Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|O mundo precisa se preparar para uma guerra em Taiwan; leia a coluna de Oliver Stuenkel


Alianças no Pacífico e importância da indústria de semicondutores em Taipé pressionariam americanos em caso de conflito

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Não é segredo que Xi Jinping, o qual deve ter seu terceiro mandato presidencial confirmado durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, sonha entrar na história como o líder que alcançou a reunificação entre China e Taiwan. Retomar o controle da ilha, onde os nacionalistas derrotados por Mao Tsé-tung se refugiaram em 1949, é uma tarefa inadiável que não deve ser transferida para as próximas gerações, como o próprio Xi gosta de ressaltar.

Não surpreende, portanto, que o governo chinês tenha aproveitado a recente visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan para responder com exercícios militares em grande escala: pela primeira vez na história, Pequim disparou mísseis que sobrevoaram Taiwan, usou munição real ao redor da ilha – na prática, ensaiando um bloqueio aeronaval – e anunciou uma redução da cooperação militar com os Estados Unidos.

É provável que essas medidas sejam permanentes – afinal, depois de anos incitando um nacionalismo desenfreado na população, Xi tem pouco espaço de manobra para recuar e parecer fraco: nas redes sociais chinesas, houve até demandas para que a China abatesse o avião de Pelosi antes de ele pousar em Taipei.

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Com o Estreito de Taiwan cada vez mais cheio de navios militares, aumenta também o risco de confrontos acidentais, que, diante do diálogo mais frágil entre as Forças Armadas americanas e chinesas, podem rapidamente escalar.

Exercício militar chinês envolve disparo de mísseis perto do Estreito de Taiwan  Foto: EASTERN THEATER COMMAND/ESN / AFP

“Reunificação Pacífica”

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A opção preferida de Pequim seria por uma reunificação pacífica, dando a Taiwan o mesmo status de Hong Kong – mas a população taiwanesa está cada vez menos disposta a aceitar o que seria, na prática, uma anexação: o PIB per capita de Taiwan é mais que o dobro do chinês, e sua democracia regularmente aparece entre as mais consolidadas do mundo em rankings internacionais, deixando no chinelo até bastiões democráticos como a Suíça e o Canadá.

A China, é claro, optaria inicialmente por um bloqueio naval para convencer Taiwan a aceitar a autoridade de Pequim, mas tal cenário quase certamente levaria a um conflito quando a ilha ou seus aliados tentassem furar o bloqueio. Representantes do governo chinês sabem que Pequim encontrará resistência e já sinalizaram que a estratégia para Taiwan pós-reunificação envolveria uma presença militar chinesa e uma campanha de reeducação da população taiwanesa para eliminar pensamentos separatistas.

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Reação americana

Dois motivos explicam por que os EUA se veriam obrigados a reagir militarmente se a China atacasse Taiwan: em primeiro lugar, deixar a invasão chinesa sem resposta seria interpretado, por outros aliados na Ásia — como Tóquio e Seul – como um sinal de que Washington já não está disposta a honrar seus compromissos na região, causando uma corrida armamentista no continente asiático, com a probabilidade elevada de que alguns países busquem obter armas nucleares.

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Em segundo lugar, o papel crucial de Taiwan na área tecnológica – sobretudo no que diz respeito ao setor de semicondutores – faz com que a ilha seja um aliado estratégico indispensável de Washington, e demorará anos até que a nova política industrial do governo americano reduza a dependência do país dos chips taiwaneses.

Isso explica por que os EUA têm, desde o governo Trump, articulado uma estratégia mais assertiva – e, na visão de Pequim, mais provocativa – em relação a Taiwan: o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, hoje chama Taiwan de país e convidou representantes taiwaneses para a posse de Biden. Nos olhos de Pequim, os EUA estão, aos poucos, abandonando a “Política de uma Única China”, segundo a qual Taiwan não é uma nação independente.

Celebração da independência de Taiwan em Taipé: China mostra cada vez mais agressividade contra a ilha  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times
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Risco nuclear

O caminho para um confronto direto entre potências nucleares, portanto, é mais curto na Ásia do que no conflito na Ucrânia, onde os EUA não estão dispostos a enviar tropas americanas. Mesmo antes de um possível conflito, porém, a recente crise de Taiwan revela uma piora significativa na relação bilateral mais importante do mundo, na prática, a espinha dorsal do sistema econômico global.

É provável que um confronto militar envolvendo Taiwan levaria a sanções ocidentais contra a China, as quais poderiam levar a uma ruptura econômica em ampla escala – um cenário que faria o ano 2022 parecer uma temporada em um retiro zen comparada ao que estaria por vir.

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No Ocidente, já se fala abertamente sobre a necessidade de se livrar da dependência econômica da China – ou, como o jornal alemão Die Zeit recentemente escreveu, cortar o cordão umbilical com Pequim. Paradoxalmente, há o risco de que tais movimentos acabem aumentando a probabilidade de um conflito, pois reduziriam a dependência mútua.

Ainda há tempo para investir na diplomacia, que pode chegar a adiar um conflito, na melhor das hipóteses por muitos anos. Mas, a esta altura, nenhuma chancelaria ou grande empresa do mundo – inclusive no Brasil – pode ignorar o risco de uma guerra em Taiwan, a qual provavelmente representaria o fim da globalização como a conhecemos nas últimas três décadas.

Não é segredo que Xi Jinping, o qual deve ter seu terceiro mandato presidencial confirmado durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, sonha entrar na história como o líder que alcançou a reunificação entre China e Taiwan. Retomar o controle da ilha, onde os nacionalistas derrotados por Mao Tsé-tung se refugiaram em 1949, é uma tarefa inadiável que não deve ser transferida para as próximas gerações, como o próprio Xi gosta de ressaltar.

Não surpreende, portanto, que o governo chinês tenha aproveitado a recente visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan para responder com exercícios militares em grande escala: pela primeira vez na história, Pequim disparou mísseis que sobrevoaram Taiwan, usou munição real ao redor da ilha – na prática, ensaiando um bloqueio aeronaval – e anunciou uma redução da cooperação militar com os Estados Unidos.

É provável que essas medidas sejam permanentes – afinal, depois de anos incitando um nacionalismo desenfreado na população, Xi tem pouco espaço de manobra para recuar e parecer fraco: nas redes sociais chinesas, houve até demandas para que a China abatesse o avião de Pelosi antes de ele pousar em Taipei.

Com o Estreito de Taiwan cada vez mais cheio de navios militares, aumenta também o risco de confrontos acidentais, que, diante do diálogo mais frágil entre as Forças Armadas americanas e chinesas, podem rapidamente escalar.

Exercício militar chinês envolve disparo de mísseis perto do Estreito de Taiwan  Foto: EASTERN THEATER COMMAND/ESN / AFP

“Reunificação Pacífica”

A opção preferida de Pequim seria por uma reunificação pacífica, dando a Taiwan o mesmo status de Hong Kong – mas a população taiwanesa está cada vez menos disposta a aceitar o que seria, na prática, uma anexação: o PIB per capita de Taiwan é mais que o dobro do chinês, e sua democracia regularmente aparece entre as mais consolidadas do mundo em rankings internacionais, deixando no chinelo até bastiões democráticos como a Suíça e o Canadá.

A China, é claro, optaria inicialmente por um bloqueio naval para convencer Taiwan a aceitar a autoridade de Pequim, mas tal cenário quase certamente levaria a um conflito quando a ilha ou seus aliados tentassem furar o bloqueio. Representantes do governo chinês sabem que Pequim encontrará resistência e já sinalizaram que a estratégia para Taiwan pós-reunificação envolveria uma presença militar chinesa e uma campanha de reeducação da população taiwanesa para eliminar pensamentos separatistas.


Reação americana

Dois motivos explicam por que os EUA se veriam obrigados a reagir militarmente se a China atacasse Taiwan: em primeiro lugar, deixar a invasão chinesa sem resposta seria interpretado, por outros aliados na Ásia — como Tóquio e Seul – como um sinal de que Washington já não está disposta a honrar seus compromissos na região, causando uma corrida armamentista no continente asiático, com a probabilidade elevada de que alguns países busquem obter armas nucleares.

Em segundo lugar, o papel crucial de Taiwan na área tecnológica – sobretudo no que diz respeito ao setor de semicondutores – faz com que a ilha seja um aliado estratégico indispensável de Washington, e demorará anos até que a nova política industrial do governo americano reduza a dependência do país dos chips taiwaneses.

Isso explica por que os EUA têm, desde o governo Trump, articulado uma estratégia mais assertiva – e, na visão de Pequim, mais provocativa – em relação a Taiwan: o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, hoje chama Taiwan de país e convidou representantes taiwaneses para a posse de Biden. Nos olhos de Pequim, os EUA estão, aos poucos, abandonando a “Política de uma Única China”, segundo a qual Taiwan não é uma nação independente.

Celebração da independência de Taiwan em Taipé: China mostra cada vez mais agressividade contra a ilha  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

Risco nuclear

O caminho para um confronto direto entre potências nucleares, portanto, é mais curto na Ásia do que no conflito na Ucrânia, onde os EUA não estão dispostos a enviar tropas americanas. Mesmo antes de um possível conflito, porém, a recente crise de Taiwan revela uma piora significativa na relação bilateral mais importante do mundo, na prática, a espinha dorsal do sistema econômico global.

É provável que um confronto militar envolvendo Taiwan levaria a sanções ocidentais contra a China, as quais poderiam levar a uma ruptura econômica em ampla escala – um cenário que faria o ano 2022 parecer uma temporada em um retiro zen comparada ao que estaria por vir.

No Ocidente, já se fala abertamente sobre a necessidade de se livrar da dependência econômica da China – ou, como o jornal alemão Die Zeit recentemente escreveu, cortar o cordão umbilical com Pequim. Paradoxalmente, há o risco de que tais movimentos acabem aumentando a probabilidade de um conflito, pois reduziriam a dependência mútua.

Ainda há tempo para investir na diplomacia, que pode chegar a adiar um conflito, na melhor das hipóteses por muitos anos. Mas, a esta altura, nenhuma chancelaria ou grande empresa do mundo – inclusive no Brasil – pode ignorar o risco de uma guerra em Taiwan, a qual provavelmente representaria o fim da globalização como a conhecemos nas últimas três décadas.

Não é segredo que Xi Jinping, o qual deve ter seu terceiro mandato presidencial confirmado durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, sonha entrar na história como o líder que alcançou a reunificação entre China e Taiwan. Retomar o controle da ilha, onde os nacionalistas derrotados por Mao Tsé-tung se refugiaram em 1949, é uma tarefa inadiável que não deve ser transferida para as próximas gerações, como o próprio Xi gosta de ressaltar.

Não surpreende, portanto, que o governo chinês tenha aproveitado a recente visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan para responder com exercícios militares em grande escala: pela primeira vez na história, Pequim disparou mísseis que sobrevoaram Taiwan, usou munição real ao redor da ilha – na prática, ensaiando um bloqueio aeronaval – e anunciou uma redução da cooperação militar com os Estados Unidos.

É provável que essas medidas sejam permanentes – afinal, depois de anos incitando um nacionalismo desenfreado na população, Xi tem pouco espaço de manobra para recuar e parecer fraco: nas redes sociais chinesas, houve até demandas para que a China abatesse o avião de Pelosi antes de ele pousar em Taipei.

Com o Estreito de Taiwan cada vez mais cheio de navios militares, aumenta também o risco de confrontos acidentais, que, diante do diálogo mais frágil entre as Forças Armadas americanas e chinesas, podem rapidamente escalar.

Exercício militar chinês envolve disparo de mísseis perto do Estreito de Taiwan  Foto: EASTERN THEATER COMMAND/ESN / AFP

“Reunificação Pacífica”

A opção preferida de Pequim seria por uma reunificação pacífica, dando a Taiwan o mesmo status de Hong Kong – mas a população taiwanesa está cada vez menos disposta a aceitar o que seria, na prática, uma anexação: o PIB per capita de Taiwan é mais que o dobro do chinês, e sua democracia regularmente aparece entre as mais consolidadas do mundo em rankings internacionais, deixando no chinelo até bastiões democráticos como a Suíça e o Canadá.

A China, é claro, optaria inicialmente por um bloqueio naval para convencer Taiwan a aceitar a autoridade de Pequim, mas tal cenário quase certamente levaria a um conflito quando a ilha ou seus aliados tentassem furar o bloqueio. Representantes do governo chinês sabem que Pequim encontrará resistência e já sinalizaram que a estratégia para Taiwan pós-reunificação envolveria uma presença militar chinesa e uma campanha de reeducação da população taiwanesa para eliminar pensamentos separatistas.


Reação americana

Dois motivos explicam por que os EUA se veriam obrigados a reagir militarmente se a China atacasse Taiwan: em primeiro lugar, deixar a invasão chinesa sem resposta seria interpretado, por outros aliados na Ásia — como Tóquio e Seul – como um sinal de que Washington já não está disposta a honrar seus compromissos na região, causando uma corrida armamentista no continente asiático, com a probabilidade elevada de que alguns países busquem obter armas nucleares.

Em segundo lugar, o papel crucial de Taiwan na área tecnológica – sobretudo no que diz respeito ao setor de semicondutores – faz com que a ilha seja um aliado estratégico indispensável de Washington, e demorará anos até que a nova política industrial do governo americano reduza a dependência do país dos chips taiwaneses.

Isso explica por que os EUA têm, desde o governo Trump, articulado uma estratégia mais assertiva – e, na visão de Pequim, mais provocativa – em relação a Taiwan: o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, hoje chama Taiwan de país e convidou representantes taiwaneses para a posse de Biden. Nos olhos de Pequim, os EUA estão, aos poucos, abandonando a “Política de uma Única China”, segundo a qual Taiwan não é uma nação independente.

Celebração da independência de Taiwan em Taipé: China mostra cada vez mais agressividade contra a ilha  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

Risco nuclear

O caminho para um confronto direto entre potências nucleares, portanto, é mais curto na Ásia do que no conflito na Ucrânia, onde os EUA não estão dispostos a enviar tropas americanas. Mesmo antes de um possível conflito, porém, a recente crise de Taiwan revela uma piora significativa na relação bilateral mais importante do mundo, na prática, a espinha dorsal do sistema econômico global.

É provável que um confronto militar envolvendo Taiwan levaria a sanções ocidentais contra a China, as quais poderiam levar a uma ruptura econômica em ampla escala – um cenário que faria o ano 2022 parecer uma temporada em um retiro zen comparada ao que estaria por vir.

No Ocidente, já se fala abertamente sobre a necessidade de se livrar da dependência econômica da China – ou, como o jornal alemão Die Zeit recentemente escreveu, cortar o cordão umbilical com Pequim. Paradoxalmente, há o risco de que tais movimentos acabem aumentando a probabilidade de um conflito, pois reduziriam a dependência mútua.

Ainda há tempo para investir na diplomacia, que pode chegar a adiar um conflito, na melhor das hipóteses por muitos anos. Mas, a esta altura, nenhuma chancelaria ou grande empresa do mundo – inclusive no Brasil – pode ignorar o risco de uma guerra em Taiwan, a qual provavelmente representaria o fim da globalização como a conhecemos nas últimas três décadas.

Não é segredo que Xi Jinping, o qual deve ter seu terceiro mandato presidencial confirmado durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, sonha entrar na história como o líder que alcançou a reunificação entre China e Taiwan. Retomar o controle da ilha, onde os nacionalistas derrotados por Mao Tsé-tung se refugiaram em 1949, é uma tarefa inadiável que não deve ser transferida para as próximas gerações, como o próprio Xi gosta de ressaltar.

Não surpreende, portanto, que o governo chinês tenha aproveitado a recente visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan para responder com exercícios militares em grande escala: pela primeira vez na história, Pequim disparou mísseis que sobrevoaram Taiwan, usou munição real ao redor da ilha – na prática, ensaiando um bloqueio aeronaval – e anunciou uma redução da cooperação militar com os Estados Unidos.

É provável que essas medidas sejam permanentes – afinal, depois de anos incitando um nacionalismo desenfreado na população, Xi tem pouco espaço de manobra para recuar e parecer fraco: nas redes sociais chinesas, houve até demandas para que a China abatesse o avião de Pelosi antes de ele pousar em Taipei.

Com o Estreito de Taiwan cada vez mais cheio de navios militares, aumenta também o risco de confrontos acidentais, que, diante do diálogo mais frágil entre as Forças Armadas americanas e chinesas, podem rapidamente escalar.

Exercício militar chinês envolve disparo de mísseis perto do Estreito de Taiwan  Foto: EASTERN THEATER COMMAND/ESN / AFP

“Reunificação Pacífica”

A opção preferida de Pequim seria por uma reunificação pacífica, dando a Taiwan o mesmo status de Hong Kong – mas a população taiwanesa está cada vez menos disposta a aceitar o que seria, na prática, uma anexação: o PIB per capita de Taiwan é mais que o dobro do chinês, e sua democracia regularmente aparece entre as mais consolidadas do mundo em rankings internacionais, deixando no chinelo até bastiões democráticos como a Suíça e o Canadá.

A China, é claro, optaria inicialmente por um bloqueio naval para convencer Taiwan a aceitar a autoridade de Pequim, mas tal cenário quase certamente levaria a um conflito quando a ilha ou seus aliados tentassem furar o bloqueio. Representantes do governo chinês sabem que Pequim encontrará resistência e já sinalizaram que a estratégia para Taiwan pós-reunificação envolveria uma presença militar chinesa e uma campanha de reeducação da população taiwanesa para eliminar pensamentos separatistas.


Reação americana

Dois motivos explicam por que os EUA se veriam obrigados a reagir militarmente se a China atacasse Taiwan: em primeiro lugar, deixar a invasão chinesa sem resposta seria interpretado, por outros aliados na Ásia — como Tóquio e Seul – como um sinal de que Washington já não está disposta a honrar seus compromissos na região, causando uma corrida armamentista no continente asiático, com a probabilidade elevada de que alguns países busquem obter armas nucleares.

Em segundo lugar, o papel crucial de Taiwan na área tecnológica – sobretudo no que diz respeito ao setor de semicondutores – faz com que a ilha seja um aliado estratégico indispensável de Washington, e demorará anos até que a nova política industrial do governo americano reduza a dependência do país dos chips taiwaneses.

Isso explica por que os EUA têm, desde o governo Trump, articulado uma estratégia mais assertiva – e, na visão de Pequim, mais provocativa – em relação a Taiwan: o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, hoje chama Taiwan de país e convidou representantes taiwaneses para a posse de Biden. Nos olhos de Pequim, os EUA estão, aos poucos, abandonando a “Política de uma Única China”, segundo a qual Taiwan não é uma nação independente.

Celebração da independência de Taiwan em Taipé: China mostra cada vez mais agressividade contra a ilha  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

Risco nuclear

O caminho para um confronto direto entre potências nucleares, portanto, é mais curto na Ásia do que no conflito na Ucrânia, onde os EUA não estão dispostos a enviar tropas americanas. Mesmo antes de um possível conflito, porém, a recente crise de Taiwan revela uma piora significativa na relação bilateral mais importante do mundo, na prática, a espinha dorsal do sistema econômico global.

É provável que um confronto militar envolvendo Taiwan levaria a sanções ocidentais contra a China, as quais poderiam levar a uma ruptura econômica em ampla escala – um cenário que faria o ano 2022 parecer uma temporada em um retiro zen comparada ao que estaria por vir.

No Ocidente, já se fala abertamente sobre a necessidade de se livrar da dependência econômica da China – ou, como o jornal alemão Die Zeit recentemente escreveu, cortar o cordão umbilical com Pequim. Paradoxalmente, há o risco de que tais movimentos acabem aumentando a probabilidade de um conflito, pois reduziriam a dependência mútua.

Ainda há tempo para investir na diplomacia, que pode chegar a adiar um conflito, na melhor das hipóteses por muitos anos. Mas, a esta altura, nenhuma chancelaria ou grande empresa do mundo – inclusive no Brasil – pode ignorar o risco de uma guerra em Taiwan, a qual provavelmente representaria o fim da globalização como a conhecemos nas últimas três décadas.

Não é segredo que Xi Jinping, o qual deve ter seu terceiro mandato presidencial confirmado durante o 20º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês, sonha entrar na história como o líder que alcançou a reunificação entre China e Taiwan. Retomar o controle da ilha, onde os nacionalistas derrotados por Mao Tsé-tung se refugiaram em 1949, é uma tarefa inadiável que não deve ser transferida para as próximas gerações, como o próprio Xi gosta de ressaltar.

Não surpreende, portanto, que o governo chinês tenha aproveitado a recente visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Deputados dos EUA, a Taiwan para responder com exercícios militares em grande escala: pela primeira vez na história, Pequim disparou mísseis que sobrevoaram Taiwan, usou munição real ao redor da ilha – na prática, ensaiando um bloqueio aeronaval – e anunciou uma redução da cooperação militar com os Estados Unidos.

É provável que essas medidas sejam permanentes – afinal, depois de anos incitando um nacionalismo desenfreado na população, Xi tem pouco espaço de manobra para recuar e parecer fraco: nas redes sociais chinesas, houve até demandas para que a China abatesse o avião de Pelosi antes de ele pousar em Taipei.

Com o Estreito de Taiwan cada vez mais cheio de navios militares, aumenta também o risco de confrontos acidentais, que, diante do diálogo mais frágil entre as Forças Armadas americanas e chinesas, podem rapidamente escalar.

Exercício militar chinês envolve disparo de mísseis perto do Estreito de Taiwan  Foto: EASTERN THEATER COMMAND/ESN / AFP

“Reunificação Pacífica”

A opção preferida de Pequim seria por uma reunificação pacífica, dando a Taiwan o mesmo status de Hong Kong – mas a população taiwanesa está cada vez menos disposta a aceitar o que seria, na prática, uma anexação: o PIB per capita de Taiwan é mais que o dobro do chinês, e sua democracia regularmente aparece entre as mais consolidadas do mundo em rankings internacionais, deixando no chinelo até bastiões democráticos como a Suíça e o Canadá.

A China, é claro, optaria inicialmente por um bloqueio naval para convencer Taiwan a aceitar a autoridade de Pequim, mas tal cenário quase certamente levaria a um conflito quando a ilha ou seus aliados tentassem furar o bloqueio. Representantes do governo chinês sabem que Pequim encontrará resistência e já sinalizaram que a estratégia para Taiwan pós-reunificação envolveria uma presença militar chinesa e uma campanha de reeducação da população taiwanesa para eliminar pensamentos separatistas.


Reação americana

Dois motivos explicam por que os EUA se veriam obrigados a reagir militarmente se a China atacasse Taiwan: em primeiro lugar, deixar a invasão chinesa sem resposta seria interpretado, por outros aliados na Ásia — como Tóquio e Seul – como um sinal de que Washington já não está disposta a honrar seus compromissos na região, causando uma corrida armamentista no continente asiático, com a probabilidade elevada de que alguns países busquem obter armas nucleares.

Em segundo lugar, o papel crucial de Taiwan na área tecnológica – sobretudo no que diz respeito ao setor de semicondutores – faz com que a ilha seja um aliado estratégico indispensável de Washington, e demorará anos até que a nova política industrial do governo americano reduza a dependência do país dos chips taiwaneses.

Isso explica por que os EUA têm, desde o governo Trump, articulado uma estratégia mais assertiva – e, na visão de Pequim, mais provocativa – em relação a Taiwan: o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Anthony Blinken, hoje chama Taiwan de país e convidou representantes taiwaneses para a posse de Biden. Nos olhos de Pequim, os EUA estão, aos poucos, abandonando a “Política de uma Única China”, segundo a qual Taiwan não é uma nação independente.

Celebração da independência de Taiwan em Taipé: China mostra cada vez mais agressividade contra a ilha  Foto: Lam Yik Fei/The New York Times

Risco nuclear

O caminho para um confronto direto entre potências nucleares, portanto, é mais curto na Ásia do que no conflito na Ucrânia, onde os EUA não estão dispostos a enviar tropas americanas. Mesmo antes de um possível conflito, porém, a recente crise de Taiwan revela uma piora significativa na relação bilateral mais importante do mundo, na prática, a espinha dorsal do sistema econômico global.

É provável que um confronto militar envolvendo Taiwan levaria a sanções ocidentais contra a China, as quais poderiam levar a uma ruptura econômica em ampla escala – um cenário que faria o ano 2022 parecer uma temporada em um retiro zen comparada ao que estaria por vir.

No Ocidente, já se fala abertamente sobre a necessidade de se livrar da dependência econômica da China – ou, como o jornal alemão Die Zeit recentemente escreveu, cortar o cordão umbilical com Pequim. Paradoxalmente, há o risco de que tais movimentos acabem aumentando a probabilidade de um conflito, pois reduziriam a dependência mútua.

Ainda há tempo para investir na diplomacia, que pode chegar a adiar um conflito, na melhor das hipóteses por muitos anos. Mas, a esta altura, nenhuma chancelaria ou grande empresa do mundo – inclusive no Brasil – pode ignorar o risco de uma guerra em Taiwan, a qual provavelmente representaria o fim da globalização como a conhecemos nas últimas três décadas.

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