Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Os desafios do novo chanceler; leia a coluna de Oliver Stuenkel


Mauro Vieira terá de articular nova estratégia do Brasil em meio a um cenário inóspito

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Com mais de 40 anos de experiência no Itamaraty, Mauro Vieira destoa dos principais nomes a ocuparem o Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos. Ao contrário de José Serra, ele não recebeu a pasta como prêmio de consolação por não ter conseguido o cargo que ambicionava. Diferentemente de Ernesto Araújo, sua função não é usar o Itamaraty para satisfazer segmentos radicalizados da coalizão eleitoral do presidente e causar furor em grupos de Telegram.

Mauro Vieira, durante sua posse, no domingo, 1.º; desafio de reatar relações com países depois do bolsonarismo Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

A escolha de Lula por um nome técnico e experiente emite um sinal importante: mostra que a prioridade é colocar a política externa de volta ao trilho. Para isso, nomeou um diplomata que já ocupou cargos relevantes da carreira, tendo sido embaixador em Buenos Aires (2004 – 2010) e Washington (2010 – 2015) e representante permanente junto à ONU em Nova York (2016 – 2019). Vieira também foi chanceler do segundo governo Dilma (2015 – 2016), quando tentou equilibrar os pratos do Itamaraty em meio a cortes orçamentários e à falta de interesse da presidente pela pasta.

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Quando as nuvens do impeachment começaram a se formar, ele atuou mais como servidor de Estado do que como político. Tentou blindar o ministério contra a crescente polarização e evitou dar grandes declarações públicas de apoio à presidente. Após a deposição de Dilma, fez questão de discursar na cerimônia de transmissão do cargo para José Serra, irritando a base petista, que considerou sua atitude desleal. Em 2018, Ernesto Araújo tentou humilhá-lo com uma remoção para a Croácia – posto considerado pouco relevante e incompatível com o status de um ex-ministro. Em vez de optar pela aposentadoria, Vieira aceitou o cargo sem dar um pio, permanecendo na capital Zagreb até o fim do ano passado.

Agora, seu desafio é liderar a restauração da diplomacia brasileira após o período mais vergonhoso da história do Itamaraty. Convencer o mundo de que o Brasil está de volta ao jogo diplomático deve ser a parte mais fácil da tarefa.

Após quatro anos de caos, os principais atores internacionais estão ansiosos por retomar relações amistosas com o País, e há uma verdadeira fila de presidentes e primeiros-ministros querendo marcar encontros com Lula. Dentro do Itamaraty, o clima também é de alívio pelo retorno da normalidade, e Araújo não parece ter tido sucesso em sua tentativa de doutrinar uma nova geração de diplomatas olavistas.

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Mas o desafio de Vieira não se resume a ser melhor do que Araújo. A diplomacia brasileira precisa se adaptar a um contexto internacional bem mais complexo do que aquele do pré-bolsonarismo. No âmbito global, Rússia e China mantêm relações cada vez piores com o Ocidente, e o grande desafio do Brasil será manter laços frutíferos com ambos os lados.

Putin, presidente da Rússia, e Xi Jinping, líder chinês; os dois têm mantido relações tensas com o Ocidente Foto: Ramil Sitdikov/Kremlin/REUTERS

Se até a eleição de Trump o sistema internacional vinha sendo estruturado pelo binômio cooperação e liberalização comercial, hoje o que impera é a competição geopolítica e a desglobalização. Essa dinâmica vem corroendo as bases de estruturas como a ONU, a OMC, o G-20 e o Brics, que eram justamente os palcos onde a diplomacia brasileira costumava brilhar. Foi por meio dessas instituições e de seus fóruns que o País conseguiu feitos como liderar uma complexa missão de paz no Haiti e se colocar como ator-chave nos debates sobre a intervenção militar na Líbia de Kadafi.

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No plano regional, as coisas também não estão fáceis. Embora a grande maioria das nações da América do Sul atualmente sejam governadas por líderes de esquerda, esse cenário deve mudar em 2023. Na Argentina, por exemplo, é provável que Alberto Fernández seja desbancado por um opositor de direita – ou de extrema direita – em outubro. Vários outros vizinhos enfrentam um cenário de baixo crescimento econômico e altos níveis de descontentamento popular, que fazem com que as lideranças priorizem sua sobrevivência em vez da cooperação internacional.

Embora a nomeação de Vieira seja uma boa notícia, ela não será capaz de recompor o mundo pré-Bolsonaro, e é ilusório achar que o Brasil facilmente voltará a exercer o papel internacional que desempenhou há uma década. Com um palco mundial em frangalhos e condições internas bem mais incertas do que aquelas dos dois primeiros mandatos de Lula, a tarefa de Vieira é mais árdua do que glamourosa, e inclui restaurar o Itamaraty e formar uma nova geração de diplomatas capaz de reinventar a atuação brasileira no mundo.

Com mais de 40 anos de experiência no Itamaraty, Mauro Vieira destoa dos principais nomes a ocuparem o Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos. Ao contrário de José Serra, ele não recebeu a pasta como prêmio de consolação por não ter conseguido o cargo que ambicionava. Diferentemente de Ernesto Araújo, sua função não é usar o Itamaraty para satisfazer segmentos radicalizados da coalizão eleitoral do presidente e causar furor em grupos de Telegram.

Mauro Vieira, durante sua posse, no domingo, 1.º; desafio de reatar relações com países depois do bolsonarismo Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

A escolha de Lula por um nome técnico e experiente emite um sinal importante: mostra que a prioridade é colocar a política externa de volta ao trilho. Para isso, nomeou um diplomata que já ocupou cargos relevantes da carreira, tendo sido embaixador em Buenos Aires (2004 – 2010) e Washington (2010 – 2015) e representante permanente junto à ONU em Nova York (2016 – 2019). Vieira também foi chanceler do segundo governo Dilma (2015 – 2016), quando tentou equilibrar os pratos do Itamaraty em meio a cortes orçamentários e à falta de interesse da presidente pela pasta.

Quando as nuvens do impeachment começaram a se formar, ele atuou mais como servidor de Estado do que como político. Tentou blindar o ministério contra a crescente polarização e evitou dar grandes declarações públicas de apoio à presidente. Após a deposição de Dilma, fez questão de discursar na cerimônia de transmissão do cargo para José Serra, irritando a base petista, que considerou sua atitude desleal. Em 2018, Ernesto Araújo tentou humilhá-lo com uma remoção para a Croácia – posto considerado pouco relevante e incompatível com o status de um ex-ministro. Em vez de optar pela aposentadoria, Vieira aceitou o cargo sem dar um pio, permanecendo na capital Zagreb até o fim do ano passado.

Agora, seu desafio é liderar a restauração da diplomacia brasileira após o período mais vergonhoso da história do Itamaraty. Convencer o mundo de que o Brasil está de volta ao jogo diplomático deve ser a parte mais fácil da tarefa.

Após quatro anos de caos, os principais atores internacionais estão ansiosos por retomar relações amistosas com o País, e há uma verdadeira fila de presidentes e primeiros-ministros querendo marcar encontros com Lula. Dentro do Itamaraty, o clima também é de alívio pelo retorno da normalidade, e Araújo não parece ter tido sucesso em sua tentativa de doutrinar uma nova geração de diplomatas olavistas.

Mas o desafio de Vieira não se resume a ser melhor do que Araújo. A diplomacia brasileira precisa se adaptar a um contexto internacional bem mais complexo do que aquele do pré-bolsonarismo. No âmbito global, Rússia e China mantêm relações cada vez piores com o Ocidente, e o grande desafio do Brasil será manter laços frutíferos com ambos os lados.

Putin, presidente da Rússia, e Xi Jinping, líder chinês; os dois têm mantido relações tensas com o Ocidente Foto: Ramil Sitdikov/Kremlin/REUTERS

Se até a eleição de Trump o sistema internacional vinha sendo estruturado pelo binômio cooperação e liberalização comercial, hoje o que impera é a competição geopolítica e a desglobalização. Essa dinâmica vem corroendo as bases de estruturas como a ONU, a OMC, o G-20 e o Brics, que eram justamente os palcos onde a diplomacia brasileira costumava brilhar. Foi por meio dessas instituições e de seus fóruns que o País conseguiu feitos como liderar uma complexa missão de paz no Haiti e se colocar como ator-chave nos debates sobre a intervenção militar na Líbia de Kadafi.

No plano regional, as coisas também não estão fáceis. Embora a grande maioria das nações da América do Sul atualmente sejam governadas por líderes de esquerda, esse cenário deve mudar em 2023. Na Argentina, por exemplo, é provável que Alberto Fernández seja desbancado por um opositor de direita – ou de extrema direita – em outubro. Vários outros vizinhos enfrentam um cenário de baixo crescimento econômico e altos níveis de descontentamento popular, que fazem com que as lideranças priorizem sua sobrevivência em vez da cooperação internacional.

Embora a nomeação de Vieira seja uma boa notícia, ela não será capaz de recompor o mundo pré-Bolsonaro, e é ilusório achar que o Brasil facilmente voltará a exercer o papel internacional que desempenhou há uma década. Com um palco mundial em frangalhos e condições internas bem mais incertas do que aquelas dos dois primeiros mandatos de Lula, a tarefa de Vieira é mais árdua do que glamourosa, e inclui restaurar o Itamaraty e formar uma nova geração de diplomatas capaz de reinventar a atuação brasileira no mundo.

Com mais de 40 anos de experiência no Itamaraty, Mauro Vieira destoa dos principais nomes a ocuparem o Ministério das Relações Exteriores nos últimos anos. Ao contrário de José Serra, ele não recebeu a pasta como prêmio de consolação por não ter conseguido o cargo que ambicionava. Diferentemente de Ernesto Araújo, sua função não é usar o Itamaraty para satisfazer segmentos radicalizados da coalizão eleitoral do presidente e causar furor em grupos de Telegram.

Mauro Vieira, durante sua posse, no domingo, 1.º; desafio de reatar relações com países depois do bolsonarismo Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

A escolha de Lula por um nome técnico e experiente emite um sinal importante: mostra que a prioridade é colocar a política externa de volta ao trilho. Para isso, nomeou um diplomata que já ocupou cargos relevantes da carreira, tendo sido embaixador em Buenos Aires (2004 – 2010) e Washington (2010 – 2015) e representante permanente junto à ONU em Nova York (2016 – 2019). Vieira também foi chanceler do segundo governo Dilma (2015 – 2016), quando tentou equilibrar os pratos do Itamaraty em meio a cortes orçamentários e à falta de interesse da presidente pela pasta.

Quando as nuvens do impeachment começaram a se formar, ele atuou mais como servidor de Estado do que como político. Tentou blindar o ministério contra a crescente polarização e evitou dar grandes declarações públicas de apoio à presidente. Após a deposição de Dilma, fez questão de discursar na cerimônia de transmissão do cargo para José Serra, irritando a base petista, que considerou sua atitude desleal. Em 2018, Ernesto Araújo tentou humilhá-lo com uma remoção para a Croácia – posto considerado pouco relevante e incompatível com o status de um ex-ministro. Em vez de optar pela aposentadoria, Vieira aceitou o cargo sem dar um pio, permanecendo na capital Zagreb até o fim do ano passado.

Agora, seu desafio é liderar a restauração da diplomacia brasileira após o período mais vergonhoso da história do Itamaraty. Convencer o mundo de que o Brasil está de volta ao jogo diplomático deve ser a parte mais fácil da tarefa.

Após quatro anos de caos, os principais atores internacionais estão ansiosos por retomar relações amistosas com o País, e há uma verdadeira fila de presidentes e primeiros-ministros querendo marcar encontros com Lula. Dentro do Itamaraty, o clima também é de alívio pelo retorno da normalidade, e Araújo não parece ter tido sucesso em sua tentativa de doutrinar uma nova geração de diplomatas olavistas.

Mas o desafio de Vieira não se resume a ser melhor do que Araújo. A diplomacia brasileira precisa se adaptar a um contexto internacional bem mais complexo do que aquele do pré-bolsonarismo. No âmbito global, Rússia e China mantêm relações cada vez piores com o Ocidente, e o grande desafio do Brasil será manter laços frutíferos com ambos os lados.

Putin, presidente da Rússia, e Xi Jinping, líder chinês; os dois têm mantido relações tensas com o Ocidente Foto: Ramil Sitdikov/Kremlin/REUTERS

Se até a eleição de Trump o sistema internacional vinha sendo estruturado pelo binômio cooperação e liberalização comercial, hoje o que impera é a competição geopolítica e a desglobalização. Essa dinâmica vem corroendo as bases de estruturas como a ONU, a OMC, o G-20 e o Brics, que eram justamente os palcos onde a diplomacia brasileira costumava brilhar. Foi por meio dessas instituições e de seus fóruns que o País conseguiu feitos como liderar uma complexa missão de paz no Haiti e se colocar como ator-chave nos debates sobre a intervenção militar na Líbia de Kadafi.

No plano regional, as coisas também não estão fáceis. Embora a grande maioria das nações da América do Sul atualmente sejam governadas por líderes de esquerda, esse cenário deve mudar em 2023. Na Argentina, por exemplo, é provável que Alberto Fernández seja desbancado por um opositor de direita – ou de extrema direita – em outubro. Vários outros vizinhos enfrentam um cenário de baixo crescimento econômico e altos níveis de descontentamento popular, que fazem com que as lideranças priorizem sua sobrevivência em vez da cooperação internacional.

Embora a nomeação de Vieira seja uma boa notícia, ela não será capaz de recompor o mundo pré-Bolsonaro, e é ilusório achar que o Brasil facilmente voltará a exercer o papel internacional que desempenhou há uma década. Com um palco mundial em frangalhos e condições internas bem mais incertas do que aquelas dos dois primeiros mandatos de Lula, a tarefa de Vieira é mais árdua do que glamourosa, e inclui restaurar o Itamaraty e formar uma nova geração de diplomatas capaz de reinventar a atuação brasileira no mundo.

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