A Polícia Federal deflagrou nesta quarta-feira, 8, a operação Trapiche, que mira em operadores do Hezbollah acusados de planejar ataques a prédios da comunidade judaica no Brasil. Hoje, o grupo radical xiita libanês representa a maior ameaça de ampliação do conflito entre o Hamas (grupo terrorista do qual é aliado) e Israel, mas os laços com a América do Sul são antigos, especialmente na região da tríplice fronteira com a Argentina e o Paraguai.
Essa rede internacional foi construída por décadas, lembrou Emanuele Ottolenghi, que estuda as ramificações do Hezbollah em artigo publicano na Fundação para Defesa da Democracia, think tank com sede em Washington. “A América Latina é uma região de preocupação particular”, avisou.
Um dos motivos para isso é a conexão com o crime organizado na região, que vem desde os anos 1980, quando o recém-criado Hezbollah adotou como fonte de renda a lavagem de dinheiro para o narcotráfico. Uma teia complexa que inclui o cartel de Medelín e as FARC, na Colômbia, e o PCC, aqui no Brasil, indicam as investigações.
Essa rede internacional mantém relativa independência do braço político no Líbano. A ideia, explica o analista Omer Dostri em artigo no Middle East Forum, é justamente “permitir que o grupo possa negar as suas atividades como organização criminosa transnacional”.
No Brasil, a atuação do Hezbollah veio à tona em 2018 com a prisão do comerciante libanês Assad Ahmad Barakat, apontado como operador financeiro do grupo. Ele foi detido por falsidade ideológica em Foz do Iguaçu e depois extraditado para o Paraguai, que havia pedido a prisão.
Antes de ser preso, chegou a ser alvo de sanções dos Estados Unidos, em 2004. O documento divulgado pelo Departamento do Tesouro à época, acusava Barakat de manter “laços estreitos com a liderança do Hezbollah” e citava a atuação de extremistas islâmicos na região da tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina
Em setembro deste ano, os Estados Unidos voltaram a fechar o cerco com a imposição de sanções a três operadores e financiadores do Hezbollah na América do Sul. Entre eles estava Amer Mohamed Akil Rada, acusado de participar do maior ataque terrorista na história de Buenos Aires: a explosão na AMIA, Associação Mutual Israelita Argentina, que deixou 85 mortos em 1994.
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Dois anos antes, os radicais islâmicos haviam explodido a embaixada de Israel em Buenos Aires e matado mais de 20 pessoas.
Para além da tríplice fronteira, um integrante da Organização Externa de Segurança do Hezbollah chamado Muhammad Ghaleb Hamdar foi preso em Lima, a capital peruana, em 2014. Dentro do apartamento dele, a polícia encontrou também explosivos e fotos de potenciais alvos.
Em 2017 as autoridades da Bolívia encontraram o depósito que estaria ligado a um membro do Hezbollah com material explosivo suficiente para fabricação de duas bombas. Mais recentemente, em 2021, foi relatado na Colômbia um plano dos radicais islâmicos para assassinar um israelense.
Acontece, como notou Emanuele Ottolenghi no já citado artigo, que, embora os planos tenham sido descobertos e interrompidos, a “infraestrutura do Hezbollah na América Latina permaneceu praticamente intacta”.