Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Oliver Stuenkel: Ocidente deve ampliar envio de armas à Ucrânia e imposição de sanções à Rússia


Sanções ocidentais estão prejudicando severamente as tentativas russas de obter tecnologia militar mais sofisticada e apoio militar amplia chances de sucesso ucraniano

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

O debate ocidental sobre a invasão russa à Ucrânia pode ser resumido hoje pela contraposição “paz x justiça”. De um lado, prevalece o argumento de que o exército ucraniano dificilmente será capaz de reconquistar o território ocupado pela Rússia. Daí a proposta de que Ocidente pressione o presidente Volodmir Zelenski a iniciar negociações de paz com Vladimir Putin para tentar encerrar o conflito o mais rapidamente possível, aceitando a perda definitiva da Crimeia e de parte de Donbass.

De outro lado, domina a convicção de que Putin não estaria disposto a terminar a guerra, mesmo que a Ucrânia quisesse. Portanto, qualquer cessão territorial hoje incentivaria a Rússia a promover novas invasões no futuro. Assim, a melhor forma de responder à agressão russa é priorizar a Justiça e apoiar a Ucrânia até a Rússia bater em retirada — mesmo que isso venha a causar profunda recessão econômica na Europa.

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Dois episódios recentes fortalecem a segunda posição, que defende a continuação ou mesmo a ampliação do suporte militar à Ucrânia, bem como as sanções ocidentais contra Moscou. Um deles refere-se a avanços ucranianos no nordeste do país. O fato representa a maior vitória para Kiev em meses. Estrategistas militares costumam apontar que, para obter ganhos territoriais, as forças no ataque precisam ser pelo menos três vezes maiores que as tropas limitadas à defesa. A relativa estabilidade da linha de batalha durante o verão europeu sugeriu que a Rússia não tinha forças para conquistar mais território ucraniano, e Ucrânia tampouco teria condições militares para retomar regiões ocupadas pela Rússia.

A photograph taken on September 10 , 2022, shows Ukrainian flags placed on statues in a square in Balakliya, Kharkiv region, amid the Russian invasion of Ukraine. - Ukrainian forces said on September 10, 2022 they had entered the town of Kupiansk in eastern Ukraine, dislodging Russian troops from a key logistics hub in a lightning counter-offensive that has seen swathes of territory recaptured. (Photo by Juan BARRETO / AFP) Foto: Juan Barreto/AFP

No entanto, a retirada apressada dos soldados russos de Izium, um ponto logístico relevante e “porta de entrada” para a região de Donbass, alterou esse cenário. Segundo residentes locais, os russos, que haviam conquistado Izium em abril, abandonaram a cidade e deixaram para trás munição e equipamento militar, sugerindo temor de um iminente colapso diante do contra-ataque ucraniano. A reconquista ucraniana, aliás, não é fruto de repentina superioridade numérica das forças nacionais. Ela não teria sido possível sem a superioridade tecnológica obtida com o apoio ocidental. Além disso, generais ucranianos foram hábeis ao ludibriar estrategistas russos, sinalizando que atacariam posições russas no sul do país. O “sinal trocado” levou Moscou a transferir unidades militares de elite para a região de Kherson e deixar vulnerável a região de Izium. Ponto para Kiev.

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Outro episódio que fortalece a posição pró-justiça: segundo fontes da inteligência americana, o governo russo adquiriu recentemente milhões de projéteis e foguetes de baixa qualidade da Coreia do Norte. Esse é um sinal inequívoco de que as sanções ocidentais estão prejudicando severamente as tentativas russas de obter tecnologia militar mais sofisticada – o que só reforça no Ocidente a defesa da intensificação das sanções. O governo russo parece ter comprado também drones iranianos, outro sinal de que a Rússia depende cada vez mais de armamentos primários. A Ucrânia, por outro lado, vem recebendo armas modernas, como foguetes de precisão dos EUA e tanques da Alemanha.

Aqueles no Ocidente que, preocupados com as consequências econômicas da guerra na Europa, preferem ver o fim do conflito, dificilmente se darão por vencidos. Responderão que, apesar desses ganhos por parte de Kiev, seria um erro acreditar que a Ucrânia esteja hoje em condições de expulsar do país toda a tropa de Putin. De fato, o cenário mais provável é que o conflito continue por anos, testando a resolução ocidental. No sul, as forças ucranianas têm enfrentado uma resistência russa muito mais feroz.

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Nesse contexto, Zelensky provavelmente tentará provocar, ao longo dos próximos anos, a “morte por mil cortes” da ocupação russa, convencendo Vladimir Putin de que a humilhação de uma retirada dói menos que a ferida aberta em que a invasão se transformou para a Rússia. Afinal, segundo estimativas, em torno de 80.000 soldados russos morreram ou foram feridos na guerra, mais do que durante a ocupação soviética do Afeganistão na década de 1980.

Ainda assim, uma retirada russa é hoje bastante improvável. Até o Nobel da Paz Mikhail Gorbachev, ciente de que a invasão soviética ao Afeganistão fôra um desastre, levou anos para tomar coragem e por um fim à ocupação daquele país em 1989. Putin deverá apostar na vitória em longo prazo. Ao mesmo tempo, em vista dos recentes avanços territoriais das tropas ucranianas, o Ocidente deverá continuar armando a Ucrânia e sancionando a Rússia, a despeito do elevado custo econômico e social. Assim, o conflito segue sem perspectiva de bandeira branca.

Membros da unidade de fronteira da Ucrânia em Luhansk Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

O debate ocidental sobre a invasão russa à Ucrânia pode ser resumido hoje pela contraposição “paz x justiça”. De um lado, prevalece o argumento de que o exército ucraniano dificilmente será capaz de reconquistar o território ocupado pela Rússia. Daí a proposta de que Ocidente pressione o presidente Volodmir Zelenski a iniciar negociações de paz com Vladimir Putin para tentar encerrar o conflito o mais rapidamente possível, aceitando a perda definitiva da Crimeia e de parte de Donbass.

De outro lado, domina a convicção de que Putin não estaria disposto a terminar a guerra, mesmo que a Ucrânia quisesse. Portanto, qualquer cessão territorial hoje incentivaria a Rússia a promover novas invasões no futuro. Assim, a melhor forma de responder à agressão russa é priorizar a Justiça e apoiar a Ucrânia até a Rússia bater em retirada — mesmo que isso venha a causar profunda recessão econômica na Europa.

Dois episódios recentes fortalecem a segunda posição, que defende a continuação ou mesmo a ampliação do suporte militar à Ucrânia, bem como as sanções ocidentais contra Moscou. Um deles refere-se a avanços ucranianos no nordeste do país. O fato representa a maior vitória para Kiev em meses. Estrategistas militares costumam apontar que, para obter ganhos territoriais, as forças no ataque precisam ser pelo menos três vezes maiores que as tropas limitadas à defesa. A relativa estabilidade da linha de batalha durante o verão europeu sugeriu que a Rússia não tinha forças para conquistar mais território ucraniano, e Ucrânia tampouco teria condições militares para retomar regiões ocupadas pela Rússia.

A photograph taken on September 10 , 2022, shows Ukrainian flags placed on statues in a square in Balakliya, Kharkiv region, amid the Russian invasion of Ukraine. - Ukrainian forces said on September 10, 2022 they had entered the town of Kupiansk in eastern Ukraine, dislodging Russian troops from a key logistics hub in a lightning counter-offensive that has seen swathes of territory recaptured. (Photo by Juan BARRETO / AFP) Foto: Juan Barreto/AFP

No entanto, a retirada apressada dos soldados russos de Izium, um ponto logístico relevante e “porta de entrada” para a região de Donbass, alterou esse cenário. Segundo residentes locais, os russos, que haviam conquistado Izium em abril, abandonaram a cidade e deixaram para trás munição e equipamento militar, sugerindo temor de um iminente colapso diante do contra-ataque ucraniano. A reconquista ucraniana, aliás, não é fruto de repentina superioridade numérica das forças nacionais. Ela não teria sido possível sem a superioridade tecnológica obtida com o apoio ocidental. Além disso, generais ucranianos foram hábeis ao ludibriar estrategistas russos, sinalizando que atacariam posições russas no sul do país. O “sinal trocado” levou Moscou a transferir unidades militares de elite para a região de Kherson e deixar vulnerável a região de Izium. Ponto para Kiev.

Outro episódio que fortalece a posição pró-justiça: segundo fontes da inteligência americana, o governo russo adquiriu recentemente milhões de projéteis e foguetes de baixa qualidade da Coreia do Norte. Esse é um sinal inequívoco de que as sanções ocidentais estão prejudicando severamente as tentativas russas de obter tecnologia militar mais sofisticada – o que só reforça no Ocidente a defesa da intensificação das sanções. O governo russo parece ter comprado também drones iranianos, outro sinal de que a Rússia depende cada vez mais de armamentos primários. A Ucrânia, por outro lado, vem recebendo armas modernas, como foguetes de precisão dos EUA e tanques da Alemanha.

Aqueles no Ocidente que, preocupados com as consequências econômicas da guerra na Europa, preferem ver o fim do conflito, dificilmente se darão por vencidos. Responderão que, apesar desses ganhos por parte de Kiev, seria um erro acreditar que a Ucrânia esteja hoje em condições de expulsar do país toda a tropa de Putin. De fato, o cenário mais provável é que o conflito continue por anos, testando a resolução ocidental. No sul, as forças ucranianas têm enfrentado uma resistência russa muito mais feroz.

Nesse contexto, Zelensky provavelmente tentará provocar, ao longo dos próximos anos, a “morte por mil cortes” da ocupação russa, convencendo Vladimir Putin de que a humilhação de uma retirada dói menos que a ferida aberta em que a invasão se transformou para a Rússia. Afinal, segundo estimativas, em torno de 80.000 soldados russos morreram ou foram feridos na guerra, mais do que durante a ocupação soviética do Afeganistão na década de 1980.

Ainda assim, uma retirada russa é hoje bastante improvável. Até o Nobel da Paz Mikhail Gorbachev, ciente de que a invasão soviética ao Afeganistão fôra um desastre, levou anos para tomar coragem e por um fim à ocupação daquele país em 1989. Putin deverá apostar na vitória em longo prazo. Ao mesmo tempo, em vista dos recentes avanços territoriais das tropas ucranianas, o Ocidente deverá continuar armando a Ucrânia e sancionando a Rússia, a despeito do elevado custo econômico e social. Assim, o conflito segue sem perspectiva de bandeira branca.

Membros da unidade de fronteira da Ucrânia em Luhansk Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

O debate ocidental sobre a invasão russa à Ucrânia pode ser resumido hoje pela contraposição “paz x justiça”. De um lado, prevalece o argumento de que o exército ucraniano dificilmente será capaz de reconquistar o território ocupado pela Rússia. Daí a proposta de que Ocidente pressione o presidente Volodmir Zelenski a iniciar negociações de paz com Vladimir Putin para tentar encerrar o conflito o mais rapidamente possível, aceitando a perda definitiva da Crimeia e de parte de Donbass.

De outro lado, domina a convicção de que Putin não estaria disposto a terminar a guerra, mesmo que a Ucrânia quisesse. Portanto, qualquer cessão territorial hoje incentivaria a Rússia a promover novas invasões no futuro. Assim, a melhor forma de responder à agressão russa é priorizar a Justiça e apoiar a Ucrânia até a Rússia bater em retirada — mesmo que isso venha a causar profunda recessão econômica na Europa.

Dois episódios recentes fortalecem a segunda posição, que defende a continuação ou mesmo a ampliação do suporte militar à Ucrânia, bem como as sanções ocidentais contra Moscou. Um deles refere-se a avanços ucranianos no nordeste do país. O fato representa a maior vitória para Kiev em meses. Estrategistas militares costumam apontar que, para obter ganhos territoriais, as forças no ataque precisam ser pelo menos três vezes maiores que as tropas limitadas à defesa. A relativa estabilidade da linha de batalha durante o verão europeu sugeriu que a Rússia não tinha forças para conquistar mais território ucraniano, e Ucrânia tampouco teria condições militares para retomar regiões ocupadas pela Rússia.

A photograph taken on September 10 , 2022, shows Ukrainian flags placed on statues in a square in Balakliya, Kharkiv region, amid the Russian invasion of Ukraine. - Ukrainian forces said on September 10, 2022 they had entered the town of Kupiansk in eastern Ukraine, dislodging Russian troops from a key logistics hub in a lightning counter-offensive that has seen swathes of territory recaptured. (Photo by Juan BARRETO / AFP) Foto: Juan Barreto/AFP

No entanto, a retirada apressada dos soldados russos de Izium, um ponto logístico relevante e “porta de entrada” para a região de Donbass, alterou esse cenário. Segundo residentes locais, os russos, que haviam conquistado Izium em abril, abandonaram a cidade e deixaram para trás munição e equipamento militar, sugerindo temor de um iminente colapso diante do contra-ataque ucraniano. A reconquista ucraniana, aliás, não é fruto de repentina superioridade numérica das forças nacionais. Ela não teria sido possível sem a superioridade tecnológica obtida com o apoio ocidental. Além disso, generais ucranianos foram hábeis ao ludibriar estrategistas russos, sinalizando que atacariam posições russas no sul do país. O “sinal trocado” levou Moscou a transferir unidades militares de elite para a região de Kherson e deixar vulnerável a região de Izium. Ponto para Kiev.

Outro episódio que fortalece a posição pró-justiça: segundo fontes da inteligência americana, o governo russo adquiriu recentemente milhões de projéteis e foguetes de baixa qualidade da Coreia do Norte. Esse é um sinal inequívoco de que as sanções ocidentais estão prejudicando severamente as tentativas russas de obter tecnologia militar mais sofisticada – o que só reforça no Ocidente a defesa da intensificação das sanções. O governo russo parece ter comprado também drones iranianos, outro sinal de que a Rússia depende cada vez mais de armamentos primários. A Ucrânia, por outro lado, vem recebendo armas modernas, como foguetes de precisão dos EUA e tanques da Alemanha.

Aqueles no Ocidente que, preocupados com as consequências econômicas da guerra na Europa, preferem ver o fim do conflito, dificilmente se darão por vencidos. Responderão que, apesar desses ganhos por parte de Kiev, seria um erro acreditar que a Ucrânia esteja hoje em condições de expulsar do país toda a tropa de Putin. De fato, o cenário mais provável é que o conflito continue por anos, testando a resolução ocidental. No sul, as forças ucranianas têm enfrentado uma resistência russa muito mais feroz.

Nesse contexto, Zelensky provavelmente tentará provocar, ao longo dos próximos anos, a “morte por mil cortes” da ocupação russa, convencendo Vladimir Putin de que a humilhação de uma retirada dói menos que a ferida aberta em que a invasão se transformou para a Rússia. Afinal, segundo estimativas, em torno de 80.000 soldados russos morreram ou foram feridos na guerra, mais do que durante a ocupação soviética do Afeganistão na década de 1980.

Ainda assim, uma retirada russa é hoje bastante improvável. Até o Nobel da Paz Mikhail Gorbachev, ciente de que a invasão soviética ao Afeganistão fôra um desastre, levou anos para tomar coragem e por um fim à ocupação daquele país em 1989. Putin deverá apostar na vitória em longo prazo. Ao mesmo tempo, em vista dos recentes avanços territoriais das tropas ucranianas, o Ocidente deverá continuar armando a Ucrânia e sancionando a Rússia, a despeito do elevado custo econômico e social. Assim, o conflito segue sem perspectiva de bandeira branca.

Membros da unidade de fronteira da Ucrânia em Luhansk Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
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