Como era de se esperar, Donald Trump está apostando novamente na estratégia de valentão insano no âmbito externo. Antes mesmo de iniciar seu segundo mandato, no próximo dia 20 de janeiro, o presidente eleito está ameaçando países com tarifas, sanções e uso de força militar para anexar parte de seus territórios - como Panamá, Canadá e Dinamarca. É improvável que Trump envie soldados para esses países. Seu plano é intimidar e desestabilizar seus interlocutores ao ponto de eles fazerem concessões significativas em negociações com Washington.
Além disso, Trump se projeta, como já fez no passado, como imprevisível e capaz de qualquer coisa. Durante um discurso sobre política externa na campanha de 2016, afirmou: “Precisamos, como nação, ser mais imprevisíveis.” Como presidente, instruiu Robert Lighthizer, seu Representante para o Comércio, a chamá-lo de “louco” nas negociações com outros países. A chamada “teoria do louco” sugere que um líder que se comporta como se fosse capaz de fazer qualquer coisa tem mais chances de convencer outros atores globais a cederem em questões que normalmente não cederiam. Até mesmo Maquiavel chegou a sugerir que, “às vezes, é algo muito sábio simular loucura.”
Junto a sua base, tal abordagem é extremamente popular, e é provável que, sobretudo no início do mandato, Trump consiga celebrar vários sucessos na política externa. Um país como o Panamá, por exemplo, muito exposto aos EUA e com pouco espaço de manobra diplomática, pode chegar a oferecer descontos a embarcações que atravessam o Canal do Panamá. O mesmo vale para o México e o Canadá, que estão entre os mais atacados pelo presidente eleito. Trump sabe que ambos são extremamente dependentes de Washington, portanto não têm para onde correr. Outros países aliados farão concessões simbólicas, cientes de que o presidente norte-americano prioriza a aparência de sucesso sobre resultados concretos, o que limita sua eficácia. Por exemplo, a iniciativa de negociar com a Coreia do Norte e seus encontros com Kim Jong Un em 2018 e 2019 garantiram visibilidade global - mas, no fim das contas, o grande vencedor foi o líder norte-coreano, que ganhou prestígio e legitimidade sem fazer nenhuma concessão relevante ao então presidente dos EUA.
Na verdade, em médio e longo prazo, a abordagem de Trump deverá reduzir a influência dos EUA no mundo e dificultará a preservação de suas alianças, elemento-chave de sua influência global. Isso porque ele não leva em consideração dois elementos essenciais em qualquer aliança duradoura nas relações internacionais: a confiabilidade e a previsibilidade. A OTAN serve como um exemplo disso: sem confiabilidade mútua, sua cláusula de defesa coletiva, consagrada no famoso Artigo 5, não vale nem sequer o papel em que foi escrita.
A estratégia de Trump funcionaria perfeitamente em um mundo fictício no qual países negociassem apenas uma vez e depois nunca mais se relacionassem. Em tal situação, a abordagem puramente transacional e agressiva traria amplas vantagens para os EUA, que costumam ser o lado mais forte em uma negociação bilateral.
No mundo real, porém, a diplomacia global é um jogo de interação permanente. As ameaças de Trump devem levar países mundo afora a buscar diversificar suas parcerias para reduzir sua dependência de Washington, se aproximando de outras grandes potências - sobretudo da China, mas também da Rússia e da Europa - para ampliar seu poder de barganha.
Evidentemente, a estratégia de diversificação para elevar a autonomia e o poder de negociação de um país não é fácil, haja vista a enorme influência dos EUA, cuja economia está ainda mais forte hoje do que durante o primeiro mandato de Trump. Além disso, diferentemente do que fez quando ocupou a Casa Branca de 2017 a 2021, ele reuniu agora uma equipe de assessores muito menos propensa a contê-lo: o Trump 2 provavelmente será mais puro e menos contido. Não há dúvida, portanto, de que o republicano conseguirá se impor em vários momentos. Apesar disso, no longo prazo, ninguém gosta de depender de um líder não confiável.
Por isso, países devem, diante da volta de Trump, acelerar o movimento que, em médio e longo prazo, reduzirá a influência global dos EUA. Para o Brasil, que já mantém amplos laços econômicos com a China, o cenário reforça as vantagens geopolíticas da possível ratificação do acordo comercial com a União Europeia,um passo histórico na diversificação da política externa brasileira. Com um valentão imprevisível na turma, vale o ditado: quanto mais amigos, melhor.