Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Guerra tecnológica entre EUA e China criará Cortina de Ferro digital


Briga por controle do mercado de semicondutores simboliza fim da era da hiperglobalização

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

A recente decisão do governo dos EUA de proibir a venda para a China de semicondutores americanos de ponta é mais um passo na guerra tecnológica entre Washington e Pequim. O conflito já está transformando a economia global.

Até recentemente, as restrições entre os dois países se limitavam à relação bilateral – por exemplo, empresas americanas, como Twitter e Meta, por decisão da China, não podiam atuar no mercado chinês; e empresas chinesas, como Huawei, por decisão dos EUA, eram barradas do mercado norte-americano.

As novas restrições americanas, no entanto, têm impacto global: o governo Biden não só decidiu proibir que empresas americanas repassem à China componentes essenciais à produção de semicondutores como também almeja bloquear a exportação, ao país asiático, por parte de qualquer empresa do mundo, de produtos que contenham tecnologia americana necessária para desenvolver semicondutores de última geração.

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Presidente dos EUA, Joe Biden, e presidente da China, Xi Jinping, em conferência no dia 15 de novembro de 2021; cena cada vez mais rara  Foto: Doug Mills/NYT

A decisão mais surpreendente do governo Biden, porém, talvez tenha sido proibir que cidadãos dos EUA e até pessoas com green card americano contribuam para o desenvolvimento de chips na China. A decisão levará à saída de numerosos executivos do país asiático.

É possível pedir uma licença do governo norte-americano para continuar trabalhando em território chinês, mas será preciso provar que a tecnologia desenvolvida lá não poderá ser utilizada para fins militares, algo difícil uma vez que semicondutores servem tanto para uso civil quanto militar.

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O novo cenário representa o maior rearranjo das cadeias globais de valor em décadas: microchips estão presentes em praticamente todas as áreas da economia — celulares, computadores, eletrodomésticos, carros, satélites, mísseis.

Até mesmo o setor de commodities demanda semicondutores sofisticados, como, por exemplo, nos drones que monitoram o crescimento de produtos agrícolas. Quase todas as atividades econômicas, mesmo em economias relativamente fechadas como a do Brasil, sentirão o impacto de um mundo menos globalizado e cada vez mais sujeito a tensões geopolíticas.

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Jato chinês sobrevoa ilha de Pingtan, perto de Taiwan, durante série de exercícios militares em agosto; tecnologia militar depende de condutores  Foto: Hector Retamal/ AFP

A grande aposta americana, até meados da década passada, era trazer a China para dentro do sistema econômico liderado pelos EUA, postura que facilitou e acelerou a ascensão do gigante asiático. Entretanto, profundas discordâncias quanto a violações de propriedade intelectual por parte de Pequim, a recusa chinesa de deixar empresas americanas entrarem no mercado daquele país e a desconfiança americana em relação às ambições geopolíticas de Xi Jinping fizeram com que Washington apostasse na contenção explícita de seu maior rival geopolítico – embora isso represente elevado custo para a economia dos EUA e para numerosas empresas americanas de tecnologia para as quais o mercado chinês tem enorme importância.

É impossível prever com precisão todos os efeitos colaterais das medidas norte-americanas, inclusive porque ainda não está claro como algumas das restrições serão implementadas. Em todo caso, não há dúvidas sobre duas consequências dessa ruptura tecnológica: atraso no desenvolvimento de semicondutores pela China – uma área em que o país ainda está engatinhando e não tem autossuficiência – e impossibilidade de acesso, às empresas americanas, a setores da tecnologia em que a China está à frente, como inteligência artificial.

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Do ponto de vista econômico, é certo que essa “cortina de ferro” digital produzirá distorções, ineficiências e pressão inflacionária no sistema internacional. Da mesma forma, afetará o ritmo de inovação tecnológica. Empresas buscarão aumentar a resiliência geopolítica de suas cadeias de suprimento, deixando de priorizar apenas sua eficiência. Embora alguns países possam vir a beneficiar-se dessa “guerra tecnológica”, a maioria será afetada negativamente. Como diz o provérbio africano, quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama.

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O ex-presidente chinês Hu Jintao é inesperadamente retirado da cerimônia de encerramento do Congresso do Partido Comunista no sábado.

Do ponto de vista geopolítico, percebe-se como estratégico Biden ter anunciado suas novas medidas pouco antes do XX Congresso do Partido Comunista chinês, algo que intensificará a pressão sobre Xi Jinping. A ruptura tecnológica entre os EUA e a China também aumenta a relevância geopolítica de Taiwan, responsável por uma fatia significativa da produção global de semicondutores.

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Apesar de todas as diferenças e contendas entre Republicanos e Democratas nos EUA, os dois partidos estão alinhados quando se trata da China. Nenhum político de peso da oposição criticou a postura do presidente Biden. Mesmo se Trump voltar à Casa Branca em 2025, deverá manter ou até endurecer a estratégia de seu antecessor. A Cortina de Ferro digital veio para ficar.

A recente decisão do governo dos EUA de proibir a venda para a China de semicondutores americanos de ponta é mais um passo na guerra tecnológica entre Washington e Pequim. O conflito já está transformando a economia global.

Até recentemente, as restrições entre os dois países se limitavam à relação bilateral – por exemplo, empresas americanas, como Twitter e Meta, por decisão da China, não podiam atuar no mercado chinês; e empresas chinesas, como Huawei, por decisão dos EUA, eram barradas do mercado norte-americano.

As novas restrições americanas, no entanto, têm impacto global: o governo Biden não só decidiu proibir que empresas americanas repassem à China componentes essenciais à produção de semicondutores como também almeja bloquear a exportação, ao país asiático, por parte de qualquer empresa do mundo, de produtos que contenham tecnologia americana necessária para desenvolver semicondutores de última geração.

Presidente dos EUA, Joe Biden, e presidente da China, Xi Jinping, em conferência no dia 15 de novembro de 2021; cena cada vez mais rara  Foto: Doug Mills/NYT

A decisão mais surpreendente do governo Biden, porém, talvez tenha sido proibir que cidadãos dos EUA e até pessoas com green card americano contribuam para o desenvolvimento de chips na China. A decisão levará à saída de numerosos executivos do país asiático.

É possível pedir uma licença do governo norte-americano para continuar trabalhando em território chinês, mas será preciso provar que a tecnologia desenvolvida lá não poderá ser utilizada para fins militares, algo difícil uma vez que semicondutores servem tanto para uso civil quanto militar.

O novo cenário representa o maior rearranjo das cadeias globais de valor em décadas: microchips estão presentes em praticamente todas as áreas da economia — celulares, computadores, eletrodomésticos, carros, satélites, mísseis.

Até mesmo o setor de commodities demanda semicondutores sofisticados, como, por exemplo, nos drones que monitoram o crescimento de produtos agrícolas. Quase todas as atividades econômicas, mesmo em economias relativamente fechadas como a do Brasil, sentirão o impacto de um mundo menos globalizado e cada vez mais sujeito a tensões geopolíticas.

Jato chinês sobrevoa ilha de Pingtan, perto de Taiwan, durante série de exercícios militares em agosto; tecnologia militar depende de condutores  Foto: Hector Retamal/ AFP

A grande aposta americana, até meados da década passada, era trazer a China para dentro do sistema econômico liderado pelos EUA, postura que facilitou e acelerou a ascensão do gigante asiático. Entretanto, profundas discordâncias quanto a violações de propriedade intelectual por parte de Pequim, a recusa chinesa de deixar empresas americanas entrarem no mercado daquele país e a desconfiança americana em relação às ambições geopolíticas de Xi Jinping fizeram com que Washington apostasse na contenção explícita de seu maior rival geopolítico – embora isso represente elevado custo para a economia dos EUA e para numerosas empresas americanas de tecnologia para as quais o mercado chinês tem enorme importância.

É impossível prever com precisão todos os efeitos colaterais das medidas norte-americanas, inclusive porque ainda não está claro como algumas das restrições serão implementadas. Em todo caso, não há dúvidas sobre duas consequências dessa ruptura tecnológica: atraso no desenvolvimento de semicondutores pela China – uma área em que o país ainda está engatinhando e não tem autossuficiência – e impossibilidade de acesso, às empresas americanas, a setores da tecnologia em que a China está à frente, como inteligência artificial.

Do ponto de vista econômico, é certo que essa “cortina de ferro” digital produzirá distorções, ineficiências e pressão inflacionária no sistema internacional. Da mesma forma, afetará o ritmo de inovação tecnológica. Empresas buscarão aumentar a resiliência geopolítica de suas cadeias de suprimento, deixando de priorizar apenas sua eficiência. Embora alguns países possam vir a beneficiar-se dessa “guerra tecnológica”, a maioria será afetada negativamente. Como diz o provérbio africano, quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama.

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O ex-presidente chinês Hu Jintao é inesperadamente retirado da cerimônia de encerramento do Congresso do Partido Comunista no sábado.

Do ponto de vista geopolítico, percebe-se como estratégico Biden ter anunciado suas novas medidas pouco antes do XX Congresso do Partido Comunista chinês, algo que intensificará a pressão sobre Xi Jinping. A ruptura tecnológica entre os EUA e a China também aumenta a relevância geopolítica de Taiwan, responsável por uma fatia significativa da produção global de semicondutores.

Apesar de todas as diferenças e contendas entre Republicanos e Democratas nos EUA, os dois partidos estão alinhados quando se trata da China. Nenhum político de peso da oposição criticou a postura do presidente Biden. Mesmo se Trump voltar à Casa Branca em 2025, deverá manter ou até endurecer a estratégia de seu antecessor. A Cortina de Ferro digital veio para ficar.

A recente decisão do governo dos EUA de proibir a venda para a China de semicondutores americanos de ponta é mais um passo na guerra tecnológica entre Washington e Pequim. O conflito já está transformando a economia global.

Até recentemente, as restrições entre os dois países se limitavam à relação bilateral – por exemplo, empresas americanas, como Twitter e Meta, por decisão da China, não podiam atuar no mercado chinês; e empresas chinesas, como Huawei, por decisão dos EUA, eram barradas do mercado norte-americano.

As novas restrições americanas, no entanto, têm impacto global: o governo Biden não só decidiu proibir que empresas americanas repassem à China componentes essenciais à produção de semicondutores como também almeja bloquear a exportação, ao país asiático, por parte de qualquer empresa do mundo, de produtos que contenham tecnologia americana necessária para desenvolver semicondutores de última geração.

Presidente dos EUA, Joe Biden, e presidente da China, Xi Jinping, em conferência no dia 15 de novembro de 2021; cena cada vez mais rara  Foto: Doug Mills/NYT

A decisão mais surpreendente do governo Biden, porém, talvez tenha sido proibir que cidadãos dos EUA e até pessoas com green card americano contribuam para o desenvolvimento de chips na China. A decisão levará à saída de numerosos executivos do país asiático.

É possível pedir uma licença do governo norte-americano para continuar trabalhando em território chinês, mas será preciso provar que a tecnologia desenvolvida lá não poderá ser utilizada para fins militares, algo difícil uma vez que semicondutores servem tanto para uso civil quanto militar.

O novo cenário representa o maior rearranjo das cadeias globais de valor em décadas: microchips estão presentes em praticamente todas as áreas da economia — celulares, computadores, eletrodomésticos, carros, satélites, mísseis.

Até mesmo o setor de commodities demanda semicondutores sofisticados, como, por exemplo, nos drones que monitoram o crescimento de produtos agrícolas. Quase todas as atividades econômicas, mesmo em economias relativamente fechadas como a do Brasil, sentirão o impacto de um mundo menos globalizado e cada vez mais sujeito a tensões geopolíticas.

Jato chinês sobrevoa ilha de Pingtan, perto de Taiwan, durante série de exercícios militares em agosto; tecnologia militar depende de condutores  Foto: Hector Retamal/ AFP

A grande aposta americana, até meados da década passada, era trazer a China para dentro do sistema econômico liderado pelos EUA, postura que facilitou e acelerou a ascensão do gigante asiático. Entretanto, profundas discordâncias quanto a violações de propriedade intelectual por parte de Pequim, a recusa chinesa de deixar empresas americanas entrarem no mercado daquele país e a desconfiança americana em relação às ambições geopolíticas de Xi Jinping fizeram com que Washington apostasse na contenção explícita de seu maior rival geopolítico – embora isso represente elevado custo para a economia dos EUA e para numerosas empresas americanas de tecnologia para as quais o mercado chinês tem enorme importância.

É impossível prever com precisão todos os efeitos colaterais das medidas norte-americanas, inclusive porque ainda não está claro como algumas das restrições serão implementadas. Em todo caso, não há dúvidas sobre duas consequências dessa ruptura tecnológica: atraso no desenvolvimento de semicondutores pela China – uma área em que o país ainda está engatinhando e não tem autossuficiência – e impossibilidade de acesso, às empresas americanas, a setores da tecnologia em que a China está à frente, como inteligência artificial.

Do ponto de vista econômico, é certo que essa “cortina de ferro” digital produzirá distorções, ineficiências e pressão inflacionária no sistema internacional. Da mesma forma, afetará o ritmo de inovação tecnológica. Empresas buscarão aumentar a resiliência geopolítica de suas cadeias de suprimento, deixando de priorizar apenas sua eficiência. Embora alguns países possam vir a beneficiar-se dessa “guerra tecnológica”, a maioria será afetada negativamente. Como diz o provérbio africano, quando dois elefantes brigam, quem sofre é a grama.

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O ex-presidente chinês Hu Jintao é inesperadamente retirado da cerimônia de encerramento do Congresso do Partido Comunista no sábado.

Do ponto de vista geopolítico, percebe-se como estratégico Biden ter anunciado suas novas medidas pouco antes do XX Congresso do Partido Comunista chinês, algo que intensificará a pressão sobre Xi Jinping. A ruptura tecnológica entre os EUA e a China também aumenta a relevância geopolítica de Taiwan, responsável por uma fatia significativa da produção global de semicondutores.

Apesar de todas as diferenças e contendas entre Republicanos e Democratas nos EUA, os dois partidos estão alinhados quando se trata da China. Nenhum político de peso da oposição criticou a postura do presidente Biden. Mesmo se Trump voltar à Casa Branca em 2025, deverá manter ou até endurecer a estratégia de seu antecessor. A Cortina de Ferro digital veio para ficar.

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