Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Governos ocidentais veem provável derrota de Bolsonaro com bons olhos


Muitos países esperam que a eleição encerre a pior fase da diplomacia com o país desde a redemocratização

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

A menos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o país desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis.

Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

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Presidente americano Joe Biden e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participam de encontro em Los Angeles, em 9 de junho, durante a Cúpula das Américas  Foto: Jim Watson / AFP

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

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Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar do país para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais impostas à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.

A menos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o país desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis.

Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

Presidente americano Joe Biden e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participam de encontro em Los Angeles, em 9 de junho, durante a Cúpula das Américas  Foto: Jim Watson / AFP

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar do país para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais impostas à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.

A menos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o país desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis.

Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

Presidente americano Joe Biden e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participam de encontro em Los Angeles, em 9 de junho, durante a Cúpula das Américas  Foto: Jim Watson / AFP

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar do país para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais impostas à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.

A menos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o país desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis.

Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

Presidente americano Joe Biden e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participam de encontro em Los Angeles, em 9 de junho, durante a Cúpula das Américas  Foto: Jim Watson / AFP

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar do país para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais impostas à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.

A menos de cem dias do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil, a grande maioria dos governos ocidentais espera que o pleito encerre a pior fase das relações diplomáticas com o país desde a redemocratização. A “torcida” deve-se menos a uma simpatia pela esquerda brasileira do que à percepção de que, enquanto Bolsonaro for presidente, as divergências com a Europa e com os Estados Unidos serão insuperáveis.

Os principais integrantes de chancelarias como as de Washington, Lisboa, Paris e Berlim afirmam que, sem troca de comando no Planalto, não há esperança de se resolverem os impasses em áreas como o combate às mudanças climáticas, o multilateralismo e a defesa dos direitos humanos.

A rejeição não é à direita como um todo, mas a Bolsonaro. Prova disso é que, em anos recentes, líderes de direita, como o ex-presidente chileno Sebastian Piñera e o ex-presidente argentino Maurício Macri, mantiveram boas relações com o Ocidente. A questão é que a postura antiambientalista e “antiglobalista” do mandatário brasileiro e suas falas pouco ciosas com a democracia o levam a ser visto como o principal expoente do trumpismo na atualidade. Isso também faz com que os governos do Norte global enxerguem sua derrota como um sinal de resiliência da democracia brasileira, independentemente de eventuais erros de governos petistas anteriores.

Presidente americano Joe Biden e o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, participam de encontro em Los Angeles, em 9 de junho, durante a Cúpula das Américas  Foto: Jim Watson / AFP

Aos olhos do Ocidente, o maior trunfo de Lula é não ser Bolsonaro, e isso certamente lhe trará um bônus diplomático caso seja eleito. Afinal, países como Alemanha, França e Noruega vêm nutrindo a expectativa de ampliar a cooperação com o Brasil, sobretudo na área ambiental e nos fóruns multilaterais. Diferentemente do atual presidente, é difícil pensar que Lula se envolveria em bate-bocas com líderes europeus, questionaria o resultado das eleições americanas ou defenderia pautas ultraconservadoras na ONU, para citar alguns feitos da atual gestão. Mas o fato de ter uma postura mais condizente com o cargo não significa que Lula seja o queridinho do Ocidente ou que as relações estariam livres de fricções e desavenças.

Para começo de conversa, é improvável que uma vitória petista trouxesse mudanças significativas na postura brasileira em relação à questão mais premente da política internacional contemporânea: a guerra na Ucrânia. Lula, como o antecessor, tampouco cederia ao desejo americano e europeu de conter a crescente influência econômica e política chinesa na América Latina. Especialmente no contexto da provável piora na relação do Ocidente com a Rússia e com a China ao longo dos próximos anos e do possível surgimento de uma Cortina de Ferro Digital, fruto da “guerra tecnológica” entre Pequim e Washington, preservar laços construtivos entre o Brasil e o Ocidente não será uma tarefa simples.

Além disso, mesmo se vencer de lavada em outubro, é provável que Lula enfrente os mesmos obstáculos perniciosos da polarização extrema que atualmente enfraquecem o governo Biden, com milhões de americanos questionando a legitimidade do democrata. Esse fenômeno limita o espaço de manobra de Biden no âmbito externo. Da mesma forma, um cenário econômico altamente adverso – agravado pela “herança maldita” que o atual governo deixará no âmbito fiscal – fará com que o próximo presidente brasileiro tenha que dedicar muito mais tempo aos desafios internos, reduzindo o espaço para projetos na área internacional e o potencial para contribuições brasileiras no cenário global. Diferentemente da primeira “onda rosa” dos anos 2000, marcada por um boom de commodities que possibilitou gastos sociais elevados e gerou estabilidade política, os presidentes da segunda onda rosa devem enfrentar um cenário muito mais complexo e turbulento.

Outro aspecto a se destacar é que, em duas áreas importantes da agenda ocidental em relação ao Brasil – a adesão brasileira à OCDE e a ratificação do acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia –, o principal assessor de Lula para assuntos internacionais, o ex-ministro Celso Amorim, tem deixado em aberto qual seria a estratégia brasileira. Ele argumenta que ser membro da OCDE não traz necessariamente vantagens ao Brasil.

Apesar desses prováveis entraves na relação do Brasil com outras nações ocidentais depois de uma eventual derrota de Bolsonaro, não há dúvida de que um possível governo Lula poderia aproveitar o desejo ocidental de se reaproximar do país para negociar acordos vantajosos, seja garantindo ajuda bilionária para preservar a Amazônia, seja cobrando medidas concretas para atenuar o impacto econômico negativo das sanções ocidentais impostas à Rússia. Se for bem aproveitada, a lua de mel do governo Lula com o Ocidente pode ser um período altamente produtivo para a diplomacia brasileira.

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