Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Oliver Stuenkel: ‘Risco geopolítico cria novos desafios para empresas’


Crises globais representam riscos, mas também podem criar boas oportunidades

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Apesar de ter começado há pouco mais de dois meses, a invasão russa à Ucrânia tem o potencial de ter mais impacto econômico e geopolítico do que a chamada Guerra ao Terror, que teve início com os ataques em Nova York e Washington, em 2001, e terminou com a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021.

Afinal, apesar de sangrentos, os engajamentos militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão não elevaram o risco de que essas guerras se transformassem em conflitos entre grandes potências, pois só existia realmente uma, e as consequências para a economia cada vez mais globalizada eram limitadas.

A guerra na Ucrânia, por outro lado, simboliza o fim da era unipolar e o retorno de um sistema internacional marcado por tensões permanentes entre grandes potências. Vladimir Putin nunca escondeu o fato de não aceitar a independência ucraniana, resumida em uma conversa famosa com o então presidente americano George W. Bush, em 2008: “Você não entende, George, a Ucrânia nem sequer é um país.”

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Presidente russo, Vladimir Putin (E), recebe o então presidente americano, George W. Bush, em sua residência em Sochi, em 2008 Foto: REUTERS/Ria Novosti/KREMLIN/Vladimir Rodionov

As condições para invadir a Ucrânia inteira, porém, só se deram mais de 14 anos depois, quando a Rússia tinha acumulado mais de US$ 600 bilhões de reservas e estabelecido, 20 dias antes da invasão, a chamada “parceria sem limites” com a China.

Ciente de que precisaria de pelo menos uma grande potência a seu lado diante da resposta econômica hostil do Ocidente, o acordo foi a luz verde de que Putin precisava para mandar os tanques russos cruzarem a fronteira com a Ucrânia.

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A capacidade da economia russa de resistir às sanções ocidentais mostra que Putin acertou ao aguardar tantos anos antes de atacar o vizinho: se tivesse invadido a Ucrânia no início dos anos 2000, com a China longe de ser a potência que é hoje e incapaz de oferecer apoio econômico significativo, as sanções ocidentais teriam levado, rapidamente, ao colapso russo.

Para lideranças empresariais acostumadas com os últimos 30 anos de “hibernação geopolítica”, o retorno do risco geopolítico associado às tensões entre grandes potências traz uma série de desafios novos: em vez de montar cadeias globais complexas e eficientes – e poder se dar o luxo de ignorar o cenário geopolítico –, cada vez mais empresas se veem obrigadas a prezar pela resiliência geopolítica e articulam planos detalhados sobre como reagir a uma série de cenários geopolíticos.

Como um embargo europeu contra o gás e o petróleo russo afetará a economia global e a situação da empresa? De que forma o uso de armas nucleares táticas da Rússia contra uma cidade ucraniana alteraria o risco de um confronto direto entre Moscou e Washington?

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Para empresas que incorporaram o monitoramento geopolítico no seu processo de planejamento estratégico, a guerra na Ucrânia dificilmente veio como uma surpresa. Ao contrário: conseguiram se preparar durante meses para o cenário atual.

Consequências

Enquanto empresas precisam considerar os possíveis desdobramentos na Ucrânia – como um impasse militar permanente, uma escalada nuclear ou um envolvimento direto do Ocidente –, temas urgentes não podem levar tomadores de decisão a ignorarem questões geopolíticas que podem surgir ao longo dos próximos meses ou anos.

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Um tema-chave para o planejamento de médio e longo prazo é um cenário que teria consequências econômicas globais muito mais significativas do que o ataque russo contra a Ucrânia: uma possível invasão chinesa a Taiwan, ilha considerada região rebelde por Pequim e o maior produtor de semicondutores do mundo, seguida de amplas sanções econômicas ocidentais contra a China e a exclusão de empresas chinesas do sistema interbancário Swift.

Um possível conflito armado entre Israel e Irã, uma nova “primavera árabe” (devido à elevação dos preços de alimentos) e uma nova pandemia também são cenários que podem ter forte impacto na economia global.

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Seria um engano acreditar que só empresas multinacionais com cadeias internacionais extremamente complexas precisam se adaptar à nova realidade. Mesmo atores com atuação mais regionalizada viram seu modelo de negócio afetado pelo atual confronto no Leste Europeu e muitas vezes carecem de mecanismos para integrar considerações geopolíticas em seu planejamento estratégico.

Empresas no Brasil tendem a correr um risco ainda maior de não se prepararem para cenários geopolíticos diferentes, diante da relevância tradicionalmente mais limitada de temas geopolíticos na América do Sul.

Crises geopolíticas representam riscos, mas também podem gerar oportunidades: a invasão russa da Crimeia, em 2014, seguida de sanções ocidentais contra a Rússia, levaram ao crescimento do comércio brasileiro com a Rússia. Da mesma forma, a saída da Rússia de índices de mercados emergentes em decorrência da guerra pode elevar investimentos no Brasil. A única certeza que há é de que a geopolítica está de volta para valer.

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*É ANALISTA POLÍTICO E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

Apesar de ter começado há pouco mais de dois meses, a invasão russa à Ucrânia tem o potencial de ter mais impacto econômico e geopolítico do que a chamada Guerra ao Terror, que teve início com os ataques em Nova York e Washington, em 2001, e terminou com a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021.

Afinal, apesar de sangrentos, os engajamentos militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão não elevaram o risco de que essas guerras se transformassem em conflitos entre grandes potências, pois só existia realmente uma, e as consequências para a economia cada vez mais globalizada eram limitadas.

A guerra na Ucrânia, por outro lado, simboliza o fim da era unipolar e o retorno de um sistema internacional marcado por tensões permanentes entre grandes potências. Vladimir Putin nunca escondeu o fato de não aceitar a independência ucraniana, resumida em uma conversa famosa com o então presidente americano George W. Bush, em 2008: “Você não entende, George, a Ucrânia nem sequer é um país.”

Presidente russo, Vladimir Putin (E), recebe o então presidente americano, George W. Bush, em sua residência em Sochi, em 2008 Foto: REUTERS/Ria Novosti/KREMLIN/Vladimir Rodionov

As condições para invadir a Ucrânia inteira, porém, só se deram mais de 14 anos depois, quando a Rússia tinha acumulado mais de US$ 600 bilhões de reservas e estabelecido, 20 dias antes da invasão, a chamada “parceria sem limites” com a China.

Ciente de que precisaria de pelo menos uma grande potência a seu lado diante da resposta econômica hostil do Ocidente, o acordo foi a luz verde de que Putin precisava para mandar os tanques russos cruzarem a fronteira com a Ucrânia.

A capacidade da economia russa de resistir às sanções ocidentais mostra que Putin acertou ao aguardar tantos anos antes de atacar o vizinho: se tivesse invadido a Ucrânia no início dos anos 2000, com a China longe de ser a potência que é hoje e incapaz de oferecer apoio econômico significativo, as sanções ocidentais teriam levado, rapidamente, ao colapso russo.

Para lideranças empresariais acostumadas com os últimos 30 anos de “hibernação geopolítica”, o retorno do risco geopolítico associado às tensões entre grandes potências traz uma série de desafios novos: em vez de montar cadeias globais complexas e eficientes – e poder se dar o luxo de ignorar o cenário geopolítico –, cada vez mais empresas se veem obrigadas a prezar pela resiliência geopolítica e articulam planos detalhados sobre como reagir a uma série de cenários geopolíticos.

Como um embargo europeu contra o gás e o petróleo russo afetará a economia global e a situação da empresa? De que forma o uso de armas nucleares táticas da Rússia contra uma cidade ucraniana alteraria o risco de um confronto direto entre Moscou e Washington?

Para empresas que incorporaram o monitoramento geopolítico no seu processo de planejamento estratégico, a guerra na Ucrânia dificilmente veio como uma surpresa. Ao contrário: conseguiram se preparar durante meses para o cenário atual.

Consequências

Enquanto empresas precisam considerar os possíveis desdobramentos na Ucrânia – como um impasse militar permanente, uma escalada nuclear ou um envolvimento direto do Ocidente –, temas urgentes não podem levar tomadores de decisão a ignorarem questões geopolíticas que podem surgir ao longo dos próximos meses ou anos.

Um tema-chave para o planejamento de médio e longo prazo é um cenário que teria consequências econômicas globais muito mais significativas do que o ataque russo contra a Ucrânia: uma possível invasão chinesa a Taiwan, ilha considerada região rebelde por Pequim e o maior produtor de semicondutores do mundo, seguida de amplas sanções econômicas ocidentais contra a China e a exclusão de empresas chinesas do sistema interbancário Swift.

Um possível conflito armado entre Israel e Irã, uma nova “primavera árabe” (devido à elevação dos preços de alimentos) e uma nova pandemia também são cenários que podem ter forte impacto na economia global.

Seria um engano acreditar que só empresas multinacionais com cadeias internacionais extremamente complexas precisam se adaptar à nova realidade. Mesmo atores com atuação mais regionalizada viram seu modelo de negócio afetado pelo atual confronto no Leste Europeu e muitas vezes carecem de mecanismos para integrar considerações geopolíticas em seu planejamento estratégico.

Empresas no Brasil tendem a correr um risco ainda maior de não se prepararem para cenários geopolíticos diferentes, diante da relevância tradicionalmente mais limitada de temas geopolíticos na América do Sul.

Crises geopolíticas representam riscos, mas também podem gerar oportunidades: a invasão russa da Crimeia, em 2014, seguida de sanções ocidentais contra a Rússia, levaram ao crescimento do comércio brasileiro com a Rússia. Da mesma forma, a saída da Rússia de índices de mercados emergentes em decorrência da guerra pode elevar investimentos no Brasil. A única certeza que há é de que a geopolítica está de volta para valer.

*É ANALISTA POLÍTICO E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

Apesar de ter começado há pouco mais de dois meses, a invasão russa à Ucrânia tem o potencial de ter mais impacto econômico e geopolítico do que a chamada Guerra ao Terror, que teve início com os ataques em Nova York e Washington, em 2001, e terminou com a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021.

Afinal, apesar de sangrentos, os engajamentos militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão não elevaram o risco de que essas guerras se transformassem em conflitos entre grandes potências, pois só existia realmente uma, e as consequências para a economia cada vez mais globalizada eram limitadas.

A guerra na Ucrânia, por outro lado, simboliza o fim da era unipolar e o retorno de um sistema internacional marcado por tensões permanentes entre grandes potências. Vladimir Putin nunca escondeu o fato de não aceitar a independência ucraniana, resumida em uma conversa famosa com o então presidente americano George W. Bush, em 2008: “Você não entende, George, a Ucrânia nem sequer é um país.”

Presidente russo, Vladimir Putin (E), recebe o então presidente americano, George W. Bush, em sua residência em Sochi, em 2008 Foto: REUTERS/Ria Novosti/KREMLIN/Vladimir Rodionov

As condições para invadir a Ucrânia inteira, porém, só se deram mais de 14 anos depois, quando a Rússia tinha acumulado mais de US$ 600 bilhões de reservas e estabelecido, 20 dias antes da invasão, a chamada “parceria sem limites” com a China.

Ciente de que precisaria de pelo menos uma grande potência a seu lado diante da resposta econômica hostil do Ocidente, o acordo foi a luz verde de que Putin precisava para mandar os tanques russos cruzarem a fronteira com a Ucrânia.

A capacidade da economia russa de resistir às sanções ocidentais mostra que Putin acertou ao aguardar tantos anos antes de atacar o vizinho: se tivesse invadido a Ucrânia no início dos anos 2000, com a China longe de ser a potência que é hoje e incapaz de oferecer apoio econômico significativo, as sanções ocidentais teriam levado, rapidamente, ao colapso russo.

Para lideranças empresariais acostumadas com os últimos 30 anos de “hibernação geopolítica”, o retorno do risco geopolítico associado às tensões entre grandes potências traz uma série de desafios novos: em vez de montar cadeias globais complexas e eficientes – e poder se dar o luxo de ignorar o cenário geopolítico –, cada vez mais empresas se veem obrigadas a prezar pela resiliência geopolítica e articulam planos detalhados sobre como reagir a uma série de cenários geopolíticos.

Como um embargo europeu contra o gás e o petróleo russo afetará a economia global e a situação da empresa? De que forma o uso de armas nucleares táticas da Rússia contra uma cidade ucraniana alteraria o risco de um confronto direto entre Moscou e Washington?

Para empresas que incorporaram o monitoramento geopolítico no seu processo de planejamento estratégico, a guerra na Ucrânia dificilmente veio como uma surpresa. Ao contrário: conseguiram se preparar durante meses para o cenário atual.

Consequências

Enquanto empresas precisam considerar os possíveis desdobramentos na Ucrânia – como um impasse militar permanente, uma escalada nuclear ou um envolvimento direto do Ocidente –, temas urgentes não podem levar tomadores de decisão a ignorarem questões geopolíticas que podem surgir ao longo dos próximos meses ou anos.

Um tema-chave para o planejamento de médio e longo prazo é um cenário que teria consequências econômicas globais muito mais significativas do que o ataque russo contra a Ucrânia: uma possível invasão chinesa a Taiwan, ilha considerada região rebelde por Pequim e o maior produtor de semicondutores do mundo, seguida de amplas sanções econômicas ocidentais contra a China e a exclusão de empresas chinesas do sistema interbancário Swift.

Um possível conflito armado entre Israel e Irã, uma nova “primavera árabe” (devido à elevação dos preços de alimentos) e uma nova pandemia também são cenários que podem ter forte impacto na economia global.

Seria um engano acreditar que só empresas multinacionais com cadeias internacionais extremamente complexas precisam se adaptar à nova realidade. Mesmo atores com atuação mais regionalizada viram seu modelo de negócio afetado pelo atual confronto no Leste Europeu e muitas vezes carecem de mecanismos para integrar considerações geopolíticas em seu planejamento estratégico.

Empresas no Brasil tendem a correr um risco ainda maior de não se prepararem para cenários geopolíticos diferentes, diante da relevância tradicionalmente mais limitada de temas geopolíticos na América do Sul.

Crises geopolíticas representam riscos, mas também podem gerar oportunidades: a invasão russa da Crimeia, em 2014, seguida de sanções ocidentais contra a Rússia, levaram ao crescimento do comércio brasileiro com a Rússia. Da mesma forma, a saída da Rússia de índices de mercados emergentes em decorrência da guerra pode elevar investimentos no Brasil. A única certeza que há é de que a geopolítica está de volta para valer.

*É ANALISTA POLÍTICO E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

Apesar de ter começado há pouco mais de dois meses, a invasão russa à Ucrânia tem o potencial de ter mais impacto econômico e geopolítico do que a chamada Guerra ao Terror, que teve início com os ataques em Nova York e Washington, em 2001, e terminou com a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021.

Afinal, apesar de sangrentos, os engajamentos militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão não elevaram o risco de que essas guerras se transformassem em conflitos entre grandes potências, pois só existia realmente uma, e as consequências para a economia cada vez mais globalizada eram limitadas.

A guerra na Ucrânia, por outro lado, simboliza o fim da era unipolar e o retorno de um sistema internacional marcado por tensões permanentes entre grandes potências. Vladimir Putin nunca escondeu o fato de não aceitar a independência ucraniana, resumida em uma conversa famosa com o então presidente americano George W. Bush, em 2008: “Você não entende, George, a Ucrânia nem sequer é um país.”

Presidente russo, Vladimir Putin (E), recebe o então presidente americano, George W. Bush, em sua residência em Sochi, em 2008 Foto: REUTERS/Ria Novosti/KREMLIN/Vladimir Rodionov

As condições para invadir a Ucrânia inteira, porém, só se deram mais de 14 anos depois, quando a Rússia tinha acumulado mais de US$ 600 bilhões de reservas e estabelecido, 20 dias antes da invasão, a chamada “parceria sem limites” com a China.

Ciente de que precisaria de pelo menos uma grande potência a seu lado diante da resposta econômica hostil do Ocidente, o acordo foi a luz verde de que Putin precisava para mandar os tanques russos cruzarem a fronteira com a Ucrânia.

A capacidade da economia russa de resistir às sanções ocidentais mostra que Putin acertou ao aguardar tantos anos antes de atacar o vizinho: se tivesse invadido a Ucrânia no início dos anos 2000, com a China longe de ser a potência que é hoje e incapaz de oferecer apoio econômico significativo, as sanções ocidentais teriam levado, rapidamente, ao colapso russo.

Para lideranças empresariais acostumadas com os últimos 30 anos de “hibernação geopolítica”, o retorno do risco geopolítico associado às tensões entre grandes potências traz uma série de desafios novos: em vez de montar cadeias globais complexas e eficientes – e poder se dar o luxo de ignorar o cenário geopolítico –, cada vez mais empresas se veem obrigadas a prezar pela resiliência geopolítica e articulam planos detalhados sobre como reagir a uma série de cenários geopolíticos.

Como um embargo europeu contra o gás e o petróleo russo afetará a economia global e a situação da empresa? De que forma o uso de armas nucleares táticas da Rússia contra uma cidade ucraniana alteraria o risco de um confronto direto entre Moscou e Washington?

Para empresas que incorporaram o monitoramento geopolítico no seu processo de planejamento estratégico, a guerra na Ucrânia dificilmente veio como uma surpresa. Ao contrário: conseguiram se preparar durante meses para o cenário atual.

Consequências

Enquanto empresas precisam considerar os possíveis desdobramentos na Ucrânia – como um impasse militar permanente, uma escalada nuclear ou um envolvimento direto do Ocidente –, temas urgentes não podem levar tomadores de decisão a ignorarem questões geopolíticas que podem surgir ao longo dos próximos meses ou anos.

Um tema-chave para o planejamento de médio e longo prazo é um cenário que teria consequências econômicas globais muito mais significativas do que o ataque russo contra a Ucrânia: uma possível invasão chinesa a Taiwan, ilha considerada região rebelde por Pequim e o maior produtor de semicondutores do mundo, seguida de amplas sanções econômicas ocidentais contra a China e a exclusão de empresas chinesas do sistema interbancário Swift.

Um possível conflito armado entre Israel e Irã, uma nova “primavera árabe” (devido à elevação dos preços de alimentos) e uma nova pandemia também são cenários que podem ter forte impacto na economia global.

Seria um engano acreditar que só empresas multinacionais com cadeias internacionais extremamente complexas precisam se adaptar à nova realidade. Mesmo atores com atuação mais regionalizada viram seu modelo de negócio afetado pelo atual confronto no Leste Europeu e muitas vezes carecem de mecanismos para integrar considerações geopolíticas em seu planejamento estratégico.

Empresas no Brasil tendem a correr um risco ainda maior de não se prepararem para cenários geopolíticos diferentes, diante da relevância tradicionalmente mais limitada de temas geopolíticos na América do Sul.

Crises geopolíticas representam riscos, mas também podem gerar oportunidades: a invasão russa da Crimeia, em 2014, seguida de sanções ocidentais contra a Rússia, levaram ao crescimento do comércio brasileiro com a Rússia. Da mesma forma, a saída da Rússia de índices de mercados emergentes em decorrência da guerra pode elevar investimentos no Brasil. A única certeza que há é de que a geopolítica está de volta para valer.

*É ANALISTA POLÍTICO E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

Apesar de ter começado há pouco mais de dois meses, a invasão russa à Ucrânia tem o potencial de ter mais impacto econômico e geopolítico do que a chamada Guerra ao Terror, que teve início com os ataques em Nova York e Washington, em 2001, e terminou com a retirada das tropas americanas do Afeganistão em 2021.

Afinal, apesar de sangrentos, os engajamentos militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão não elevaram o risco de que essas guerras se transformassem em conflitos entre grandes potências, pois só existia realmente uma, e as consequências para a economia cada vez mais globalizada eram limitadas.

A guerra na Ucrânia, por outro lado, simboliza o fim da era unipolar e o retorno de um sistema internacional marcado por tensões permanentes entre grandes potências. Vladimir Putin nunca escondeu o fato de não aceitar a independência ucraniana, resumida em uma conversa famosa com o então presidente americano George W. Bush, em 2008: “Você não entende, George, a Ucrânia nem sequer é um país.”

Presidente russo, Vladimir Putin (E), recebe o então presidente americano, George W. Bush, em sua residência em Sochi, em 2008 Foto: REUTERS/Ria Novosti/KREMLIN/Vladimir Rodionov

As condições para invadir a Ucrânia inteira, porém, só se deram mais de 14 anos depois, quando a Rússia tinha acumulado mais de US$ 600 bilhões de reservas e estabelecido, 20 dias antes da invasão, a chamada “parceria sem limites” com a China.

Ciente de que precisaria de pelo menos uma grande potência a seu lado diante da resposta econômica hostil do Ocidente, o acordo foi a luz verde de que Putin precisava para mandar os tanques russos cruzarem a fronteira com a Ucrânia.

A capacidade da economia russa de resistir às sanções ocidentais mostra que Putin acertou ao aguardar tantos anos antes de atacar o vizinho: se tivesse invadido a Ucrânia no início dos anos 2000, com a China longe de ser a potência que é hoje e incapaz de oferecer apoio econômico significativo, as sanções ocidentais teriam levado, rapidamente, ao colapso russo.

Para lideranças empresariais acostumadas com os últimos 30 anos de “hibernação geopolítica”, o retorno do risco geopolítico associado às tensões entre grandes potências traz uma série de desafios novos: em vez de montar cadeias globais complexas e eficientes – e poder se dar o luxo de ignorar o cenário geopolítico –, cada vez mais empresas se veem obrigadas a prezar pela resiliência geopolítica e articulam planos detalhados sobre como reagir a uma série de cenários geopolíticos.

Como um embargo europeu contra o gás e o petróleo russo afetará a economia global e a situação da empresa? De que forma o uso de armas nucleares táticas da Rússia contra uma cidade ucraniana alteraria o risco de um confronto direto entre Moscou e Washington?

Para empresas que incorporaram o monitoramento geopolítico no seu processo de planejamento estratégico, a guerra na Ucrânia dificilmente veio como uma surpresa. Ao contrário: conseguiram se preparar durante meses para o cenário atual.

Consequências

Enquanto empresas precisam considerar os possíveis desdobramentos na Ucrânia – como um impasse militar permanente, uma escalada nuclear ou um envolvimento direto do Ocidente –, temas urgentes não podem levar tomadores de decisão a ignorarem questões geopolíticas que podem surgir ao longo dos próximos meses ou anos.

Um tema-chave para o planejamento de médio e longo prazo é um cenário que teria consequências econômicas globais muito mais significativas do que o ataque russo contra a Ucrânia: uma possível invasão chinesa a Taiwan, ilha considerada região rebelde por Pequim e o maior produtor de semicondutores do mundo, seguida de amplas sanções econômicas ocidentais contra a China e a exclusão de empresas chinesas do sistema interbancário Swift.

Um possível conflito armado entre Israel e Irã, uma nova “primavera árabe” (devido à elevação dos preços de alimentos) e uma nova pandemia também são cenários que podem ter forte impacto na economia global.

Seria um engano acreditar que só empresas multinacionais com cadeias internacionais extremamente complexas precisam se adaptar à nova realidade. Mesmo atores com atuação mais regionalizada viram seu modelo de negócio afetado pelo atual confronto no Leste Europeu e muitas vezes carecem de mecanismos para integrar considerações geopolíticas em seu planejamento estratégico.

Empresas no Brasil tendem a correr um risco ainda maior de não se prepararem para cenários geopolíticos diferentes, diante da relevância tradicionalmente mais limitada de temas geopolíticos na América do Sul.

Crises geopolíticas representam riscos, mas também podem gerar oportunidades: a invasão russa da Crimeia, em 2014, seguida de sanções ocidentais contra a Rússia, levaram ao crescimento do comércio brasileiro com a Rússia. Da mesma forma, a saída da Rússia de índices de mercados emergentes em decorrência da guerra pode elevar investimentos no Brasil. A única certeza que há é de que a geopolítica está de volta para valer.

*É ANALISTA POLÍTICO E COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV-SP

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