Analista político e professor de Relações Internacionais da FGV-SP. Escreve quinzenalmente

Opinião|Principal conflito da próxima década pode não envolver nem o Ocidente nem a Rússia


Graves tensões entre China e Índia, as duas nações mais populosas da Terra, merecem mais atenção

Por Oliver Stuenkel
Atualização:

A invasão russa à Ucrânia e a deterioração das relações entre o Ocidente e a China nos levam frequentemente a enxergar o mundo dividido em três partes: o bloco ocidental, o bloco sino-russo e o Sul Global, que busca preservar suas relações com os outros dois. Nesse contexto, o principal risco geopolítico hoje seria uma conflagração militar entre o bloco ocidental e o sino-russo, como uma reação a um ataque de Pequim contra a ilha de Taiwan, por exemplo. Embora o perigo de uma guerra entre os dois blocos seja real, essa visão um tanto simplista pode nos levar a negligenciar uma série de outras ameaças altamente relevantes.

A mais importante delas hoje é a grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra. São ambas detentoras da bomba atômica e potências emergentes com grandes ambições geopolíticas e um conflito de fronteiras não resolvido desde 1962, quando a China invadiu e derrotou a Índia militarmente. As duas encontram-se hoje em rota de colisão. Em 2020, pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em confrontos na fronteira na região do Himalaia.

Em dezembro do ano passado, houve novas conflagrações, dessa vez sem mortos. É uma questão de tempo até que ocorram novos confrontos mais sangrentos, sem que haja um mecanismo claro para gerenciar as crises recorrentes. Em uma provocação, o governo chinês mudou unilateralmente, em abril, os nomes de onze localidades no estado indiano de Arunachal Pradesh, região que Pequim reivindica para si e descreve como parte do “Tibete do Sul”.

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Na semana passada, a China decidiu expulsar o último jornalista indiano no país, enquanto o número de correspondentes chineses na Índia se reduziu de quatorze para apenas um. Isso pode parecer um mero detalhe à primeira vista, mas reflete um cenário mais preocupante: em um ambiente dominado por discursos cada vez mais nacionalistas, os dois governos permitiram que a situação degringolasse ao ponto de haver um verdadeiro blackout informacional na relação entre os países.

Há uma grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra Foto: Adrian Bradshaw / EFE

Afinal, correspondentes costumam representar algodão entre cristais em momentos de tensão: enquanto apresentadores nacionalistas de TV na Índia têm adotado um tom fortemente anti-China, correspondentes que atuam no país vizinho costumam trazer informações com mais nuances, as quais podem ajudar a humanizar o outro lado. Isso também vale para correspondentes chineses que, apesar das restrições à liberdade de expressão em seus jornais, muitas vezes traziam informações úteis a uma visão mais profunda sobre a Índia.

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Por décadas, quem visitava a Índia notava como a rivalidade com o Paquistão — e o medo de uma nova guerra depois do conflito entre os dois países em 1999 — dominava o debate público. Hoje, a situação mudou, e a China é vista, pela maioria dos indianos, como a principal ameaça à segurança nacional. Na China, jornais nacionalistas como o Global Times, ligados ao Partido Comunista, cada vez mais retratam a Índia em termos negativos.

Em resposta à postura chinesa mais assertiva — e, alguns dirão, mais agressiva —, o governo indiano tomou uma série de medidas que visam limitar a influência chinesa no país. Baniu mais de 200 aplicativos chineses, incluindo TikTok e WeChat, e proibiu que as empresas chinesas Huawei e ZTE fornecessem componentes para a rede 5G na Índia. Como parte do Diálogo Quadrilateral de Segurança, conhecido como “Quad”, Nova Deli decidiu intensificar seus laços militares com os EUA, o Japão e a Austrália. O país está reduzindo sua dependência de armamentos da Rússia, parceiro-chave da China.

Parcialmente em função das restrições, os EUA superaram a China recentemente como principal parceiro comercial da Índia. Nos bastidores, diplomatas indianos deixam claro que consideram o G20 bem mais importante do que o grupo BRICS, no qual a cooperação com a China se torna mais difícil. Da mesma forma, optou-se por organizar a próxima cúpula dos líderes da Organização de Cooperação de Xangai, grupo liderado pela China, em formato virtual em vez do tradicional encontro presidencial, decisão fortemente criticada pelo governo chinês.

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Para o Brasil, essa situação traz uma série de desafios: além de preservar seus laços econômicos e políticos tanto com o Ocidente quanto com a China e a Rússia, também terá que buscar formas de lidar com tensões cada vez elevadas entre Pequim e Nova Deli em uma série de fóruns de grande relevância para a política externa brasileira, como o grupo G20 e o BRICS, grupo que será cada vez mais impactado pela rivalidade entre os dois gigantes asiáticos.

A invasão russa à Ucrânia e a deterioração das relações entre o Ocidente e a China nos levam frequentemente a enxergar o mundo dividido em três partes: o bloco ocidental, o bloco sino-russo e o Sul Global, que busca preservar suas relações com os outros dois. Nesse contexto, o principal risco geopolítico hoje seria uma conflagração militar entre o bloco ocidental e o sino-russo, como uma reação a um ataque de Pequim contra a ilha de Taiwan, por exemplo. Embora o perigo de uma guerra entre os dois blocos seja real, essa visão um tanto simplista pode nos levar a negligenciar uma série de outras ameaças altamente relevantes.

A mais importante delas hoje é a grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra. São ambas detentoras da bomba atômica e potências emergentes com grandes ambições geopolíticas e um conflito de fronteiras não resolvido desde 1962, quando a China invadiu e derrotou a Índia militarmente. As duas encontram-se hoje em rota de colisão. Em 2020, pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em confrontos na fronteira na região do Himalaia.

Em dezembro do ano passado, houve novas conflagrações, dessa vez sem mortos. É uma questão de tempo até que ocorram novos confrontos mais sangrentos, sem que haja um mecanismo claro para gerenciar as crises recorrentes. Em uma provocação, o governo chinês mudou unilateralmente, em abril, os nomes de onze localidades no estado indiano de Arunachal Pradesh, região que Pequim reivindica para si e descreve como parte do “Tibete do Sul”.

Na semana passada, a China decidiu expulsar o último jornalista indiano no país, enquanto o número de correspondentes chineses na Índia se reduziu de quatorze para apenas um. Isso pode parecer um mero detalhe à primeira vista, mas reflete um cenário mais preocupante: em um ambiente dominado por discursos cada vez mais nacionalistas, os dois governos permitiram que a situação degringolasse ao ponto de haver um verdadeiro blackout informacional na relação entre os países.

Há uma grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra Foto: Adrian Bradshaw / EFE

Afinal, correspondentes costumam representar algodão entre cristais em momentos de tensão: enquanto apresentadores nacionalistas de TV na Índia têm adotado um tom fortemente anti-China, correspondentes que atuam no país vizinho costumam trazer informações com mais nuances, as quais podem ajudar a humanizar o outro lado. Isso também vale para correspondentes chineses que, apesar das restrições à liberdade de expressão em seus jornais, muitas vezes traziam informações úteis a uma visão mais profunda sobre a Índia.

Por décadas, quem visitava a Índia notava como a rivalidade com o Paquistão — e o medo de uma nova guerra depois do conflito entre os dois países em 1999 — dominava o debate público. Hoje, a situação mudou, e a China é vista, pela maioria dos indianos, como a principal ameaça à segurança nacional. Na China, jornais nacionalistas como o Global Times, ligados ao Partido Comunista, cada vez mais retratam a Índia em termos negativos.

Em resposta à postura chinesa mais assertiva — e, alguns dirão, mais agressiva —, o governo indiano tomou uma série de medidas que visam limitar a influência chinesa no país. Baniu mais de 200 aplicativos chineses, incluindo TikTok e WeChat, e proibiu que as empresas chinesas Huawei e ZTE fornecessem componentes para a rede 5G na Índia. Como parte do Diálogo Quadrilateral de Segurança, conhecido como “Quad”, Nova Deli decidiu intensificar seus laços militares com os EUA, o Japão e a Austrália. O país está reduzindo sua dependência de armamentos da Rússia, parceiro-chave da China.

Parcialmente em função das restrições, os EUA superaram a China recentemente como principal parceiro comercial da Índia. Nos bastidores, diplomatas indianos deixam claro que consideram o G20 bem mais importante do que o grupo BRICS, no qual a cooperação com a China se torna mais difícil. Da mesma forma, optou-se por organizar a próxima cúpula dos líderes da Organização de Cooperação de Xangai, grupo liderado pela China, em formato virtual em vez do tradicional encontro presidencial, decisão fortemente criticada pelo governo chinês.

Para o Brasil, essa situação traz uma série de desafios: além de preservar seus laços econômicos e políticos tanto com o Ocidente quanto com a China e a Rússia, também terá que buscar formas de lidar com tensões cada vez elevadas entre Pequim e Nova Deli em uma série de fóruns de grande relevância para a política externa brasileira, como o grupo G20 e o BRICS, grupo que será cada vez mais impactado pela rivalidade entre os dois gigantes asiáticos.

A invasão russa à Ucrânia e a deterioração das relações entre o Ocidente e a China nos levam frequentemente a enxergar o mundo dividido em três partes: o bloco ocidental, o bloco sino-russo e o Sul Global, que busca preservar suas relações com os outros dois. Nesse contexto, o principal risco geopolítico hoje seria uma conflagração militar entre o bloco ocidental e o sino-russo, como uma reação a um ataque de Pequim contra a ilha de Taiwan, por exemplo. Embora o perigo de uma guerra entre os dois blocos seja real, essa visão um tanto simplista pode nos levar a negligenciar uma série de outras ameaças altamente relevantes.

A mais importante delas hoje é a grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra. São ambas detentoras da bomba atômica e potências emergentes com grandes ambições geopolíticas e um conflito de fronteiras não resolvido desde 1962, quando a China invadiu e derrotou a Índia militarmente. As duas encontram-se hoje em rota de colisão. Em 2020, pelo menos 20 soldados indianos e quatro chineses morreram em confrontos na fronteira na região do Himalaia.

Em dezembro do ano passado, houve novas conflagrações, dessa vez sem mortos. É uma questão de tempo até que ocorram novos confrontos mais sangrentos, sem que haja um mecanismo claro para gerenciar as crises recorrentes. Em uma provocação, o governo chinês mudou unilateralmente, em abril, os nomes de onze localidades no estado indiano de Arunachal Pradesh, região que Pequim reivindica para si e descreve como parte do “Tibete do Sul”.

Na semana passada, a China decidiu expulsar o último jornalista indiano no país, enquanto o número de correspondentes chineses na Índia se reduziu de quatorze para apenas um. Isso pode parecer um mero detalhe à primeira vista, mas reflete um cenário mais preocupante: em um ambiente dominado por discursos cada vez mais nacionalistas, os dois governos permitiram que a situação degringolasse ao ponto de haver um verdadeiro blackout informacional na relação entre os países.

Há uma grave deterioração das relações entre a China e a Índia, as duas nações mais populosas da Terra Foto: Adrian Bradshaw / EFE

Afinal, correspondentes costumam representar algodão entre cristais em momentos de tensão: enquanto apresentadores nacionalistas de TV na Índia têm adotado um tom fortemente anti-China, correspondentes que atuam no país vizinho costumam trazer informações com mais nuances, as quais podem ajudar a humanizar o outro lado. Isso também vale para correspondentes chineses que, apesar das restrições à liberdade de expressão em seus jornais, muitas vezes traziam informações úteis a uma visão mais profunda sobre a Índia.

Por décadas, quem visitava a Índia notava como a rivalidade com o Paquistão — e o medo de uma nova guerra depois do conflito entre os dois países em 1999 — dominava o debate público. Hoje, a situação mudou, e a China é vista, pela maioria dos indianos, como a principal ameaça à segurança nacional. Na China, jornais nacionalistas como o Global Times, ligados ao Partido Comunista, cada vez mais retratam a Índia em termos negativos.

Em resposta à postura chinesa mais assertiva — e, alguns dirão, mais agressiva —, o governo indiano tomou uma série de medidas que visam limitar a influência chinesa no país. Baniu mais de 200 aplicativos chineses, incluindo TikTok e WeChat, e proibiu que as empresas chinesas Huawei e ZTE fornecessem componentes para a rede 5G na Índia. Como parte do Diálogo Quadrilateral de Segurança, conhecido como “Quad”, Nova Deli decidiu intensificar seus laços militares com os EUA, o Japão e a Austrália. O país está reduzindo sua dependência de armamentos da Rússia, parceiro-chave da China.

Parcialmente em função das restrições, os EUA superaram a China recentemente como principal parceiro comercial da Índia. Nos bastidores, diplomatas indianos deixam claro que consideram o G20 bem mais importante do que o grupo BRICS, no qual a cooperação com a China se torna mais difícil. Da mesma forma, optou-se por organizar a próxima cúpula dos líderes da Organização de Cooperação de Xangai, grupo liderado pela China, em formato virtual em vez do tradicional encontro presidencial, decisão fortemente criticada pelo governo chinês.

Para o Brasil, essa situação traz uma série de desafios: além de preservar seus laços econômicos e políticos tanto com o Ocidente quanto com a China e a Rússia, também terá que buscar formas de lidar com tensões cada vez elevadas entre Pequim e Nova Deli em uma série de fóruns de grande relevância para a política externa brasileira, como o grupo G20 e o BRICS, grupo que será cada vez mais impactado pela rivalidade entre os dois gigantes asiáticos.

Opinião por Oliver Stuenkel

Analista político e Professor de Relações Internacionais da FGV-SP

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