Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Por que algumas democracias são mais vulneráveis do que outras?


Novo estudo questiona consenso de que dificuldade dos governantes de fornecer resultados socioeconômicos à população seja a principal ameaça à democracia

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

Numerosos países que celebraram eleições ao longo deste ano têm algo em comum: seus sistemas políticos passaram por retrocessos democráticos. Rússia, Venezuela, El Salvador, Turquia, Índia, México – em todos esses países, líderes buscaram concentrar o poder político no Executivo, minando os famosos “freios e contrapesos” como o parlamento, o judiciário e as agências regulatórias independentes, tendências que muitas vezes foram acompanhadas por pressões crescentes sobre a sociedade civil e a imprensa. No ranking de democracia da revista britânica The Economist deste ano, a pontuação dos países declinou em todas as regiões do mundo, reflexo de um retrocesso global da democracia. Segundo a revista, a qualidade da democracia na África Subsaariana é a menor desde 2006, e a pontuação na América Latina teve uma queda mais acentuada do que em qualquer outra região. Desde 2016, os EUA constam, no índice, como “democracia falha”, com tendência declinante.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de videoconferência na segunda-feira de 8 de agosto Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik via AFP

A explicação mais comum para crise global da democracia é que, se os cidadãos estiverem insatisfeitos com os bens socioeconômicos que as democracias oferecem – como bem-estar econômico, segurança e acesso a serviços públicos de qualidade –, aumenta o risco de eles optarem por alternativas autoritárias. Democracias que “entregam” bons serviços públicos e crescimento econômico, por outro lado, são menos vulneráveis a ameaças autoritárias. Talvez o caso mais notório seja a Alemanha na década de 1930. A hiperinflação e o altíssimo nível de desemprego são vistos como fatores decisivos para a ascensão de Adolf Hitler e o fim da democracia alemã.

continua após a publicidade

Em um novo artigo da revista Journal of Democracy, porém, Thomas Carothers, pesquisador do think-tank americano Carnegie Endowment e um dos principais especialistas em democracia, e seu colega Brendan Hartnett, questionam que fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países. No texto intitulado “Misunderstanding Democratic Backsliding” (O Mal-Entendido sobre o Retrocesso Democrático), Carothers e Hartnett reconhecem que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem.” No entanto, argumentam, “é muito menos claro que as dificuldades em entregar resultados satisfatórios por parte das democracias sejam uma das principais causas do atual retrocesso democrático.”

Analisando doze estudos de caso de países que passaram por um mensurável retrocesso democrático, Carothers e Hartnett destacam que, enquanto alguns países podem optar por outsiders com tendências autoritárias em momentos de crise econômica, há várias democracias que retrocederam enquanto a economia crescia, a desigualdade diminuía, e governos conseguiam oferecer bens públicos de forma relativamente satisfatória. Os exemplos mais chamativos são a Polônia, a Hungria e a Índia, cujas democracias deterioraram no contexto de um cenário econômico animador.

Até mesmo nos EUA, onde a ascensão de Trump é muitas vezes explicada pelo mal-estar econômico da classe trabalhadora branca, os autores argumentam que outros fatores – entre eles a capacidade de Trump de explorar preocupações relacionadas à imigração e à ascensão chinesa, além de uma péssima campanha de Hillary Clinton – foram mais importantes para explicar a vitória do candidato do Partido Republicano.

continua após a publicidade

Em vez disso, Carothers e Hartnett defendem que a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, isto é, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário – mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não-democrática; como foi o caso de Viktor Orban, da Hungria. Os autores escrevem que as democracias mais vulneráveis, portanto, não necessariamente são aquelas cujas economias temporariamente crescem pouco ou cujos governos decepcionam o eleitor, mas as que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores.

Para aqueles que buscam defender a democracia, portanto, garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias – como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual presidente salvadorenho Nayib Bukele, o presidente turco Recep Erdogan ou o russo Vladimir Putin, que venceu eleições relativamente livres no ano 2000, mas depois acabou asfixiando a experiência democrática e concentrando todo o poder no Kremlin.

Numerosos países que celebraram eleições ao longo deste ano têm algo em comum: seus sistemas políticos passaram por retrocessos democráticos. Rússia, Venezuela, El Salvador, Turquia, Índia, México – em todos esses países, líderes buscaram concentrar o poder político no Executivo, minando os famosos “freios e contrapesos” como o parlamento, o judiciário e as agências regulatórias independentes, tendências que muitas vezes foram acompanhadas por pressões crescentes sobre a sociedade civil e a imprensa. No ranking de democracia da revista britânica The Economist deste ano, a pontuação dos países declinou em todas as regiões do mundo, reflexo de um retrocesso global da democracia. Segundo a revista, a qualidade da democracia na África Subsaariana é a menor desde 2006, e a pontuação na América Latina teve uma queda mais acentuada do que em qualquer outra região. Desde 2016, os EUA constam, no índice, como “democracia falha”, com tendência declinante.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de videoconferência na segunda-feira de 8 de agosto Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik via AFP

A explicação mais comum para crise global da democracia é que, se os cidadãos estiverem insatisfeitos com os bens socioeconômicos que as democracias oferecem – como bem-estar econômico, segurança e acesso a serviços públicos de qualidade –, aumenta o risco de eles optarem por alternativas autoritárias. Democracias que “entregam” bons serviços públicos e crescimento econômico, por outro lado, são menos vulneráveis a ameaças autoritárias. Talvez o caso mais notório seja a Alemanha na década de 1930. A hiperinflação e o altíssimo nível de desemprego são vistos como fatores decisivos para a ascensão de Adolf Hitler e o fim da democracia alemã.

Em um novo artigo da revista Journal of Democracy, porém, Thomas Carothers, pesquisador do think-tank americano Carnegie Endowment e um dos principais especialistas em democracia, e seu colega Brendan Hartnett, questionam que fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países. No texto intitulado “Misunderstanding Democratic Backsliding” (O Mal-Entendido sobre o Retrocesso Democrático), Carothers e Hartnett reconhecem que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem.” No entanto, argumentam, “é muito menos claro que as dificuldades em entregar resultados satisfatórios por parte das democracias sejam uma das principais causas do atual retrocesso democrático.”

Analisando doze estudos de caso de países que passaram por um mensurável retrocesso democrático, Carothers e Hartnett destacam que, enquanto alguns países podem optar por outsiders com tendências autoritárias em momentos de crise econômica, há várias democracias que retrocederam enquanto a economia crescia, a desigualdade diminuía, e governos conseguiam oferecer bens públicos de forma relativamente satisfatória. Os exemplos mais chamativos são a Polônia, a Hungria e a Índia, cujas democracias deterioraram no contexto de um cenário econômico animador.

Até mesmo nos EUA, onde a ascensão de Trump é muitas vezes explicada pelo mal-estar econômico da classe trabalhadora branca, os autores argumentam que outros fatores – entre eles a capacidade de Trump de explorar preocupações relacionadas à imigração e à ascensão chinesa, além de uma péssima campanha de Hillary Clinton – foram mais importantes para explicar a vitória do candidato do Partido Republicano.

Em vez disso, Carothers e Hartnett defendem que a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, isto é, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário – mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não-democrática; como foi o caso de Viktor Orban, da Hungria. Os autores escrevem que as democracias mais vulneráveis, portanto, não necessariamente são aquelas cujas economias temporariamente crescem pouco ou cujos governos decepcionam o eleitor, mas as que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores.

Para aqueles que buscam defender a democracia, portanto, garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias – como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual presidente salvadorenho Nayib Bukele, o presidente turco Recep Erdogan ou o russo Vladimir Putin, que venceu eleições relativamente livres no ano 2000, mas depois acabou asfixiando a experiência democrática e concentrando todo o poder no Kremlin.

Numerosos países que celebraram eleições ao longo deste ano têm algo em comum: seus sistemas políticos passaram por retrocessos democráticos. Rússia, Venezuela, El Salvador, Turquia, Índia, México – em todos esses países, líderes buscaram concentrar o poder político no Executivo, minando os famosos “freios e contrapesos” como o parlamento, o judiciário e as agências regulatórias independentes, tendências que muitas vezes foram acompanhadas por pressões crescentes sobre a sociedade civil e a imprensa. No ranking de democracia da revista britânica The Economist deste ano, a pontuação dos países declinou em todas as regiões do mundo, reflexo de um retrocesso global da democracia. Segundo a revista, a qualidade da democracia na África Subsaariana é a menor desde 2006, e a pontuação na América Latina teve uma queda mais acentuada do que em qualquer outra região. Desde 2016, os EUA constam, no índice, como “democracia falha”, com tendência declinante.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de videoconferência na segunda-feira de 8 de agosto Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik via AFP

A explicação mais comum para crise global da democracia é que, se os cidadãos estiverem insatisfeitos com os bens socioeconômicos que as democracias oferecem – como bem-estar econômico, segurança e acesso a serviços públicos de qualidade –, aumenta o risco de eles optarem por alternativas autoritárias. Democracias que “entregam” bons serviços públicos e crescimento econômico, por outro lado, são menos vulneráveis a ameaças autoritárias. Talvez o caso mais notório seja a Alemanha na década de 1930. A hiperinflação e o altíssimo nível de desemprego são vistos como fatores decisivos para a ascensão de Adolf Hitler e o fim da democracia alemã.

Em um novo artigo da revista Journal of Democracy, porém, Thomas Carothers, pesquisador do think-tank americano Carnegie Endowment e um dos principais especialistas em democracia, e seu colega Brendan Hartnett, questionam que fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países. No texto intitulado “Misunderstanding Democratic Backsliding” (O Mal-Entendido sobre o Retrocesso Democrático), Carothers e Hartnett reconhecem que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem.” No entanto, argumentam, “é muito menos claro que as dificuldades em entregar resultados satisfatórios por parte das democracias sejam uma das principais causas do atual retrocesso democrático.”

Analisando doze estudos de caso de países que passaram por um mensurável retrocesso democrático, Carothers e Hartnett destacam que, enquanto alguns países podem optar por outsiders com tendências autoritárias em momentos de crise econômica, há várias democracias que retrocederam enquanto a economia crescia, a desigualdade diminuía, e governos conseguiam oferecer bens públicos de forma relativamente satisfatória. Os exemplos mais chamativos são a Polônia, a Hungria e a Índia, cujas democracias deterioraram no contexto de um cenário econômico animador.

Até mesmo nos EUA, onde a ascensão de Trump é muitas vezes explicada pelo mal-estar econômico da classe trabalhadora branca, os autores argumentam que outros fatores – entre eles a capacidade de Trump de explorar preocupações relacionadas à imigração e à ascensão chinesa, além de uma péssima campanha de Hillary Clinton – foram mais importantes para explicar a vitória do candidato do Partido Republicano.

Em vez disso, Carothers e Hartnett defendem que a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, isto é, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário – mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não-democrática; como foi o caso de Viktor Orban, da Hungria. Os autores escrevem que as democracias mais vulneráveis, portanto, não necessariamente são aquelas cujas economias temporariamente crescem pouco ou cujos governos decepcionam o eleitor, mas as que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores.

Para aqueles que buscam defender a democracia, portanto, garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias – como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual presidente salvadorenho Nayib Bukele, o presidente turco Recep Erdogan ou o russo Vladimir Putin, que venceu eleições relativamente livres no ano 2000, mas depois acabou asfixiando a experiência democrática e concentrando todo o poder no Kremlin.

Numerosos países que celebraram eleições ao longo deste ano têm algo em comum: seus sistemas políticos passaram por retrocessos democráticos. Rússia, Venezuela, El Salvador, Turquia, Índia, México – em todos esses países, líderes buscaram concentrar o poder político no Executivo, minando os famosos “freios e contrapesos” como o parlamento, o judiciário e as agências regulatórias independentes, tendências que muitas vezes foram acompanhadas por pressões crescentes sobre a sociedade civil e a imprensa. No ranking de democracia da revista britânica The Economist deste ano, a pontuação dos países declinou em todas as regiões do mundo, reflexo de um retrocesso global da democracia. Segundo a revista, a qualidade da democracia na África Subsaariana é a menor desde 2006, e a pontuação na América Latina teve uma queda mais acentuada do que em qualquer outra região. Desde 2016, os EUA constam, no índice, como “democracia falha”, com tendência declinante.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de videoconferência na segunda-feira de 8 de agosto Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik via AFP

A explicação mais comum para crise global da democracia é que, se os cidadãos estiverem insatisfeitos com os bens socioeconômicos que as democracias oferecem – como bem-estar econômico, segurança e acesso a serviços públicos de qualidade –, aumenta o risco de eles optarem por alternativas autoritárias. Democracias que “entregam” bons serviços públicos e crescimento econômico, por outro lado, são menos vulneráveis a ameaças autoritárias. Talvez o caso mais notório seja a Alemanha na década de 1930. A hiperinflação e o altíssimo nível de desemprego são vistos como fatores decisivos para a ascensão de Adolf Hitler e o fim da democracia alemã.

Em um novo artigo da revista Journal of Democracy, porém, Thomas Carothers, pesquisador do think-tank americano Carnegie Endowment e um dos principais especialistas em democracia, e seu colega Brendan Hartnett, questionam que fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países. No texto intitulado “Misunderstanding Democratic Backsliding” (O Mal-Entendido sobre o Retrocesso Democrático), Carothers e Hartnett reconhecem que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem.” No entanto, argumentam, “é muito menos claro que as dificuldades em entregar resultados satisfatórios por parte das democracias sejam uma das principais causas do atual retrocesso democrático.”

Analisando doze estudos de caso de países que passaram por um mensurável retrocesso democrático, Carothers e Hartnett destacam que, enquanto alguns países podem optar por outsiders com tendências autoritárias em momentos de crise econômica, há várias democracias que retrocederam enquanto a economia crescia, a desigualdade diminuía, e governos conseguiam oferecer bens públicos de forma relativamente satisfatória. Os exemplos mais chamativos são a Polônia, a Hungria e a Índia, cujas democracias deterioraram no contexto de um cenário econômico animador.

Até mesmo nos EUA, onde a ascensão de Trump é muitas vezes explicada pelo mal-estar econômico da classe trabalhadora branca, os autores argumentam que outros fatores – entre eles a capacidade de Trump de explorar preocupações relacionadas à imigração e à ascensão chinesa, além de uma péssima campanha de Hillary Clinton – foram mais importantes para explicar a vitória do candidato do Partido Republicano.

Em vez disso, Carothers e Hartnett defendem que a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, isto é, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário – mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não-democrática; como foi o caso de Viktor Orban, da Hungria. Os autores escrevem que as democracias mais vulneráveis, portanto, não necessariamente são aquelas cujas economias temporariamente crescem pouco ou cujos governos decepcionam o eleitor, mas as que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores.

Para aqueles que buscam defender a democracia, portanto, garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias – como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual presidente salvadorenho Nayib Bukele, o presidente turco Recep Erdogan ou o russo Vladimir Putin, que venceu eleições relativamente livres no ano 2000, mas depois acabou asfixiando a experiência democrática e concentrando todo o poder no Kremlin.

Numerosos países que celebraram eleições ao longo deste ano têm algo em comum: seus sistemas políticos passaram por retrocessos democráticos. Rússia, Venezuela, El Salvador, Turquia, Índia, México – em todos esses países, líderes buscaram concentrar o poder político no Executivo, minando os famosos “freios e contrapesos” como o parlamento, o judiciário e as agências regulatórias independentes, tendências que muitas vezes foram acompanhadas por pressões crescentes sobre a sociedade civil e a imprensa. No ranking de democracia da revista britânica The Economist deste ano, a pontuação dos países declinou em todas as regiões do mundo, reflexo de um retrocesso global da democracia. Segundo a revista, a qualidade da democracia na África Subsaariana é a menor desde 2006, e a pontuação na América Latina teve uma queda mais acentuada do que em qualquer outra região. Desde 2016, os EUA constam, no índice, como “democracia falha”, com tendência declinante.

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, participa de videoconferência na segunda-feira de 8 de agosto Foto: Gavriil Grigorov/Sputnik via AFP

A explicação mais comum para crise global da democracia é que, se os cidadãos estiverem insatisfeitos com os bens socioeconômicos que as democracias oferecem – como bem-estar econômico, segurança e acesso a serviços públicos de qualidade –, aumenta o risco de eles optarem por alternativas autoritárias. Democracias que “entregam” bons serviços públicos e crescimento econômico, por outro lado, são menos vulneráveis a ameaças autoritárias. Talvez o caso mais notório seja a Alemanha na década de 1930. A hiperinflação e o altíssimo nível de desemprego são vistos como fatores decisivos para a ascensão de Adolf Hitler e o fim da democracia alemã.

Em um novo artigo da revista Journal of Democracy, porém, Thomas Carothers, pesquisador do think-tank americano Carnegie Endowment e um dos principais especialistas em democracia, e seu colega Brendan Hartnett, questionam que fatores socioeconômicos seriam os principais responsáveis pelo atual retrocesso democrático em numerosos países. No texto intitulado “Misunderstanding Democratic Backsliding” (O Mal-Entendido sobre o Retrocesso Democrático), Carothers e Hartnett reconhecem que “governos de qualquer caráter político que forneçam resultados socioeconômicos positivos para seus cidadãos serão, em média, mais estáveis e duradouros do que aqueles que não o fazem.” No entanto, argumentam, “é muito menos claro que as dificuldades em entregar resultados satisfatórios por parte das democracias sejam uma das principais causas do atual retrocesso democrático.”

Analisando doze estudos de caso de países que passaram por um mensurável retrocesso democrático, Carothers e Hartnett destacam que, enquanto alguns países podem optar por outsiders com tendências autoritárias em momentos de crise econômica, há várias democracias que retrocederam enquanto a economia crescia, a desigualdade diminuía, e governos conseguiam oferecer bens públicos de forma relativamente satisfatória. Os exemplos mais chamativos são a Polônia, a Hungria e a Índia, cujas democracias deterioraram no contexto de um cenário econômico animador.

Até mesmo nos EUA, onde a ascensão de Trump é muitas vezes explicada pelo mal-estar econômico da classe trabalhadora branca, os autores argumentam que outros fatores – entre eles a capacidade de Trump de explorar preocupações relacionadas à imigração e à ascensão chinesa, além de uma péssima campanha de Hillary Clinton – foram mais importantes para explicar a vitória do candidato do Partido Republicano.

Em vez disso, Carothers e Hartnett defendem que a maior ameaça às democracias não vem “de baixo”, isto é, de eleitores desiludidos e dispostos a dar seu voto a um outsider autoritário – mas de lideranças que buscam enfraquecer a democracia “por cima” e se consolidar no poder de forma não-democrática; como foi o caso de Viktor Orban, da Hungria. Os autores escrevem que as democracias mais vulneráveis, portanto, não necessariamente são aquelas cujas economias temporariamente crescem pouco ou cujos governos decepcionam o eleitor, mas as que não possuem instituições resilientes capazes de resistir a investidas autoritárias – seja aparelhando a Justiça Eleitoral, permitindo interferências no Judiciário, seja utilizando a burocracia de Estado para perseguir opositores.

Para aqueles que buscam defender a democracia, portanto, garantir uma economia vibrante e bons serviços públicos certamente ajuda, mas pode não ser suficiente. Em vez disso, é fundamental investir em regras e mecanismos claros que protejam as instituições democráticas para que formem um baluarte contra líderes com ambições autoritárias – como o ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, o atual presidente salvadorenho Nayib Bukele, o presidente turco Recep Erdogan ou o russo Vladimir Putin, que venceu eleições relativamente livres no ano 2000, mas depois acabou asfixiando a experiência democrática e concentrando todo o poder no Kremlin.

Atualizamos nossa política de cookies

Ao utilizar nossos serviços, você aceita a política de monitoramento de cookies.