A última semana, de grande relevância geopolítica para a Ucrânia, acabou com duas derrotas e uma vitória para o presidente Volodmir Zelenski. Tanto os EUA quanto a União Europeia fracassaram na tentativa de aprovar novos pacotes de ajuda para a Ucrânia, de 60 bilhões de dólares e 50 bilhões de euros, respectivamente, o que cria incerteza sobre o acesso das forças armadas ucranianas ao equipamento militar e munição necessários para continuar travando sua guerra contra os invasores russos.
Por outro lado, a União Europeia tomou a decisão inesperada e histórica de iniciar o processo de adesão da Ucrânia. O premiê húngaro Viktor Orban havia prometido bloquear o caminho de acesso de Kiev, mas cedeu à pressão de seus colegas europeus de última hora e se limitou a vetar a aprovação do pacote financeiro aos ucranianos.
O processo de adesão à União Europeia pode ser demorado, mas dá à Ucrânia algo valioso em um momento de crescente frustração com a falta de avanços militares: um direcionamento estratégico e uma visão concreta sobre seu futuro geopolítico.
O processo de se preparar para aderir à UE envolve passos mensuráveis e compreensíveis para a população, que sabe das vantagens concretas que a adesão produziria. Além disso, outorga às forças reformistas mais poder de barganha contra atores que resistem às reformas modernizantes, entre eles oligarcas que se beneficiam de estruturas pouco transparentes.
O sonho de aderir à União Europeia marcou a vida de Zelenski até mesmo antes de entrar na política: na série de TV “Servo do Povo”, exibida entre 2015-2019, na qual o então ator Zelenski vive um presidente fictício da Ucrânia, ele recebe uma ligação da chanceler alemã Ângela Merkel, dando parabéns pela entrada do país na União Europeia.
Zelenski agradece em nome do povo ucraniano – “Nós havíamos esperado por esse momento por tanto tempo”, ao que Merkel responde que ela havia se equivocado: sua intenção era ligar para o governo de Montenegro. Desapontado, Zelenski parabeniza o povo montenegrino e, depois de desligar, xinga o presidente russo Vladimir Putin.
Em retrospectiva, é irônico que Putin tenha se tornado, sem querer, o principal arquiteto da surpreendente decisão de Bruxelas de iniciar o processo de adesão da Ucrânia: sem a invasão, seria impensável a União Europeia decidir, de forma tão veloz, dar início à adesão.
Enquanto Putin celebrou, na TV estatal russa, as dificuldades ocidentais de enviar ajuda adicional à Ucrânia, torna-se cada vez mais provável que o G7 utilize uma ferramenta radical para manter o fluxo de recursos aos ucranianos e envie os 300 bilhões de dólares de ativos russos congelados em contas europeias para Kiev. Até recentemente, países como a Alemanha e a França têm-se mostrado relutantes devido a possíveis contestações jurídicas que tal medida poderia provocar, já que ativos soberanos estão protegidos pelo direito internacional.
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Porém, a resistência vem diminuindo. “Tempos extraordinários exigem medidas extraordinárias”, disse, recentemente, o Ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, David Cameron. Uma decisão a respeito pode ser tomada já no início de 2024, antes do segundo aniversário da invasão russa.
Da mesma forma, é importante distinguir entre os motivos que travam a aprovação de apoio nos EUA – onde o Partido Republicano é cada vez mais cético em relação ao suporte à Ucrânia – e na União Europeia, onde apenas a Hungria se opõe à aprovação de novos pacotes de ajuda. Os principais doadores europeus podem continuar apoiando a Ucrânia de forma bilateral.
Enquanto a Europa já oferece mais ajuda financeira aos ucranianos do que os EUA, os eventos da semana passada sugerem uma tendência de “europeização” do conflito entre Rússia e Ucrânia, com países europeus assumindo um papel cada vez mais importante no conflito, enquanto Joe Biden enfrenta uma campanha eleitoral acirrada contra Donald Trump, que defende reduzir o apoio militar a Kiev.
O processo de adesão transformará não apenas a Ucrânia, mas também a própria União Europeia: obriga o bloco a se preparar para assumir a dianteira na reconstrução econômica de um grande país devastado pela guerra, no fortalecimento das instituições ucranianas e no enfrentamento de questões geopolíticas espinhosas como a ocupação russa de em torno de 20% do território ucraniano.
O resultado será, inevitavelmente, uma União Europeia mais focada em assuntos geopolíticos, com gastos militares muito mais elevados e cujo centro de poder se moverá para o leste: inicia-se, assim, um processo que não apenas dará um norte estratégico à Ucrânia, mas também ao bloco europeu, que está diante do seu maior desafio geopolítico em décadas.