SICÍLIA - A onda de calor extremo segue provocando incêndios e interrupção de serviços essenciais na Europa e norte da África na mesma semana em que um novo estudo explicitou que as altas temperaturas são resultados das mudanças climáticas. Na Itália, ao menos duas pessoas já morreram por causa de chuvas fortes, enquanto no sul o aeroporto de Palermo precisou ser fechado por causa do calor da pista. Na Grécia, dois pilotos que combatiam os incêndios florestais morreram depois que seu avião caiu.
A soma de calor extremo e ventos fortes tem favorecido a propagação dos incêndios na Sicília, onde foram registrados 47ºC na última segunda-feira, 24, uma temperatura recorde desde 1999. Ao menos 43 focos de incêndios devastam as vegetações italianas, principalmente na região de Palermo, onde rodovias foram fechadas e o fogo ameaça atingir o hospital Cervelló e o aeroporto local. O aeroporto Falcone e Borsellino, ainda em Palermo, precisou ser fechado.
O transporte ferroviário também foi interrompido pelos incêndios. “Vivemos na Itália um dos dias mais complicados das últimas décadas: inundações, tornados e forte granizo no norte, calor tórrido e incêndios devastadores no sul”, escreveu o ministro da Proteção Civil, Nello Musumeci, no Facebook nesta terça-feira, 25. “As mudanças climáticas que estão atingindo nosso país obrigam a todos, sem exceção, a mudar de atitude”, acrescentou.
Enquanto isso, no norte do país, fortes chuvas continuam provocando vítimas, principalmente por queda de árvores. Em Milão, as intensas precipitações de granizo e o forte vento provocaram inundações e quedas de várias árvores nas calçadas. A empresa de transporte público local relatou graves danos à rede elétrica local e também houve relatos de corte temporário de água no centro histórico da cidade.
“É com muita tristeza que tomei conhecimento da trágica notícia de dois acidentes provocados pelo mau tempo, em que uma jovem de 16 anos morreu num acampamento escoteiro em Brescia e uma mulher em Lissone devido à queda de árvores”, escreveu a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, numa mensagem na rede social X (anteriormente denominada Twitter).
Acidente na Grécia
Um avião da força aérea grega caiu ao tentar combater um incêndio florestal no sul da Grécia nesta terça, matando os dois pilotos, enquanto as autoridades continuam lutando contra as chamas que já duram dias em todo o país em meio ao retorno das altas temperaturas.
Um vídeo da TV estatal ERT mostrou a aeronave liberando sua carga de água na ilha de Evia antes que sua ponta da asa aparentemente se prendesse em um galho de árvore. Momentos depois, o avião desapareceu em uma dobra profunda no chão de onde uma bola de fogo irrompeu. A força aérea disse que os pilotos, de 34 e 27 anos, morreram no acidente. O avião não tinha sistema de ejeção.
O primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis cancelou uma visita planejada ao Chipre para quarta-feira, 26, e as Forças Armadas da Grécia declararam três dias de luto. “Eles ofereceram suas vidas para salvar outras vidas”, disse Mitsotakis sobre os pilotos. “Eles provaram o quão perigosas são suas missões diárias na extinção de incêndios. Em sua memória, continuamos a guerra contra as forças destrutivas da natureza.”
Uma terceira onda de calor consecutiva na Grécia empurrou as temperaturas para mais de 40ºC em partes do país nesta terça em meio a uma série de retiradas de pessoas devido aos incêndios que estão fora de controle há dias, agravados por fortes ventos.
Ainda não está claro como eles começaram, embora as condições de seca em meio ao calor do verão signifiquem que a menor faísca pode desencadear um incêndio que se espalhará rapidamente se não for extinto rapidamente. Várias pessoas foram presas ou multadas em toda a Grécia nos últimos dias por iniciar incêndios acidentalmente.
A isto se junta o recorde da temperatura da água do mar Mediterrâneo que regista 28ºC, 4ºC a mais do que o normal na zona sudeste da Península Ibérica, segundo a Agência Meteorológica do Estado, ou entre 2º e 3º acima do normal no Golfo da Biscaia; e a presença de neblina no Saara em vários períodos desde o início do verão.
Na Argélia a situação não é melhor, onde nas últimas semanas se regista uma onda de calor com temperaturas de 50ºC na sombra na capital, Argel, e em várias províncias costeiras, o que tem favorecido a propagação do fogo que deixou até agora 34 vítimas, entre as quais uma dezena de soldados e vários feridos.
Os incêndios são frequentes na Argélia, país com quatro milhões de hectares de florestas, onde os incêndios de 2022 deixaram pelo menos 38 mortos e 160 feridos, enquanto um ano antes as vítimas do incêndio ascenderam a 90 pessoas, 33 delas militares que participaram na extinção das chamas.
Mudanças climáticas
As temperaturas extremas registradas neste mês de julho em quase todo o Hemisfério Norte, especialmente Europa e Estados Unidos teriam sido quase impossível sem a influência das mudanças climáticas causada pelo homem, de acordo com uma pesquisa divulgada nesta terça.
Graças a anos de pesquisa e computadores mais poderosos, os cientistas agora podem determinar quase em tempo real se a mudança climática está contribuindo para a intensidade do calor, tempestades, inundações e secas – e quanto.
Uma geração atrás, calcular essas conexões levava até um ano, mas os pesquisadores da World Weather Attribution tiraram suas conclusões sobre a onda de calor deste verão em menos de uma semana. Seu estudo é o primeiro a observar três ondas de calor simultâneas em três continentes diferentes.
Essas ondas de calor excepcionalmente fortes estão se tornando mais comuns, disse o estudo. A mesma pesquisa descobriu que o aumento dos gases que retêm o calor, em grande parte da queima de carvão, petróleo e gás natural, tornou outra onda de calor – a da China – 50 vezes mais provável.
Uma atmosfera estagnada, aquecida por dióxido de carbono e outros gases, tornou a onda de calor europeia 2,5ºC mais quente, a dos Estados Unidos e do México 2ºC mais quente e a da China 1ºC mais quente, segundo o estudo.
“Sem as mudanças climáticas, não veríamos isso de forma alguma”, disse Friederike Otto, professora sênior de ciência do clima no Imperial College London e cofundadora da World Weather Attribution. “Ou seria tão raro que basicamente não estaria acontecendo.”
Baseando-se em dados coletados de anéis de árvores e outros substitutos para registros de temperatura, vários cientistas do clima dizem que o calor deste mês é provavelmente o mais quente da Terra em cerca de 120.000 anos, o que o tornaria facilmente o mais quente da civilização humana.
A temperatura média global foi mais quente em 22 dos primeiros 24 dias de julho do que em qualquer outro dia registrado, de acordo com cálculos do Climate Reanalyzer da Universidade do Maine./AFP, AP, EFE e NYT