Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Instabilidade no Oriente Médio representa fracasso da política externa de Biden


‘Apoio ferrenho’ dos EUA a Israel pode ter incentivado atuação desestabilizadora do governo Netanyahu

Por Oliver Stuenkel

Joe Biden pode se orgulhar de uma série de êxitos da política externa dos EUA desde que se tornou presidente em janeiro de 2021. Contrastando seus antecessores Obama e Trump, o atual ocupante da Casa Branca teve a coragem de encerrar uma intervenção militar mal-sucedida no Afeganistão, que já arrastava por duas décadas. A Otan, maior aliança do mundo liderada por Washington, está revigorada. Biden normalizou as relações dos EUA com seus principais aliados e voltou a ser um interlocutor crível no âmbito climático. Além disso, sob seu comando, os EUA pressionaram as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais de 2022.

No Oriente Médio, porém, o legado de Biden até agora é negativo. Isso porque o presidente americano não tem tido êxito em resolver a tensão entre seus dois grandes objetivos na região: em primeiro lugar, dar proteção e “apoio ferrenho” a Israel e, em segundo, estabilizar o Oriente Médio para poder reduzir o engajamento americano e se concentrar na Ásia, região mais relevante do ponto de vista dos interesses dos EUA.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, faz uma saudação ao entrar no Air Force One para viajar para Delaware  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP
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Há pouco mais de seis meses, o assessor de segurança nacional dos EUA celebrou, em artigo na revista Foreign Affairs, que o Oriente Médio estava “mais calmo do que em muitas décadas”. Washington estava em vias de finalizar a costura de um acordo histórico de normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita. Esse otimismo, porém, se mostraria profundamente equivocado quando o ataque terrorista do Hamas matou mais de 1100 pessoas em Israel, dando início à invasão israelense de Gaza, onde mais de 30.000 pessoas morreram até agora. A ofensiva elevou as tensões em toda a região – que culminaram, ao longo da última semana, em ataques diretos entre Israel e Irã e o temor de uma guerra aberta entre os dois países.

Em retrospectiva, fica evidente que, ao conceder apoio praticamente incondicional ao governo Netanyahu – chefe de um governo de coalizão frágil, que depende do suporte da extrema-direita, e faz de tudo para se manter no poder de forma a não ter de enfrentar numerosas acusações de corrupção –, Biden acabou incentivando uma atuação desestabilizadora do primeiro-ministro israelense no Oriente Médio, dificultando as tentativas americanas de reduzir seu engajamento na região.

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Netanyahu ignorou, em grande medida, os pedidos dos EUA de fazer mais para limitar o número de vítimas civis em Gaza ou facilitar o envio de ajuda humanitária para minimizar o sofrimento da população, gerando uma onda de indignação global que torna os EUA alvo de acusações de hipocrisia. Um dos motivos de Netanyahu ter ignorado os pedidos de Biden, porém, é justamente a postura de Washington de frequentemente blindar Israel de críticas internacionais.

Contrariando os EUA, que fornecem expressiva ajuda militar a Israel, até hoje Netanyahu não apresentou nenhum plano concreto sobre o futuro de Gaza. Da mesma forma, o primeiro-ministro israelense não alertou a Casa Branca, de antemão, sobre o ataque contra o consulado iraniano em Damasco, o qual deu início a uma perigosa espiral de ação e reação entre Israel e Irã. Da mesma forma, Netanyahu ignorou a pressão do presidente dos EUA, que havia pedido para não reagir à retaliação militar iraniana na semana passada.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP
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Seria um erro, porém, responsabilizar apenas Netanyahu, que parece disposto a assumir riscos geopolíticos enormes para se manter no poder. O motivo pelo qual o primeiro-ministro pode elevar a tensão com o Irã é a convicção – correta, ao que tudo indica – de que os EUA apoiarão Israel de forma incondicional em um confronto direto com Teerã, sem sequer exigir de Israel um cessar-fogo em Gaza.

Netanyahu hoje representa um perigo múltiplo para Biden: uma escalada do conflito entre Israel e Irã não apenas sugaria os EUA de volta ao Oriente Médio, mas poderia até levar à derrota de Biden nas urnas em novembro. Afinal, uma guerra direta teria o potencial de causar um choque econômico global e elevar o preço do petróleo e a inflação nos EUA, tema sensível para o eleitor norte-americano.

Muitos jovens que votaram em Biden em 2020 poderão deixar de apoiar o presidente no pleito deste ano devido ao que eles veem como conivência americana da guerra sangrenta em Gaza. Além disso, um conflito armado entre Israel e Irã desviaria de vez a atenção ocidental da invasão russa à Ucrânia, dificultando ainda mais as tentativas de Zelenski de se manter no radar da opinião pública ocidental, necessário para continuar recebendo apoio militar. Não seria inteiramente implausível que Netanyahu esteja, em parte, motivado por seu interesse em ver Biden perder o pleito contra Donald Trump, um grande aliado do primeiro-ministro israelense. Seria uma ironia do destino se Biden — que se destacou, ao longo das últimas décadas, como um dos apoiadores mais ferrenhos de Israel, a ponto de se auto-declarar, com orgulho, “sionista” — perdesse a reeleição em função justamente de sua incapacidade de controlar o primeiro-ministro de Israel.

Joe Biden pode se orgulhar de uma série de êxitos da política externa dos EUA desde que se tornou presidente em janeiro de 2021. Contrastando seus antecessores Obama e Trump, o atual ocupante da Casa Branca teve a coragem de encerrar uma intervenção militar mal-sucedida no Afeganistão, que já arrastava por duas décadas. A Otan, maior aliança do mundo liderada por Washington, está revigorada. Biden normalizou as relações dos EUA com seus principais aliados e voltou a ser um interlocutor crível no âmbito climático. Além disso, sob seu comando, os EUA pressionaram as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais de 2022.

No Oriente Médio, porém, o legado de Biden até agora é negativo. Isso porque o presidente americano não tem tido êxito em resolver a tensão entre seus dois grandes objetivos na região: em primeiro lugar, dar proteção e “apoio ferrenho” a Israel e, em segundo, estabilizar o Oriente Médio para poder reduzir o engajamento americano e se concentrar na Ásia, região mais relevante do ponto de vista dos interesses dos EUA.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, faz uma saudação ao entrar no Air Force One para viajar para Delaware  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

Há pouco mais de seis meses, o assessor de segurança nacional dos EUA celebrou, em artigo na revista Foreign Affairs, que o Oriente Médio estava “mais calmo do que em muitas décadas”. Washington estava em vias de finalizar a costura de um acordo histórico de normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita. Esse otimismo, porém, se mostraria profundamente equivocado quando o ataque terrorista do Hamas matou mais de 1100 pessoas em Israel, dando início à invasão israelense de Gaza, onde mais de 30.000 pessoas morreram até agora. A ofensiva elevou as tensões em toda a região – que culminaram, ao longo da última semana, em ataques diretos entre Israel e Irã e o temor de uma guerra aberta entre os dois países.

Em retrospectiva, fica evidente que, ao conceder apoio praticamente incondicional ao governo Netanyahu – chefe de um governo de coalizão frágil, que depende do suporte da extrema-direita, e faz de tudo para se manter no poder de forma a não ter de enfrentar numerosas acusações de corrupção –, Biden acabou incentivando uma atuação desestabilizadora do primeiro-ministro israelense no Oriente Médio, dificultando as tentativas americanas de reduzir seu engajamento na região.

Netanyahu ignorou, em grande medida, os pedidos dos EUA de fazer mais para limitar o número de vítimas civis em Gaza ou facilitar o envio de ajuda humanitária para minimizar o sofrimento da população, gerando uma onda de indignação global que torna os EUA alvo de acusações de hipocrisia. Um dos motivos de Netanyahu ter ignorado os pedidos de Biden, porém, é justamente a postura de Washington de frequentemente blindar Israel de críticas internacionais.

Contrariando os EUA, que fornecem expressiva ajuda militar a Israel, até hoje Netanyahu não apresentou nenhum plano concreto sobre o futuro de Gaza. Da mesma forma, o primeiro-ministro israelense não alertou a Casa Branca, de antemão, sobre o ataque contra o consulado iraniano em Damasco, o qual deu início a uma perigosa espiral de ação e reação entre Israel e Irã. Da mesma forma, Netanyahu ignorou a pressão do presidente dos EUA, que havia pedido para não reagir à retaliação militar iraniana na semana passada.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

Seria um erro, porém, responsabilizar apenas Netanyahu, que parece disposto a assumir riscos geopolíticos enormes para se manter no poder. O motivo pelo qual o primeiro-ministro pode elevar a tensão com o Irã é a convicção – correta, ao que tudo indica – de que os EUA apoiarão Israel de forma incondicional em um confronto direto com Teerã, sem sequer exigir de Israel um cessar-fogo em Gaza.

Netanyahu hoje representa um perigo múltiplo para Biden: uma escalada do conflito entre Israel e Irã não apenas sugaria os EUA de volta ao Oriente Médio, mas poderia até levar à derrota de Biden nas urnas em novembro. Afinal, uma guerra direta teria o potencial de causar um choque econômico global e elevar o preço do petróleo e a inflação nos EUA, tema sensível para o eleitor norte-americano.

Muitos jovens que votaram em Biden em 2020 poderão deixar de apoiar o presidente no pleito deste ano devido ao que eles veem como conivência americana da guerra sangrenta em Gaza. Além disso, um conflito armado entre Israel e Irã desviaria de vez a atenção ocidental da invasão russa à Ucrânia, dificultando ainda mais as tentativas de Zelenski de se manter no radar da opinião pública ocidental, necessário para continuar recebendo apoio militar. Não seria inteiramente implausível que Netanyahu esteja, em parte, motivado por seu interesse em ver Biden perder o pleito contra Donald Trump, um grande aliado do primeiro-ministro israelense. Seria uma ironia do destino se Biden — que se destacou, ao longo das últimas décadas, como um dos apoiadores mais ferrenhos de Israel, a ponto de se auto-declarar, com orgulho, “sionista” — perdesse a reeleição em função justamente de sua incapacidade de controlar o primeiro-ministro de Israel.

Joe Biden pode se orgulhar de uma série de êxitos da política externa dos EUA desde que se tornou presidente em janeiro de 2021. Contrastando seus antecessores Obama e Trump, o atual ocupante da Casa Branca teve a coragem de encerrar uma intervenção militar mal-sucedida no Afeganistão, que já arrastava por duas décadas. A Otan, maior aliança do mundo liderada por Washington, está revigorada. Biden normalizou as relações dos EUA com seus principais aliados e voltou a ser um interlocutor crível no âmbito climático. Além disso, sob seu comando, os EUA pressionaram as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais de 2022.

No Oriente Médio, porém, o legado de Biden até agora é negativo. Isso porque o presidente americano não tem tido êxito em resolver a tensão entre seus dois grandes objetivos na região: em primeiro lugar, dar proteção e “apoio ferrenho” a Israel e, em segundo, estabilizar o Oriente Médio para poder reduzir o engajamento americano e se concentrar na Ásia, região mais relevante do ponto de vista dos interesses dos EUA.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, faz uma saudação ao entrar no Air Force One para viajar para Delaware  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

Há pouco mais de seis meses, o assessor de segurança nacional dos EUA celebrou, em artigo na revista Foreign Affairs, que o Oriente Médio estava “mais calmo do que em muitas décadas”. Washington estava em vias de finalizar a costura de um acordo histórico de normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita. Esse otimismo, porém, se mostraria profundamente equivocado quando o ataque terrorista do Hamas matou mais de 1100 pessoas em Israel, dando início à invasão israelense de Gaza, onde mais de 30.000 pessoas morreram até agora. A ofensiva elevou as tensões em toda a região – que culminaram, ao longo da última semana, em ataques diretos entre Israel e Irã e o temor de uma guerra aberta entre os dois países.

Em retrospectiva, fica evidente que, ao conceder apoio praticamente incondicional ao governo Netanyahu – chefe de um governo de coalizão frágil, que depende do suporte da extrema-direita, e faz de tudo para se manter no poder de forma a não ter de enfrentar numerosas acusações de corrupção –, Biden acabou incentivando uma atuação desestabilizadora do primeiro-ministro israelense no Oriente Médio, dificultando as tentativas americanas de reduzir seu engajamento na região.

Netanyahu ignorou, em grande medida, os pedidos dos EUA de fazer mais para limitar o número de vítimas civis em Gaza ou facilitar o envio de ajuda humanitária para minimizar o sofrimento da população, gerando uma onda de indignação global que torna os EUA alvo de acusações de hipocrisia. Um dos motivos de Netanyahu ter ignorado os pedidos de Biden, porém, é justamente a postura de Washington de frequentemente blindar Israel de críticas internacionais.

Contrariando os EUA, que fornecem expressiva ajuda militar a Israel, até hoje Netanyahu não apresentou nenhum plano concreto sobre o futuro de Gaza. Da mesma forma, o primeiro-ministro israelense não alertou a Casa Branca, de antemão, sobre o ataque contra o consulado iraniano em Damasco, o qual deu início a uma perigosa espiral de ação e reação entre Israel e Irã. Da mesma forma, Netanyahu ignorou a pressão do presidente dos EUA, que havia pedido para não reagir à retaliação militar iraniana na semana passada.

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, abraça o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, em Tel-Aviv, Israel  Foto: Brendan Smialowski/AFP

Seria um erro, porém, responsabilizar apenas Netanyahu, que parece disposto a assumir riscos geopolíticos enormes para se manter no poder. O motivo pelo qual o primeiro-ministro pode elevar a tensão com o Irã é a convicção – correta, ao que tudo indica – de que os EUA apoiarão Israel de forma incondicional em um confronto direto com Teerã, sem sequer exigir de Israel um cessar-fogo em Gaza.

Netanyahu hoje representa um perigo múltiplo para Biden: uma escalada do conflito entre Israel e Irã não apenas sugaria os EUA de volta ao Oriente Médio, mas poderia até levar à derrota de Biden nas urnas em novembro. Afinal, uma guerra direta teria o potencial de causar um choque econômico global e elevar o preço do petróleo e a inflação nos EUA, tema sensível para o eleitor norte-americano.

Muitos jovens que votaram em Biden em 2020 poderão deixar de apoiar o presidente no pleito deste ano devido ao que eles veem como conivência americana da guerra sangrenta em Gaza. Além disso, um conflito armado entre Israel e Irã desviaria de vez a atenção ocidental da invasão russa à Ucrânia, dificultando ainda mais as tentativas de Zelenski de se manter no radar da opinião pública ocidental, necessário para continuar recebendo apoio militar. Não seria inteiramente implausível que Netanyahu esteja, em parte, motivado por seu interesse em ver Biden perder o pleito contra Donald Trump, um grande aliado do primeiro-ministro israelense. Seria uma ironia do destino se Biden — que se destacou, ao longo das últimas décadas, como um dos apoiadores mais ferrenhos de Israel, a ponto de se auto-declarar, com orgulho, “sionista” — perdesse a reeleição em função justamente de sua incapacidade de controlar o primeiro-ministro de Israel.

Opinião por Oliver Stuenkel

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