Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Pressão antigolpe dos EUA em 2022 pode ter sido mais importante do que parece


Se, nos idos de 1964, os Estados Unidos apoiaram o golpe militar no Brasil; em 2022, Washington pressionou as Forças Armadas brasileiras a reconhecerem o resultado das eleições.

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

As recentes revelações sobre iniciativas e planos antidemocráticos por integrantes do governo Bolsonaro sugerem que um golpe não aconteceu, acima de tudo, por falta de apoio mais amplo das Forças Armadas brasileiras. Enquanto tudo indica que uma série de lideranças militares – entre elas, os generais Walter Braga Netto, Estevam Teophilo e Mário Fernandes e o então comandante da Marinha, brigadeiro Almir Garnier — apoiaram os planos de Bolsonaro de se manter no poder mesmo sendo derrotado nas urnas, outros, como o comandante do Exército, Freire Gomes, e o da Força Aérea, Baptista Júnior, parecem ter sido contra.

Demorará anos até termos uma visão completa do ocorrido, e ainda devem emergir numerosos detalhes daqueles meses conturbados da segunda metade de 2022, mas há indícios de que uma análise mais profunda terá que incluir não apenas o cenário doméstico, mas também o externo – com destaque para a atuação dos EUA, que pressionaram, durante parte do ano de 2022, as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais, e parecem ter tido um papel altamente relevante e possivelmente decisivo.

Já no fim de 2021, consolidou-se a percepção na Casa Branca de que o governo Bolsonaro representava um possível risco à democracia no Brasil. O presidente brasileiro continuava falando de supostas fraudes nas eleições americanas de 2020, questionando, de fato, a legitimidade do governo Biden, e sinalizando que poderia tentar dificultar uma transição pacífica de poder caso perdesse as eleições no ano seguinte.

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Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Foto: Haiyun Jiang/The New York Times

Em resposta, o governo Biden montou uma campanha diplomática cujo principal alvo foram justamente as Forças Armadas brasileiras – identificadas pelos EUA como ator-chave em um momento de fragilidade democrática no Brasil –, deixando claro que o não reconhecimento do resultado das urnas por parte dos generais levaria a um redução drástica da relação militar dos EUA com o Brasil, ciente de que a cooperação entre os dois países é muito valorizada pelos fardados no Brasil. A campanha para garantir que o resultado das eleições fosse aceito envolveu o Departamento de Estado, a CIA, a Casa Branca, o Senado e o Pentágono. No âmbito dessa iniciativa, a visita mais relevante ao Brasil foi a de Lloyd Austin, secretário de Defesa, que fez um discurso com várias referências à necessidade de preservar a democracia e deixou claro nas reuniões em Brasília que “as Forças Armadas e as forças de segurança precisam estar sob controle civil”.

Além de Austin, visitaram o Brasil, antes das eleições, o chefe da CIA e o assessor de Segurança Nacional do presidente americano, algo pouco usual na diplomacia dos EUA. O principal foco das conversas foram os militares vistos como mais radicalizados, entre eles o brigadeiro Almir Garnier. A mensagem que todos levaram às lideranças políticas e militares brasileiras foi sempre a mesma: uma ruptura democrática não só teria consequências para a cooperação militar entre os EUA e o Brasil, mas deixaria o país sul-americano diplomaticamente isolado no Ocidente. O Departamento de Estado, ao mesmo tempo, enfatizou sua plena confiança no sistema eleitoral brasileiro.

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Poucas horas após a divulgação dos resultados do pleito brasileiro, o presidente Biden parabenizou o presidente Lula. O então vice-presidente Mourão, por sua vez, logo depois da derrota de Bolsonaro, escreveu nas redes sociais, tentando acalmar os manifestantes pró-Bolsonaro, que “agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o País numa situação difícil perante a comunidade internacional”; argumento que parece reforçar a tese de que o cenário externo hostil a uma ruptura democrática tenha sido crucial para garantir que as Forças Armadas não ultrapassassem seus limites.

É claro que nada disso sugere que os EUA, sozinhos, foram responsáveis por preservar a democracia brasileira em 2022. Mas é inegável que não se pode compreender os eventos da época sem levar em consideração uma campanha diplomática dos EUA. Washington acabou adotando postura oposta à de 1964, quando sinalizou apoio aos golpistas, e teve papel importante na ruptura da democracia brasileira.

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A atuação dos EUA de 2022, ainda pouco explorada na literatura das Relações Internacionais – acima de tudo porque os principais envolvidos ainda ocupam seus postos no atual governo americano e não podem falar abertamente – é um caso interessante por vários motivos, entre eles uma situação paradoxal: Bolsonaro havia se projetado, no início de seu mandato, como presidente pró-americano; e o candidato Lula da Silva, que assumiu a presidência em janeiro de 2023, tem longo histórico de críticas à política externa dos EUA na América Latina. Tanto que, apesar de Lula ter agradecido a Joe Biden pelo apoio à democracia brasileira, a relação bilateral com os EUA pouco avançou desde que ele retornou ao Palácio Planalto.

As recentes revelações sobre iniciativas e planos antidemocráticos por integrantes do governo Bolsonaro sugerem que um golpe não aconteceu, acima de tudo, por falta de apoio mais amplo das Forças Armadas brasileiras. Enquanto tudo indica que uma série de lideranças militares – entre elas, os generais Walter Braga Netto, Estevam Teophilo e Mário Fernandes e o então comandante da Marinha, brigadeiro Almir Garnier — apoiaram os planos de Bolsonaro de se manter no poder mesmo sendo derrotado nas urnas, outros, como o comandante do Exército, Freire Gomes, e o da Força Aérea, Baptista Júnior, parecem ter sido contra.

Demorará anos até termos uma visão completa do ocorrido, e ainda devem emergir numerosos detalhes daqueles meses conturbados da segunda metade de 2022, mas há indícios de que uma análise mais profunda terá que incluir não apenas o cenário doméstico, mas também o externo – com destaque para a atuação dos EUA, que pressionaram, durante parte do ano de 2022, as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais, e parecem ter tido um papel altamente relevante e possivelmente decisivo.

Já no fim de 2021, consolidou-se a percepção na Casa Branca de que o governo Bolsonaro representava um possível risco à democracia no Brasil. O presidente brasileiro continuava falando de supostas fraudes nas eleições americanas de 2020, questionando, de fato, a legitimidade do governo Biden, e sinalizando que poderia tentar dificultar uma transição pacífica de poder caso perdesse as eleições no ano seguinte.

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Foto: Haiyun Jiang/The New York Times

Em resposta, o governo Biden montou uma campanha diplomática cujo principal alvo foram justamente as Forças Armadas brasileiras – identificadas pelos EUA como ator-chave em um momento de fragilidade democrática no Brasil –, deixando claro que o não reconhecimento do resultado das urnas por parte dos generais levaria a um redução drástica da relação militar dos EUA com o Brasil, ciente de que a cooperação entre os dois países é muito valorizada pelos fardados no Brasil. A campanha para garantir que o resultado das eleições fosse aceito envolveu o Departamento de Estado, a CIA, a Casa Branca, o Senado e o Pentágono. No âmbito dessa iniciativa, a visita mais relevante ao Brasil foi a de Lloyd Austin, secretário de Defesa, que fez um discurso com várias referências à necessidade de preservar a democracia e deixou claro nas reuniões em Brasília que “as Forças Armadas e as forças de segurança precisam estar sob controle civil”.

Além de Austin, visitaram o Brasil, antes das eleições, o chefe da CIA e o assessor de Segurança Nacional do presidente americano, algo pouco usual na diplomacia dos EUA. O principal foco das conversas foram os militares vistos como mais radicalizados, entre eles o brigadeiro Almir Garnier. A mensagem que todos levaram às lideranças políticas e militares brasileiras foi sempre a mesma: uma ruptura democrática não só teria consequências para a cooperação militar entre os EUA e o Brasil, mas deixaria o país sul-americano diplomaticamente isolado no Ocidente. O Departamento de Estado, ao mesmo tempo, enfatizou sua plena confiança no sistema eleitoral brasileiro.

Poucas horas após a divulgação dos resultados do pleito brasileiro, o presidente Biden parabenizou o presidente Lula. O então vice-presidente Mourão, por sua vez, logo depois da derrota de Bolsonaro, escreveu nas redes sociais, tentando acalmar os manifestantes pró-Bolsonaro, que “agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o País numa situação difícil perante a comunidade internacional”; argumento que parece reforçar a tese de que o cenário externo hostil a uma ruptura democrática tenha sido crucial para garantir que as Forças Armadas não ultrapassassem seus limites.

É claro que nada disso sugere que os EUA, sozinhos, foram responsáveis por preservar a democracia brasileira em 2022. Mas é inegável que não se pode compreender os eventos da época sem levar em consideração uma campanha diplomática dos EUA. Washington acabou adotando postura oposta à de 1964, quando sinalizou apoio aos golpistas, e teve papel importante na ruptura da democracia brasileira.

A atuação dos EUA de 2022, ainda pouco explorada na literatura das Relações Internacionais – acima de tudo porque os principais envolvidos ainda ocupam seus postos no atual governo americano e não podem falar abertamente – é um caso interessante por vários motivos, entre eles uma situação paradoxal: Bolsonaro havia se projetado, no início de seu mandato, como presidente pró-americano; e o candidato Lula da Silva, que assumiu a presidência em janeiro de 2023, tem longo histórico de críticas à política externa dos EUA na América Latina. Tanto que, apesar de Lula ter agradecido a Joe Biden pelo apoio à democracia brasileira, a relação bilateral com os EUA pouco avançou desde que ele retornou ao Palácio Planalto.

As recentes revelações sobre iniciativas e planos antidemocráticos por integrantes do governo Bolsonaro sugerem que um golpe não aconteceu, acima de tudo, por falta de apoio mais amplo das Forças Armadas brasileiras. Enquanto tudo indica que uma série de lideranças militares – entre elas, os generais Walter Braga Netto, Estevam Teophilo e Mário Fernandes e o então comandante da Marinha, brigadeiro Almir Garnier — apoiaram os planos de Bolsonaro de se manter no poder mesmo sendo derrotado nas urnas, outros, como o comandante do Exército, Freire Gomes, e o da Força Aérea, Baptista Júnior, parecem ter sido contra.

Demorará anos até termos uma visão completa do ocorrido, e ainda devem emergir numerosos detalhes daqueles meses conturbados da segunda metade de 2022, mas há indícios de que uma análise mais profunda terá que incluir não apenas o cenário doméstico, mas também o externo – com destaque para a atuação dos EUA, que pressionaram, durante parte do ano de 2022, as Forças Armadas brasileiras a respeitarem o resultado das eleições presidenciais, e parecem ter tido um papel altamente relevante e possivelmente decisivo.

Já no fim de 2021, consolidou-se a percepção na Casa Branca de que o governo Bolsonaro representava um possível risco à democracia no Brasil. O presidente brasileiro continuava falando de supostas fraudes nas eleições americanas de 2020, questionando, de fato, a legitimidade do governo Biden, e sinalizando que poderia tentar dificultar uma transição pacífica de poder caso perdesse as eleições no ano seguinte.

Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Foto: Haiyun Jiang/The New York Times

Em resposta, o governo Biden montou uma campanha diplomática cujo principal alvo foram justamente as Forças Armadas brasileiras – identificadas pelos EUA como ator-chave em um momento de fragilidade democrática no Brasil –, deixando claro que o não reconhecimento do resultado das urnas por parte dos generais levaria a um redução drástica da relação militar dos EUA com o Brasil, ciente de que a cooperação entre os dois países é muito valorizada pelos fardados no Brasil. A campanha para garantir que o resultado das eleições fosse aceito envolveu o Departamento de Estado, a CIA, a Casa Branca, o Senado e o Pentágono. No âmbito dessa iniciativa, a visita mais relevante ao Brasil foi a de Lloyd Austin, secretário de Defesa, que fez um discurso com várias referências à necessidade de preservar a democracia e deixou claro nas reuniões em Brasília que “as Forças Armadas e as forças de segurança precisam estar sob controle civil”.

Além de Austin, visitaram o Brasil, antes das eleições, o chefe da CIA e o assessor de Segurança Nacional do presidente americano, algo pouco usual na diplomacia dos EUA. O principal foco das conversas foram os militares vistos como mais radicalizados, entre eles o brigadeiro Almir Garnier. A mensagem que todos levaram às lideranças políticas e militares brasileiras foi sempre a mesma: uma ruptura democrática não só teria consequências para a cooperação militar entre os EUA e o Brasil, mas deixaria o país sul-americano diplomaticamente isolado no Ocidente. O Departamento de Estado, ao mesmo tempo, enfatizou sua plena confiança no sistema eleitoral brasileiro.

Poucas horas após a divulgação dos resultados do pleito brasileiro, o presidente Biden parabenizou o presidente Lula. O então vice-presidente Mourão, por sua vez, logo depois da derrota de Bolsonaro, escreveu nas redes sociais, tentando acalmar os manifestantes pró-Bolsonaro, que “agora querem que as Forças Armadas deem um golpe e coloquem o País numa situação difícil perante a comunidade internacional”; argumento que parece reforçar a tese de que o cenário externo hostil a uma ruptura democrática tenha sido crucial para garantir que as Forças Armadas não ultrapassassem seus limites.

É claro que nada disso sugere que os EUA, sozinhos, foram responsáveis por preservar a democracia brasileira em 2022. Mas é inegável que não se pode compreender os eventos da época sem levar em consideração uma campanha diplomática dos EUA. Washington acabou adotando postura oposta à de 1964, quando sinalizou apoio aos golpistas, e teve papel importante na ruptura da democracia brasileira.

A atuação dos EUA de 2022, ainda pouco explorada na literatura das Relações Internacionais – acima de tudo porque os principais envolvidos ainda ocupam seus postos no atual governo americano e não podem falar abertamente – é um caso interessante por vários motivos, entre eles uma situação paradoxal: Bolsonaro havia se projetado, no início de seu mandato, como presidente pró-americano; e o candidato Lula da Silva, que assumiu a presidência em janeiro de 2023, tem longo histórico de críticas à política externa dos EUA na América Latina. Tanto que, apesar de Lula ter agradecido a Joe Biden pelo apoio à democracia brasileira, a relação bilateral com os EUA pouco avançou desde que ele retornou ao Palácio Planalto.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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