Autoridades do Reino Unido apontaram que partes do país vão registrar temperaturas de até 41° C nos próximos dias, muito acima do recorde histórico de 38,7° C registrado em 2019. O país decretou emergência nacional e pela primeira vez emitiu um alerta de calor “extremo vermelho” - uma precaução a mais enquanto a onda de calor que varreu países da Europa continental se desloca para o norte e ainda provoca incêndios florestais de grandes proporções e centenas de mortes. Nesta segunda-feira, o País de Gales - uma das quatro nações do Reino Unido - já registou o seu recorde: 35,3°C perto de Aberystwyth.
Apenas em Portugal e Espanha, a estimativa é de que por volta de 600 pessoas tenham morrido em decorrência do calor. Na França, ao todo, mais de 31 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas e locais de férias de verão (Norte) na região de Gironde desde que os incêndios começaram, em 12 de julho.
No Reino Unido, um país conhecido pelo clima temperado e o céu constantemente nublado, a subida histórica da temperatura interrompeu o cotidiano dos britânicos. Serviços de trem foram cancelados ou passaram a funcionar em velocidade reduzida por temor de que o calor pudesse causar instabilidade nos trilhos.
Autoridades pediram às pessoas que usassem o transporte público apenas se necessário e recomendaram que as pessoas trabalhassem de casa na segunda e na terça-feira. Enquanto isso, hospitais e lares de idosos temem os efeitos do calor em pacientes mais velhos e vulneráveis, uma vez que muitos prédios não tem ar-condicionado.
Onda de calor provoca temperaturas de mais de 40° C na Europa
Em toda a Europa, o custo humano da onda de calor é cada vez mais visível. Milhares de pessoas estão sendo retiradas de regiões afetadas por incêndios florestais em Espanha, França e Portugal, enquanto grande parte do norte da Itália permanece em estado de emergência por uma das piores secas em décadas.
Autoridades espanholas encontraram o segundo corpo em dois dias enquanto lutam contra um incêndio florestal na província de Zamora, no noroeste do país. O corpo de um criador de ovelhas de 69 anos foi encontrado nesta segunda-feira na mesma área montanhosa em que um bombeiro de 62 anos morreu um dia antes. Modelos do Instituto Carlos III estimam que mais de 350 pessoas morreram como em consequência do calor no país na semana passada.
A França reforçou o combate aos incêndios florestais com o envio de 200 bombeiros e três aviões-tanque adicionais, enquanto uma mudança de direção nos ventos continuava a espalhar o fogo e colocar novas regiões do país em alerta.
Os dois incêndios florestais gigantescos no país já destruíram 55 Km² de floresta de pinheiros secos apenas na semana passada. Cerca de 1.700 bombeiros de toda a França foram mobilizados na região de Gironde, uma área costeira ao redor de Bordeaux, para tentar conter as chamas. Cerca de uma dezena ficaram levemente feridos.
Em meio à grave crise enfrentada pelos países europeus, o secretário-geral da ONU, António Guterres, afirmou que a humanidade está enfrentando o risco de um “suicídio coletivo” caso nada seja realizado de fato.
“Metade da humanidade está na zona de perigo, de inundações, secas, tempestades extremas e incêndios florestais. Nenhuma nação está imune. No entanto, continuamos a alimentar nosso vício em combustíveis fósseis”, afirmou Guterres durante um encontro com líderes de 40 países que se reuniram em Berlim para discutir os efeitos das mudanças climáticas em meio aos efeitos da Guerra na Ucrânia.
António Guterres, secretário-geral da ONU
Despreparados para o calor
Especialistas apontam que a atual onda de calor pode ser um fenômeno comum daqui para frente em países de clima comumente mais ameno. De acordo com o pesquisador Nikos Christidis, pesquisador do Met Office do Reino Unido, a expectativa dos cientistas é de que mudanças climáticas tornem eventos de calor extremo mais frequentes. “As chances de ver 40° C no Reino Unido podem ser até 10 vezes mais prováveis no clima atual do que sob um clima natural não afetado pela influência humana”, afirmou.
Mas no debate político doméstico, a questão ainda é colocada em segundo plano. Enquanto o país se preparava para os desafios impostos pelo calor extremo, os cinco candidatos que participam da corrida eleitoral para suceder Boris Johnson como premiê mal comentaram as questões climáticas em um debate exibido pela TV no domingo, demonstrando maior preocupação em reduzir custos de energia aos consumidores.
Ao jornal Telegraph, o legislador do Partido Conservador John Hayes afirmou “este não é um admirável mundo novo, mas um mundo novo e covarde, onde vivemos em um país onde temos medo do calor”.
Mas o Reino Unido não está preparado para o calor. Poucas casas têm ar condicionado e, em vez disso, elas são tradicionalmente construídas para reter calor. A infraestrutura do país também não está adaptada às temperaturas mais altas. Equipes de manutenção espalharam areia em estradas para evitar que o asfalto derretesse.
Penny Endersby, diretora de operações do serviço meteorológico britânico, o Meteorological Office, chamou as temperaturas previstas de “absolutamente sem precedentes”.
Embora as preocupações ambientais sobre o uso do ar condicionado continuem generalizadas na Europa - em meio às dúvidas sobre o fornecimento de energia -, ele é cada vez mais visto como uma ferramenta fundamental para proteger os grupos mais vulneráveis.
Depois que uma onda de calor matou cerca de 15 mil pessoas na França em 2003, as casas de repouso francesas desenvolveram planos de emergência. Muitos deles agora estão equipados com salas com ar condicionado, ventilação adicional ou sprinklers que resfriam as fachadas dos edifícios.
Em Paris, as autoridades da cidade incentivam moradores e turistas a usar um site dedicado para encontrar mais de 900 “ilhas de frescor”, que incluem parques urbanos, cemitérios, piscinas e museus. O site também aponta para “rotas de resfriamento” dedicadas – por exemplo, ruas com árvores exuberantes – que conectam esses espaços. Outras cidades francesas contam com dispositivos de nebulização./ NYT, WPOST, AFP e AP