A diplomacia ucraniana tem sido extraordinariamente bem-sucedida desde o início da invasão russa em fevereiro do ano passado. Tem garantido enorme apoio militar e financeiro ocidental e ajudado a mobilizar a opinião pública europeia e norte-americana, que apoia, apesar do custo econômico, severas sanções econômicas contra a Rússia.
Esse êxito diplomático ucraniano é muitas vezes atribuído à capacidade de comunicação do presidente Volodimir Zelenski, mas não teria sido possível sem uma estratégia sofisticada implementada pelos embaixadores ucranianos nas capitais ocidentais, onde vários se tornaram amplamente conhecidos.
Na Alemanha, por exemplo, o então embaixador Andrii Melnik – que em breve assumirá o posto de embaixador da Ucrânia no Brasil – tornou-se presença permanente no debate público durante a guerra e teve, apesar de seu estilo às vezes polêmico, um papel-chave para garantir o apoio militar da Alemanha, país que inicialmente se mostrou muito receoso de fornecer armas ao governo de Kiev.
No Sul Global, no entanto, a atuação diplomática ucraniana tem obtido resultados bem mais modestos. Em várias votações na Assembleia Geral da ONU, a maioria dos países apoiou resoluções condenando a invasão russa e pedindo a retirada das tropas de Putin do território ucraniano. Porém, em várias outras áreas – seja no que diz respeito à venda de armas e munições à Ucrânia, seja em relação à disposição de criticar a Rússia diretamente – a estratégia diplomática ucraniana viu-se frustrada na maioria dos países em desenvolvimento.
O Brasil é um caso emblemático: enquanto o governo brasileiro busca articular uma espécie de postura neutra em relação à invasão, diversos comentários e gestos do presidente Lula podem ser classificados como mais simpáticos à Rússia do que à Ucrânia – como, por exemplo, quando insistiu que os ucranianos deveriam estar dispostos a ceder parte de seu território aos russos em possíveis negociações de paz.
Os principais motivos para a relutância no Sul Global em posicionar-se ao lado de Kiev pouco têm que ver com a guerra em si, mas com as críticas mais amplas de muitos países em desenvolvimento em relação à ordem global e à frequente hipocrisia dos EUA quanto à aplicação seletiva das regras e normas internacionais.
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Além disso, para líderes em capitais como Brasília, Jacarta e Pretória, relações diplomáticas com a Rússia servem para ampliar seu poder de barganha na hora de negociar com Washington. Por fim, diferentemente de governos do Norte, que conseguiram reduzir as suas compras de Moscou, muitos do Sul ainda têm na Rússia um fornecedor-chave de fertilizantes e grãos.
Outro motivo muitas vezes negligenciado que explica o apoio tácito à Rússia no mundo em desenvolvimento é a ampla vantagem estrutural desse país sobre a Ucrânia: enquanto os russos têm uma das maiores redes diplomáticas do planeta, a presença ucraniana nesse âmbito é extremamente enxuta, algo que tem inviabilizado responder de forma sistemática à atuação russa.
Enquanto a Rússia possui mais de 40 embaixadas no continente africano, por exemplo, a Ucrânia tem apenas dez – e nenhuma com estrutura comparável à das embaixadas russas, que dispõem de equipes de comunicação e presença considerável no debate público.
A embaixada russa na África do Sul, por exemplo, tem mais de 134 mil seguidores no Twitter, enquanto menos de três mil pessoas seguem a embaixada ucraniana naquele país africano. Desde a invasão russa, vários postos ucranianos em países altamente relevantes, como Brasil, ficaram sem embaixador — sinal das graves limitações que a diplomacia ucraniana enfrenta.
Diferentemente da Ucrânia, que tem PIB per capita de menos da metade do russo e atravessa profunda crise econômica por causa da guerra, a Rússia pode oferecer apoio financeiro aos países em desenvolvimento e, no Oriente Médio e na África, cooperação militar e até mesmo os serviços do grupo mercenário Wagner para lidar com desafios internos. Durante a recente cúpula em São Petersburgo, Putin anunciou numerosos acordos militares e doações de grãos a países africanos.
Mas nem tudo são flores nessa relação com o Sul Global. O presidente russo sofreu uma série de derrotas diplomáticas nessa região recentemente. Se 43 presidentes africanos participaram da cúpula Rússia-África em 2019, apenas 21 estiveram presentes na da semana passada, claro sinal da crescente relutância de líderes africanos a serem vistos como apoiadores da guerra de uma grande potência nuclear contra um vizinho menor e mais pobre.
Outro sinal são as críticas inéditas de governos africanos à decisão de Putin de encerrar o acordo que permite o uso do Mar Negro para exportar grãos da Ucrânia e de bombardear portos ucranianos cruciais para a exportação de alimentos à África. Uma autoridade importante do governo do Quênia descreveu a postura russa como uma “punhalada nas costas”.
Em São Petersburgo, o presidente sul-africano afirmou que os africanos “não foram até a Rússia pedir presentes” e cobrou de Moscou a retomada do acordo de exportação de grãos. Talvez a derrota mais dolorosa para a Rússia tenha sido a decisão sul-africana de pedir a Putin para não comparecer à cúpula do BRICS, que ocorrerá em Joanesburgo no próximo mês.
Afinal, como signatária do Tribunal Penal Internacional (TPI), a África do Sul tem a obrigação de prender Putin se ele comparecer ao encontro, pois o TPI emitiu, em março, mandado de prisão contra o presidente russo pela deportação ilegal de crianças ucranianas para a Rússia.
São sinais de que, apesar da profunda assimetria de poder diplomático entre a Rússia e a Ucrânia, o apoio contínuo que Moscou vinha recebendo no Sul Global não está garantido.