O governo Lula tem a chance real de obter três conquistas históricas em seu primeiro ano de governo: a reforma tributária, o arcabouço fiscal e a ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Cada uma das três representaria, sozinha, ponto alto de um ano de governo. As três juntas, porém, têm o potencial de produzir, depois de uma década perdida, uma guinada na visão de analistas dentro e fora do país sobre o futuro da economia brasileira.
O fato de o governo Lula dar esses três passos em um ambiente altamente polarizado, com numerosas distrações políticas que acabaram desviando atenção pública, tornaria essas conquistas ainda mais notáveis.
Depois dos recentes avanços em relação à reforma tributária, o presidente brasileiro pode, nos próximos dias, dar um passo importante em relação à ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Lula participará, em Bruxelas, da terceira cúpula UE-Celac, ao lado de líderes de ambos os blocos, a União Europeia e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos.
A cúpula em si não tem relação com as negociações comerciais do Mercosul, mas espera-se que o presidente brasileiro aproveite sua presença na capital belga para ajudar a superar algumas divergências ocorridas nos últimos meses – sobretudo devido a novas demandas por parte dos europeus –, as quais representam ameaça real ao acordo.
A aliança pode trazer vantagens concretas à economia brasileira, tanto para o agronegócio – muito mais competitivo que o europeu – quanto para a indústria nacional, que passaria a se integrar às cadeias globais de valor ao poder importar componentes de outros países com mais facilidade.
A ratificação do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia representaria também uma vitória geopolítica para o Brasil, sobretudo no momento em que o governo Lula procura articular uma estratégia de equidistância em relação a Washington e Pequim, dois grandes blocos em uma espécie de nova Guerra Fria.
Afinal, há um aspecto geopolítico relevante que une a União Europeia e a América do Sul: ambas as regiões vêem a elevação das tensões entre os EUA e a China com receio e buscam preservar seus laços tanto com Washington quanto com Pequim.
Traçar esse caminho será cada vez mais difícil e envolve resistir a pressões das duas potências. Por exemplo, tanto Lula quanto o presidente francês Emmanuel Macron visitaram Pequim recentemente para tentar proteger seus respectivos interesses econômicos em meio a uma espiral de restrições comerciais cada vez mais duras entre os EUA e a China.
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Nesse ambiente, fortalecer laços com terceiros é a forma ideal de ampliar o espaço de manobra estratégico para evitar ter de escolher entre uma das duas potências – e fortalecer o poder de barganha na hora de negociar com Washington e Pequim. Afinal, quanto mais numerosas e de mais qualidade forem as parcerias alternativas na hora de se sentar com Biden ou Xi Jinping, mais fácil será evitar as armadilhas típicas de uma relação fortemente assimétrica.
É nesse espírito que países mundo afora apostam no fortalecimento de laços com terceiros – a Índia, por exemplo, que também tenta adotar uma postura neutra entre China e EUA, fortaleceu recentemente suas relações com a França e o Japão, enquanto toma o cuidado de proteger sua parceria com a Rússia. O não-alinhamento, afinal, não se constrói apenas a partir das relações com as duas superpotências, mas requer ligações sólidas com os outros blocos também.
Para o Brasil, a ratificação do acordo traz uma outra vantagem geopolítica até aqui ignorada. Em um momento em que a tendência dominante na América do Sul é a desintegração – marcada pela relevância declinante das relações comerciais entre países da região –, a parceria entre Mercosul e União Europeia fortaleceria o bloco sul-americano.
Além disso, a ratificação representaria um ganho nas tentativas brasileiras de assumir liderança regional e pautar a agenda em um debate crucial, no qual se mostrava incapaz de construir um consenso entre vizinhos mais protecionistas (como a Argentina) e aqueles que queriam liberalizar o comércio, como o Uruguai.
Por fim, implementar o acordo também seria um sinal importante de que, em meio às turbulências geopolíticas e à onda do nacionalismo, os dois blocos estariam apostando na redução de barreiras e em um mundo mais aberto e conectado.