Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Israel corre risco de cair em cilada de Hamas; leia análise


Ao atacar Israel, Hamas seguiu lógica de grupo terrorista, não raciocínio de governo que busca defender seu território

Por Oliver Stuenkel

Qual foi o motivo de o Hamas matar mais de 1.400 cidadãos israelenses no último dia 7 de outubro? Tudo indica que o grupo terrorista buscou provocar, em primeiro lugar, uma sangrenta invasão israelense por terra em Gaza. A ideia era que a campanha militar produzisse elevado número de vítimas, sobretudo entre civis palestinos, inflamando assim as relações entre Israel e o mundo árabe. Dessa forma, efetivamente suspenderia ou até reverteria o processo de aproximação histórica entre os dois, que vinha se estabelecendo ao longo dos últimos anos. O principal alvo do ataque muito provavelmente era o acordo de reconhecimento mútuo entre Israel e a Arábia Saudita, prestes a ser anunciado e que teria deixado o Irã, importante financiador do Hamas, isolado no Oriente Médio.

Nesse contexto, os palestinos eram vistos pela liderança do Hamas como meros peões. Afinal, era evidente que seria a população palestina – e o projeto de um Estado palestino – a sofrer as principais consequências negativas do conflito provocado pelo ataque. A lógica do Hamas, portanto, não era muito diferente daquela da Al Qaeda, ao planejar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que buscavam provocar uma reação vingativa e irracional dos EUA. Na época, Osama bin Laden obteve uma vitória maior do que jamais poderia ter sonhado: incapaz de agir de cabeça fria, o governo do então presidente Bush, ao declarar “guerra ao terror”, envolveu-se não somente em uma, mas em duas guerras desastrosas, as quais não conseguiu vencer. As campanhas militares no Afeganistão e no Iraque tiveram um custo reputacional altíssimo para os EUA e geraram poucos benefícios para Washington.

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Guerra prolongada pode afetar a reputação de Israel e aumentar a pressão popular para que líderes árabes adotem posturas mais duras em relação a Tel Aviv.  Foto: Jalaa Marey / AFP

Não foi por acaso, portanto, que o presidente americano Joe Biden pediu, durante sua recente viagem a Tel Aviv, que os israelenses não repetissem os erros cometidos pelos EUA depois do 11 de setembro. Pelo visto, porém, Israel está prestes a cumprir o desejo do Hamas, sem um plano claro do que virá depois. Mesmo um triunfo militar israelense contra as dezenas de milhares de combatentes do Hamas pode ser pouco mais do que as vitórias pírricas dos EUA contra o Taleban nos primeiros anos de guerra. Aos olhos do Hamas, cada palestino morto ou traumatizado se torna material valioso para promover o sentimento anti-israelense entre jovens nas ruas não só de Gaza, mas também do Cairo, de Riyadh, Istambul e Terãa, aumentando assim o custo político da normalização diplomática com Israel.

A funcionar a provável estratégia do Hamas, além dos palestinos, quem mais perderia nesse cenário seria Israel, que ficaria mais isolado no Oriente Médio. A guerra prolongada afetaria sua reputação e aumentaria a pressão popular para que líderes árabes adotassem posturas mais duras em relação a Tel Aviv. Outro grande perdedor seriam os Estados Unidos, cujo plano de deixar a região minimamente estável para poder priorizar outras questões – como a ascensão da China – teria fracassado. Um conflito entre Israel e Gaza, com um possível envolvimento do Hezbollah, também desviaria recursos ocidentais e a atenção global das tentativas da Ucrânia de se defender da agressão russa, uma excelente notícia para Vladimir Putin. Afinal, o presidente russo aposta que as sociedades ocidentais em algum momento se cansarão de apoiar os ucranianos.

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Além de Putin, o regime iraniano sairia como grande vencedor de uma incursão israelense sangrenta. Na defensiva depois de numerosas ondas de manifestações populares contra a repressão sistemática das mulheres, o governo de Teerã está em busca de uma crise geopolítica que possa desviar a atenção doméstica.

Uma estratégia possivelmente menos arriscada de Israel consistiria em quatro elementos. Em primeiro lugar, o governo faria grandes investimentos em sua capacidade defensiva na fronteira com Gaza, incluindo um aumento permanente de tropas, para evitar uma repetição do ataque de 7 de outubro. Em segundo, apostaria em uma intensificação do combate contra lideranças do Hamas, porém priorizando ataques cirúrgicos, sem tropas israelenses em Gaza. Em terceiro, iniciaria uma grande campanha humanitária para limitar os danos colaterais da atuação militar isralense. Em quarto, tentaria, com a ajuda de um amplo grupo de países, incluindo os EUA, a China, o mundo árabe e atores como o Brasil e a Turquia, fortalecer atores palestinos mais moderados para que eles possam, em algum momento no futuro, assumir o controle de Gaza. Dessa forma, Tel Aviv aumentaria a chance não apenas de destruir o Hamas, mas também de minimizar o dano colateral, evitando que um grupo parecido tome o lugar de seu atual adversário, tudo isso sem pôr em perigo o processo de normalização entre Israel e o mundo árabe.

Qual foi o motivo de o Hamas matar mais de 1.400 cidadãos israelenses no último dia 7 de outubro? Tudo indica que o grupo terrorista buscou provocar, em primeiro lugar, uma sangrenta invasão israelense por terra em Gaza. A ideia era que a campanha militar produzisse elevado número de vítimas, sobretudo entre civis palestinos, inflamando assim as relações entre Israel e o mundo árabe. Dessa forma, efetivamente suspenderia ou até reverteria o processo de aproximação histórica entre os dois, que vinha se estabelecendo ao longo dos últimos anos. O principal alvo do ataque muito provavelmente era o acordo de reconhecimento mútuo entre Israel e a Arábia Saudita, prestes a ser anunciado e que teria deixado o Irã, importante financiador do Hamas, isolado no Oriente Médio.

Nesse contexto, os palestinos eram vistos pela liderança do Hamas como meros peões. Afinal, era evidente que seria a população palestina – e o projeto de um Estado palestino – a sofrer as principais consequências negativas do conflito provocado pelo ataque. A lógica do Hamas, portanto, não era muito diferente daquela da Al Qaeda, ao planejar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que buscavam provocar uma reação vingativa e irracional dos EUA. Na época, Osama bin Laden obteve uma vitória maior do que jamais poderia ter sonhado: incapaz de agir de cabeça fria, o governo do então presidente Bush, ao declarar “guerra ao terror”, envolveu-se não somente em uma, mas em duas guerras desastrosas, as quais não conseguiu vencer. As campanhas militares no Afeganistão e no Iraque tiveram um custo reputacional altíssimo para os EUA e geraram poucos benefícios para Washington.

Guerra prolongada pode afetar a reputação de Israel e aumentar a pressão popular para que líderes árabes adotem posturas mais duras em relação a Tel Aviv.  Foto: Jalaa Marey / AFP

Não foi por acaso, portanto, que o presidente americano Joe Biden pediu, durante sua recente viagem a Tel Aviv, que os israelenses não repetissem os erros cometidos pelos EUA depois do 11 de setembro. Pelo visto, porém, Israel está prestes a cumprir o desejo do Hamas, sem um plano claro do que virá depois. Mesmo um triunfo militar israelense contra as dezenas de milhares de combatentes do Hamas pode ser pouco mais do que as vitórias pírricas dos EUA contra o Taleban nos primeiros anos de guerra. Aos olhos do Hamas, cada palestino morto ou traumatizado se torna material valioso para promover o sentimento anti-israelense entre jovens nas ruas não só de Gaza, mas também do Cairo, de Riyadh, Istambul e Terãa, aumentando assim o custo político da normalização diplomática com Israel.

A funcionar a provável estratégia do Hamas, além dos palestinos, quem mais perderia nesse cenário seria Israel, que ficaria mais isolado no Oriente Médio. A guerra prolongada afetaria sua reputação e aumentaria a pressão popular para que líderes árabes adotassem posturas mais duras em relação a Tel Aviv. Outro grande perdedor seriam os Estados Unidos, cujo plano de deixar a região minimamente estável para poder priorizar outras questões – como a ascensão da China – teria fracassado. Um conflito entre Israel e Gaza, com um possível envolvimento do Hezbollah, também desviaria recursos ocidentais e a atenção global das tentativas da Ucrânia de se defender da agressão russa, uma excelente notícia para Vladimir Putin. Afinal, o presidente russo aposta que as sociedades ocidentais em algum momento se cansarão de apoiar os ucranianos.

Além de Putin, o regime iraniano sairia como grande vencedor de uma incursão israelense sangrenta. Na defensiva depois de numerosas ondas de manifestações populares contra a repressão sistemática das mulheres, o governo de Teerã está em busca de uma crise geopolítica que possa desviar a atenção doméstica.

Uma estratégia possivelmente menos arriscada de Israel consistiria em quatro elementos. Em primeiro lugar, o governo faria grandes investimentos em sua capacidade defensiva na fronteira com Gaza, incluindo um aumento permanente de tropas, para evitar uma repetição do ataque de 7 de outubro. Em segundo, apostaria em uma intensificação do combate contra lideranças do Hamas, porém priorizando ataques cirúrgicos, sem tropas israelenses em Gaza. Em terceiro, iniciaria uma grande campanha humanitária para limitar os danos colaterais da atuação militar isralense. Em quarto, tentaria, com a ajuda de um amplo grupo de países, incluindo os EUA, a China, o mundo árabe e atores como o Brasil e a Turquia, fortalecer atores palestinos mais moderados para que eles possam, em algum momento no futuro, assumir o controle de Gaza. Dessa forma, Tel Aviv aumentaria a chance não apenas de destruir o Hamas, mas também de minimizar o dano colateral, evitando que um grupo parecido tome o lugar de seu atual adversário, tudo isso sem pôr em perigo o processo de normalização entre Israel e o mundo árabe.

Qual foi o motivo de o Hamas matar mais de 1.400 cidadãos israelenses no último dia 7 de outubro? Tudo indica que o grupo terrorista buscou provocar, em primeiro lugar, uma sangrenta invasão israelense por terra em Gaza. A ideia era que a campanha militar produzisse elevado número de vítimas, sobretudo entre civis palestinos, inflamando assim as relações entre Israel e o mundo árabe. Dessa forma, efetivamente suspenderia ou até reverteria o processo de aproximação histórica entre os dois, que vinha se estabelecendo ao longo dos últimos anos. O principal alvo do ataque muito provavelmente era o acordo de reconhecimento mútuo entre Israel e a Arábia Saudita, prestes a ser anunciado e que teria deixado o Irã, importante financiador do Hamas, isolado no Oriente Médio.

Nesse contexto, os palestinos eram vistos pela liderança do Hamas como meros peões. Afinal, era evidente que seria a população palestina – e o projeto de um Estado palestino – a sofrer as principais consequências negativas do conflito provocado pelo ataque. A lógica do Hamas, portanto, não era muito diferente daquela da Al Qaeda, ao planejar os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, que buscavam provocar uma reação vingativa e irracional dos EUA. Na época, Osama bin Laden obteve uma vitória maior do que jamais poderia ter sonhado: incapaz de agir de cabeça fria, o governo do então presidente Bush, ao declarar “guerra ao terror”, envolveu-se não somente em uma, mas em duas guerras desastrosas, as quais não conseguiu vencer. As campanhas militares no Afeganistão e no Iraque tiveram um custo reputacional altíssimo para os EUA e geraram poucos benefícios para Washington.

Guerra prolongada pode afetar a reputação de Israel e aumentar a pressão popular para que líderes árabes adotem posturas mais duras em relação a Tel Aviv.  Foto: Jalaa Marey / AFP

Não foi por acaso, portanto, que o presidente americano Joe Biden pediu, durante sua recente viagem a Tel Aviv, que os israelenses não repetissem os erros cometidos pelos EUA depois do 11 de setembro. Pelo visto, porém, Israel está prestes a cumprir o desejo do Hamas, sem um plano claro do que virá depois. Mesmo um triunfo militar israelense contra as dezenas de milhares de combatentes do Hamas pode ser pouco mais do que as vitórias pírricas dos EUA contra o Taleban nos primeiros anos de guerra. Aos olhos do Hamas, cada palestino morto ou traumatizado se torna material valioso para promover o sentimento anti-israelense entre jovens nas ruas não só de Gaza, mas também do Cairo, de Riyadh, Istambul e Terãa, aumentando assim o custo político da normalização diplomática com Israel.

A funcionar a provável estratégia do Hamas, além dos palestinos, quem mais perderia nesse cenário seria Israel, que ficaria mais isolado no Oriente Médio. A guerra prolongada afetaria sua reputação e aumentaria a pressão popular para que líderes árabes adotassem posturas mais duras em relação a Tel Aviv. Outro grande perdedor seriam os Estados Unidos, cujo plano de deixar a região minimamente estável para poder priorizar outras questões – como a ascensão da China – teria fracassado. Um conflito entre Israel e Gaza, com um possível envolvimento do Hezbollah, também desviaria recursos ocidentais e a atenção global das tentativas da Ucrânia de se defender da agressão russa, uma excelente notícia para Vladimir Putin. Afinal, o presidente russo aposta que as sociedades ocidentais em algum momento se cansarão de apoiar os ucranianos.

Além de Putin, o regime iraniano sairia como grande vencedor de uma incursão israelense sangrenta. Na defensiva depois de numerosas ondas de manifestações populares contra a repressão sistemática das mulheres, o governo de Teerã está em busca de uma crise geopolítica que possa desviar a atenção doméstica.

Uma estratégia possivelmente menos arriscada de Israel consistiria em quatro elementos. Em primeiro lugar, o governo faria grandes investimentos em sua capacidade defensiva na fronteira com Gaza, incluindo um aumento permanente de tropas, para evitar uma repetição do ataque de 7 de outubro. Em segundo, apostaria em uma intensificação do combate contra lideranças do Hamas, porém priorizando ataques cirúrgicos, sem tropas israelenses em Gaza. Em terceiro, iniciaria uma grande campanha humanitária para limitar os danos colaterais da atuação militar isralense. Em quarto, tentaria, com a ajuda de um amplo grupo de países, incluindo os EUA, a China, o mundo árabe e atores como o Brasil e a Turquia, fortalecer atores palestinos mais moderados para que eles possam, em algum momento no futuro, assumir o controle de Gaza. Dessa forma, Tel Aviv aumentaria a chance não apenas de destruir o Hamas, mas também de minimizar o dano colateral, evitando que um grupo parecido tome o lugar de seu atual adversário, tudo isso sem pôr em perigo o processo de normalização entre Israel e o mundo árabe.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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