Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Ideia de ter Ucrânia e Reino Unido na UE, que parecia ficção, é mais real do que nunca


Impensável até recentemente, filiação de ambos nos próximos anos é mais provável do que parece

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

O plebiscito britânico de 2016, cujo resultado foi a saída do Reino Unido da União Europeia, entrará na história como o ápice da onda populista que varreu o mundo ocidental na década passada. Sete anos depois, com a população cada vez mais ciente das consequências negativas do Brexit – previstas por praticamente todos os especialistas à época –, a maioria dos eleitores gostaria de que o país retornasse à UE.

É questão de tempo até que um dos principais partidos da nação apresente o “Rejoin” como objetivo. Afinal, “vendido” durante o plebiscito por charlatões como o ex-primeiro ministro Boris Johnson e o nacionalista Nigel Farage como forma de fortalecer a economia, limitar a imigração e consertar o sistema de saúde, o Brexit nada melhorou – pelo contrário.

Além disso, de forma previsível, os seus defensores nunca souberam resolver a nítida contradição entre duas narrativas-chave de sua campanha: a ideia de construir uma “Global Britain”, aberta ao mundo, e, ao mesmo tempo, “retomar o controle” e fortalecer a soberania contra a globalização.

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Uma bandeira da UE tremula do lado de fora do Parlamento em Londres Foto: Andy Rain/EFE - 23/01/2023

A volta do Reino Unido à UE representaria um triunfo histórico do grupo e um baque significativo para movimentos em outros países-membros dispostos a organizar uma consulta popular sobre a permanência ou não no bloco. Afinal, a situação do Reino Unido – economia com pior desempenho no mundo industrializado neste ano, segundo previsões do FMI, e a única nação europeia com expectativa de vida atualmente em declínio – torna a perspectiva de deixar o clube pouco atraente.

Apesar de o Reino Unido se ver mergulhado em crise, seu retorno à UE agregaria peso econômico e geopolítico ao grupo, que o receberia de braços abertos. Diferentemente da relação conflituosa entre Londres e Bruxelas antes do Brexit – sobretudo devido aos privilégios do Reino Unido, que contribuía com menos recursos ao bloco do que os outros integrantes maiores –, desta vez Londres não receberia tratamento especial e, provavelmente, teria de abrir mão da libra e aceitar o euro para aderir.

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Há duas semanas, Gideon Rachman, colunista do Financial Times, chegou a propor um novo referendo sobre o início de negociações de adesão em 2026, uma década depois do voto que levou ao Brexit.

A adesão da Ucrânia seria igualmente histórica e poderia acontecer mais rapidamente do que parece: apenas cinco meses após a invasão russa, em fevereiro do ano passado, os dirigentes da UE concederam à Ucrânia o status de país-candidato, início de um caminho muitas vezes longo até a adesão de fato – a Turquia, por exemplo, está na fila há mais de 20 anos.

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O caso da Ucrânia, porém, em nada se compara ao da candidatura de outros países: mesmo antes de sua adesão, o governo Zelenski fez mais para fortalecer a UE do que muitos líderes do bloco: em menos de 12 meses, o presidente ucraniano tornou-se uma das figuras mais influentes na Europa e acabou dando direção a um clube que antes da guerra parecia à deriva. Não deixa de ser irônico verificar que nada disso teria sido possível sem Vladimir Putin, cuja decisão de invadir a Ucrânia tirou a Europa de seu estupor.

A adesão dos ucranianos traria uma quantidade imensurável de desafios e riscos ao bloco, como a reconstrução econômica de um país devastado pela guerra; o fortalecimento de suas instituições, onde a corrupção ainda é um problema endêmico; e os desafios geopolíticos envolvendo as regiões atualmente ocupadas pela Rússia, como a Península da Crimeia.

Enfrentaria a resistência de algumas nações do bloco, como a Holanda, cujo premiê é bem mais relutante do que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, vista como apoiadora-chave de Kiev.

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Realidade

Mas o desafio de integrar a Ucrânia, sobretudo em função de seu caráter histórico, também daria um norte ao clube e elevaria radicalmente seu status geopolítico. Para Kiev, buscar a adesão à UE pode acabar sendo o melhor caminho possível diante da ameaça contínua apresentada pela Rússia.

Em uma possível negociação de paz daqui a alguns anos, pode-se imaginar Moscou aceitando a adesão ucraniana ao clube desde que o governo ucraniano prometa não tentar fazer parte da Otan.

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“Eu tenho um sonho. Reino Unido e Ucrânia dentro da UE daqui a 5 anos”, tuitou recentemente o parlamentar europeu Guy Verhofstadt. Diante das dinâmicas políticas atuais, seria imprudente descartar esse cenário, visto até pouco tempo atrás como pura ficção.

O plebiscito britânico de 2016, cujo resultado foi a saída do Reino Unido da União Europeia, entrará na história como o ápice da onda populista que varreu o mundo ocidental na década passada. Sete anos depois, com a população cada vez mais ciente das consequências negativas do Brexit – previstas por praticamente todos os especialistas à época –, a maioria dos eleitores gostaria de que o país retornasse à UE.

É questão de tempo até que um dos principais partidos da nação apresente o “Rejoin” como objetivo. Afinal, “vendido” durante o plebiscito por charlatões como o ex-primeiro ministro Boris Johnson e o nacionalista Nigel Farage como forma de fortalecer a economia, limitar a imigração e consertar o sistema de saúde, o Brexit nada melhorou – pelo contrário.

Além disso, de forma previsível, os seus defensores nunca souberam resolver a nítida contradição entre duas narrativas-chave de sua campanha: a ideia de construir uma “Global Britain”, aberta ao mundo, e, ao mesmo tempo, “retomar o controle” e fortalecer a soberania contra a globalização.

Uma bandeira da UE tremula do lado de fora do Parlamento em Londres Foto: Andy Rain/EFE - 23/01/2023

A volta do Reino Unido à UE representaria um triunfo histórico do grupo e um baque significativo para movimentos em outros países-membros dispostos a organizar uma consulta popular sobre a permanência ou não no bloco. Afinal, a situação do Reino Unido – economia com pior desempenho no mundo industrializado neste ano, segundo previsões do FMI, e a única nação europeia com expectativa de vida atualmente em declínio – torna a perspectiva de deixar o clube pouco atraente.

Apesar de o Reino Unido se ver mergulhado em crise, seu retorno à UE agregaria peso econômico e geopolítico ao grupo, que o receberia de braços abertos. Diferentemente da relação conflituosa entre Londres e Bruxelas antes do Brexit – sobretudo devido aos privilégios do Reino Unido, que contribuía com menos recursos ao bloco do que os outros integrantes maiores –, desta vez Londres não receberia tratamento especial e, provavelmente, teria de abrir mão da libra e aceitar o euro para aderir.

Há duas semanas, Gideon Rachman, colunista do Financial Times, chegou a propor um novo referendo sobre o início de negociações de adesão em 2026, uma década depois do voto que levou ao Brexit.

A adesão da Ucrânia seria igualmente histórica e poderia acontecer mais rapidamente do que parece: apenas cinco meses após a invasão russa, em fevereiro do ano passado, os dirigentes da UE concederam à Ucrânia o status de país-candidato, início de um caminho muitas vezes longo até a adesão de fato – a Turquia, por exemplo, está na fila há mais de 20 anos.

O caso da Ucrânia, porém, em nada se compara ao da candidatura de outros países: mesmo antes de sua adesão, o governo Zelenski fez mais para fortalecer a UE do que muitos líderes do bloco: em menos de 12 meses, o presidente ucraniano tornou-se uma das figuras mais influentes na Europa e acabou dando direção a um clube que antes da guerra parecia à deriva. Não deixa de ser irônico verificar que nada disso teria sido possível sem Vladimir Putin, cuja decisão de invadir a Ucrânia tirou a Europa de seu estupor.

A adesão dos ucranianos traria uma quantidade imensurável de desafios e riscos ao bloco, como a reconstrução econômica de um país devastado pela guerra; o fortalecimento de suas instituições, onde a corrupção ainda é um problema endêmico; e os desafios geopolíticos envolvendo as regiões atualmente ocupadas pela Rússia, como a Península da Crimeia.

Enfrentaria a resistência de algumas nações do bloco, como a Holanda, cujo premiê é bem mais relutante do que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, vista como apoiadora-chave de Kiev.

Realidade

Mas o desafio de integrar a Ucrânia, sobretudo em função de seu caráter histórico, também daria um norte ao clube e elevaria radicalmente seu status geopolítico. Para Kiev, buscar a adesão à UE pode acabar sendo o melhor caminho possível diante da ameaça contínua apresentada pela Rússia.

Em uma possível negociação de paz daqui a alguns anos, pode-se imaginar Moscou aceitando a adesão ucraniana ao clube desde que o governo ucraniano prometa não tentar fazer parte da Otan.

“Eu tenho um sonho. Reino Unido e Ucrânia dentro da UE daqui a 5 anos”, tuitou recentemente o parlamentar europeu Guy Verhofstadt. Diante das dinâmicas políticas atuais, seria imprudente descartar esse cenário, visto até pouco tempo atrás como pura ficção.

O plebiscito britânico de 2016, cujo resultado foi a saída do Reino Unido da União Europeia, entrará na história como o ápice da onda populista que varreu o mundo ocidental na década passada. Sete anos depois, com a população cada vez mais ciente das consequências negativas do Brexit – previstas por praticamente todos os especialistas à época –, a maioria dos eleitores gostaria de que o país retornasse à UE.

É questão de tempo até que um dos principais partidos da nação apresente o “Rejoin” como objetivo. Afinal, “vendido” durante o plebiscito por charlatões como o ex-primeiro ministro Boris Johnson e o nacionalista Nigel Farage como forma de fortalecer a economia, limitar a imigração e consertar o sistema de saúde, o Brexit nada melhorou – pelo contrário.

Além disso, de forma previsível, os seus defensores nunca souberam resolver a nítida contradição entre duas narrativas-chave de sua campanha: a ideia de construir uma “Global Britain”, aberta ao mundo, e, ao mesmo tempo, “retomar o controle” e fortalecer a soberania contra a globalização.

Uma bandeira da UE tremula do lado de fora do Parlamento em Londres Foto: Andy Rain/EFE - 23/01/2023

A volta do Reino Unido à UE representaria um triunfo histórico do grupo e um baque significativo para movimentos em outros países-membros dispostos a organizar uma consulta popular sobre a permanência ou não no bloco. Afinal, a situação do Reino Unido – economia com pior desempenho no mundo industrializado neste ano, segundo previsões do FMI, e a única nação europeia com expectativa de vida atualmente em declínio – torna a perspectiva de deixar o clube pouco atraente.

Apesar de o Reino Unido se ver mergulhado em crise, seu retorno à UE agregaria peso econômico e geopolítico ao grupo, que o receberia de braços abertos. Diferentemente da relação conflituosa entre Londres e Bruxelas antes do Brexit – sobretudo devido aos privilégios do Reino Unido, que contribuía com menos recursos ao bloco do que os outros integrantes maiores –, desta vez Londres não receberia tratamento especial e, provavelmente, teria de abrir mão da libra e aceitar o euro para aderir.

Há duas semanas, Gideon Rachman, colunista do Financial Times, chegou a propor um novo referendo sobre o início de negociações de adesão em 2026, uma década depois do voto que levou ao Brexit.

A adesão da Ucrânia seria igualmente histórica e poderia acontecer mais rapidamente do que parece: apenas cinco meses após a invasão russa, em fevereiro do ano passado, os dirigentes da UE concederam à Ucrânia o status de país-candidato, início de um caminho muitas vezes longo até a adesão de fato – a Turquia, por exemplo, está na fila há mais de 20 anos.

O caso da Ucrânia, porém, em nada se compara ao da candidatura de outros países: mesmo antes de sua adesão, o governo Zelenski fez mais para fortalecer a UE do que muitos líderes do bloco: em menos de 12 meses, o presidente ucraniano tornou-se uma das figuras mais influentes na Europa e acabou dando direção a um clube que antes da guerra parecia à deriva. Não deixa de ser irônico verificar que nada disso teria sido possível sem Vladimir Putin, cuja decisão de invadir a Ucrânia tirou a Europa de seu estupor.

A adesão dos ucranianos traria uma quantidade imensurável de desafios e riscos ao bloco, como a reconstrução econômica de um país devastado pela guerra; o fortalecimento de suas instituições, onde a corrupção ainda é um problema endêmico; e os desafios geopolíticos envolvendo as regiões atualmente ocupadas pela Rússia, como a Península da Crimeia.

Enfrentaria a resistência de algumas nações do bloco, como a Holanda, cujo premiê é bem mais relutante do que Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, vista como apoiadora-chave de Kiev.

Realidade

Mas o desafio de integrar a Ucrânia, sobretudo em função de seu caráter histórico, também daria um norte ao clube e elevaria radicalmente seu status geopolítico. Para Kiev, buscar a adesão à UE pode acabar sendo o melhor caminho possível diante da ameaça contínua apresentada pela Rússia.

Em uma possível negociação de paz daqui a alguns anos, pode-se imaginar Moscou aceitando a adesão ucraniana ao clube desde que o governo ucraniano prometa não tentar fazer parte da Otan.

“Eu tenho um sonho. Reino Unido e Ucrânia dentro da UE daqui a 5 anos”, tuitou recentemente o parlamentar europeu Guy Verhofstadt. Diante das dinâmicas políticas atuais, seria imprudente descartar esse cenário, visto até pouco tempo atrás como pura ficção.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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