nova realidade geopolítica deverá ser marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.  Foto: Alexander Kazakov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

O fato de a Europa ainda exportar 40% de seus produtos da área de defesa sugere que, além de capacidade industrial, falta-lhe vontade política. Afinal, enquanto se forma um consenso, entre elites políticas europeias, sobre a necessidade de mais investimentos militares, mal teve início o complexo trabalho de definir o que cortar para evitar problemas fiscais.

Com a economia estagnada e o descontentamento em relação à qualidade dos serviços públicos, como saúde e transporte ferroviário, a Alemanha está “caindo na real de que já não vive no País das Maravilhas, onde dá para fingir que a geopolítica não existe”. Foi o que me disse um político alemão durante a conferência, acrescentando que muitos alemães ainda vivem em negação quanto à necessidade de “virar um país normal, que precisa dedicar parte de seu orçamento e de seus indivíduos mais talentosos à defesa.” Isso também requer superar os traumas que a sociedade ainda tem das Forças Armadas fortes e tornar a carreira militar algo não apenas bem remunerado, mas também de mais prestígio social.

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Não há dúvida de que a Europa tem o potencial de implementar um “rejuvenescimento geopolítico” e dar os passos necessários para se defender contra um possível ataque de Moscou – afinal, a economia da União Europeia é dez vezes maior que a da Rússia –, mas o caminho será árduo para um continente acostumado, por significativa parte dos últimos 75 anos, a terceirizar as questões geopolíticas mais espinhosas para os EUA.

Na recente Conferência de Segurança de Munique, tradicional encontro de lideranças políticas e militares ocidentais, o clima nos corredores às vezes ficava sombrio: durante os três dias de conversas na capital bávara, o governo russo celebrou duas vitórias. A primeira: o dissidente Alexei Navalni faleceu na prisão, sinal de que Vladimir Putin está conseguindo implementar um sistema de repressão política cada vez mais implacável – e que o espaço para qualquer oposição real na Rússia está desaparecendo.

A segunda: as Forças Armadas russas tomaram o controle, depois de meses de batalhas sangrentas, da cidade ucraniana de Avdiivka, reflexo do cenário militar cada vez mais favorável a Moscou. Além disso, não é segredo que uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro provavelmente levaria a uma redução dramática da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, aumentando as chances de triunfo russo e de enfraquecimento da OTAN.

A despeito do visível pessimismo europeu em Munique, havia poucos sinais de pânico. Em vez disso, líderes e generais do velho continente, apesar de reconhecerem as dificuldades no horizonte, pareciam confiantes de que a Europa conseguirá se adaptar à nova realidade geopolítica, marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.

Poucos dias antes do início da conferência, a Rússia colocou Kaja Kallas, primeira-ministra da Estônia, na lista de “procurados” depois de ela mandar retirar dos espaços públicos de seu país monumentos aos soldados soviéticos da 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma ameaça explícita à soberania do país báltico. Até recentemente, parecia pouco provável o presidente russo iniciar um conflito com a OTAN – afinal, segundo o artigo 5 da aliança militar, um ataque contra um integrante representa um ataque contra todos.

Porém, a julgar por sua retórica, Putin acredita já estar em guerra contra a OTAN e parece obcecado com a ideia de entrar para a história como o líder que vingou a humilhação da União Soviética, escreve Alexander Gabuev, escritor russo exilado em Berlim. Representantes tanto dos governos da Estônia quanto da Dinamarca foram enfáticos ao apontar que Putin pode “testar” a validade do artigo 5 da OTAN dentro de 3 a 5 anos – evento que poderia ocorrer com Trump na Casa Branca, se ele se eleger em novembro.

O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, chamou atenção ao afirmar, na conferência, que os gastos militares do país teriam que se elevar para bem além dos 2% estipulados pela OTAN, e mencionou 3,5% – cifra que implica profundas mudanças na sociedade alemã, habituada por décadas ao luxo de investir muito pouco em sua defesa, em parte graças à proteção militar norte-americana.

Da mesma forma, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte — ao que tudo indica, o próximo secretário-geral da OTAN — afirmou ser preciso “parar de choramingar” e implementar as reformas necessárias para lidar com a crescente ameaça russa. Os primeiros resultados práticos dessa retórica devem aparecer antes do esperado: até o fim deste ano, a Europa deverá produzir anualmente 1-2 milhões de bombas, superando os EUA. Os gastos militares europeus, em valores absolutos, alcançaram os da Rússia em 2024, mas precisam crescer muito mais, atingindo, idealmente, 3% do PIB, para que o continente possa se defender sem ajuda dos EUA. Na Rússia, mais de 6% do PIB será destinado aos militares em 2024.

Nova realidade geopolítica deverá ser marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.  Foto: Alexander Kazakov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

O fato de a Europa ainda exportar 40% de seus produtos da área de defesa sugere que, além de capacidade industrial, falta-lhe vontade política. Afinal, enquanto se forma um consenso, entre elites políticas europeias, sobre a necessidade de mais investimentos militares, mal teve início o complexo trabalho de definir o que cortar para evitar problemas fiscais.

Com a economia estagnada e o descontentamento em relação à qualidade dos serviços públicos, como saúde e transporte ferroviário, a Alemanha está “caindo na real de que já não vive no País das Maravilhas, onde dá para fingir que a geopolítica não existe”. Foi o que me disse um político alemão durante a conferência, acrescentando que muitos alemães ainda vivem em negação quanto à necessidade de “virar um país normal, que precisa dedicar parte de seu orçamento e de seus indivíduos mais talentosos à defesa.” Isso também requer superar os traumas que a sociedade ainda tem das Forças Armadas fortes e tornar a carreira militar algo não apenas bem remunerado, mas também de mais prestígio social.

Não há dúvida de que a Europa tem o potencial de implementar um “rejuvenescimento geopolítico” e dar os passos necessários para se defender contra um possível ataque de Moscou – afinal, a economia da União Europeia é dez vezes maior que a da Rússia –, mas o caminho será árduo para um continente acostumado, por significativa parte dos últimos 75 anos, a terceirizar as questões geopolíticas mais espinhosas para os EUA.

Na recente Conferência de Segurança de Munique, tradicional encontro de lideranças políticas e militares ocidentais, o clima nos corredores às vezes ficava sombrio: durante os três dias de conversas na capital bávara, o governo russo celebrou duas vitórias. A primeira: o dissidente Alexei Navalni faleceu na prisão, sinal de que Vladimir Putin está conseguindo implementar um sistema de repressão política cada vez mais implacável – e que o espaço para qualquer oposição real na Rússia está desaparecendo.

A segunda: as Forças Armadas russas tomaram o controle, depois de meses de batalhas sangrentas, da cidade ucraniana de Avdiivka, reflexo do cenário militar cada vez mais favorável a Moscou. Além disso, não é segredo que uma vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais em novembro provavelmente levaria a uma redução dramática da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, aumentando as chances de triunfo russo e de enfraquecimento da OTAN.

A despeito do visível pessimismo europeu em Munique, havia poucos sinais de pânico. Em vez disso, líderes e generais do velho continente, apesar de reconhecerem as dificuldades no horizonte, pareciam confiantes de que a Europa conseguirá se adaptar à nova realidade geopolítica, marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.

Poucos dias antes do início da conferência, a Rússia colocou Kaja Kallas, primeira-ministra da Estônia, na lista de “procurados” depois de ela mandar retirar dos espaços públicos de seu país monumentos aos soldados soviéticos da 2ª Guerra Mundial. Trata-se de uma ameaça explícita à soberania do país báltico. Até recentemente, parecia pouco provável o presidente russo iniciar um conflito com a OTAN – afinal, segundo o artigo 5 da aliança militar, um ataque contra um integrante representa um ataque contra todos.

Porém, a julgar por sua retórica, Putin acredita já estar em guerra contra a OTAN e parece obcecado com a ideia de entrar para a história como o líder que vingou a humilhação da União Soviética, escreve Alexander Gabuev, escritor russo exilado em Berlim. Representantes tanto dos governos da Estônia quanto da Dinamarca foram enfáticos ao apontar que Putin pode “testar” a validade do artigo 5 da OTAN dentro de 3 a 5 anos – evento que poderia ocorrer com Trump na Casa Branca, se ele se eleger em novembro.

O ministro alemão da Defesa, Boris Pistorius, chamou atenção ao afirmar, na conferência, que os gastos militares do país teriam que se elevar para bem além dos 2% estipulados pela OTAN, e mencionou 3,5% – cifra que implica profundas mudanças na sociedade alemã, habituada por décadas ao luxo de investir muito pouco em sua defesa, em parte graças à proteção militar norte-americana.

Da mesma forma, o primeiro-ministro holandês, Mark Rutte — ao que tudo indica, o próximo secretário-geral da OTAN — afirmou ser preciso “parar de choramingar” e implementar as reformas necessárias para lidar com a crescente ameaça russa. Os primeiros resultados práticos dessa retórica devem aparecer antes do esperado: até o fim deste ano, a Europa deverá produzir anualmente 1-2 milhões de bombas, superando os EUA. Os gastos militares europeus, em valores absolutos, alcançaram os da Rússia em 2024, mas precisam crescer muito mais, atingindo, idealmente, 3% do PIB, para que o continente possa se defender sem ajuda dos EUA. Na Rússia, mais de 6% do PIB será destinado aos militares em 2024.

Nova realidade geopolítica deverá ser marcada por crescente ameaça militar russa não apenas para a Ucrânia, mas também para outros países como os Bálticos e a Moldávia.  Foto: Alexander Kazakov, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

O fato de a Europa ainda exportar 40% de seus produtos da área de defesa sugere que, além de capacidade industrial, falta-lhe vontade política. Afinal, enquanto se forma um consenso, entre elites políticas europeias, sobre a necessidade de mais investimentos militares, mal teve início o complexo trabalho de definir o que cortar para evitar problemas fiscais.

Com a economia estagnada e o descontentamento em relação à qualidade dos serviços públicos, como saúde e transporte ferroviário, a Alemanha está “caindo na real de que já não vive no País das Maravilhas, onde dá para fingir que a geopolítica não existe”. Foi o que me disse um político alemão durante a conferência, acrescentando que muitos alemães ainda vivem em negação quanto à necessidade de “virar um país normal, que precisa dedicar parte de seu orçamento e de seus indivíduos mais talentosos à defesa.” Isso também requer superar os traumas que a sociedade ainda tem das Forças Armadas fortes e tornar a carreira militar algo não apenas bem remunerado, mas também de mais prestígio social.

Não há dúvida de que a Europa tem o potencial de implementar um “rejuvenescimento geopolítico” e dar os passos necessários para se defender contra um possível ataque de Moscou – afinal, a economia da União Europeia é dez vezes maior que a da Rússia –, mas o caminho será árduo para um continente acostumado, por significativa parte dos últimos 75 anos, a terceirizar as questões geopolíticas mais espinhosas para os EUA.

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