CABUL - Vinte anos após ser deposto por uma coalizão liderada pelos EUA, o grupo radical islâmico Taleban reassumiu neste domingo, 15, o poder no Afeganistão, em uma rápida ofensiva que começou no início da semana passada e quase não encontrou resistência.
Em sinal claro da queda do governo, o presidente afegão, Ashraf Ghani, fugiu do país, quando homens da milícia islâmica entraram em Cabul por todas as frentes.
O grupo deve declarar formalmente, do palácio presidencial capturado em Cabul, que o país passará a ser conhecido como Emirado Islâmico do Afeganistão. Era o título que a nação tinha na gestão anterior do Taleban, antes dos insurgentes serem expulsos no final de 2001 pelas forças lideradas pelos EUA. Um emirado é uma terra ou reino de um emir, um comandante militar, monarca ou religioso muçulmano.
A tomada de Cabul fez os EUA acelerarem a retirada dos americanos do país, em um cenário que fez muitos lembrarem a saída atabalhoada de Saigon após a derrota no Vietnã. O presidente americano Joe Biden foi criticado por sua estratégia no país.
Os EUA enviaram 6.000 soldados para garantir a retirada ordenada dos americanos, um recuo forçado na estratégia de saída do Afeganistão. As forças americanas também tomaram o controle do espaço aéreo do aeroporto de Cabul.
Temendo que o Taleban reimponha seu regime brutal, afegãos e estrangeiros correram para sacar economias e deixar o país. A embaixada dos EUA advertiu os americanos para não se dirigirem ao aeroporto de Cabul. Testemunhas no terminal doméstico de civis disseram que ouviram tiros e disseram que milhares de pessoas se amontoaram no terminal e lotaram os estacionamentos, em busca desesperada de voos.
O porta-voz do Taleban, Zabiullah Mujahid, disse em um comunicado que os combatentes do grupo foram instruídos a não usar a força para tomar a capital. “Queremos entrar em paz em Cabul e as negociações estão em andamento”, disse. A ideia é que haja uma transferência pacífica de poder.
Ghani fugiu com sua mulher, Rula Ghani, e dois assessores em um avião para o Usbequistão. Abdullah Abdullah, que lidera uma comissão para negociar a passagem do governo e foi homem forte da gestão do presidente deposto, criticou seu ex-chefe. “O ex-presidente do Afeganistão deixou o país e seu povo nesta situação ruim. Deus o chamará para prestar contas”, disse.
O Taleban conquistou quase todo o Afeganistão em pouco mais de uma semana, apesar dos US$ 83 bilhões gastos pelos EUA para tornar mais robustas as forças de segurança do país. O avanço rápido da milícia islâmica não surpreendeu especialistas em segurança militar.
“Depois de serem expulsos, os membros do Taleban se espalharam. No Afeganistão, a presença das forças dos EUA ajudou a fornecer ao Taleban um grito de guerra anticolonialista para os recrutas. O mesmo aconteceu com a corrupção no governo afegão”, afirmou ao Washington Post Robert Crews, um especialista em Afeganistão da Universidade de Stanford. “Por duas décadas, o movimento do Taleban foi lentamente dominando vila por vila. É um tipo de jogo muito sofisticado, de guerrilha, de mobilização popular.”
Os militantes também renovaram suas fileiras por meio de uma campanha de medo e violência. Pessoas que se alistaram nas forças policiais ou no Exército nacional foram assassinadas. As tropas afegãs murcharam diante dos avanços do Taleban. “Eles se perguntaram: ‘Eu quero morrer por um governo que não enviou a minha munição? Minha comida? Agora os americanos se foram’”, disse Crews.
O grupo islâmico radical se manteve vivo financeiramente usando várias fontes: comércio de ópio, tráfico de drogas e contrabando, além de extorsão e sequestro. “Eles não precisam de muito dinheiro para operar”, disse Kamran Bokhari, do Newlines Institute, um centro de estudos de política externa. “Eles não moram em casas grandes, não usam roupas elegantes. A maior despesa é o salário, armas e treinamento.”
Encontrar armas em uma região inundada por elas é fácil. “À medida que o Exército do Afeganistão desmoronava”, disse Crews, “uma das primeiras ações do Taleban ao se mudar para um novo território era ir a uma sede do governo, prender ou matar essas pessoas, ir para as bases do governo e apreender as armas”.
Com a tomada de Cabul, o grupo terá acesso a ainda mais armas e poderá voltar a instaurar sua visão radical da lei islâmica, marcando o capítulo final da mais longa guerra americana. / AP, NYT, WP e REUTERS