A atenção global sem precedentes aos eventos na capital brasileira no último dia 8 de janeiro se explica, acima de tudo, pelo temor de que os ataques contra o Congresso, o Palácio Planalto e a sede do STF em Brasília sinalizem que está por vir uma onda global de vandalismo contra parlamentos mundo afora.
Os debates nas maiores democracias da América do Norte e da Europa servem como exemplo. Nos EUA, em pleno julgamento dos invasores do Capitólio em 6 de janeiro de 2021 – que já envolve mais de 900 prisões –, há muita preocupação com a radicalização e novo risco de violência política, simbolizada pela recente invasão da casa da congressista Nancy Pelosi, então presidente da Câmara dos Deputados.
Na Alemanha, desenrola-se amplo debate sobre as crescentes ameaças à democracia. Afinal, faz pouco mais de um mês que 3000 policiais e forças especializadas prenderam, em uma megaoperação em três países diferentes, um grupo de 25 golpistas – incluindo ex-militares – que planejavam derrubar o governo em Berlim.
Especialistas acreditam que, fora dos EUA, encontra-se na Alemanha o maior grupo de seguidores da teoria QAnon, vista como ameaça direta à ordem democrática. Em 2021, o Ministério da Defesa estava investigando quase 1500 casos de suspeita de extremismo nas Forças Armadas alemãs, a vasta maioria da extrema direita. Ao longo dos últimos anos, chegaram a preocupar casos de sumiço de grande quantidade de munição pertencente às Forças Especiais (conhecidos como KSK) do país – parte delas onde o extremismo político é visto como um problema particularmente preocupante.
Em várias outras democracias do mundo, há também preocupação com grupos radicalizados em universos paralelos das redes sociais e dispostas a usar violência para obter seus objetivos políticos. Uma vez que o Brasil tem sido visto, no exterior, como uma espécie de laboratório de movimentos extremistas, tende a aumentar a apreensão de que o país apresente o tipo de problema que outras democracias poderão enfrentar daqui a alguns anos.
Em função disso, a quase totalidade de governantes mundo afora torce para que as punições contra as três partes envolvidas nos ataques de Brasília sejam severas: em primeiro lugar, os supostos arquitetos da radicalização – como o próprio ex-presidente Bolsonaro; em segundo lugar, as autoridades em Brasília que supostamente foram negligentes na proteção da Praça dos Três Poderes, como o ex-ministro Anderson Torres; e, por último, os que ativamente depredaram os prédios públicos.
Na leitura internacional, quanto mais rigorosa a resposta da Justiça brasileira, menos risco há de que os ataques de 8 de janeiro venham a inspirar movimentos semelhantes em outros países. No entendimento de integrantes de vários governos, Bolsonaro só se desviou do playbook trumpista quando começou a temer a punição do TSE e, em seguida, viajou aos EUA.
Como nota Susan Stokes, professora de Ciência Política da Universidade de Chicago, em recente artigo intitulado “Sem Impunidade aos Golpistas”, o qual analisa os ataques em Brasília, “embora processar ex-presidentes envolva riscos, o custo de permitir que os envolvidos em uma insurreição e lideranças com ambições autoritárias escapem à responsabilidade pode ser alto demais.” Da mesma forma, o analista político Moisés Naim nota que “se aqueles entre nós que valorizam a democracia não acabarem com esses tipos de [ataque], impondo punições severas, elas podem se tornar comuns.”
O apoio praticamente unânime da comunidade internacional ao presidente Lula – incluindo não só condenações de países democráticos como Estados Unidos, Alemanha, França, Espanha e numerosos países latino-americanos, mas até mesmo de autocracias como Rússia e China – também tem como objetivo, portanto, fortalecer o governo brasileiro para que possa ser resiliente o suficiente diante das tensões que as condenações dos envolvidos no dia 8 de janeiro inevitavelmente produzirão.
Diante do risco do contágio global de insurreições contra governos, a questão de como defender a democracia globalmente – debate que saiu de moda na década de 1990 e até recentemente causava rejeição imediata em muitos países latino-americanos por ser visto como pretexto para justificar interferências nos assuntos internos de outros países – está mais atual do que nunca.