Os bastidores de como Donald Trump mudou a rota da campanha e encontrou o caminho para a Casa Branca


Pessoas de dentro do Partido Republicano e do Partido Democrata contaram a história de uma eleição como nenhuma outra, com a saída de Joe Biden, uma tentativa de assassinato ao vivo na televisão, uma mudança na chapa dos democratas e gastos de mais de 2 bilhões de dólares

Por Michael Scherer e Josh Dawsey
Atualização:

O Trump Force One estava com destino a Michigan durante esta primavera, quando o ex-presidente americano se confrontou com uma de suas maiores fraquezas políticas: o aborto.

Donald Trump se gabou de seu papel em ajudar a derrubar Roe vs Wade e alguns conselheiros de longa data queriam que Trump assinasse uma proibição nacional de 15 semanas, como o limite federal de 20 semanas para o aborto que ele apoiou em seu primeiro mandato na Casa Branca. Mas sua equipe de campanha, porém, preparou uma longa apresentação para detê-lo.

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Segundo a sua equipe, o republicano precisava conquistar eleitores que apoiam os referendos estaduais sobre a proteção do direito ao aborto. Se ele apoiasse uma proibição nacional como antes, estaria limitando as opções médicas em alguns Estados. Sua equipe também mostrou o mapa eleitoral, explicando que em Estados-pêndulo importantes como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, os democratas seriam capazes de argumentar com sucesso que ele tinha revertido direitos reprodutivos das mulheres.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores em Palm Beach, Flórida  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Isso era tudo que ele precisava ouvir. Durante o voo para Michigan, ele concordou em gravar um vídeo se opondo à proibição nacional do aborto.

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Logo depois, a equipe de campanha voltou com outra proposta: parar de criticar a votação antecipada, disseram. Ele precisava dos votos por correio e dos votos antecipados dos republicanos para ganhar a presidência. Ele recuou, argumentando que os eleitores deveriam votar apenas pessoalmente e no dia da eleição.

Mais uma vez, sua equipe elaborou uma apresentação escrita, mostrando a Trump os benefícios de votações antecipadas. Um importante político republicano na Pensilvânia ligou para Trump para lhe dizer como seus apoiadores estavam entusiasmados com a possibilidade de um voto antecipado. Ele relutantemente gravou um vídeo apoiando a prática, dando à campanha a munição necessária para que os anúncios transmitissem a mensagem.

Jornais do Reino Unido após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas  Foto: Kirsty Wigglesworth/AP
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Trump estava concorrendo à presidência depois de dois impeachments, 91 acusações criminais e 34 condenações criminais. Ele havia deixado o cargo depois de incitar um motim no Capitólio e negar os resultados de uma eleição legítima. Seus instintos políticos o levaram mais longe e mais rápido do que qualquer outro na história política americana moderna. Mas eles também o prejudicaram.

Ao lançar a sua terceira campanha para a Casa Branca, com os ventos favoráveis da indignação nacional generalizada por conta da inflação e a crise migratória na fronteira com o México, Trump tinha, pela primeira vez, uma operação política coerente e profissional. Para reconquistar a Casa Branca, ele teria que aprender a confiar naqueles que o rodeavam, e aqueles que o rodeavam teriam que aprender lhe dar espaço.

Nada correria bem. Pouco era previsível. Ele continuaria propagando notícias falsas durante a campanha, seguiria usando uma linguagem sexista e continuaria as acusações contra imigrantes sem documentos. Mas, no final, ele encontrou um caminho para uma vitória decisiva que se estendeu por estados decisivos. Sua vitória na terça-feira mostrou ganhos gerais em relação a 2020, quando a forma como lidou com a pandemia da Covid-19 lhe negou um segundo mandato. Ele foi muito bem entre os homens. Ao comemorar na noite de terça-feira, ele consolidou novamente o controle do Partido Republicano e foi cercado em seu clube palaciano, uma diferença notável em relação à sua saída da presidência de quatro anos atrás.

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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um comício ao lado do vice-presidente eleito, JD Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Ele deixou que conselheiros e familiares o convencessem a suavizar sua imagem com fotos de seus netos. Trump também apareceu em podcasts dos quais ele nunca tinha ouvido falar. Ele permitiu que sua campanha investisse pesadamente em publicidade para incentivar a votação antecipada, embora afirmasse que ninguém veria isso e que seria um desperdício de dinheiro.

Ao mesmo tempo, Trump continuou confiando nos seus próprios instintos, ignorando os conselheiros que lhe diziam para falar sobre a economia acima de tudo - e até mesmo zombando deles no palco. Em um de seus discursos finais, ele sugeriu que estaria “bem” se um homem armado tivesse que disparar contra profissionais da imprensa para atirar nele e apontou que deveria ter permanecido no cargo em 2020, depois de ter perdido. Em momentos de pânico, ele provocou brigas internas entre sua própria equipe.

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Esta história dos momentos ocultos e das decisões que moldaram a campanha presidencial de 2024 se baseia em entrevistas com mais de 50 pessoas envolvidas nas campanhas democratas e republicanas para presidente, a maioria das quais falou sob condição de anonimato para discutir francamente sobre eventos privados.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, aponta para apoiadores ao lado de seu filho Barron e sua esposa Melania Trump, em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

As pessoas envolvidas contaram a história de uma eleição como nenhuma outra, com a saída de Joe Biden da disputa, uma tentativa de assassinato ao vivo na televisão que falhou por pouco, uma mudança na chapa do Partido Democrata e gastos de mais de 2 bilhões de dólares.

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Os democratas perceberam que Trump não tinha se derrotado quando desencadeou uma multidão no Capitólio dos EUA em 2021. O país terminou a eleição como tinha começado – com uma população estreitamente dividida e sem um caminho claro para a reconciliação nacional.

Quando ele entrou em um ginásio em Palm Beach na terça-feira para votar, ele havia dormido apenas algumas horas. Melania Trump estava por perto, usando óculos escuros enormes. Trump atacou Oprah Winfrey, dizendo que certa vez concordou em organizar um funeral para um associado dela em Mar-a-Lago e ela não foi grata.

Você sempre se arrepende, ele disse. Mas isso não era o importante.

“Fizemos uma ótima campanha”, disse ele.

Cartazes celebram a vitória de Donald Trump em Tel-Aviv, Israel  Foto: Oded Balilty/AP

Mudança de candidato

Mesmo nos dias mais sombrios, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden gabou-se dos seus números. “É essencialmente uma disputa acirrada”, disse ele a Lester Holt, da NBC, em uma entrevista no dia 15 de julho, enquanto o Partido Democrata se rebelava em torno dele.

Naquele momento, a arrecadação de fundos estava com menos dinheiro. Os voluntários eram difíceis de recrutar. Pesquisas internas da campanha não tiveram muito efeito porque muitos dos principais assessores de Biden afirmavam que as sondagens tinham valor limitado. A sua equipe de campanha exigiu um debate em junho com Trump para impulsionar a corrida presidencial, apenas para vê-la explodir na sua cara.

Três dias depois da entrevista com Holt, Biden estava em isolamento devido à covid-19 em Delaware quando os três principais pesquisadores da campanha – Geoff Garin, Molly Murphy e Jef Pollock – finalmente conseguiram um tempo com a equipe sênior da Casa Branca, incluindo o chefe de gabinete Jeff Zients, conselheiro Steve Ricchetti, a consultora de comunicações Anita Dunn e o guru político de Biden, Mike Donilon. A coordenadora da campanha, Jen O’Malley Dillon, pediu para eles serem honestos antes da reunião.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento com sindicatos na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

O trio trouxe 10 pesquisas e poucas boas notícias, segundo diversas pessoas familiarizadas com o encontro. Alguns dos estados indecisos ainda estavam dentro da margem de erro, claro. Mas isso mascarou problemas estruturais profundos no eleitorado. Os fundamentos haviam caído. Os pesquisadores usaram dados de outros clientes, em estados como Virgínia e Novo México, porque a campanha não tinha pesquisas próprias.

A notícia não foi surpreendente e nem bem recebida. A equipe de Biden diminuiu o número de pesquisas internas por esta razão, convencida de que a sua ciência se tinha tornado menos preditiva, embora as suas ferramentas reivindicassem maior precisão. A equipe de Biden ainda não tinha dúvidas de que ele poderia vencer. Um conselheiro sênior da Casa Branca reclamou após a reunião, dizendo que era função da equipe de campanha delinear o caminho para a vitória, e não dizer que não havia um, de acordo com várias pessoas informadas sobre os comentários.

Mas já era tarde demais para decoro ou debates sobre métodos de pesquisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa na Casa Branca após desistir da corrida presidencial por um segundo mandato  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Os líderes democratas de Nova York, como o líder da maioria no Senado, Charles Schumer, e o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, já haviam conversado com o presidente. Em uma reunião privada no dia 8 de julho em Harrisburg, Pensilvânia, o governador Josh Shapiro foi direto quando o presidente perguntou sobre a campanha. Shapiro disse que faria o que pudesse para ajudar Biden, mas as coisas estavam em um estado sombrio.

Biden estava trabalhando no dia 21 de julho, quando se retirou da disputa. Ele passou aquela manhã de domingo ao telefone com o primeiro-ministro esloveno para dar os retoques finais na troca de prisioneiros mais complicada da história moderna, segundo uma pessoa familiarizada com os acontecimentos. Ele passou a noite ligando para cerca de 50 líderes partidários para agradecer-lhes pelo apoio e incentivá-los a apoiar Kamala.

Ninguém na órbita sénior de Biden, incluindo o presidente, pensava que havia outra opção senão a vice-presidente, que poderia legalmente manter a operação de Biden.

“Os doadores encomendaram pesquisas que mostravam que a única candidata que seria mais fraca do que Biden era Kamala Harris e isso estava cheio de, bem, fezes” disse um assessor de Biden. “Não se pode projetar essas coisas. É um uso indevido de dados.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursa após reconhecer a derrota para o presidente eleito Donald Trump  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Donald Trump

Kamala havia experimentado várias marcas em sua carreira antes de se estabelecer como o segundo violino - promotora, filha de Oakland, porta-voz da “verdade”. Até que a ligação chegou neste verão, sua cautela e lealdade a Biden dominaram. Sua equipe inicialmente recusou pedidos dos próprios assessores de Biden para que ela falasse com doadores e ativistas. Eles não queriam alimentar nenhuma especulação.

O único plano de campanha de Harris que existia havia sido rabiscado secretamente pela equipe em um papel, no caso de um conselheiro sênior da campanha, ou discutido em voz baixa em telefonemas tarde da noite. O’Malley Dillon não permitia reuniões em Wilmington. Nem mesmo os assessores mais próximos de Harris compartilhavam o que estavam fazendo com ela.

Mas Harris estava se preparando há meses, à vista de todos, fazendo exercícios para se aperfeiçoar. Stephanie Cutter, uma especialista em comunicação que trabalhou para o presidente Barack Obama, vinha fazendo discretamente treinamento de mídia com Harris, um esforço revelado pelos registros de visitantes da Casa Branca que mostravam suas visitas a Harris a partir de dezembro.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, gesticula após discursar na Howard University, em Washington, Estados Unidos  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Enquanto Biden fazia viagens de campanha lentamente, a vice-presidente não parava, encontrando seu lugar em dezenas de eventos: uma blitz de meio de mandato sobre o aborto, uma turnê universitária “Fight for our Freedoms” em 2023 e uma turnê “Economic Opportunity” em 2024.

Harris recebeu apenas algumas horas de antecedência para relançar a corrida de 107 dias. Sua primeira decisão importante, depois de não conseguir falar com o marido em Los Angeles, foi dar poder a O’Malley Dillon, que se ofereceu para liderar a campanha somente se Harris lhe desse autoridade total.

A essa altura, o maior grupo externo de apoio aos democratas, o Future Forward, havia lançado uma enorme máquina de pesquisa - um conjunto de sensores com pesquisas contínuas, testes e grupos de foco que registrariam quase 14 milhões de pesquisas com eleitores em 10 meses. O trabalho foi compartilhado secretamente com a campanha de Harris por meio de um site público conhecido por poucos. Navegue até lá, espere um segundo para que a foto na página inicial fictícia desapareça, e milhões de dólares em links do Google Docs apareceram.

Cinco dias após a desistência de Biden, a pesquisa descreveu a dinâmica que moldaria a campanha democrata. “No teste de 35 clipes de discursos recentes do vice-presidente, todos tiveram resultados direcionalmente positivos”, dizia um documento. “Temas econômicos e o enquadramento da vice-presidente em seu histórico como promotora e valores são os que mais movem o voto; seus elogios ao presidente Joe Biden são os que menos o fazem.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, observa o presidente Joe Biden discursar na Casa Branca  Foto: Evan Vucci/AP

Naquela época, as pesquisas democratas estavam se recuperando. O dinheiro logo bateu recordes - US$ 1 bilhão em três meses. Pela primeira vez em oito anos, os democratas tiveram o espetáculo de grandes comícios. Harris tendia a usar clichês sem graça e testados pelo mercado, reaproveitando os maiores sucessos dos democratas do passado. Mas ela atingiu todas as marcas de julho a setembro, quando dominou Trump em seu único debate.

“Ela saiu do bullpen e jogou sete entradas sem gols”, disse Chauncey McLean, presidente do Future Forward, refletindo uma avaliação quase universal no partido.

Harris teve o benefício de um país que rejeitou a política de Trump em três eleições nacionais e uma reação que começou com a decisão da Suprema Corte dos EUA de anular o direito constitucional ao aborto. Um problema central permaneceu: Trump estava vencendo os três principais problemas dos eleitores - a economia, a inflação e o custo de vida.

Kamala Harris acena para apoiadores em um comício em Eau Claire, Wisconsin  Foto: Caroline Yang/The Washington Post

Reformulando Trump

Quando Trump deixou o cargo em 2021, 2 em cada 3 americanos desaprovavam sua presidência, e barricadas cercavam o Capitólio dos EUA. De repente um perdedor, ele continuou tentando se apresentar como um vencedor.

“Tenho um imóvel mais bonito do que o do presidente”, uma pessoa que o visitou em Bedminster, Nova Jersey, lembra-se de Trump ter dito em 2021. O senador Mitch McConnell (R-Kentucky) disse a outras pessoas que não planejava pronunciar o nome de Trump. Muitos de seus assessores tiveram dificuldades para encontrar emprego.

Mas nem Trump nem o 1 em cada 3 eleitores que ainda o apoiavam haviam terminado com a política. A conferência do Comitê de Ação Política Conservadora, que já foi uma celebração de cantores cristãos como Pat Boone e remanescentes da Guerra Fria como Dick Cheney, recebeu o ex-presidente em Orlando em fevereiro. Uma pesquisa de opinião revelou que 97% dos participantes aprovavam o trabalho de Trump como presidente. Pela primeira vez em semanas, os assessores viram Trump de bom humor.

“Ele parecia um deus lá embaixo”, disse uma pessoa envolvida na visita.

Americanos observam o presidente eleito dos Estados Unido, Donald Trump, discursar após a vitória  Foto: Brian Inganga/AP

A operação política de Trump naquele momento estava desgastada. No início de 2021, Trump havia pedido a Susie Wiles, uma aliada tranquila e sem rodeios, para assumir o controle de sua organização política. Poucas pessoas queriam ficar perto dele, pois ele estava furioso com a eleição de 2020 e estava com um humor tão ruim que muitos de seus amigos e membros do clube começaram a evitá-lo.

Wiles trabalhou em silêncio por dois anos, enquanto as investigações se desenrolavam e Trump hesitava em concorrer novamente à Casa Branca. Antes das eleições de 2022, ela contratou Chris LaCivita, um lutador político que havia feito praticamente tudo, exceto dirigir uma grande campanha presidencial.

Quando Trump anunciou sua candidatura no final de 2022, sua equipe teve dificuldades para conseguir que algum republicano sério comparecesse ao evento. Apenas alguns membros de extrema direita da Câmara compareceram. Depois veio uma onda de golpes quase fatais.

Ainda em negação sobre a eleição, Trump propôs em 2022 a “rescisão de todas as regras, regulamentos e artigos, mesmo aqueles encontrados na Constituição”, uma traição em preto e branco ao juramento que ele havia feito em 2017. Ele se reuniu em Mar-a-Lago para jantar com o rapper Ye, anteriormente conhecido como Kanye West, que recentemente prometeu “matar o povo judeu”, e Nick Fuentes, um supremacista branco e antissemita que marchou em Charlottesville no mortal comício dos nacionalistas brancos em 2017.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa em um vídeo reproduzido pela televisão francesa em um café na cidade de Paris  Foto: Aurelien Morissard/AP

Houve outros reveses - uma batida do FBI em Mar-a-Lago, dezenas de acusações federais, acusações estaduais, uma constatação civil de agressão sexual, uma constatação de fraude por parte de sua empresa em Nova York e a decisão do governador da Flórida, Ron DeSantis, de desafiar Trump com o apoio de alguns dos bolsos mais fundos da política republicana.

Diante de tudo isso, Wiles impôs a ordem. Pela primeira vez em três campanhas, Trump tinha um comando unificado trabalhando em seu nome, executando calmamente o básico. Wiles havia dito à equipe que queria que todos eles levassem uma única mensagem ao chefe. Eles tentariam defender uns aos outros.

Um dos objetivos, disse Wiles aos outros, era mudar a forma como as pessoas o viam. Trump havia aperfeiçoado sua personalidade política em seus comícios - um homem forte que rompia limites com um lado de stand-up borscht belt. Mas a campanha precisava de algo mais. Os assessores disseram a ele para publicar fotos de seus netos.

“Isso deu trabalho”, disse um assessor. “Ele tem uma certa visão que quer projetar, de um líder empresarial, em um terno de negócios, que é muito sério.”

Família de Donald Trump participa de um comício após o patriarca ser eleito presidente pela segunda vez  Foto: Evan Vucci/AP

Alex Bruesewitz, um prodígio das mídias sociais que estava no ensino médio quando Trump o retuitou pela primeira vez, ligou para o ex-presidente em um dia de golfe em julho para propor uma aparição no podcast de Theo Von, o popular comediante de stand-up de cabelo espetado. Ele poderia obter o efeito de audiência da Nielsen de uma semana de MSNBC, argumentou Bruesewitz. Trump não tinha certeza.

“Pergunte a Barron”, disse o ex-presidente sobre seu filho mais novo, agora com 18 anos e 1,80 m de altura.

Jared Kushner, genro do presidente, conectou Barron a Bruesewitz. “Ah, sim, você definitivamente deveria fazer Theo Von. Eu assisto o tempo todo”, disse o filho mais novo de Trump, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. “E então ele disse: ‘Você deveria fazer Adin Ross em seguida’”.

O padrão estava estabelecido, com um pai orgulhoso obedecendo a seu filho mais novo. “Barron aprovou isso?” perguntou Trump quando os assessores o abordaram com outra proposta.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores ao lado da esposa Melania Trump e o filho Barron Trump  Foto: Evan Vucci/AP

A campanha colocou Trump em uma bodega no Harlem, em uma barbearia do Bronx, atrás da janela do drive-through do McDonald’s e com um colete laranja de trabalhador, andando como espingarda em um caminhão de lixo. (O Serviço Secreto dos EUA negou o pedido de Trump para andar no caminhão durante a carreata, disse uma pessoa presente).

Em Von, Trump falou em detalhes sobre o vício em álcool de seu irmão falecido. No podcast de Joe Rogan, talvez o maior do país, ele especulou sobre a vida em Marte. Quando uma tentativa de assassinato quase lhe tirou a vida em Butler, Pensilvânia, ele se levantou desafiador, com o punho no ar e sangue espalhado pelo rosto. As imagens de Trump de antes - um empresário famoso no palco do debate, um presidente desafiador tropeçando em uma pandemia - foram lentamente substituídas.

“Eles o fizeram parecer normal, um cara de quem você gostaria, não como o cara que está gritando com você. O McDonald’s foi a coisa mais inteligente que eu já vi ele fazer”, disse Brad Parscale, gerente de campanha de Trump para 2020. “Ninguém prestava atenção em seus comícios, os americanos pararam de ouvir, e isso realmente o ajudou.”

Donald Trump discursa em um comício no Madison Square Garden, em Nova York  Foto: Evan Vucci/AP

Mas o conselho só foi até certo ponto. Trump se ajustaria, mas não seria contido. Ele permaneceu ultrajante no palanque. Atacava verbalmente os doadores a portas fechadas. Repetidamente, os auxiliares de Trump o diziam para se concentrar na economia, a coisa que a pesquisa mostrou que os eleitores mais se importavam, assim como o Future Forward estava fazendo. Trump, em vez disso, questionaria a raça de Kamala Harris, ou faria longos desvios em comícios sobre 2020, custando dias de ciclos de notícias à campanha.

“Mas as pessoas querem um show”, Trump disse aos assessores em agosto na Pensilvânia, quando o encorajaram a manter seus discursos mais curtos — e no teleprompter. Em outro momento, ele segurou uma pasta de pontos de discussão econômica e os considerou “chatos”, disse uma pessoa que ouviu seus comentários.

“Ele acha que pode ganhar mais do que achamos realista”, disse o assessor. “É sobre encontrar maneiras de fazer o que ele quer.”

Ninguém sabia o que viria a seguir. Um dia, ele estava focado em um novo projeto de negócios. “Ele adora esse tipo de coisa”, disse uma pessoa, descrevendo a frustração entre os assessores. Em outro dia, ele estava criando brigas com pessoas que deveriam ser seus aliados.

Trump enviou uma mensagem desagradável para Miriam Adelson, que estava gastando 110 milhões de dólares para ajudá-lo a se eleger, forçando aliados a intermediar a paz. Trump teve um encontro de reconciliação com DeSantis em seu clube de golfe que foi inicialmente incrivelmente desagradável, segundo uma pessoa com conhecimento do evento. (Taryn Fenske, porta-voz do governador, negou essa caracterização do encontro.)

Wiles estava nos bastidores em Atlanta no início de agosto, chocado enquanto Trump criticava o governador da Geórgia, Brian Kemp, e sua esposa. “Ele é o cara mais desleal que eu acho que já vi”, trovejou Trump.

Após o evento, vários assessores de Trump, incluindo Steve Witkoff, o melhor amigo do ex-presidente, imploraram a Kemp por uma détente. Witkoff voou para Atlanta para intermediar um acordo. “Kemp é um governador popular, e o aparelho no estado é totalmente controlado por ele”, disse um assessor. “Precisávamos fazer as pazes.”

O então candidato presiencial republicano, Donald Trump, participa da convenção nacional do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin  Foto: Julia Nikhinson/AP

O governador apareceu na Fox News para elogiar Trump e prometer seu voto, enquanto os assessores garantiam que Trump estivesse assistindo. O ex-presidente respondeu nas redes sociais. “Obrigado a #BrianKempGA.” Em questão de semanas, a raiva havia sido apagada, como é tão frequentemente o caso com Trump, em troca de algo que o beneficiava.

Outras tentativas de reconciliação falharam. Depois de enviar Witkoff para Kiawah Island, Carolina do Sul, os assessores de Trump pensaram ter persuadido um Trump relutante a fazer campanha com a ex-embaixadora da ONU, Nikki Haley, possivelmente uma de suas melhores potenciais substitutas para eleitores do GOP relutantes, especialmente mulheres. Um encontro na cidade com a Fox foi discutido, mas o planejamento fracassou.

Trump ainda estava furioso com os ataques de Haley durante as primárias. Em um encontro de verão com doadores em Nova York, ele chamou seus ataques de “muito desagradáveis”. “Eu não gosto dela”, disse a eles. Em meados de outubro, até mesmo a menção do nome dela o irritava. “Eles continuam falando sobre Nikki. Nikki, eu gosto da Nikki. Nikki, acho que ela não deveria ter feito o que fez”, disse ele na Fox News em 18 de outubro.

Ela respondeu semanas depois na mesma rede, criticando a campanha por permitir os insultos aos porto-riquenhos e latinos no Garden. “Este não é o momento para eles exagerarem na masculinidade com essa coisa de bromance que eles têm,” disse Haley. “Cinquenta e três por cento do eleitorado são mulheres. As mulheres vão votar.”

Então, quando as coisas ficaram difíceis em agosto, Trump tentou misturar as coisas. Ele contratou Corey Lewandowski, um ex-gerente de campanha que havia sido acusado de assédio sexual por um doador.

Apoiadores de Donald Trump erguem bandeiras do republicano em Lafayette, Califórnia  Foto: Gabrielle Lurie/AP

Lewandowski começou a ligar para todos que trabalhavam na campanha, perguntando se tinham tudo o que precisavam. Ele concluiu que a decisão inicial da campanha de investir pesadamente em mala direta foi uma má prática. Havia confusão sobre quem estava no comando.

“Ele começou a destruir o moral; começou a destruir tudo imediatamente. Ele andava de um lado para o outro e tentava obter informações e jogar as pessoas umas contra as outras - eis por que tudo o que a campanha está fazendo é errado”, disse uma pessoa daquela época. “Ele simplesmente escolhia coisas que sabia que poderia tentar - escolher as feridas do chefe.”

Por fim, Wiles e LaCivita se sentaram com Trump e disseram que não era sustentável para eles trabalharem com Lewandowski. No avião, mais tarde naquele dia, Trump disse a Lewandowski para ir à TV e ir para seu estado natal e vencer em New Hampshire.

“Eles estão no comando”, disse ele sobre Wiles e LaCivita.

Semanas depois, o Daily Beast publicou uma matéria alegando que LaCivita estava recebendo quantias “reveladoras” da campanha. Trump leu a matéria, forçando LaCivita a reunir sua própria papelada para defender seu caso com o chefe em uma reunião de 20 minutos no avião. O número não era exato, disseram LaCivita e os assessores de Trump.

Em vez de agitar ainda mais o barco, Trump concordou em seguir em frente. Mas Lewandowski também ficou por perto, voando regularmente no avião de Trump. Ele foi visto sorrindo na festa da noite da eleição na terça-feira.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, cumprimenta o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Osaka, Japão, no dia 28 de junho de 2019  Foto: Susan Walsh/AP

‘Um novo caminho a seguir’

Assim que Harris saiu do palco do debate de setembro, sua campanha sabia que ela tinha um problema. Era uma vitória clara - o vice-presidente havia dominado Trump. Mas ainda faltavam oito semanas para o dia da eleição e não havia grandes momentos no calendário. Todos nos Estados Unidos tinham uma opinião sobre Trump, mas muitos dos eleitores que ela precisava alcançar ainda não sabiam quem ela era.

Eles imediatamente desafiaram Trump para outro debate e passaram semanas provocando-o sobre isso. Chegaram até a considerar a possibilidade de debater na Fox News, a casa de Trump. Mas Wiles e LaCivita foram espertos o suficiente para perceber o desespero. Trump deixou de lado as classificações de sucesso.

David Plouffe, um consultor sênior, apresentou à equipe sua teoria do caso: A campanha tinha que encontrar uma maneira de ser a campanha mais interessante todos os dias - um padrão elevado, dada a capacidade inigualável de Trump de atrair atenção. Ela teria que criar seus próprios momentos. Depois de meses de controles rígidos sobre sua mensagem, a campanha a enviou para o circuito de palestras.

Harris procurou conquistar as mulheres no podcast “Call Her Daddy”, os homens negros no podcast “All The Smoke” e os conservadores na Fox News em uma entrevista. Ela participou de uma reunião da CNN e respondeu a algumas perguntas da equipe de imprensa que viajava com ela quase todos os dias.

O campos da Howard University depois de um comício que festejaria uma vitória de Kamala Harris, mas foi cancelado  Foto: Susan Walsh/AP

A Kamala Harris de 2021 não teria concordado tão facilmente. Ela entrou na Casa Branca com um relacionamento difícil com a mídia, sentindo-se queimada por sua curta candidatura presidencial em 2019. Embora tivesse acabado de sair de dias de preparação intensiva para o debate, ela exigiu que seus assessores apresentassem um caso convincente sobre por que ela deveria dar muitas das entrevistas, disseram os assessores.

“Qual é o público?”, ela perguntava. “O que eu preciso fazer? Quais são meus objetivos?”

O risco dessa estratégia ficou claro em uma aparição no início de outubro no programa “The View” da ABC, que a liderança da campanha considerou seu único grande erro do ciclo. Quando lhe perguntaram o que ela teria feito de diferente de Biden nos últimos quatro anos, ela hesitou. Ela havia sido preparada para uma pergunta como essa. Havia uma resposta correta - desviar, falar sobre a importância da mudança geracional e suas próprias propostas de novas políticas para o futuro. Em vez disso, ela disse: “Não há nada que me venha à mente”.

As pessoas próximas a ela interpretaram a gafe como apenas mais um exemplo de quanta lealdade ela ainda sentia por Biden, mas a equipe de Trump ficou em êxtase - sua sala de guerra irrompeu em descrença encantada no momento em que as palavras saíram de sua boca - e o momento logo começou a circular em anúncios da campanha de Trump.

Seu vínculo com o presidente logo seria testado novamente, mesmo com os dois líderes mantendo contato regular nos bastidores. Em uma passagem por New Hampshire, Biden disse que gostaria de prender Trump, antes de se corrigir rapidamente. Então, pouco antes de Harris fazer seu discurso de encerramento na Elipse da Casa Branca, Biden fez uma chamada pelo Zoom para responder aos comentários sobre o “lixo” de Garden.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com a vice-presidente Kamala Harris, em Washington  Foto: Tom Brenner/Washington Post

“O único lixo que vejo flutuando por aí são seus apoiadores”, disse Biden. Alguns dos principais assessores de Harris não estavam cientes da crise crescente dentro da Casa Branca, pois estavam do lado de fora do prédio com serviço telefônico limitado e sem WiFi. Quando souberam, ficaram exasperados. Biden queria resolver o problema, e a Casa Branca propôs à campanha uma postagem de Biden no X. Na manhã seguinte, Harris se distanciou do comentário, e sua campanha tentou afastar o presidente dos principais públicos.

Outros dilemas para a equipe de Harris não tinham uma resposta óbvia. O primeiro anúncio que eles lançaram, “Fearless”, era “um centauro”, disse uma pessoa envolvida - um compromisso entre dois anúncios diferentes. O primeiro era uma peça emocional com suas próprias palavras, usando imagens de seu comício em Milwaukee logo após a desistência de Biden. O segundo foi um spot puramente biográfico, abordando seu histórico como promotora.

Os pesquisadores e a equipe de Harris gostaram da biografia. O’Malley Dillon e os criativos gostaram de Harris em suas próprias palavras. Foi um sinal inicial do que estava por vir, uma rodada constante de telefonemas e conversas por sinal sobre como pilotar o avião com uma nova equipe, clima incerto e mapas que estavam sendo desenhados à medida que avançavam. Às vezes, decisões simples, como a emissão de uma declaração, podiam levar muito mais tempo do que deveriam, disseram os assessores da campanha.

O’Malley Dillon trouxe uma nova equipe, contratando Cutter, Plouffe e seu antigo parceiro de campo Mitch Stewart. Ela rejeitou a ideia de um único consultor de publicidade, optando por uma equipe. Ela fez questão de ouvir todos, trazendo os pesquisadores para reuniões das quais eram excluídos antes, disseram os assessores. Mas todos foram claros: as decisões finais eram dela. Ela ajudou a conduzir a decisão de ir ao Texas nas últimas semanas para se apoiar nos direitos reprodutivos. Ela defendeu o discurso na Ellipse - o argumento final de Harris argumentando que Trump era um perigo e que seu segundo mandato seria mais complicado do que o primeiro.

Apoiadores de Kamala Harris escutam a vice-presidente discursar após a derrota para Donald Trump, em Washington  Foto: Terrance Williams/AP

Eles decidiram que Harris era “Um novo caminho a seguir” poucas semanas depois de assumirem o controle. Mas o enquadramento negativo para Trump levou meses. O’Malley Dillon e outros não estavam convencidos de que o “perigoso” - que os pesquisadores estavam promovendo - era o ideal. Os números mostravam que ex-conselheiros republicanos, que haviam se desentendido com Trump, deveriam transmitir a mensagem, o que levou O’Malley Dillon a trabalhar nos telefones com a ex-congressista republicana Liz Cheney (Wyoming) e até mesmo com o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, que nunca se manifestou.

Harris e sua equipe procuraram atrair os republicanos e os independentes na reta final, fazendo campanha com Cheney e frequentemente focando nos principais ex-assessores de Trump que o criticavam. Mas alguns membros da campanha questionaram se isso funcionaria, mesmo quando Harris avançava, perguntando-se quantos eleitores indecisos existiam. Um assessor perguntou: o que a campanha estava fazendo para resolver seus problemas com outros grupos com maior probabilidade de votar?

A solução definitiva, que só veio em outubro, foi um triplo negativo aliterativo, difícil de lembrar e abrangente: “Unhinged, unstable and unchecked”.

O Future Forward, por sua vez, escolheu sua estratégia de mensagem logo no início e nunca vacilou, direcionando US$ 450 milhões em anúncios para Harris. O grupo mediu 3,71 bilhões de impressões de vídeo de seus anúncios, quase todos focados no contraste econômico entre Harris e Trump, incluindo anúncios em tagalo, mandarim, coreano, vietnamita, hindi, árabe, hmong e espanhol.

Donald Trump e Kamala Harris participam de um debate na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Eles enfrentaram vários oponentes que apoiavam Trump, o Preserve America, apoiado por Adelson, o MAGA PAC, criado por Trump, e o Right for America, com o ex-executivo da Marvel, Ike Perlmutter, comandando o programa.

Mas o Future Forward não era apenas mais um super PAC. Era uma câmara de compensação, uma fundação, mais bem financiada do que o próprio Partido Democrata. A máquina silenciosa produziu 1.048 anúncios nos primeiros 100 dias da candidatura de Harris, divulgando apenas uma porcentagem de um dígito. Ela testou e classificou mais de 700 clipes de Trump quanto à reação dos eleitores, os principais clipes de notícias, os principais memes de mídia social. Distribuiu dezenas de milhões de dólares para outros grupos, incluindo influenciadores pagos e campanhas de bater de porta em porta.

Repetidamente, o teste encontrou um único clipe que chegou ao topo - um vídeo de celular de Trump em Mar-a-Lago elogiando a riqueza das pessoas em sua plateia e prometendo torná-las mais ricas.

“‘Você é rico pra caramba’ e ‘Nós vamos lhe dar cortes de impostos’ era a nossa versão da Geico dizendo que você pode ‘Economizar 15% ou mais no seguro do seu carro’”, disse McLean, presidente da Future Forward.

A centralização da operação enfureceu muitos dos grupos que vinham se preparando há anos para apoiar os democratas, alimentando as críticas que os assessores de Biden sempre fizeram sobre a miopia das pesquisas e dos testes. Os anúncios que reuniam informações em 30 segundos geralmente eram os mais bem testados, mas isso não significava que fossem sempre os melhores, especialmente com abstrações como a democracia em votação.

“As melhores abordagens tendem a misturar arte e ciência e, às vezes, alguns de nossos financiadores, em particular, nos empurraram para uma ênfase exagerada na eficiência marginal que, na verdade, não se traduz em 2024″, disse outro estrategista democrata.

O governador de Minnesota, Tim Walz, acena para a plateia após o discurso de Kamala Harris, na Howard University, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

‘Perigosamente liberal’

Quando a equipe sênior de Trump se reuniu por telefone depois que Biden abandonou a campanha, Tony Fabrizio, o pesquisador da campanha, previu que Harris cresceria, tornando a disputa muito mais difícil. A campanha tinha que defini-la antes que ela se definisse. Eles começaram a trabalhar, mesmo quando o próprio Trump se esforçava para seguir em frente, reclamando amargamente, em público e em particular, que tinha de enfrentar um novo oponente.

Em poucos dias, eles tinham sua mensagem. Os testes mostraram que os eleitores não achavam que ela estava falando sério, então Trump a mostrou dançando em seus anúncios. “Fracassada, fraca e perigosamente liberal”, era o slogan. As duas primeiras palavras haviam sido planejadas para Biden. A piada se baseou no passado de São Francisco do novo candidato democrata.

Os próprios assessores de Trump sabiam que ele tinha um teto que provavelmente girava em torno de 48%. Eles tinham que manter o teto dela mais baixo, principalmente entre os homens negros, árabes americanos e outros, disseram dois assessores de campanha. “Temos que deixá-los incrivelmente desconfortáveis com ela”, disse uma dessas pessoas.

Trump recorreu ao pai do marido de sua filha Tiffany, o empresário libanês-americano Massad Boulos, para fazer contato com a comunidade árabe-americana. O ex-presidente, que havia sido eleito em 2016 com base em um plano para proibir a entrada de pessoas de seis países de maioria muçulmana, começou a ligar para Michigan para mostrar aos muçulmanos que ele se importava. O prefeito de Hamtramck, Amer Ghalib, que é descendente de iemenitas, acabou participando da reunião e apoiou a candidatura.

O então presidente dos Estados Unidos Donald Trump conversa com o presidente da China, Xi Jinping, em Osaka, Japão  Foto: Susan Walsh/AP

Seus conselheiros acreditavam que uma mensagem poderosa contra os democratas era a maneira desastrada de lidar com a saída do Afeganistão, que eles acreditavam ser um erro palpável do qual os americanos se lembravam.

Nenhum anúncio de Trump foi mais bem testado do que aqueles que usaram as próprias palavras de Harris em uma parada de campanha em 2019, quando ela se gabou de ter pressionado as prisões da Califórnia a oferecer atendimento médico de afirmação de gênero aos presos transgêneros, de acordo com quatro assessores. Alguns assessores esperavam que a economia e a imigração fossem suas principais mensagens.

“Não foi nem de perto”, disse uma dessas pessoas. “As questões trans e os homens em esportes femininos, todo esse tópico é o tema mais animador nos comícios de Trump, mas fiquei um pouco surpreso que isso tenha se estendido aos democratas e a todos, inclusive aos homens negros.”

Até o dia da eleição, a campanha havia gasto US$ 12 milhões ou mais em oito anúncios, de acordo com a AdImpact. Três deles eram sobre a economia. Dois deles eram sobre o tropeço de Harris no programa “The View”. Três deles eram sobre a questão dos transgêneros. “Kamala é para eles/elas. Trump é para você”, dizia um deles. Eles tentaram até mesmo traduzir os anúncios sobre transgêneros para o espanhol, mas não conseguiram descobrir como fazer isso funcionar.

A equipe de Harris nunca teve uma resposta para o ataque aos transgêneros e teve dificuldades durante todo o ciclo para encontrar respostas para outros anúncios também. O problema é que Harris apoiou a assistência médica para transgêneros aos detentos e foi filmada dizendo isso com suas próprias palavras. Essa ainda era a política, inclusive dentro do governo federal. Ela não renunciou a isso. A equipe dela apenas dobrou a mensagem sobre seus planos para o futuro.

Quando Harris disse aos apresentadores do “The View” que não discordava de Biden em nada, aplausos eclodiram dentro do quartel-general da campanha. Quando ela, eventualmente, foi forçada a visitar a fronteira EUA-México, a campanha acreditava que estava ganhando, disseram vários assessores.

“Nossa sensação sempre foi que ele vence na política. Se déssemos a ela uma luta de personalidades, estaríamos jogando no campo dela. Se tivéssemos uma campanha de vibrações, estaríamos jogando no campo dela. Se a corrida fosse sobre aborto, estaríamos jogando no campo dela”, disse outro assessor.

Enquanto isso, a equipe de Trump tentava reconstruir a maquinaria da política republicana. Quando os oficiais de Trump assumiram o RNC, eles queriam lealdade completa à campanha. Entre as primeiras perguntas que faziam aos potenciais empregados: Você acredita que a eleição de 2020 foi roubada?

Apoiadores de Donald Trump celebram após a vitória do republicano, em Lors Valley, Pensilvânia  Foto: Robert F. Bukaty/AP

Eles acreditavam que o RNC no passado tinha dados falhos, tinha gastado muito dinheiro em contato com eleitores e tinha sido preenchido com republicanos do establishment. Um conjunto de dados identificou Wiles, uma mulher branca de 60 anos, como uma mulher negra de 20 anos. Eles imediatamente descartaram os planos do RNC para os estados-chave, desistindo de planos para contratar equipe e abrir escritórios imediatamente.

“Susie queria acumular recursos até o final”, disse uma pessoa envolvida na campanha, uma estratégia que permitiu a Trump ficar empatado ou à frente de Harris em propaganda de outubro.

Ao mesmo tempo, veio a opinião de que grupos externos poderiam coordenar com a campanha nos esforços de campo. Um novo plano foi formado. “Reunimos esses grupos e explicamos nossa tese sobre a corrida, os eleitores de baixa propensão são uma necessidade, não um luxo, como vimos nas eleições intermediárias de ‘18 e ‘22″, disse um importante assessor de campanha.

Era uma grande aposta, feita não por força, mas por fraqueza. O esforço de campo democrata por fora já era muito maior. Funcionários da campanha admitiram privadamente que entregar os esforços para tirar o voto às pessoas como Charlie Kirk, chefe do Turning Point USA, e o bilionário Elon Musk era arriscado. Mas Wiles disse a outros que queriam mudar como o Partido Republicano funcionava. “Não teremos que voltar ao velho jeito”, disse ela em certo ponto, se a campanha fosse vencer.

Trump frequentemente fazia acordos transacionais, dizendo a chefes corporativos que estavam céticos em relação a ele que baixaria seus impostos. Ele prometeu aos bilionários do petróleo uma série de coisas que queriam e os incentivou a dar 1 bilhão de dólares para sua campanha. Ele disse a garçonetes e outros que não haveria impostos sobre gorjetas em uma jogada por votos. Ele deu amplo apoio à indústria de criptomoedas, que uma vez chamou de “golpe”, depois que se tornaram grandes doadores.

Dentro da operação de Trump, um sentimento de paranoia que às vezes beirava o humor macabro sustentava os últimos meses da campanha. Houve duas tentativas de assassinato, hacks iranianos de e-mail e alegações de que os chineses acreditavam estar interceptando ligações de Trump, seu companheiro de chapa JD Vance e outros.

A presença do Serviço Secreto inflou ao seu redor. De repente, havia atiradores de elite por toda parte. Ele estava sempre em frente a vidro à prova de balas. Ele não podia mais jogar golfe. Os assessores de campanha começaram a usar telefones descartáveis e pararam de usar email para grande parte do trabalho.

O republicano Donald Trump participa de um comício em Greensboro, Carolina do Norte  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Trump, que quase havia morrido, estava entre os menos impressionados. “Trump disse, ‘Eu não vou desistir do meu número de telefone, presumo que eles estejam ouvindo de qualquer maneira. O que eu me importo?’” disse um assessor.

Todos na sala Para um garoto do Queens, uma lotação completa no Madison Square Garden era o melhor que poderia conseguir — horas de homenagens planejadas e não apenas os burocratas políticos: Hulk Hogan, Dr. Phil, um Kennedy, até mesmo o homem mais rico do mundo.

Trump disse a seus principais assessores para fazerem a viagem, não importando a multidão ou o tráfego, as filas que deixavam até mesmo os ricos esperando horas. Ele colocou bilionários com sua família na carreata pela Quinta Avenida, para que pudessem ver as ruas alinhadas como em um desfile. Ele os reuniu todos nos bastidores, no vestiário do New York Rangers. Howard Lutnick da Cantor Fitzgerald, o garoto de Long Island conduzindo a transição, andava por aí apertando mãos.

“Todos na sala achavam que ele ia ganhar,” disse um assessor.

Era o Trump como sempre fora, um rei em sua corte, cercado por espetáculo e adulação. As pesquisas de Trump o mostravam em uma posição mais forte até mesmo que em 2016, quando ele virou de cabeça para baixo a mesa política da nação e tomou a Casa Branca de assalto.

“Nós vamos alcançar um sucesso que ninguém pode imaginar,” ele disse à multidão quando chegou ao palco, não importando as declarações ofensivas de seu ato de abertura, que preencheriam as manchetes por uma semana. “Esta será a nova era dourada da América.”

Claro, quando ele saiu do palco, estava furioso. Um comediante e outros artistas fizeram comentários grosseiros que estavam roubando as manchetes, provocando vários dias de cobertura negativa. Dentre eles estava a piada de que Porto Rico era uma “ilha flutuante de lixo.” Trump, que raramente expressa arrependimento, enfureceu-se por dias. “Não posso acreditar,” ele disse em um momento. “Aquele comediante me magoou, hein?” ele refletiu em outro.

Nos últimos dias da campanha, a raiva se ergueu dentro dele. Ele zombou dos outros enquanto fazia campanha, irritou-se com seu microfone, pintou imagens violentas do que as armas poderiam fazer à mídia e a um de seus oponentes políticos. Ele disse que nunca deveria ter deixado a Casa Branca quando perdeu em 2020.

Sua equipe o instou a relaxar. Ele estava ganhando. Eles tinham certeza disso — um argumento que foi validado além de algumas de suas previsões.

Wiles, seu principal assessor, fez uma jogada rara. Ela apareceu publicamente, olhando fixamente para ele no palco até que ele encerrasse o evento. No avião, a equipe implorou para que ele voltasse à mensagem, advertindo que ele poderia afastar os eleitores de que precisava. “Ele ouviu muitas, muitas pessoas. As pessoas estavam tentando fazer com que ele voltasse a se concentrar,” disse um aliado.

Apoiadores de Donald Trump escutam o então candidato republicano em um comício em Salem, Virginia  Foto: Tom Brenner/The Washington Post

Quando ele apareceu na sede de sua campanha em West Palm Beach na terça-feira pela primeira vez no ciclo, ele elogiou Wiles enquanto ela estava por perto. Toda a equipe aplaudiu e comemorou.

Então, ele disse à sala o que realmente acreditava: Não deveria haver cédulas por correio. Deveria haver votação apenas em papel no Dia da Eleição.

Nesse ponto, não importava o que ele pensasse. A mensagem vencedora já havia sido divulgada. Ele seria presidente dos Estados Unidos novamente.

O Trump Force One estava com destino a Michigan durante esta primavera, quando o ex-presidente americano se confrontou com uma de suas maiores fraquezas políticas: o aborto.

Donald Trump se gabou de seu papel em ajudar a derrubar Roe vs Wade e alguns conselheiros de longa data queriam que Trump assinasse uma proibição nacional de 15 semanas, como o limite federal de 20 semanas para o aborto que ele apoiou em seu primeiro mandato na Casa Branca. Mas sua equipe de campanha, porém, preparou uma longa apresentação para detê-lo.

Segundo a sua equipe, o republicano precisava conquistar eleitores que apoiam os referendos estaduais sobre a proteção do direito ao aborto. Se ele apoiasse uma proibição nacional como antes, estaria limitando as opções médicas em alguns Estados. Sua equipe também mostrou o mapa eleitoral, explicando que em Estados-pêndulo importantes como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, os democratas seriam capazes de argumentar com sucesso que ele tinha revertido direitos reprodutivos das mulheres.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores em Palm Beach, Flórida  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Isso era tudo que ele precisava ouvir. Durante o voo para Michigan, ele concordou em gravar um vídeo se opondo à proibição nacional do aborto.

Logo depois, a equipe de campanha voltou com outra proposta: parar de criticar a votação antecipada, disseram. Ele precisava dos votos por correio e dos votos antecipados dos republicanos para ganhar a presidência. Ele recuou, argumentando que os eleitores deveriam votar apenas pessoalmente e no dia da eleição.

Mais uma vez, sua equipe elaborou uma apresentação escrita, mostrando a Trump os benefícios de votações antecipadas. Um importante político republicano na Pensilvânia ligou para Trump para lhe dizer como seus apoiadores estavam entusiasmados com a possibilidade de um voto antecipado. Ele relutantemente gravou um vídeo apoiando a prática, dando à campanha a munição necessária para que os anúncios transmitissem a mensagem.

Jornais do Reino Unido após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas  Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Trump estava concorrendo à presidência depois de dois impeachments, 91 acusações criminais e 34 condenações criminais. Ele havia deixado o cargo depois de incitar um motim no Capitólio e negar os resultados de uma eleição legítima. Seus instintos políticos o levaram mais longe e mais rápido do que qualquer outro na história política americana moderna. Mas eles também o prejudicaram.

Ao lançar a sua terceira campanha para a Casa Branca, com os ventos favoráveis da indignação nacional generalizada por conta da inflação e a crise migratória na fronteira com o México, Trump tinha, pela primeira vez, uma operação política coerente e profissional. Para reconquistar a Casa Branca, ele teria que aprender a confiar naqueles que o rodeavam, e aqueles que o rodeavam teriam que aprender lhe dar espaço.

Nada correria bem. Pouco era previsível. Ele continuaria propagando notícias falsas durante a campanha, seguiria usando uma linguagem sexista e continuaria as acusações contra imigrantes sem documentos. Mas, no final, ele encontrou um caminho para uma vitória decisiva que se estendeu por estados decisivos. Sua vitória na terça-feira mostrou ganhos gerais em relação a 2020, quando a forma como lidou com a pandemia da Covid-19 lhe negou um segundo mandato. Ele foi muito bem entre os homens. Ao comemorar na noite de terça-feira, ele consolidou novamente o controle do Partido Republicano e foi cercado em seu clube palaciano, uma diferença notável em relação à sua saída da presidência de quatro anos atrás.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um comício ao lado do vice-presidente eleito, JD Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Ele deixou que conselheiros e familiares o convencessem a suavizar sua imagem com fotos de seus netos. Trump também apareceu em podcasts dos quais ele nunca tinha ouvido falar. Ele permitiu que sua campanha investisse pesadamente em publicidade para incentivar a votação antecipada, embora afirmasse que ninguém veria isso e que seria um desperdício de dinheiro.

Ao mesmo tempo, Trump continuou confiando nos seus próprios instintos, ignorando os conselheiros que lhe diziam para falar sobre a economia acima de tudo - e até mesmo zombando deles no palco. Em um de seus discursos finais, ele sugeriu que estaria “bem” se um homem armado tivesse que disparar contra profissionais da imprensa para atirar nele e apontou que deveria ter permanecido no cargo em 2020, depois de ter perdido. Em momentos de pânico, ele provocou brigas internas entre sua própria equipe.

Esta história dos momentos ocultos e das decisões que moldaram a campanha presidencial de 2024 se baseia em entrevistas com mais de 50 pessoas envolvidas nas campanhas democratas e republicanas para presidente, a maioria das quais falou sob condição de anonimato para discutir francamente sobre eventos privados.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, aponta para apoiadores ao lado de seu filho Barron e sua esposa Melania Trump, em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

As pessoas envolvidas contaram a história de uma eleição como nenhuma outra, com a saída de Joe Biden da disputa, uma tentativa de assassinato ao vivo na televisão que falhou por pouco, uma mudança na chapa do Partido Democrata e gastos de mais de 2 bilhões de dólares.

Os democratas perceberam que Trump não tinha se derrotado quando desencadeou uma multidão no Capitólio dos EUA em 2021. O país terminou a eleição como tinha começado – com uma população estreitamente dividida e sem um caminho claro para a reconciliação nacional.

Quando ele entrou em um ginásio em Palm Beach na terça-feira para votar, ele havia dormido apenas algumas horas. Melania Trump estava por perto, usando óculos escuros enormes. Trump atacou Oprah Winfrey, dizendo que certa vez concordou em organizar um funeral para um associado dela em Mar-a-Lago e ela não foi grata.

Você sempre se arrepende, ele disse. Mas isso não era o importante.

“Fizemos uma ótima campanha”, disse ele.

Cartazes celebram a vitória de Donald Trump em Tel-Aviv, Israel  Foto: Oded Balilty/AP

Mudança de candidato

Mesmo nos dias mais sombrios, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden gabou-se dos seus números. “É essencialmente uma disputa acirrada”, disse ele a Lester Holt, da NBC, em uma entrevista no dia 15 de julho, enquanto o Partido Democrata se rebelava em torno dele.

Naquele momento, a arrecadação de fundos estava com menos dinheiro. Os voluntários eram difíceis de recrutar. Pesquisas internas da campanha não tiveram muito efeito porque muitos dos principais assessores de Biden afirmavam que as sondagens tinham valor limitado. A sua equipe de campanha exigiu um debate em junho com Trump para impulsionar a corrida presidencial, apenas para vê-la explodir na sua cara.

Três dias depois da entrevista com Holt, Biden estava em isolamento devido à covid-19 em Delaware quando os três principais pesquisadores da campanha – Geoff Garin, Molly Murphy e Jef Pollock – finalmente conseguiram um tempo com a equipe sênior da Casa Branca, incluindo o chefe de gabinete Jeff Zients, conselheiro Steve Ricchetti, a consultora de comunicações Anita Dunn e o guru político de Biden, Mike Donilon. A coordenadora da campanha, Jen O’Malley Dillon, pediu para eles serem honestos antes da reunião.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento com sindicatos na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

O trio trouxe 10 pesquisas e poucas boas notícias, segundo diversas pessoas familiarizadas com o encontro. Alguns dos estados indecisos ainda estavam dentro da margem de erro, claro. Mas isso mascarou problemas estruturais profundos no eleitorado. Os fundamentos haviam caído. Os pesquisadores usaram dados de outros clientes, em estados como Virgínia e Novo México, porque a campanha não tinha pesquisas próprias.

A notícia não foi surpreendente e nem bem recebida. A equipe de Biden diminuiu o número de pesquisas internas por esta razão, convencida de que a sua ciência se tinha tornado menos preditiva, embora as suas ferramentas reivindicassem maior precisão. A equipe de Biden ainda não tinha dúvidas de que ele poderia vencer. Um conselheiro sênior da Casa Branca reclamou após a reunião, dizendo que era função da equipe de campanha delinear o caminho para a vitória, e não dizer que não havia um, de acordo com várias pessoas informadas sobre os comentários.

Mas já era tarde demais para decoro ou debates sobre métodos de pesquisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa na Casa Branca após desistir da corrida presidencial por um segundo mandato  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Os líderes democratas de Nova York, como o líder da maioria no Senado, Charles Schumer, e o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, já haviam conversado com o presidente. Em uma reunião privada no dia 8 de julho em Harrisburg, Pensilvânia, o governador Josh Shapiro foi direto quando o presidente perguntou sobre a campanha. Shapiro disse que faria o que pudesse para ajudar Biden, mas as coisas estavam em um estado sombrio.

Biden estava trabalhando no dia 21 de julho, quando se retirou da disputa. Ele passou aquela manhã de domingo ao telefone com o primeiro-ministro esloveno para dar os retoques finais na troca de prisioneiros mais complicada da história moderna, segundo uma pessoa familiarizada com os acontecimentos. Ele passou a noite ligando para cerca de 50 líderes partidários para agradecer-lhes pelo apoio e incentivá-los a apoiar Kamala.

Ninguém na órbita sénior de Biden, incluindo o presidente, pensava que havia outra opção senão a vice-presidente, que poderia legalmente manter a operação de Biden.

“Os doadores encomendaram pesquisas que mostravam que a única candidata que seria mais fraca do que Biden era Kamala Harris e isso estava cheio de, bem, fezes” disse um assessor de Biden. “Não se pode projetar essas coisas. É um uso indevido de dados.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursa após reconhecer a derrota para o presidente eleito Donald Trump  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Donald Trump

Kamala havia experimentado várias marcas em sua carreira antes de se estabelecer como o segundo violino - promotora, filha de Oakland, porta-voz da “verdade”. Até que a ligação chegou neste verão, sua cautela e lealdade a Biden dominaram. Sua equipe inicialmente recusou pedidos dos próprios assessores de Biden para que ela falasse com doadores e ativistas. Eles não queriam alimentar nenhuma especulação.

O único plano de campanha de Harris que existia havia sido rabiscado secretamente pela equipe em um papel, no caso de um conselheiro sênior da campanha, ou discutido em voz baixa em telefonemas tarde da noite. O’Malley Dillon não permitia reuniões em Wilmington. Nem mesmo os assessores mais próximos de Harris compartilhavam o que estavam fazendo com ela.

Mas Harris estava se preparando há meses, à vista de todos, fazendo exercícios para se aperfeiçoar. Stephanie Cutter, uma especialista em comunicação que trabalhou para o presidente Barack Obama, vinha fazendo discretamente treinamento de mídia com Harris, um esforço revelado pelos registros de visitantes da Casa Branca que mostravam suas visitas a Harris a partir de dezembro.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, gesticula após discursar na Howard University, em Washington, Estados Unidos  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Enquanto Biden fazia viagens de campanha lentamente, a vice-presidente não parava, encontrando seu lugar em dezenas de eventos: uma blitz de meio de mandato sobre o aborto, uma turnê universitária “Fight for our Freedoms” em 2023 e uma turnê “Economic Opportunity” em 2024.

Harris recebeu apenas algumas horas de antecedência para relançar a corrida de 107 dias. Sua primeira decisão importante, depois de não conseguir falar com o marido em Los Angeles, foi dar poder a O’Malley Dillon, que se ofereceu para liderar a campanha somente se Harris lhe desse autoridade total.

A essa altura, o maior grupo externo de apoio aos democratas, o Future Forward, havia lançado uma enorme máquina de pesquisa - um conjunto de sensores com pesquisas contínuas, testes e grupos de foco que registrariam quase 14 milhões de pesquisas com eleitores em 10 meses. O trabalho foi compartilhado secretamente com a campanha de Harris por meio de um site público conhecido por poucos. Navegue até lá, espere um segundo para que a foto na página inicial fictícia desapareça, e milhões de dólares em links do Google Docs apareceram.

Cinco dias após a desistência de Biden, a pesquisa descreveu a dinâmica que moldaria a campanha democrata. “No teste de 35 clipes de discursos recentes do vice-presidente, todos tiveram resultados direcionalmente positivos”, dizia um documento. “Temas econômicos e o enquadramento da vice-presidente em seu histórico como promotora e valores são os que mais movem o voto; seus elogios ao presidente Joe Biden são os que menos o fazem.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, observa o presidente Joe Biden discursar na Casa Branca  Foto: Evan Vucci/AP

Naquela época, as pesquisas democratas estavam se recuperando. O dinheiro logo bateu recordes - US$ 1 bilhão em três meses. Pela primeira vez em oito anos, os democratas tiveram o espetáculo de grandes comícios. Harris tendia a usar clichês sem graça e testados pelo mercado, reaproveitando os maiores sucessos dos democratas do passado. Mas ela atingiu todas as marcas de julho a setembro, quando dominou Trump em seu único debate.

“Ela saiu do bullpen e jogou sete entradas sem gols”, disse Chauncey McLean, presidente do Future Forward, refletindo uma avaliação quase universal no partido.

Harris teve o benefício de um país que rejeitou a política de Trump em três eleições nacionais e uma reação que começou com a decisão da Suprema Corte dos EUA de anular o direito constitucional ao aborto. Um problema central permaneceu: Trump estava vencendo os três principais problemas dos eleitores - a economia, a inflação e o custo de vida.

Kamala Harris acena para apoiadores em um comício em Eau Claire, Wisconsin  Foto: Caroline Yang/The Washington Post

Reformulando Trump

Quando Trump deixou o cargo em 2021, 2 em cada 3 americanos desaprovavam sua presidência, e barricadas cercavam o Capitólio dos EUA. De repente um perdedor, ele continuou tentando se apresentar como um vencedor.

“Tenho um imóvel mais bonito do que o do presidente”, uma pessoa que o visitou em Bedminster, Nova Jersey, lembra-se de Trump ter dito em 2021. O senador Mitch McConnell (R-Kentucky) disse a outras pessoas que não planejava pronunciar o nome de Trump. Muitos de seus assessores tiveram dificuldades para encontrar emprego.

Mas nem Trump nem o 1 em cada 3 eleitores que ainda o apoiavam haviam terminado com a política. A conferência do Comitê de Ação Política Conservadora, que já foi uma celebração de cantores cristãos como Pat Boone e remanescentes da Guerra Fria como Dick Cheney, recebeu o ex-presidente em Orlando em fevereiro. Uma pesquisa de opinião revelou que 97% dos participantes aprovavam o trabalho de Trump como presidente. Pela primeira vez em semanas, os assessores viram Trump de bom humor.

“Ele parecia um deus lá embaixo”, disse uma pessoa envolvida na visita.

Americanos observam o presidente eleito dos Estados Unido, Donald Trump, discursar após a vitória  Foto: Brian Inganga/AP

A operação política de Trump naquele momento estava desgastada. No início de 2021, Trump havia pedido a Susie Wiles, uma aliada tranquila e sem rodeios, para assumir o controle de sua organização política. Poucas pessoas queriam ficar perto dele, pois ele estava furioso com a eleição de 2020 e estava com um humor tão ruim que muitos de seus amigos e membros do clube começaram a evitá-lo.

Wiles trabalhou em silêncio por dois anos, enquanto as investigações se desenrolavam e Trump hesitava em concorrer novamente à Casa Branca. Antes das eleições de 2022, ela contratou Chris LaCivita, um lutador político que havia feito praticamente tudo, exceto dirigir uma grande campanha presidencial.

Quando Trump anunciou sua candidatura no final de 2022, sua equipe teve dificuldades para conseguir que algum republicano sério comparecesse ao evento. Apenas alguns membros de extrema direita da Câmara compareceram. Depois veio uma onda de golpes quase fatais.

Ainda em negação sobre a eleição, Trump propôs em 2022 a “rescisão de todas as regras, regulamentos e artigos, mesmo aqueles encontrados na Constituição”, uma traição em preto e branco ao juramento que ele havia feito em 2017. Ele se reuniu em Mar-a-Lago para jantar com o rapper Ye, anteriormente conhecido como Kanye West, que recentemente prometeu “matar o povo judeu”, e Nick Fuentes, um supremacista branco e antissemita que marchou em Charlottesville no mortal comício dos nacionalistas brancos em 2017.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa em um vídeo reproduzido pela televisão francesa em um café na cidade de Paris  Foto: Aurelien Morissard/AP

Houve outros reveses - uma batida do FBI em Mar-a-Lago, dezenas de acusações federais, acusações estaduais, uma constatação civil de agressão sexual, uma constatação de fraude por parte de sua empresa em Nova York e a decisão do governador da Flórida, Ron DeSantis, de desafiar Trump com o apoio de alguns dos bolsos mais fundos da política republicana.

Diante de tudo isso, Wiles impôs a ordem. Pela primeira vez em três campanhas, Trump tinha um comando unificado trabalhando em seu nome, executando calmamente o básico. Wiles havia dito à equipe que queria que todos eles levassem uma única mensagem ao chefe. Eles tentariam defender uns aos outros.

Um dos objetivos, disse Wiles aos outros, era mudar a forma como as pessoas o viam. Trump havia aperfeiçoado sua personalidade política em seus comícios - um homem forte que rompia limites com um lado de stand-up borscht belt. Mas a campanha precisava de algo mais. Os assessores disseram a ele para publicar fotos de seus netos.

“Isso deu trabalho”, disse um assessor. “Ele tem uma certa visão que quer projetar, de um líder empresarial, em um terno de negócios, que é muito sério.”

Família de Donald Trump participa de um comício após o patriarca ser eleito presidente pela segunda vez  Foto: Evan Vucci/AP

Alex Bruesewitz, um prodígio das mídias sociais que estava no ensino médio quando Trump o retuitou pela primeira vez, ligou para o ex-presidente em um dia de golfe em julho para propor uma aparição no podcast de Theo Von, o popular comediante de stand-up de cabelo espetado. Ele poderia obter o efeito de audiência da Nielsen de uma semana de MSNBC, argumentou Bruesewitz. Trump não tinha certeza.

“Pergunte a Barron”, disse o ex-presidente sobre seu filho mais novo, agora com 18 anos e 1,80 m de altura.

Jared Kushner, genro do presidente, conectou Barron a Bruesewitz. “Ah, sim, você definitivamente deveria fazer Theo Von. Eu assisto o tempo todo”, disse o filho mais novo de Trump, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. “E então ele disse: ‘Você deveria fazer Adin Ross em seguida’”.

O padrão estava estabelecido, com um pai orgulhoso obedecendo a seu filho mais novo. “Barron aprovou isso?” perguntou Trump quando os assessores o abordaram com outra proposta.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores ao lado da esposa Melania Trump e o filho Barron Trump  Foto: Evan Vucci/AP

A campanha colocou Trump em uma bodega no Harlem, em uma barbearia do Bronx, atrás da janela do drive-through do McDonald’s e com um colete laranja de trabalhador, andando como espingarda em um caminhão de lixo. (O Serviço Secreto dos EUA negou o pedido de Trump para andar no caminhão durante a carreata, disse uma pessoa presente).

Em Von, Trump falou em detalhes sobre o vício em álcool de seu irmão falecido. No podcast de Joe Rogan, talvez o maior do país, ele especulou sobre a vida em Marte. Quando uma tentativa de assassinato quase lhe tirou a vida em Butler, Pensilvânia, ele se levantou desafiador, com o punho no ar e sangue espalhado pelo rosto. As imagens de Trump de antes - um empresário famoso no palco do debate, um presidente desafiador tropeçando em uma pandemia - foram lentamente substituídas.

“Eles o fizeram parecer normal, um cara de quem você gostaria, não como o cara que está gritando com você. O McDonald’s foi a coisa mais inteligente que eu já vi ele fazer”, disse Brad Parscale, gerente de campanha de Trump para 2020. “Ninguém prestava atenção em seus comícios, os americanos pararam de ouvir, e isso realmente o ajudou.”

Donald Trump discursa em um comício no Madison Square Garden, em Nova York  Foto: Evan Vucci/AP

Mas o conselho só foi até certo ponto. Trump se ajustaria, mas não seria contido. Ele permaneceu ultrajante no palanque. Atacava verbalmente os doadores a portas fechadas. Repetidamente, os auxiliares de Trump o diziam para se concentrar na economia, a coisa que a pesquisa mostrou que os eleitores mais se importavam, assim como o Future Forward estava fazendo. Trump, em vez disso, questionaria a raça de Kamala Harris, ou faria longos desvios em comícios sobre 2020, custando dias de ciclos de notícias à campanha.

“Mas as pessoas querem um show”, Trump disse aos assessores em agosto na Pensilvânia, quando o encorajaram a manter seus discursos mais curtos — e no teleprompter. Em outro momento, ele segurou uma pasta de pontos de discussão econômica e os considerou “chatos”, disse uma pessoa que ouviu seus comentários.

“Ele acha que pode ganhar mais do que achamos realista”, disse o assessor. “É sobre encontrar maneiras de fazer o que ele quer.”

Ninguém sabia o que viria a seguir. Um dia, ele estava focado em um novo projeto de negócios. “Ele adora esse tipo de coisa”, disse uma pessoa, descrevendo a frustração entre os assessores. Em outro dia, ele estava criando brigas com pessoas que deveriam ser seus aliados.

Trump enviou uma mensagem desagradável para Miriam Adelson, que estava gastando 110 milhões de dólares para ajudá-lo a se eleger, forçando aliados a intermediar a paz. Trump teve um encontro de reconciliação com DeSantis em seu clube de golfe que foi inicialmente incrivelmente desagradável, segundo uma pessoa com conhecimento do evento. (Taryn Fenske, porta-voz do governador, negou essa caracterização do encontro.)

Wiles estava nos bastidores em Atlanta no início de agosto, chocado enquanto Trump criticava o governador da Geórgia, Brian Kemp, e sua esposa. “Ele é o cara mais desleal que eu acho que já vi”, trovejou Trump.

Após o evento, vários assessores de Trump, incluindo Steve Witkoff, o melhor amigo do ex-presidente, imploraram a Kemp por uma détente. Witkoff voou para Atlanta para intermediar um acordo. “Kemp é um governador popular, e o aparelho no estado é totalmente controlado por ele”, disse um assessor. “Precisávamos fazer as pazes.”

O então candidato presiencial republicano, Donald Trump, participa da convenção nacional do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin  Foto: Julia Nikhinson/AP

O governador apareceu na Fox News para elogiar Trump e prometer seu voto, enquanto os assessores garantiam que Trump estivesse assistindo. O ex-presidente respondeu nas redes sociais. “Obrigado a #BrianKempGA.” Em questão de semanas, a raiva havia sido apagada, como é tão frequentemente o caso com Trump, em troca de algo que o beneficiava.

Outras tentativas de reconciliação falharam. Depois de enviar Witkoff para Kiawah Island, Carolina do Sul, os assessores de Trump pensaram ter persuadido um Trump relutante a fazer campanha com a ex-embaixadora da ONU, Nikki Haley, possivelmente uma de suas melhores potenciais substitutas para eleitores do GOP relutantes, especialmente mulheres. Um encontro na cidade com a Fox foi discutido, mas o planejamento fracassou.

Trump ainda estava furioso com os ataques de Haley durante as primárias. Em um encontro de verão com doadores em Nova York, ele chamou seus ataques de “muito desagradáveis”. “Eu não gosto dela”, disse a eles. Em meados de outubro, até mesmo a menção do nome dela o irritava. “Eles continuam falando sobre Nikki. Nikki, eu gosto da Nikki. Nikki, acho que ela não deveria ter feito o que fez”, disse ele na Fox News em 18 de outubro.

Ela respondeu semanas depois na mesma rede, criticando a campanha por permitir os insultos aos porto-riquenhos e latinos no Garden. “Este não é o momento para eles exagerarem na masculinidade com essa coisa de bromance que eles têm,” disse Haley. “Cinquenta e três por cento do eleitorado são mulheres. As mulheres vão votar.”

Então, quando as coisas ficaram difíceis em agosto, Trump tentou misturar as coisas. Ele contratou Corey Lewandowski, um ex-gerente de campanha que havia sido acusado de assédio sexual por um doador.

Apoiadores de Donald Trump erguem bandeiras do republicano em Lafayette, Califórnia  Foto: Gabrielle Lurie/AP

Lewandowski começou a ligar para todos que trabalhavam na campanha, perguntando se tinham tudo o que precisavam. Ele concluiu que a decisão inicial da campanha de investir pesadamente em mala direta foi uma má prática. Havia confusão sobre quem estava no comando.

“Ele começou a destruir o moral; começou a destruir tudo imediatamente. Ele andava de um lado para o outro e tentava obter informações e jogar as pessoas umas contra as outras - eis por que tudo o que a campanha está fazendo é errado”, disse uma pessoa daquela época. “Ele simplesmente escolhia coisas que sabia que poderia tentar - escolher as feridas do chefe.”

Por fim, Wiles e LaCivita se sentaram com Trump e disseram que não era sustentável para eles trabalharem com Lewandowski. No avião, mais tarde naquele dia, Trump disse a Lewandowski para ir à TV e ir para seu estado natal e vencer em New Hampshire.

“Eles estão no comando”, disse ele sobre Wiles e LaCivita.

Semanas depois, o Daily Beast publicou uma matéria alegando que LaCivita estava recebendo quantias “reveladoras” da campanha. Trump leu a matéria, forçando LaCivita a reunir sua própria papelada para defender seu caso com o chefe em uma reunião de 20 minutos no avião. O número não era exato, disseram LaCivita e os assessores de Trump.

Em vez de agitar ainda mais o barco, Trump concordou em seguir em frente. Mas Lewandowski também ficou por perto, voando regularmente no avião de Trump. Ele foi visto sorrindo na festa da noite da eleição na terça-feira.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, cumprimenta o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Osaka, Japão, no dia 28 de junho de 2019  Foto: Susan Walsh/AP

‘Um novo caminho a seguir’

Assim que Harris saiu do palco do debate de setembro, sua campanha sabia que ela tinha um problema. Era uma vitória clara - o vice-presidente havia dominado Trump. Mas ainda faltavam oito semanas para o dia da eleição e não havia grandes momentos no calendário. Todos nos Estados Unidos tinham uma opinião sobre Trump, mas muitos dos eleitores que ela precisava alcançar ainda não sabiam quem ela era.

Eles imediatamente desafiaram Trump para outro debate e passaram semanas provocando-o sobre isso. Chegaram até a considerar a possibilidade de debater na Fox News, a casa de Trump. Mas Wiles e LaCivita foram espertos o suficiente para perceber o desespero. Trump deixou de lado as classificações de sucesso.

David Plouffe, um consultor sênior, apresentou à equipe sua teoria do caso: A campanha tinha que encontrar uma maneira de ser a campanha mais interessante todos os dias - um padrão elevado, dada a capacidade inigualável de Trump de atrair atenção. Ela teria que criar seus próprios momentos. Depois de meses de controles rígidos sobre sua mensagem, a campanha a enviou para o circuito de palestras.

Harris procurou conquistar as mulheres no podcast “Call Her Daddy”, os homens negros no podcast “All The Smoke” e os conservadores na Fox News em uma entrevista. Ela participou de uma reunião da CNN e respondeu a algumas perguntas da equipe de imprensa que viajava com ela quase todos os dias.

O campos da Howard University depois de um comício que festejaria uma vitória de Kamala Harris, mas foi cancelado  Foto: Susan Walsh/AP

A Kamala Harris de 2021 não teria concordado tão facilmente. Ela entrou na Casa Branca com um relacionamento difícil com a mídia, sentindo-se queimada por sua curta candidatura presidencial em 2019. Embora tivesse acabado de sair de dias de preparação intensiva para o debate, ela exigiu que seus assessores apresentassem um caso convincente sobre por que ela deveria dar muitas das entrevistas, disseram os assessores.

“Qual é o público?”, ela perguntava. “O que eu preciso fazer? Quais são meus objetivos?”

O risco dessa estratégia ficou claro em uma aparição no início de outubro no programa “The View” da ABC, que a liderança da campanha considerou seu único grande erro do ciclo. Quando lhe perguntaram o que ela teria feito de diferente de Biden nos últimos quatro anos, ela hesitou. Ela havia sido preparada para uma pergunta como essa. Havia uma resposta correta - desviar, falar sobre a importância da mudança geracional e suas próprias propostas de novas políticas para o futuro. Em vez disso, ela disse: “Não há nada que me venha à mente”.

As pessoas próximas a ela interpretaram a gafe como apenas mais um exemplo de quanta lealdade ela ainda sentia por Biden, mas a equipe de Trump ficou em êxtase - sua sala de guerra irrompeu em descrença encantada no momento em que as palavras saíram de sua boca - e o momento logo começou a circular em anúncios da campanha de Trump.

Seu vínculo com o presidente logo seria testado novamente, mesmo com os dois líderes mantendo contato regular nos bastidores. Em uma passagem por New Hampshire, Biden disse que gostaria de prender Trump, antes de se corrigir rapidamente. Então, pouco antes de Harris fazer seu discurso de encerramento na Elipse da Casa Branca, Biden fez uma chamada pelo Zoom para responder aos comentários sobre o “lixo” de Garden.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com a vice-presidente Kamala Harris, em Washington  Foto: Tom Brenner/Washington Post

“O único lixo que vejo flutuando por aí são seus apoiadores”, disse Biden. Alguns dos principais assessores de Harris não estavam cientes da crise crescente dentro da Casa Branca, pois estavam do lado de fora do prédio com serviço telefônico limitado e sem WiFi. Quando souberam, ficaram exasperados. Biden queria resolver o problema, e a Casa Branca propôs à campanha uma postagem de Biden no X. Na manhã seguinte, Harris se distanciou do comentário, e sua campanha tentou afastar o presidente dos principais públicos.

Outros dilemas para a equipe de Harris não tinham uma resposta óbvia. O primeiro anúncio que eles lançaram, “Fearless”, era “um centauro”, disse uma pessoa envolvida - um compromisso entre dois anúncios diferentes. O primeiro era uma peça emocional com suas próprias palavras, usando imagens de seu comício em Milwaukee logo após a desistência de Biden. O segundo foi um spot puramente biográfico, abordando seu histórico como promotora.

Os pesquisadores e a equipe de Harris gostaram da biografia. O’Malley Dillon e os criativos gostaram de Harris em suas próprias palavras. Foi um sinal inicial do que estava por vir, uma rodada constante de telefonemas e conversas por sinal sobre como pilotar o avião com uma nova equipe, clima incerto e mapas que estavam sendo desenhados à medida que avançavam. Às vezes, decisões simples, como a emissão de uma declaração, podiam levar muito mais tempo do que deveriam, disseram os assessores da campanha.

O’Malley Dillon trouxe uma nova equipe, contratando Cutter, Plouffe e seu antigo parceiro de campo Mitch Stewart. Ela rejeitou a ideia de um único consultor de publicidade, optando por uma equipe. Ela fez questão de ouvir todos, trazendo os pesquisadores para reuniões das quais eram excluídos antes, disseram os assessores. Mas todos foram claros: as decisões finais eram dela. Ela ajudou a conduzir a decisão de ir ao Texas nas últimas semanas para se apoiar nos direitos reprodutivos. Ela defendeu o discurso na Ellipse - o argumento final de Harris argumentando que Trump era um perigo e que seu segundo mandato seria mais complicado do que o primeiro.

Apoiadores de Kamala Harris escutam a vice-presidente discursar após a derrota para Donald Trump, em Washington  Foto: Terrance Williams/AP

Eles decidiram que Harris era “Um novo caminho a seguir” poucas semanas depois de assumirem o controle. Mas o enquadramento negativo para Trump levou meses. O’Malley Dillon e outros não estavam convencidos de que o “perigoso” - que os pesquisadores estavam promovendo - era o ideal. Os números mostravam que ex-conselheiros republicanos, que haviam se desentendido com Trump, deveriam transmitir a mensagem, o que levou O’Malley Dillon a trabalhar nos telefones com a ex-congressista republicana Liz Cheney (Wyoming) e até mesmo com o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, que nunca se manifestou.

Harris e sua equipe procuraram atrair os republicanos e os independentes na reta final, fazendo campanha com Cheney e frequentemente focando nos principais ex-assessores de Trump que o criticavam. Mas alguns membros da campanha questionaram se isso funcionaria, mesmo quando Harris avançava, perguntando-se quantos eleitores indecisos existiam. Um assessor perguntou: o que a campanha estava fazendo para resolver seus problemas com outros grupos com maior probabilidade de votar?

A solução definitiva, que só veio em outubro, foi um triplo negativo aliterativo, difícil de lembrar e abrangente: “Unhinged, unstable and unchecked”.

O Future Forward, por sua vez, escolheu sua estratégia de mensagem logo no início e nunca vacilou, direcionando US$ 450 milhões em anúncios para Harris. O grupo mediu 3,71 bilhões de impressões de vídeo de seus anúncios, quase todos focados no contraste econômico entre Harris e Trump, incluindo anúncios em tagalo, mandarim, coreano, vietnamita, hindi, árabe, hmong e espanhol.

Donald Trump e Kamala Harris participam de um debate na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Eles enfrentaram vários oponentes que apoiavam Trump, o Preserve America, apoiado por Adelson, o MAGA PAC, criado por Trump, e o Right for America, com o ex-executivo da Marvel, Ike Perlmutter, comandando o programa.

Mas o Future Forward não era apenas mais um super PAC. Era uma câmara de compensação, uma fundação, mais bem financiada do que o próprio Partido Democrata. A máquina silenciosa produziu 1.048 anúncios nos primeiros 100 dias da candidatura de Harris, divulgando apenas uma porcentagem de um dígito. Ela testou e classificou mais de 700 clipes de Trump quanto à reação dos eleitores, os principais clipes de notícias, os principais memes de mídia social. Distribuiu dezenas de milhões de dólares para outros grupos, incluindo influenciadores pagos e campanhas de bater de porta em porta.

Repetidamente, o teste encontrou um único clipe que chegou ao topo - um vídeo de celular de Trump em Mar-a-Lago elogiando a riqueza das pessoas em sua plateia e prometendo torná-las mais ricas.

“‘Você é rico pra caramba’ e ‘Nós vamos lhe dar cortes de impostos’ era a nossa versão da Geico dizendo que você pode ‘Economizar 15% ou mais no seguro do seu carro’”, disse McLean, presidente da Future Forward.

A centralização da operação enfureceu muitos dos grupos que vinham se preparando há anos para apoiar os democratas, alimentando as críticas que os assessores de Biden sempre fizeram sobre a miopia das pesquisas e dos testes. Os anúncios que reuniam informações em 30 segundos geralmente eram os mais bem testados, mas isso não significava que fossem sempre os melhores, especialmente com abstrações como a democracia em votação.

“As melhores abordagens tendem a misturar arte e ciência e, às vezes, alguns de nossos financiadores, em particular, nos empurraram para uma ênfase exagerada na eficiência marginal que, na verdade, não se traduz em 2024″, disse outro estrategista democrata.

O governador de Minnesota, Tim Walz, acena para a plateia após o discurso de Kamala Harris, na Howard University, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

‘Perigosamente liberal’

Quando a equipe sênior de Trump se reuniu por telefone depois que Biden abandonou a campanha, Tony Fabrizio, o pesquisador da campanha, previu que Harris cresceria, tornando a disputa muito mais difícil. A campanha tinha que defini-la antes que ela se definisse. Eles começaram a trabalhar, mesmo quando o próprio Trump se esforçava para seguir em frente, reclamando amargamente, em público e em particular, que tinha de enfrentar um novo oponente.

Em poucos dias, eles tinham sua mensagem. Os testes mostraram que os eleitores não achavam que ela estava falando sério, então Trump a mostrou dançando em seus anúncios. “Fracassada, fraca e perigosamente liberal”, era o slogan. As duas primeiras palavras haviam sido planejadas para Biden. A piada se baseou no passado de São Francisco do novo candidato democrata.

Os próprios assessores de Trump sabiam que ele tinha um teto que provavelmente girava em torno de 48%. Eles tinham que manter o teto dela mais baixo, principalmente entre os homens negros, árabes americanos e outros, disseram dois assessores de campanha. “Temos que deixá-los incrivelmente desconfortáveis com ela”, disse uma dessas pessoas.

Trump recorreu ao pai do marido de sua filha Tiffany, o empresário libanês-americano Massad Boulos, para fazer contato com a comunidade árabe-americana. O ex-presidente, que havia sido eleito em 2016 com base em um plano para proibir a entrada de pessoas de seis países de maioria muçulmana, começou a ligar para Michigan para mostrar aos muçulmanos que ele se importava. O prefeito de Hamtramck, Amer Ghalib, que é descendente de iemenitas, acabou participando da reunião e apoiou a candidatura.

O então presidente dos Estados Unidos Donald Trump conversa com o presidente da China, Xi Jinping, em Osaka, Japão  Foto: Susan Walsh/AP

Seus conselheiros acreditavam que uma mensagem poderosa contra os democratas era a maneira desastrada de lidar com a saída do Afeganistão, que eles acreditavam ser um erro palpável do qual os americanos se lembravam.

Nenhum anúncio de Trump foi mais bem testado do que aqueles que usaram as próprias palavras de Harris em uma parada de campanha em 2019, quando ela se gabou de ter pressionado as prisões da Califórnia a oferecer atendimento médico de afirmação de gênero aos presos transgêneros, de acordo com quatro assessores. Alguns assessores esperavam que a economia e a imigração fossem suas principais mensagens.

“Não foi nem de perto”, disse uma dessas pessoas. “As questões trans e os homens em esportes femininos, todo esse tópico é o tema mais animador nos comícios de Trump, mas fiquei um pouco surpreso que isso tenha se estendido aos democratas e a todos, inclusive aos homens negros.”

Até o dia da eleição, a campanha havia gasto US$ 12 milhões ou mais em oito anúncios, de acordo com a AdImpact. Três deles eram sobre a economia. Dois deles eram sobre o tropeço de Harris no programa “The View”. Três deles eram sobre a questão dos transgêneros. “Kamala é para eles/elas. Trump é para você”, dizia um deles. Eles tentaram até mesmo traduzir os anúncios sobre transgêneros para o espanhol, mas não conseguiram descobrir como fazer isso funcionar.

A equipe de Harris nunca teve uma resposta para o ataque aos transgêneros e teve dificuldades durante todo o ciclo para encontrar respostas para outros anúncios também. O problema é que Harris apoiou a assistência médica para transgêneros aos detentos e foi filmada dizendo isso com suas próprias palavras. Essa ainda era a política, inclusive dentro do governo federal. Ela não renunciou a isso. A equipe dela apenas dobrou a mensagem sobre seus planos para o futuro.

Quando Harris disse aos apresentadores do “The View” que não discordava de Biden em nada, aplausos eclodiram dentro do quartel-general da campanha. Quando ela, eventualmente, foi forçada a visitar a fronteira EUA-México, a campanha acreditava que estava ganhando, disseram vários assessores.

“Nossa sensação sempre foi que ele vence na política. Se déssemos a ela uma luta de personalidades, estaríamos jogando no campo dela. Se tivéssemos uma campanha de vibrações, estaríamos jogando no campo dela. Se a corrida fosse sobre aborto, estaríamos jogando no campo dela”, disse outro assessor.

Enquanto isso, a equipe de Trump tentava reconstruir a maquinaria da política republicana. Quando os oficiais de Trump assumiram o RNC, eles queriam lealdade completa à campanha. Entre as primeiras perguntas que faziam aos potenciais empregados: Você acredita que a eleição de 2020 foi roubada?

Apoiadores de Donald Trump celebram após a vitória do republicano, em Lors Valley, Pensilvânia  Foto: Robert F. Bukaty/AP

Eles acreditavam que o RNC no passado tinha dados falhos, tinha gastado muito dinheiro em contato com eleitores e tinha sido preenchido com republicanos do establishment. Um conjunto de dados identificou Wiles, uma mulher branca de 60 anos, como uma mulher negra de 20 anos. Eles imediatamente descartaram os planos do RNC para os estados-chave, desistindo de planos para contratar equipe e abrir escritórios imediatamente.

“Susie queria acumular recursos até o final”, disse uma pessoa envolvida na campanha, uma estratégia que permitiu a Trump ficar empatado ou à frente de Harris em propaganda de outubro.

Ao mesmo tempo, veio a opinião de que grupos externos poderiam coordenar com a campanha nos esforços de campo. Um novo plano foi formado. “Reunimos esses grupos e explicamos nossa tese sobre a corrida, os eleitores de baixa propensão são uma necessidade, não um luxo, como vimos nas eleições intermediárias de ‘18 e ‘22″, disse um importante assessor de campanha.

Era uma grande aposta, feita não por força, mas por fraqueza. O esforço de campo democrata por fora já era muito maior. Funcionários da campanha admitiram privadamente que entregar os esforços para tirar o voto às pessoas como Charlie Kirk, chefe do Turning Point USA, e o bilionário Elon Musk era arriscado. Mas Wiles disse a outros que queriam mudar como o Partido Republicano funcionava. “Não teremos que voltar ao velho jeito”, disse ela em certo ponto, se a campanha fosse vencer.

Trump frequentemente fazia acordos transacionais, dizendo a chefes corporativos que estavam céticos em relação a ele que baixaria seus impostos. Ele prometeu aos bilionários do petróleo uma série de coisas que queriam e os incentivou a dar 1 bilhão de dólares para sua campanha. Ele disse a garçonetes e outros que não haveria impostos sobre gorjetas em uma jogada por votos. Ele deu amplo apoio à indústria de criptomoedas, que uma vez chamou de “golpe”, depois que se tornaram grandes doadores.

Dentro da operação de Trump, um sentimento de paranoia que às vezes beirava o humor macabro sustentava os últimos meses da campanha. Houve duas tentativas de assassinato, hacks iranianos de e-mail e alegações de que os chineses acreditavam estar interceptando ligações de Trump, seu companheiro de chapa JD Vance e outros.

A presença do Serviço Secreto inflou ao seu redor. De repente, havia atiradores de elite por toda parte. Ele estava sempre em frente a vidro à prova de balas. Ele não podia mais jogar golfe. Os assessores de campanha começaram a usar telefones descartáveis e pararam de usar email para grande parte do trabalho.

O republicano Donald Trump participa de um comício em Greensboro, Carolina do Norte  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Trump, que quase havia morrido, estava entre os menos impressionados. “Trump disse, ‘Eu não vou desistir do meu número de telefone, presumo que eles estejam ouvindo de qualquer maneira. O que eu me importo?’” disse um assessor.

Todos na sala Para um garoto do Queens, uma lotação completa no Madison Square Garden era o melhor que poderia conseguir — horas de homenagens planejadas e não apenas os burocratas políticos: Hulk Hogan, Dr. Phil, um Kennedy, até mesmo o homem mais rico do mundo.

Trump disse a seus principais assessores para fazerem a viagem, não importando a multidão ou o tráfego, as filas que deixavam até mesmo os ricos esperando horas. Ele colocou bilionários com sua família na carreata pela Quinta Avenida, para que pudessem ver as ruas alinhadas como em um desfile. Ele os reuniu todos nos bastidores, no vestiário do New York Rangers. Howard Lutnick da Cantor Fitzgerald, o garoto de Long Island conduzindo a transição, andava por aí apertando mãos.

“Todos na sala achavam que ele ia ganhar,” disse um assessor.

Era o Trump como sempre fora, um rei em sua corte, cercado por espetáculo e adulação. As pesquisas de Trump o mostravam em uma posição mais forte até mesmo que em 2016, quando ele virou de cabeça para baixo a mesa política da nação e tomou a Casa Branca de assalto.

“Nós vamos alcançar um sucesso que ninguém pode imaginar,” ele disse à multidão quando chegou ao palco, não importando as declarações ofensivas de seu ato de abertura, que preencheriam as manchetes por uma semana. “Esta será a nova era dourada da América.”

Claro, quando ele saiu do palco, estava furioso. Um comediante e outros artistas fizeram comentários grosseiros que estavam roubando as manchetes, provocando vários dias de cobertura negativa. Dentre eles estava a piada de que Porto Rico era uma “ilha flutuante de lixo.” Trump, que raramente expressa arrependimento, enfureceu-se por dias. “Não posso acreditar,” ele disse em um momento. “Aquele comediante me magoou, hein?” ele refletiu em outro.

Nos últimos dias da campanha, a raiva se ergueu dentro dele. Ele zombou dos outros enquanto fazia campanha, irritou-se com seu microfone, pintou imagens violentas do que as armas poderiam fazer à mídia e a um de seus oponentes políticos. Ele disse que nunca deveria ter deixado a Casa Branca quando perdeu em 2020.

Sua equipe o instou a relaxar. Ele estava ganhando. Eles tinham certeza disso — um argumento que foi validado além de algumas de suas previsões.

Wiles, seu principal assessor, fez uma jogada rara. Ela apareceu publicamente, olhando fixamente para ele no palco até que ele encerrasse o evento. No avião, a equipe implorou para que ele voltasse à mensagem, advertindo que ele poderia afastar os eleitores de que precisava. “Ele ouviu muitas, muitas pessoas. As pessoas estavam tentando fazer com que ele voltasse a se concentrar,” disse um aliado.

Apoiadores de Donald Trump escutam o então candidato republicano em um comício em Salem, Virginia  Foto: Tom Brenner/The Washington Post

Quando ele apareceu na sede de sua campanha em West Palm Beach na terça-feira pela primeira vez no ciclo, ele elogiou Wiles enquanto ela estava por perto. Toda a equipe aplaudiu e comemorou.

Então, ele disse à sala o que realmente acreditava: Não deveria haver cédulas por correio. Deveria haver votação apenas em papel no Dia da Eleição.

Nesse ponto, não importava o que ele pensasse. A mensagem vencedora já havia sido divulgada. Ele seria presidente dos Estados Unidos novamente.

O Trump Force One estava com destino a Michigan durante esta primavera, quando o ex-presidente americano se confrontou com uma de suas maiores fraquezas políticas: o aborto.

Donald Trump se gabou de seu papel em ajudar a derrubar Roe vs Wade e alguns conselheiros de longa data queriam que Trump assinasse uma proibição nacional de 15 semanas, como o limite federal de 20 semanas para o aborto que ele apoiou em seu primeiro mandato na Casa Branca. Mas sua equipe de campanha, porém, preparou uma longa apresentação para detê-lo.

Segundo a sua equipe, o republicano precisava conquistar eleitores que apoiam os referendos estaduais sobre a proteção do direito ao aborto. Se ele apoiasse uma proibição nacional como antes, estaria limitando as opções médicas em alguns Estados. Sua equipe também mostrou o mapa eleitoral, explicando que em Estados-pêndulo importantes como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, os democratas seriam capazes de argumentar com sucesso que ele tinha revertido direitos reprodutivos das mulheres.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores em Palm Beach, Flórida  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Isso era tudo que ele precisava ouvir. Durante o voo para Michigan, ele concordou em gravar um vídeo se opondo à proibição nacional do aborto.

Logo depois, a equipe de campanha voltou com outra proposta: parar de criticar a votação antecipada, disseram. Ele precisava dos votos por correio e dos votos antecipados dos republicanos para ganhar a presidência. Ele recuou, argumentando que os eleitores deveriam votar apenas pessoalmente e no dia da eleição.

Mais uma vez, sua equipe elaborou uma apresentação escrita, mostrando a Trump os benefícios de votações antecipadas. Um importante político republicano na Pensilvânia ligou para Trump para lhe dizer como seus apoiadores estavam entusiasmados com a possibilidade de um voto antecipado. Ele relutantemente gravou um vídeo apoiando a prática, dando à campanha a munição necessária para que os anúncios transmitissem a mensagem.

Jornais do Reino Unido após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas  Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Trump estava concorrendo à presidência depois de dois impeachments, 91 acusações criminais e 34 condenações criminais. Ele havia deixado o cargo depois de incitar um motim no Capitólio e negar os resultados de uma eleição legítima. Seus instintos políticos o levaram mais longe e mais rápido do que qualquer outro na história política americana moderna. Mas eles também o prejudicaram.

Ao lançar a sua terceira campanha para a Casa Branca, com os ventos favoráveis da indignação nacional generalizada por conta da inflação e a crise migratória na fronteira com o México, Trump tinha, pela primeira vez, uma operação política coerente e profissional. Para reconquistar a Casa Branca, ele teria que aprender a confiar naqueles que o rodeavam, e aqueles que o rodeavam teriam que aprender lhe dar espaço.

Nada correria bem. Pouco era previsível. Ele continuaria propagando notícias falsas durante a campanha, seguiria usando uma linguagem sexista e continuaria as acusações contra imigrantes sem documentos. Mas, no final, ele encontrou um caminho para uma vitória decisiva que se estendeu por estados decisivos. Sua vitória na terça-feira mostrou ganhos gerais em relação a 2020, quando a forma como lidou com a pandemia da Covid-19 lhe negou um segundo mandato. Ele foi muito bem entre os homens. Ao comemorar na noite de terça-feira, ele consolidou novamente o controle do Partido Republicano e foi cercado em seu clube palaciano, uma diferença notável em relação à sua saída da presidência de quatro anos atrás.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um comício ao lado do vice-presidente eleito, JD Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Ele deixou que conselheiros e familiares o convencessem a suavizar sua imagem com fotos de seus netos. Trump também apareceu em podcasts dos quais ele nunca tinha ouvido falar. Ele permitiu que sua campanha investisse pesadamente em publicidade para incentivar a votação antecipada, embora afirmasse que ninguém veria isso e que seria um desperdício de dinheiro.

Ao mesmo tempo, Trump continuou confiando nos seus próprios instintos, ignorando os conselheiros que lhe diziam para falar sobre a economia acima de tudo - e até mesmo zombando deles no palco. Em um de seus discursos finais, ele sugeriu que estaria “bem” se um homem armado tivesse que disparar contra profissionais da imprensa para atirar nele e apontou que deveria ter permanecido no cargo em 2020, depois de ter perdido. Em momentos de pânico, ele provocou brigas internas entre sua própria equipe.

Esta história dos momentos ocultos e das decisões que moldaram a campanha presidencial de 2024 se baseia em entrevistas com mais de 50 pessoas envolvidas nas campanhas democratas e republicanas para presidente, a maioria das quais falou sob condição de anonimato para discutir francamente sobre eventos privados.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, aponta para apoiadores ao lado de seu filho Barron e sua esposa Melania Trump, em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

As pessoas envolvidas contaram a história de uma eleição como nenhuma outra, com a saída de Joe Biden da disputa, uma tentativa de assassinato ao vivo na televisão que falhou por pouco, uma mudança na chapa do Partido Democrata e gastos de mais de 2 bilhões de dólares.

Os democratas perceberam que Trump não tinha se derrotado quando desencadeou uma multidão no Capitólio dos EUA em 2021. O país terminou a eleição como tinha começado – com uma população estreitamente dividida e sem um caminho claro para a reconciliação nacional.

Quando ele entrou em um ginásio em Palm Beach na terça-feira para votar, ele havia dormido apenas algumas horas. Melania Trump estava por perto, usando óculos escuros enormes. Trump atacou Oprah Winfrey, dizendo que certa vez concordou em organizar um funeral para um associado dela em Mar-a-Lago e ela não foi grata.

Você sempre se arrepende, ele disse. Mas isso não era o importante.

“Fizemos uma ótima campanha”, disse ele.

Cartazes celebram a vitória de Donald Trump em Tel-Aviv, Israel  Foto: Oded Balilty/AP

Mudança de candidato

Mesmo nos dias mais sombrios, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden gabou-se dos seus números. “É essencialmente uma disputa acirrada”, disse ele a Lester Holt, da NBC, em uma entrevista no dia 15 de julho, enquanto o Partido Democrata se rebelava em torno dele.

Naquele momento, a arrecadação de fundos estava com menos dinheiro. Os voluntários eram difíceis de recrutar. Pesquisas internas da campanha não tiveram muito efeito porque muitos dos principais assessores de Biden afirmavam que as sondagens tinham valor limitado. A sua equipe de campanha exigiu um debate em junho com Trump para impulsionar a corrida presidencial, apenas para vê-la explodir na sua cara.

Três dias depois da entrevista com Holt, Biden estava em isolamento devido à covid-19 em Delaware quando os três principais pesquisadores da campanha – Geoff Garin, Molly Murphy e Jef Pollock – finalmente conseguiram um tempo com a equipe sênior da Casa Branca, incluindo o chefe de gabinete Jeff Zients, conselheiro Steve Ricchetti, a consultora de comunicações Anita Dunn e o guru político de Biden, Mike Donilon. A coordenadora da campanha, Jen O’Malley Dillon, pediu para eles serem honestos antes da reunião.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento com sindicatos na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

O trio trouxe 10 pesquisas e poucas boas notícias, segundo diversas pessoas familiarizadas com o encontro. Alguns dos estados indecisos ainda estavam dentro da margem de erro, claro. Mas isso mascarou problemas estruturais profundos no eleitorado. Os fundamentos haviam caído. Os pesquisadores usaram dados de outros clientes, em estados como Virgínia e Novo México, porque a campanha não tinha pesquisas próprias.

A notícia não foi surpreendente e nem bem recebida. A equipe de Biden diminuiu o número de pesquisas internas por esta razão, convencida de que a sua ciência se tinha tornado menos preditiva, embora as suas ferramentas reivindicassem maior precisão. A equipe de Biden ainda não tinha dúvidas de que ele poderia vencer. Um conselheiro sênior da Casa Branca reclamou após a reunião, dizendo que era função da equipe de campanha delinear o caminho para a vitória, e não dizer que não havia um, de acordo com várias pessoas informadas sobre os comentários.

Mas já era tarde demais para decoro ou debates sobre métodos de pesquisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa na Casa Branca após desistir da corrida presidencial por um segundo mandato  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Os líderes democratas de Nova York, como o líder da maioria no Senado, Charles Schumer, e o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, já haviam conversado com o presidente. Em uma reunião privada no dia 8 de julho em Harrisburg, Pensilvânia, o governador Josh Shapiro foi direto quando o presidente perguntou sobre a campanha. Shapiro disse que faria o que pudesse para ajudar Biden, mas as coisas estavam em um estado sombrio.

Biden estava trabalhando no dia 21 de julho, quando se retirou da disputa. Ele passou aquela manhã de domingo ao telefone com o primeiro-ministro esloveno para dar os retoques finais na troca de prisioneiros mais complicada da história moderna, segundo uma pessoa familiarizada com os acontecimentos. Ele passou a noite ligando para cerca de 50 líderes partidários para agradecer-lhes pelo apoio e incentivá-los a apoiar Kamala.

Ninguém na órbita sénior de Biden, incluindo o presidente, pensava que havia outra opção senão a vice-presidente, que poderia legalmente manter a operação de Biden.

“Os doadores encomendaram pesquisas que mostravam que a única candidata que seria mais fraca do que Biden era Kamala Harris e isso estava cheio de, bem, fezes” disse um assessor de Biden. “Não se pode projetar essas coisas. É um uso indevido de dados.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursa após reconhecer a derrota para o presidente eleito Donald Trump  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Donald Trump

Kamala havia experimentado várias marcas em sua carreira antes de se estabelecer como o segundo violino - promotora, filha de Oakland, porta-voz da “verdade”. Até que a ligação chegou neste verão, sua cautela e lealdade a Biden dominaram. Sua equipe inicialmente recusou pedidos dos próprios assessores de Biden para que ela falasse com doadores e ativistas. Eles não queriam alimentar nenhuma especulação.

O único plano de campanha de Harris que existia havia sido rabiscado secretamente pela equipe em um papel, no caso de um conselheiro sênior da campanha, ou discutido em voz baixa em telefonemas tarde da noite. O’Malley Dillon não permitia reuniões em Wilmington. Nem mesmo os assessores mais próximos de Harris compartilhavam o que estavam fazendo com ela.

Mas Harris estava se preparando há meses, à vista de todos, fazendo exercícios para se aperfeiçoar. Stephanie Cutter, uma especialista em comunicação que trabalhou para o presidente Barack Obama, vinha fazendo discretamente treinamento de mídia com Harris, um esforço revelado pelos registros de visitantes da Casa Branca que mostravam suas visitas a Harris a partir de dezembro.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, gesticula após discursar na Howard University, em Washington, Estados Unidos  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Enquanto Biden fazia viagens de campanha lentamente, a vice-presidente não parava, encontrando seu lugar em dezenas de eventos: uma blitz de meio de mandato sobre o aborto, uma turnê universitária “Fight for our Freedoms” em 2023 e uma turnê “Economic Opportunity” em 2024.

Harris recebeu apenas algumas horas de antecedência para relançar a corrida de 107 dias. Sua primeira decisão importante, depois de não conseguir falar com o marido em Los Angeles, foi dar poder a O’Malley Dillon, que se ofereceu para liderar a campanha somente se Harris lhe desse autoridade total.

A essa altura, o maior grupo externo de apoio aos democratas, o Future Forward, havia lançado uma enorme máquina de pesquisa - um conjunto de sensores com pesquisas contínuas, testes e grupos de foco que registrariam quase 14 milhões de pesquisas com eleitores em 10 meses. O trabalho foi compartilhado secretamente com a campanha de Harris por meio de um site público conhecido por poucos. Navegue até lá, espere um segundo para que a foto na página inicial fictícia desapareça, e milhões de dólares em links do Google Docs apareceram.

Cinco dias após a desistência de Biden, a pesquisa descreveu a dinâmica que moldaria a campanha democrata. “No teste de 35 clipes de discursos recentes do vice-presidente, todos tiveram resultados direcionalmente positivos”, dizia um documento. “Temas econômicos e o enquadramento da vice-presidente em seu histórico como promotora e valores são os que mais movem o voto; seus elogios ao presidente Joe Biden são os que menos o fazem.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, observa o presidente Joe Biden discursar na Casa Branca  Foto: Evan Vucci/AP

Naquela época, as pesquisas democratas estavam se recuperando. O dinheiro logo bateu recordes - US$ 1 bilhão em três meses. Pela primeira vez em oito anos, os democratas tiveram o espetáculo de grandes comícios. Harris tendia a usar clichês sem graça e testados pelo mercado, reaproveitando os maiores sucessos dos democratas do passado. Mas ela atingiu todas as marcas de julho a setembro, quando dominou Trump em seu único debate.

“Ela saiu do bullpen e jogou sete entradas sem gols”, disse Chauncey McLean, presidente do Future Forward, refletindo uma avaliação quase universal no partido.

Harris teve o benefício de um país que rejeitou a política de Trump em três eleições nacionais e uma reação que começou com a decisão da Suprema Corte dos EUA de anular o direito constitucional ao aborto. Um problema central permaneceu: Trump estava vencendo os três principais problemas dos eleitores - a economia, a inflação e o custo de vida.

Kamala Harris acena para apoiadores em um comício em Eau Claire, Wisconsin  Foto: Caroline Yang/The Washington Post

Reformulando Trump

Quando Trump deixou o cargo em 2021, 2 em cada 3 americanos desaprovavam sua presidência, e barricadas cercavam o Capitólio dos EUA. De repente um perdedor, ele continuou tentando se apresentar como um vencedor.

“Tenho um imóvel mais bonito do que o do presidente”, uma pessoa que o visitou em Bedminster, Nova Jersey, lembra-se de Trump ter dito em 2021. O senador Mitch McConnell (R-Kentucky) disse a outras pessoas que não planejava pronunciar o nome de Trump. Muitos de seus assessores tiveram dificuldades para encontrar emprego.

Mas nem Trump nem o 1 em cada 3 eleitores que ainda o apoiavam haviam terminado com a política. A conferência do Comitê de Ação Política Conservadora, que já foi uma celebração de cantores cristãos como Pat Boone e remanescentes da Guerra Fria como Dick Cheney, recebeu o ex-presidente em Orlando em fevereiro. Uma pesquisa de opinião revelou que 97% dos participantes aprovavam o trabalho de Trump como presidente. Pela primeira vez em semanas, os assessores viram Trump de bom humor.

“Ele parecia um deus lá embaixo”, disse uma pessoa envolvida na visita.

Americanos observam o presidente eleito dos Estados Unido, Donald Trump, discursar após a vitória  Foto: Brian Inganga/AP

A operação política de Trump naquele momento estava desgastada. No início de 2021, Trump havia pedido a Susie Wiles, uma aliada tranquila e sem rodeios, para assumir o controle de sua organização política. Poucas pessoas queriam ficar perto dele, pois ele estava furioso com a eleição de 2020 e estava com um humor tão ruim que muitos de seus amigos e membros do clube começaram a evitá-lo.

Wiles trabalhou em silêncio por dois anos, enquanto as investigações se desenrolavam e Trump hesitava em concorrer novamente à Casa Branca. Antes das eleições de 2022, ela contratou Chris LaCivita, um lutador político que havia feito praticamente tudo, exceto dirigir uma grande campanha presidencial.

Quando Trump anunciou sua candidatura no final de 2022, sua equipe teve dificuldades para conseguir que algum republicano sério comparecesse ao evento. Apenas alguns membros de extrema direita da Câmara compareceram. Depois veio uma onda de golpes quase fatais.

Ainda em negação sobre a eleição, Trump propôs em 2022 a “rescisão de todas as regras, regulamentos e artigos, mesmo aqueles encontrados na Constituição”, uma traição em preto e branco ao juramento que ele havia feito em 2017. Ele se reuniu em Mar-a-Lago para jantar com o rapper Ye, anteriormente conhecido como Kanye West, que recentemente prometeu “matar o povo judeu”, e Nick Fuentes, um supremacista branco e antissemita que marchou em Charlottesville no mortal comício dos nacionalistas brancos em 2017.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa em um vídeo reproduzido pela televisão francesa em um café na cidade de Paris  Foto: Aurelien Morissard/AP

Houve outros reveses - uma batida do FBI em Mar-a-Lago, dezenas de acusações federais, acusações estaduais, uma constatação civil de agressão sexual, uma constatação de fraude por parte de sua empresa em Nova York e a decisão do governador da Flórida, Ron DeSantis, de desafiar Trump com o apoio de alguns dos bolsos mais fundos da política republicana.

Diante de tudo isso, Wiles impôs a ordem. Pela primeira vez em três campanhas, Trump tinha um comando unificado trabalhando em seu nome, executando calmamente o básico. Wiles havia dito à equipe que queria que todos eles levassem uma única mensagem ao chefe. Eles tentariam defender uns aos outros.

Um dos objetivos, disse Wiles aos outros, era mudar a forma como as pessoas o viam. Trump havia aperfeiçoado sua personalidade política em seus comícios - um homem forte que rompia limites com um lado de stand-up borscht belt. Mas a campanha precisava de algo mais. Os assessores disseram a ele para publicar fotos de seus netos.

“Isso deu trabalho”, disse um assessor. “Ele tem uma certa visão que quer projetar, de um líder empresarial, em um terno de negócios, que é muito sério.”

Família de Donald Trump participa de um comício após o patriarca ser eleito presidente pela segunda vez  Foto: Evan Vucci/AP

Alex Bruesewitz, um prodígio das mídias sociais que estava no ensino médio quando Trump o retuitou pela primeira vez, ligou para o ex-presidente em um dia de golfe em julho para propor uma aparição no podcast de Theo Von, o popular comediante de stand-up de cabelo espetado. Ele poderia obter o efeito de audiência da Nielsen de uma semana de MSNBC, argumentou Bruesewitz. Trump não tinha certeza.

“Pergunte a Barron”, disse o ex-presidente sobre seu filho mais novo, agora com 18 anos e 1,80 m de altura.

Jared Kushner, genro do presidente, conectou Barron a Bruesewitz. “Ah, sim, você definitivamente deveria fazer Theo Von. Eu assisto o tempo todo”, disse o filho mais novo de Trump, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. “E então ele disse: ‘Você deveria fazer Adin Ross em seguida’”.

O padrão estava estabelecido, com um pai orgulhoso obedecendo a seu filho mais novo. “Barron aprovou isso?” perguntou Trump quando os assessores o abordaram com outra proposta.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores ao lado da esposa Melania Trump e o filho Barron Trump  Foto: Evan Vucci/AP

A campanha colocou Trump em uma bodega no Harlem, em uma barbearia do Bronx, atrás da janela do drive-through do McDonald’s e com um colete laranja de trabalhador, andando como espingarda em um caminhão de lixo. (O Serviço Secreto dos EUA negou o pedido de Trump para andar no caminhão durante a carreata, disse uma pessoa presente).

Em Von, Trump falou em detalhes sobre o vício em álcool de seu irmão falecido. No podcast de Joe Rogan, talvez o maior do país, ele especulou sobre a vida em Marte. Quando uma tentativa de assassinato quase lhe tirou a vida em Butler, Pensilvânia, ele se levantou desafiador, com o punho no ar e sangue espalhado pelo rosto. As imagens de Trump de antes - um empresário famoso no palco do debate, um presidente desafiador tropeçando em uma pandemia - foram lentamente substituídas.

“Eles o fizeram parecer normal, um cara de quem você gostaria, não como o cara que está gritando com você. O McDonald’s foi a coisa mais inteligente que eu já vi ele fazer”, disse Brad Parscale, gerente de campanha de Trump para 2020. “Ninguém prestava atenção em seus comícios, os americanos pararam de ouvir, e isso realmente o ajudou.”

Donald Trump discursa em um comício no Madison Square Garden, em Nova York  Foto: Evan Vucci/AP

Mas o conselho só foi até certo ponto. Trump se ajustaria, mas não seria contido. Ele permaneceu ultrajante no palanque. Atacava verbalmente os doadores a portas fechadas. Repetidamente, os auxiliares de Trump o diziam para se concentrar na economia, a coisa que a pesquisa mostrou que os eleitores mais se importavam, assim como o Future Forward estava fazendo. Trump, em vez disso, questionaria a raça de Kamala Harris, ou faria longos desvios em comícios sobre 2020, custando dias de ciclos de notícias à campanha.

“Mas as pessoas querem um show”, Trump disse aos assessores em agosto na Pensilvânia, quando o encorajaram a manter seus discursos mais curtos — e no teleprompter. Em outro momento, ele segurou uma pasta de pontos de discussão econômica e os considerou “chatos”, disse uma pessoa que ouviu seus comentários.

“Ele acha que pode ganhar mais do que achamos realista”, disse o assessor. “É sobre encontrar maneiras de fazer o que ele quer.”

Ninguém sabia o que viria a seguir. Um dia, ele estava focado em um novo projeto de negócios. “Ele adora esse tipo de coisa”, disse uma pessoa, descrevendo a frustração entre os assessores. Em outro dia, ele estava criando brigas com pessoas que deveriam ser seus aliados.

Trump enviou uma mensagem desagradável para Miriam Adelson, que estava gastando 110 milhões de dólares para ajudá-lo a se eleger, forçando aliados a intermediar a paz. Trump teve um encontro de reconciliação com DeSantis em seu clube de golfe que foi inicialmente incrivelmente desagradável, segundo uma pessoa com conhecimento do evento. (Taryn Fenske, porta-voz do governador, negou essa caracterização do encontro.)

Wiles estava nos bastidores em Atlanta no início de agosto, chocado enquanto Trump criticava o governador da Geórgia, Brian Kemp, e sua esposa. “Ele é o cara mais desleal que eu acho que já vi”, trovejou Trump.

Após o evento, vários assessores de Trump, incluindo Steve Witkoff, o melhor amigo do ex-presidente, imploraram a Kemp por uma détente. Witkoff voou para Atlanta para intermediar um acordo. “Kemp é um governador popular, e o aparelho no estado é totalmente controlado por ele”, disse um assessor. “Precisávamos fazer as pazes.”

O então candidato presiencial republicano, Donald Trump, participa da convenção nacional do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin  Foto: Julia Nikhinson/AP

O governador apareceu na Fox News para elogiar Trump e prometer seu voto, enquanto os assessores garantiam que Trump estivesse assistindo. O ex-presidente respondeu nas redes sociais. “Obrigado a #BrianKempGA.” Em questão de semanas, a raiva havia sido apagada, como é tão frequentemente o caso com Trump, em troca de algo que o beneficiava.

Outras tentativas de reconciliação falharam. Depois de enviar Witkoff para Kiawah Island, Carolina do Sul, os assessores de Trump pensaram ter persuadido um Trump relutante a fazer campanha com a ex-embaixadora da ONU, Nikki Haley, possivelmente uma de suas melhores potenciais substitutas para eleitores do GOP relutantes, especialmente mulheres. Um encontro na cidade com a Fox foi discutido, mas o planejamento fracassou.

Trump ainda estava furioso com os ataques de Haley durante as primárias. Em um encontro de verão com doadores em Nova York, ele chamou seus ataques de “muito desagradáveis”. “Eu não gosto dela”, disse a eles. Em meados de outubro, até mesmo a menção do nome dela o irritava. “Eles continuam falando sobre Nikki. Nikki, eu gosto da Nikki. Nikki, acho que ela não deveria ter feito o que fez”, disse ele na Fox News em 18 de outubro.

Ela respondeu semanas depois na mesma rede, criticando a campanha por permitir os insultos aos porto-riquenhos e latinos no Garden. “Este não é o momento para eles exagerarem na masculinidade com essa coisa de bromance que eles têm,” disse Haley. “Cinquenta e três por cento do eleitorado são mulheres. As mulheres vão votar.”

Então, quando as coisas ficaram difíceis em agosto, Trump tentou misturar as coisas. Ele contratou Corey Lewandowski, um ex-gerente de campanha que havia sido acusado de assédio sexual por um doador.

Apoiadores de Donald Trump erguem bandeiras do republicano em Lafayette, Califórnia  Foto: Gabrielle Lurie/AP

Lewandowski começou a ligar para todos que trabalhavam na campanha, perguntando se tinham tudo o que precisavam. Ele concluiu que a decisão inicial da campanha de investir pesadamente em mala direta foi uma má prática. Havia confusão sobre quem estava no comando.

“Ele começou a destruir o moral; começou a destruir tudo imediatamente. Ele andava de um lado para o outro e tentava obter informações e jogar as pessoas umas contra as outras - eis por que tudo o que a campanha está fazendo é errado”, disse uma pessoa daquela época. “Ele simplesmente escolhia coisas que sabia que poderia tentar - escolher as feridas do chefe.”

Por fim, Wiles e LaCivita se sentaram com Trump e disseram que não era sustentável para eles trabalharem com Lewandowski. No avião, mais tarde naquele dia, Trump disse a Lewandowski para ir à TV e ir para seu estado natal e vencer em New Hampshire.

“Eles estão no comando”, disse ele sobre Wiles e LaCivita.

Semanas depois, o Daily Beast publicou uma matéria alegando que LaCivita estava recebendo quantias “reveladoras” da campanha. Trump leu a matéria, forçando LaCivita a reunir sua própria papelada para defender seu caso com o chefe em uma reunião de 20 minutos no avião. O número não era exato, disseram LaCivita e os assessores de Trump.

Em vez de agitar ainda mais o barco, Trump concordou em seguir em frente. Mas Lewandowski também ficou por perto, voando regularmente no avião de Trump. Ele foi visto sorrindo na festa da noite da eleição na terça-feira.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, cumprimenta o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Osaka, Japão, no dia 28 de junho de 2019  Foto: Susan Walsh/AP

‘Um novo caminho a seguir’

Assim que Harris saiu do palco do debate de setembro, sua campanha sabia que ela tinha um problema. Era uma vitória clara - o vice-presidente havia dominado Trump. Mas ainda faltavam oito semanas para o dia da eleição e não havia grandes momentos no calendário. Todos nos Estados Unidos tinham uma opinião sobre Trump, mas muitos dos eleitores que ela precisava alcançar ainda não sabiam quem ela era.

Eles imediatamente desafiaram Trump para outro debate e passaram semanas provocando-o sobre isso. Chegaram até a considerar a possibilidade de debater na Fox News, a casa de Trump. Mas Wiles e LaCivita foram espertos o suficiente para perceber o desespero. Trump deixou de lado as classificações de sucesso.

David Plouffe, um consultor sênior, apresentou à equipe sua teoria do caso: A campanha tinha que encontrar uma maneira de ser a campanha mais interessante todos os dias - um padrão elevado, dada a capacidade inigualável de Trump de atrair atenção. Ela teria que criar seus próprios momentos. Depois de meses de controles rígidos sobre sua mensagem, a campanha a enviou para o circuito de palestras.

Harris procurou conquistar as mulheres no podcast “Call Her Daddy”, os homens negros no podcast “All The Smoke” e os conservadores na Fox News em uma entrevista. Ela participou de uma reunião da CNN e respondeu a algumas perguntas da equipe de imprensa que viajava com ela quase todos os dias.

O campos da Howard University depois de um comício que festejaria uma vitória de Kamala Harris, mas foi cancelado  Foto: Susan Walsh/AP

A Kamala Harris de 2021 não teria concordado tão facilmente. Ela entrou na Casa Branca com um relacionamento difícil com a mídia, sentindo-se queimada por sua curta candidatura presidencial em 2019. Embora tivesse acabado de sair de dias de preparação intensiva para o debate, ela exigiu que seus assessores apresentassem um caso convincente sobre por que ela deveria dar muitas das entrevistas, disseram os assessores.

“Qual é o público?”, ela perguntava. “O que eu preciso fazer? Quais são meus objetivos?”

O risco dessa estratégia ficou claro em uma aparição no início de outubro no programa “The View” da ABC, que a liderança da campanha considerou seu único grande erro do ciclo. Quando lhe perguntaram o que ela teria feito de diferente de Biden nos últimos quatro anos, ela hesitou. Ela havia sido preparada para uma pergunta como essa. Havia uma resposta correta - desviar, falar sobre a importância da mudança geracional e suas próprias propostas de novas políticas para o futuro. Em vez disso, ela disse: “Não há nada que me venha à mente”.

As pessoas próximas a ela interpretaram a gafe como apenas mais um exemplo de quanta lealdade ela ainda sentia por Biden, mas a equipe de Trump ficou em êxtase - sua sala de guerra irrompeu em descrença encantada no momento em que as palavras saíram de sua boca - e o momento logo começou a circular em anúncios da campanha de Trump.

Seu vínculo com o presidente logo seria testado novamente, mesmo com os dois líderes mantendo contato regular nos bastidores. Em uma passagem por New Hampshire, Biden disse que gostaria de prender Trump, antes de se corrigir rapidamente. Então, pouco antes de Harris fazer seu discurso de encerramento na Elipse da Casa Branca, Biden fez uma chamada pelo Zoom para responder aos comentários sobre o “lixo” de Garden.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com a vice-presidente Kamala Harris, em Washington  Foto: Tom Brenner/Washington Post

“O único lixo que vejo flutuando por aí são seus apoiadores”, disse Biden. Alguns dos principais assessores de Harris não estavam cientes da crise crescente dentro da Casa Branca, pois estavam do lado de fora do prédio com serviço telefônico limitado e sem WiFi. Quando souberam, ficaram exasperados. Biden queria resolver o problema, e a Casa Branca propôs à campanha uma postagem de Biden no X. Na manhã seguinte, Harris se distanciou do comentário, e sua campanha tentou afastar o presidente dos principais públicos.

Outros dilemas para a equipe de Harris não tinham uma resposta óbvia. O primeiro anúncio que eles lançaram, “Fearless”, era “um centauro”, disse uma pessoa envolvida - um compromisso entre dois anúncios diferentes. O primeiro era uma peça emocional com suas próprias palavras, usando imagens de seu comício em Milwaukee logo após a desistência de Biden. O segundo foi um spot puramente biográfico, abordando seu histórico como promotora.

Os pesquisadores e a equipe de Harris gostaram da biografia. O’Malley Dillon e os criativos gostaram de Harris em suas próprias palavras. Foi um sinal inicial do que estava por vir, uma rodada constante de telefonemas e conversas por sinal sobre como pilotar o avião com uma nova equipe, clima incerto e mapas que estavam sendo desenhados à medida que avançavam. Às vezes, decisões simples, como a emissão de uma declaração, podiam levar muito mais tempo do que deveriam, disseram os assessores da campanha.

O’Malley Dillon trouxe uma nova equipe, contratando Cutter, Plouffe e seu antigo parceiro de campo Mitch Stewart. Ela rejeitou a ideia de um único consultor de publicidade, optando por uma equipe. Ela fez questão de ouvir todos, trazendo os pesquisadores para reuniões das quais eram excluídos antes, disseram os assessores. Mas todos foram claros: as decisões finais eram dela. Ela ajudou a conduzir a decisão de ir ao Texas nas últimas semanas para se apoiar nos direitos reprodutivos. Ela defendeu o discurso na Ellipse - o argumento final de Harris argumentando que Trump era um perigo e que seu segundo mandato seria mais complicado do que o primeiro.

Apoiadores de Kamala Harris escutam a vice-presidente discursar após a derrota para Donald Trump, em Washington  Foto: Terrance Williams/AP

Eles decidiram que Harris era “Um novo caminho a seguir” poucas semanas depois de assumirem o controle. Mas o enquadramento negativo para Trump levou meses. O’Malley Dillon e outros não estavam convencidos de que o “perigoso” - que os pesquisadores estavam promovendo - era o ideal. Os números mostravam que ex-conselheiros republicanos, que haviam se desentendido com Trump, deveriam transmitir a mensagem, o que levou O’Malley Dillon a trabalhar nos telefones com a ex-congressista republicana Liz Cheney (Wyoming) e até mesmo com o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, que nunca se manifestou.

Harris e sua equipe procuraram atrair os republicanos e os independentes na reta final, fazendo campanha com Cheney e frequentemente focando nos principais ex-assessores de Trump que o criticavam. Mas alguns membros da campanha questionaram se isso funcionaria, mesmo quando Harris avançava, perguntando-se quantos eleitores indecisos existiam. Um assessor perguntou: o que a campanha estava fazendo para resolver seus problemas com outros grupos com maior probabilidade de votar?

A solução definitiva, que só veio em outubro, foi um triplo negativo aliterativo, difícil de lembrar e abrangente: “Unhinged, unstable and unchecked”.

O Future Forward, por sua vez, escolheu sua estratégia de mensagem logo no início e nunca vacilou, direcionando US$ 450 milhões em anúncios para Harris. O grupo mediu 3,71 bilhões de impressões de vídeo de seus anúncios, quase todos focados no contraste econômico entre Harris e Trump, incluindo anúncios em tagalo, mandarim, coreano, vietnamita, hindi, árabe, hmong e espanhol.

Donald Trump e Kamala Harris participam de um debate na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Eles enfrentaram vários oponentes que apoiavam Trump, o Preserve America, apoiado por Adelson, o MAGA PAC, criado por Trump, e o Right for America, com o ex-executivo da Marvel, Ike Perlmutter, comandando o programa.

Mas o Future Forward não era apenas mais um super PAC. Era uma câmara de compensação, uma fundação, mais bem financiada do que o próprio Partido Democrata. A máquina silenciosa produziu 1.048 anúncios nos primeiros 100 dias da candidatura de Harris, divulgando apenas uma porcentagem de um dígito. Ela testou e classificou mais de 700 clipes de Trump quanto à reação dos eleitores, os principais clipes de notícias, os principais memes de mídia social. Distribuiu dezenas de milhões de dólares para outros grupos, incluindo influenciadores pagos e campanhas de bater de porta em porta.

Repetidamente, o teste encontrou um único clipe que chegou ao topo - um vídeo de celular de Trump em Mar-a-Lago elogiando a riqueza das pessoas em sua plateia e prometendo torná-las mais ricas.

“‘Você é rico pra caramba’ e ‘Nós vamos lhe dar cortes de impostos’ era a nossa versão da Geico dizendo que você pode ‘Economizar 15% ou mais no seguro do seu carro’”, disse McLean, presidente da Future Forward.

A centralização da operação enfureceu muitos dos grupos que vinham se preparando há anos para apoiar os democratas, alimentando as críticas que os assessores de Biden sempre fizeram sobre a miopia das pesquisas e dos testes. Os anúncios que reuniam informações em 30 segundos geralmente eram os mais bem testados, mas isso não significava que fossem sempre os melhores, especialmente com abstrações como a democracia em votação.

“As melhores abordagens tendem a misturar arte e ciência e, às vezes, alguns de nossos financiadores, em particular, nos empurraram para uma ênfase exagerada na eficiência marginal que, na verdade, não se traduz em 2024″, disse outro estrategista democrata.

O governador de Minnesota, Tim Walz, acena para a plateia após o discurso de Kamala Harris, na Howard University, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

‘Perigosamente liberal’

Quando a equipe sênior de Trump se reuniu por telefone depois que Biden abandonou a campanha, Tony Fabrizio, o pesquisador da campanha, previu que Harris cresceria, tornando a disputa muito mais difícil. A campanha tinha que defini-la antes que ela se definisse. Eles começaram a trabalhar, mesmo quando o próprio Trump se esforçava para seguir em frente, reclamando amargamente, em público e em particular, que tinha de enfrentar um novo oponente.

Em poucos dias, eles tinham sua mensagem. Os testes mostraram que os eleitores não achavam que ela estava falando sério, então Trump a mostrou dançando em seus anúncios. “Fracassada, fraca e perigosamente liberal”, era o slogan. As duas primeiras palavras haviam sido planejadas para Biden. A piada se baseou no passado de São Francisco do novo candidato democrata.

Os próprios assessores de Trump sabiam que ele tinha um teto que provavelmente girava em torno de 48%. Eles tinham que manter o teto dela mais baixo, principalmente entre os homens negros, árabes americanos e outros, disseram dois assessores de campanha. “Temos que deixá-los incrivelmente desconfortáveis com ela”, disse uma dessas pessoas.

Trump recorreu ao pai do marido de sua filha Tiffany, o empresário libanês-americano Massad Boulos, para fazer contato com a comunidade árabe-americana. O ex-presidente, que havia sido eleito em 2016 com base em um plano para proibir a entrada de pessoas de seis países de maioria muçulmana, começou a ligar para Michigan para mostrar aos muçulmanos que ele se importava. O prefeito de Hamtramck, Amer Ghalib, que é descendente de iemenitas, acabou participando da reunião e apoiou a candidatura.

O então presidente dos Estados Unidos Donald Trump conversa com o presidente da China, Xi Jinping, em Osaka, Japão  Foto: Susan Walsh/AP

Seus conselheiros acreditavam que uma mensagem poderosa contra os democratas era a maneira desastrada de lidar com a saída do Afeganistão, que eles acreditavam ser um erro palpável do qual os americanos se lembravam.

Nenhum anúncio de Trump foi mais bem testado do que aqueles que usaram as próprias palavras de Harris em uma parada de campanha em 2019, quando ela se gabou de ter pressionado as prisões da Califórnia a oferecer atendimento médico de afirmação de gênero aos presos transgêneros, de acordo com quatro assessores. Alguns assessores esperavam que a economia e a imigração fossem suas principais mensagens.

“Não foi nem de perto”, disse uma dessas pessoas. “As questões trans e os homens em esportes femininos, todo esse tópico é o tema mais animador nos comícios de Trump, mas fiquei um pouco surpreso que isso tenha se estendido aos democratas e a todos, inclusive aos homens negros.”

Até o dia da eleição, a campanha havia gasto US$ 12 milhões ou mais em oito anúncios, de acordo com a AdImpact. Três deles eram sobre a economia. Dois deles eram sobre o tropeço de Harris no programa “The View”. Três deles eram sobre a questão dos transgêneros. “Kamala é para eles/elas. Trump é para você”, dizia um deles. Eles tentaram até mesmo traduzir os anúncios sobre transgêneros para o espanhol, mas não conseguiram descobrir como fazer isso funcionar.

A equipe de Harris nunca teve uma resposta para o ataque aos transgêneros e teve dificuldades durante todo o ciclo para encontrar respostas para outros anúncios também. O problema é que Harris apoiou a assistência médica para transgêneros aos detentos e foi filmada dizendo isso com suas próprias palavras. Essa ainda era a política, inclusive dentro do governo federal. Ela não renunciou a isso. A equipe dela apenas dobrou a mensagem sobre seus planos para o futuro.

Quando Harris disse aos apresentadores do “The View” que não discordava de Biden em nada, aplausos eclodiram dentro do quartel-general da campanha. Quando ela, eventualmente, foi forçada a visitar a fronteira EUA-México, a campanha acreditava que estava ganhando, disseram vários assessores.

“Nossa sensação sempre foi que ele vence na política. Se déssemos a ela uma luta de personalidades, estaríamos jogando no campo dela. Se tivéssemos uma campanha de vibrações, estaríamos jogando no campo dela. Se a corrida fosse sobre aborto, estaríamos jogando no campo dela”, disse outro assessor.

Enquanto isso, a equipe de Trump tentava reconstruir a maquinaria da política republicana. Quando os oficiais de Trump assumiram o RNC, eles queriam lealdade completa à campanha. Entre as primeiras perguntas que faziam aos potenciais empregados: Você acredita que a eleição de 2020 foi roubada?

Apoiadores de Donald Trump celebram após a vitória do republicano, em Lors Valley, Pensilvânia  Foto: Robert F. Bukaty/AP

Eles acreditavam que o RNC no passado tinha dados falhos, tinha gastado muito dinheiro em contato com eleitores e tinha sido preenchido com republicanos do establishment. Um conjunto de dados identificou Wiles, uma mulher branca de 60 anos, como uma mulher negra de 20 anos. Eles imediatamente descartaram os planos do RNC para os estados-chave, desistindo de planos para contratar equipe e abrir escritórios imediatamente.

“Susie queria acumular recursos até o final”, disse uma pessoa envolvida na campanha, uma estratégia que permitiu a Trump ficar empatado ou à frente de Harris em propaganda de outubro.

Ao mesmo tempo, veio a opinião de que grupos externos poderiam coordenar com a campanha nos esforços de campo. Um novo plano foi formado. “Reunimos esses grupos e explicamos nossa tese sobre a corrida, os eleitores de baixa propensão são uma necessidade, não um luxo, como vimos nas eleições intermediárias de ‘18 e ‘22″, disse um importante assessor de campanha.

Era uma grande aposta, feita não por força, mas por fraqueza. O esforço de campo democrata por fora já era muito maior. Funcionários da campanha admitiram privadamente que entregar os esforços para tirar o voto às pessoas como Charlie Kirk, chefe do Turning Point USA, e o bilionário Elon Musk era arriscado. Mas Wiles disse a outros que queriam mudar como o Partido Republicano funcionava. “Não teremos que voltar ao velho jeito”, disse ela em certo ponto, se a campanha fosse vencer.

Trump frequentemente fazia acordos transacionais, dizendo a chefes corporativos que estavam céticos em relação a ele que baixaria seus impostos. Ele prometeu aos bilionários do petróleo uma série de coisas que queriam e os incentivou a dar 1 bilhão de dólares para sua campanha. Ele disse a garçonetes e outros que não haveria impostos sobre gorjetas em uma jogada por votos. Ele deu amplo apoio à indústria de criptomoedas, que uma vez chamou de “golpe”, depois que se tornaram grandes doadores.

Dentro da operação de Trump, um sentimento de paranoia que às vezes beirava o humor macabro sustentava os últimos meses da campanha. Houve duas tentativas de assassinato, hacks iranianos de e-mail e alegações de que os chineses acreditavam estar interceptando ligações de Trump, seu companheiro de chapa JD Vance e outros.

A presença do Serviço Secreto inflou ao seu redor. De repente, havia atiradores de elite por toda parte. Ele estava sempre em frente a vidro à prova de balas. Ele não podia mais jogar golfe. Os assessores de campanha começaram a usar telefones descartáveis e pararam de usar email para grande parte do trabalho.

O republicano Donald Trump participa de um comício em Greensboro, Carolina do Norte  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Trump, que quase havia morrido, estava entre os menos impressionados. “Trump disse, ‘Eu não vou desistir do meu número de telefone, presumo que eles estejam ouvindo de qualquer maneira. O que eu me importo?’” disse um assessor.

Todos na sala Para um garoto do Queens, uma lotação completa no Madison Square Garden era o melhor que poderia conseguir — horas de homenagens planejadas e não apenas os burocratas políticos: Hulk Hogan, Dr. Phil, um Kennedy, até mesmo o homem mais rico do mundo.

Trump disse a seus principais assessores para fazerem a viagem, não importando a multidão ou o tráfego, as filas que deixavam até mesmo os ricos esperando horas. Ele colocou bilionários com sua família na carreata pela Quinta Avenida, para que pudessem ver as ruas alinhadas como em um desfile. Ele os reuniu todos nos bastidores, no vestiário do New York Rangers. Howard Lutnick da Cantor Fitzgerald, o garoto de Long Island conduzindo a transição, andava por aí apertando mãos.

“Todos na sala achavam que ele ia ganhar,” disse um assessor.

Era o Trump como sempre fora, um rei em sua corte, cercado por espetáculo e adulação. As pesquisas de Trump o mostravam em uma posição mais forte até mesmo que em 2016, quando ele virou de cabeça para baixo a mesa política da nação e tomou a Casa Branca de assalto.

“Nós vamos alcançar um sucesso que ninguém pode imaginar,” ele disse à multidão quando chegou ao palco, não importando as declarações ofensivas de seu ato de abertura, que preencheriam as manchetes por uma semana. “Esta será a nova era dourada da América.”

Claro, quando ele saiu do palco, estava furioso. Um comediante e outros artistas fizeram comentários grosseiros que estavam roubando as manchetes, provocando vários dias de cobertura negativa. Dentre eles estava a piada de que Porto Rico era uma “ilha flutuante de lixo.” Trump, que raramente expressa arrependimento, enfureceu-se por dias. “Não posso acreditar,” ele disse em um momento. “Aquele comediante me magoou, hein?” ele refletiu em outro.

Nos últimos dias da campanha, a raiva se ergueu dentro dele. Ele zombou dos outros enquanto fazia campanha, irritou-se com seu microfone, pintou imagens violentas do que as armas poderiam fazer à mídia e a um de seus oponentes políticos. Ele disse que nunca deveria ter deixado a Casa Branca quando perdeu em 2020.

Sua equipe o instou a relaxar. Ele estava ganhando. Eles tinham certeza disso — um argumento que foi validado além de algumas de suas previsões.

Wiles, seu principal assessor, fez uma jogada rara. Ela apareceu publicamente, olhando fixamente para ele no palco até que ele encerrasse o evento. No avião, a equipe implorou para que ele voltasse à mensagem, advertindo que ele poderia afastar os eleitores de que precisava. “Ele ouviu muitas, muitas pessoas. As pessoas estavam tentando fazer com que ele voltasse a se concentrar,” disse um aliado.

Apoiadores de Donald Trump escutam o então candidato republicano em um comício em Salem, Virginia  Foto: Tom Brenner/The Washington Post

Quando ele apareceu na sede de sua campanha em West Palm Beach na terça-feira pela primeira vez no ciclo, ele elogiou Wiles enquanto ela estava por perto. Toda a equipe aplaudiu e comemorou.

Então, ele disse à sala o que realmente acreditava: Não deveria haver cédulas por correio. Deveria haver votação apenas em papel no Dia da Eleição.

Nesse ponto, não importava o que ele pensasse. A mensagem vencedora já havia sido divulgada. Ele seria presidente dos Estados Unidos novamente.

O Trump Force One estava com destino a Michigan durante esta primavera, quando o ex-presidente americano se confrontou com uma de suas maiores fraquezas políticas: o aborto.

Donald Trump se gabou de seu papel em ajudar a derrubar Roe vs Wade e alguns conselheiros de longa data queriam que Trump assinasse uma proibição nacional de 15 semanas, como o limite federal de 20 semanas para o aborto que ele apoiou em seu primeiro mandato na Casa Branca. Mas sua equipe de campanha, porém, preparou uma longa apresentação para detê-lo.

Segundo a sua equipe, o republicano precisava conquistar eleitores que apoiam os referendos estaduais sobre a proteção do direito ao aborto. Se ele apoiasse uma proibição nacional como antes, estaria limitando as opções médicas em alguns Estados. Sua equipe também mostrou o mapa eleitoral, explicando que em Estados-pêndulo importantes como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin, os democratas seriam capazes de argumentar com sucesso que ele tinha revertido direitos reprodutivos das mulheres.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores em Palm Beach, Flórida  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Isso era tudo que ele precisava ouvir. Durante o voo para Michigan, ele concordou em gravar um vídeo se opondo à proibição nacional do aborto.

Logo depois, a equipe de campanha voltou com outra proposta: parar de criticar a votação antecipada, disseram. Ele precisava dos votos por correio e dos votos antecipados dos republicanos para ganhar a presidência. Ele recuou, argumentando que os eleitores deveriam votar apenas pessoalmente e no dia da eleição.

Mais uma vez, sua equipe elaborou uma apresentação escrita, mostrando a Trump os benefícios de votações antecipadas. Um importante político republicano na Pensilvânia ligou para Trump para lhe dizer como seus apoiadores estavam entusiasmados com a possibilidade de um voto antecipado. Ele relutantemente gravou um vídeo apoiando a prática, dando à campanha a munição necessária para que os anúncios transmitissem a mensagem.

Jornais do Reino Unido após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais americanas  Foto: Kirsty Wigglesworth/AP

Trump estava concorrendo à presidência depois de dois impeachments, 91 acusações criminais e 34 condenações criminais. Ele havia deixado o cargo depois de incitar um motim no Capitólio e negar os resultados de uma eleição legítima. Seus instintos políticos o levaram mais longe e mais rápido do que qualquer outro na história política americana moderna. Mas eles também o prejudicaram.

Ao lançar a sua terceira campanha para a Casa Branca, com os ventos favoráveis da indignação nacional generalizada por conta da inflação e a crise migratória na fronteira com o México, Trump tinha, pela primeira vez, uma operação política coerente e profissional. Para reconquistar a Casa Branca, ele teria que aprender a confiar naqueles que o rodeavam, e aqueles que o rodeavam teriam que aprender lhe dar espaço.

Nada correria bem. Pouco era previsível. Ele continuaria propagando notícias falsas durante a campanha, seguiria usando uma linguagem sexista e continuaria as acusações contra imigrantes sem documentos. Mas, no final, ele encontrou um caminho para uma vitória decisiva que se estendeu por estados decisivos. Sua vitória na terça-feira mostrou ganhos gerais em relação a 2020, quando a forma como lidou com a pandemia da Covid-19 lhe negou um segundo mandato. Ele foi muito bem entre os homens. Ao comemorar na noite de terça-feira, ele consolidou novamente o controle do Partido Republicano e foi cercado em seu clube palaciano, uma diferença notável em relação à sua saída da presidência de quatro anos atrás.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, participa de um comício ao lado do vice-presidente eleito, JD Vance, em Palm Beach, Flórida  Foto: Evan Vucci/AP

Ele deixou que conselheiros e familiares o convencessem a suavizar sua imagem com fotos de seus netos. Trump também apareceu em podcasts dos quais ele nunca tinha ouvido falar. Ele permitiu que sua campanha investisse pesadamente em publicidade para incentivar a votação antecipada, embora afirmasse que ninguém veria isso e que seria um desperdício de dinheiro.

Ao mesmo tempo, Trump continuou confiando nos seus próprios instintos, ignorando os conselheiros que lhe diziam para falar sobre a economia acima de tudo - e até mesmo zombando deles no palco. Em um de seus discursos finais, ele sugeriu que estaria “bem” se um homem armado tivesse que disparar contra profissionais da imprensa para atirar nele e apontou que deveria ter permanecido no cargo em 2020, depois de ter perdido. Em momentos de pânico, ele provocou brigas internas entre sua própria equipe.

Esta história dos momentos ocultos e das decisões que moldaram a campanha presidencial de 2024 se baseia em entrevistas com mais de 50 pessoas envolvidas nas campanhas democratas e republicanas para presidente, a maioria das quais falou sob condição de anonimato para discutir francamente sobre eventos privados.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, aponta para apoiadores ao lado de seu filho Barron e sua esposa Melania Trump, em Palm Beach, Flórida  Foto: Alex Brandon/AP

As pessoas envolvidas contaram a história de uma eleição como nenhuma outra, com a saída de Joe Biden da disputa, uma tentativa de assassinato ao vivo na televisão que falhou por pouco, uma mudança na chapa do Partido Democrata e gastos de mais de 2 bilhões de dólares.

Os democratas perceberam que Trump não tinha se derrotado quando desencadeou uma multidão no Capitólio dos EUA em 2021. O país terminou a eleição como tinha começado – com uma população estreitamente dividida e sem um caminho claro para a reconciliação nacional.

Quando ele entrou em um ginásio em Palm Beach na terça-feira para votar, ele havia dormido apenas algumas horas. Melania Trump estava por perto, usando óculos escuros enormes. Trump atacou Oprah Winfrey, dizendo que certa vez concordou em organizar um funeral para um associado dela em Mar-a-Lago e ela não foi grata.

Você sempre se arrepende, ele disse. Mas isso não era o importante.

“Fizemos uma ótima campanha”, disse ele.

Cartazes celebram a vitória de Donald Trump em Tel-Aviv, Israel  Foto: Oded Balilty/AP

Mudança de candidato

Mesmo nos dias mais sombrios, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden gabou-se dos seus números. “É essencialmente uma disputa acirrada”, disse ele a Lester Holt, da NBC, em uma entrevista no dia 15 de julho, enquanto o Partido Democrata se rebelava em torno dele.

Naquele momento, a arrecadação de fundos estava com menos dinheiro. Os voluntários eram difíceis de recrutar. Pesquisas internas da campanha não tiveram muito efeito porque muitos dos principais assessores de Biden afirmavam que as sondagens tinham valor limitado. A sua equipe de campanha exigiu um debate em junho com Trump para impulsionar a corrida presidencial, apenas para vê-la explodir na sua cara.

Três dias depois da entrevista com Holt, Biden estava em isolamento devido à covid-19 em Delaware quando os três principais pesquisadores da campanha – Geoff Garin, Molly Murphy e Jef Pollock – finalmente conseguiram um tempo com a equipe sênior da Casa Branca, incluindo o chefe de gabinete Jeff Zients, conselheiro Steve Ricchetti, a consultora de comunicações Anita Dunn e o guru político de Biden, Mike Donilon. A coordenadora da campanha, Jen O’Malley Dillon, pediu para eles serem honestos antes da reunião.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de um evento com sindicatos na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Manuel Balce Ceneta/AP

O trio trouxe 10 pesquisas e poucas boas notícias, segundo diversas pessoas familiarizadas com o encontro. Alguns dos estados indecisos ainda estavam dentro da margem de erro, claro. Mas isso mascarou problemas estruturais profundos no eleitorado. Os fundamentos haviam caído. Os pesquisadores usaram dados de outros clientes, em estados como Virgínia e Novo México, porque a campanha não tinha pesquisas próprias.

A notícia não foi surpreendente e nem bem recebida. A equipe de Biden diminuiu o número de pesquisas internas por esta razão, convencida de que a sua ciência se tinha tornado menos preditiva, embora as suas ferramentas reivindicassem maior precisão. A equipe de Biden ainda não tinha dúvidas de que ele poderia vencer. Um conselheiro sênior da Casa Branca reclamou após a reunião, dizendo que era função da equipe de campanha delinear o caminho para a vitória, e não dizer que não havia um, de acordo com várias pessoas informadas sobre os comentários.

Mas já era tarde demais para decoro ou debates sobre métodos de pesquisa.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursa na Casa Branca após desistir da corrida presidencial por um segundo mandato  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Os líderes democratas de Nova York, como o líder da maioria no Senado, Charles Schumer, e o líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, já haviam conversado com o presidente. Em uma reunião privada no dia 8 de julho em Harrisburg, Pensilvânia, o governador Josh Shapiro foi direto quando o presidente perguntou sobre a campanha. Shapiro disse que faria o que pudesse para ajudar Biden, mas as coisas estavam em um estado sombrio.

Biden estava trabalhando no dia 21 de julho, quando se retirou da disputa. Ele passou aquela manhã de domingo ao telefone com o primeiro-ministro esloveno para dar os retoques finais na troca de prisioneiros mais complicada da história moderna, segundo uma pessoa familiarizada com os acontecimentos. Ele passou a noite ligando para cerca de 50 líderes partidários para agradecer-lhes pelo apoio e incentivá-los a apoiar Kamala.

Ninguém na órbita sénior de Biden, incluindo o presidente, pensava que havia outra opção senão a vice-presidente, que poderia legalmente manter a operação de Biden.

“Os doadores encomendaram pesquisas que mostravam que a única candidata que seria mais fraca do que Biden era Kamala Harris e isso estava cheio de, bem, fezes” disse um assessor de Biden. “Não se pode projetar essas coisas. É um uso indevido de dados.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, discursa após reconhecer a derrota para o presidente eleito Donald Trump  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Donald Trump

Kamala havia experimentado várias marcas em sua carreira antes de se estabelecer como o segundo violino - promotora, filha de Oakland, porta-voz da “verdade”. Até que a ligação chegou neste verão, sua cautela e lealdade a Biden dominaram. Sua equipe inicialmente recusou pedidos dos próprios assessores de Biden para que ela falasse com doadores e ativistas. Eles não queriam alimentar nenhuma especulação.

O único plano de campanha de Harris que existia havia sido rabiscado secretamente pela equipe em um papel, no caso de um conselheiro sênior da campanha, ou discutido em voz baixa em telefonemas tarde da noite. O’Malley Dillon não permitia reuniões em Wilmington. Nem mesmo os assessores mais próximos de Harris compartilhavam o que estavam fazendo com ela.

Mas Harris estava se preparando há meses, à vista de todos, fazendo exercícios para se aperfeiçoar. Stephanie Cutter, uma especialista em comunicação que trabalhou para o presidente Barack Obama, vinha fazendo discretamente treinamento de mídia com Harris, um esforço revelado pelos registros de visitantes da Casa Branca que mostravam suas visitas a Harris a partir de dezembro.

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, gesticula após discursar na Howard University, em Washington, Estados Unidos  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

Enquanto Biden fazia viagens de campanha lentamente, a vice-presidente não parava, encontrando seu lugar em dezenas de eventos: uma blitz de meio de mandato sobre o aborto, uma turnê universitária “Fight for our Freedoms” em 2023 e uma turnê “Economic Opportunity” em 2024.

Harris recebeu apenas algumas horas de antecedência para relançar a corrida de 107 dias. Sua primeira decisão importante, depois de não conseguir falar com o marido em Los Angeles, foi dar poder a O’Malley Dillon, que se ofereceu para liderar a campanha somente se Harris lhe desse autoridade total.

A essa altura, o maior grupo externo de apoio aos democratas, o Future Forward, havia lançado uma enorme máquina de pesquisa - um conjunto de sensores com pesquisas contínuas, testes e grupos de foco que registrariam quase 14 milhões de pesquisas com eleitores em 10 meses. O trabalho foi compartilhado secretamente com a campanha de Harris por meio de um site público conhecido por poucos. Navegue até lá, espere um segundo para que a foto na página inicial fictícia desapareça, e milhões de dólares em links do Google Docs apareceram.

Cinco dias após a desistência de Biden, a pesquisa descreveu a dinâmica que moldaria a campanha democrata. “No teste de 35 clipes de discursos recentes do vice-presidente, todos tiveram resultados direcionalmente positivos”, dizia um documento. “Temas econômicos e o enquadramento da vice-presidente em seu histórico como promotora e valores são os que mais movem o voto; seus elogios ao presidente Joe Biden são os que menos o fazem.”

A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, observa o presidente Joe Biden discursar na Casa Branca  Foto: Evan Vucci/AP

Naquela época, as pesquisas democratas estavam se recuperando. O dinheiro logo bateu recordes - US$ 1 bilhão em três meses. Pela primeira vez em oito anos, os democratas tiveram o espetáculo de grandes comícios. Harris tendia a usar clichês sem graça e testados pelo mercado, reaproveitando os maiores sucessos dos democratas do passado. Mas ela atingiu todas as marcas de julho a setembro, quando dominou Trump em seu único debate.

“Ela saiu do bullpen e jogou sete entradas sem gols”, disse Chauncey McLean, presidente do Future Forward, refletindo uma avaliação quase universal no partido.

Harris teve o benefício de um país que rejeitou a política de Trump em três eleições nacionais e uma reação que começou com a decisão da Suprema Corte dos EUA de anular o direito constitucional ao aborto. Um problema central permaneceu: Trump estava vencendo os três principais problemas dos eleitores - a economia, a inflação e o custo de vida.

Kamala Harris acena para apoiadores em um comício em Eau Claire, Wisconsin  Foto: Caroline Yang/The Washington Post

Reformulando Trump

Quando Trump deixou o cargo em 2021, 2 em cada 3 americanos desaprovavam sua presidência, e barricadas cercavam o Capitólio dos EUA. De repente um perdedor, ele continuou tentando se apresentar como um vencedor.

“Tenho um imóvel mais bonito do que o do presidente”, uma pessoa que o visitou em Bedminster, Nova Jersey, lembra-se de Trump ter dito em 2021. O senador Mitch McConnell (R-Kentucky) disse a outras pessoas que não planejava pronunciar o nome de Trump. Muitos de seus assessores tiveram dificuldades para encontrar emprego.

Mas nem Trump nem o 1 em cada 3 eleitores que ainda o apoiavam haviam terminado com a política. A conferência do Comitê de Ação Política Conservadora, que já foi uma celebração de cantores cristãos como Pat Boone e remanescentes da Guerra Fria como Dick Cheney, recebeu o ex-presidente em Orlando em fevereiro. Uma pesquisa de opinião revelou que 97% dos participantes aprovavam o trabalho de Trump como presidente. Pela primeira vez em semanas, os assessores viram Trump de bom humor.

“Ele parecia um deus lá embaixo”, disse uma pessoa envolvida na visita.

Americanos observam o presidente eleito dos Estados Unido, Donald Trump, discursar após a vitória  Foto: Brian Inganga/AP

A operação política de Trump naquele momento estava desgastada. No início de 2021, Trump havia pedido a Susie Wiles, uma aliada tranquila e sem rodeios, para assumir o controle de sua organização política. Poucas pessoas queriam ficar perto dele, pois ele estava furioso com a eleição de 2020 e estava com um humor tão ruim que muitos de seus amigos e membros do clube começaram a evitá-lo.

Wiles trabalhou em silêncio por dois anos, enquanto as investigações se desenrolavam e Trump hesitava em concorrer novamente à Casa Branca. Antes das eleições de 2022, ela contratou Chris LaCivita, um lutador político que havia feito praticamente tudo, exceto dirigir uma grande campanha presidencial.

Quando Trump anunciou sua candidatura no final de 2022, sua equipe teve dificuldades para conseguir que algum republicano sério comparecesse ao evento. Apenas alguns membros de extrema direita da Câmara compareceram. Depois veio uma onda de golpes quase fatais.

Ainda em negação sobre a eleição, Trump propôs em 2022 a “rescisão de todas as regras, regulamentos e artigos, mesmo aqueles encontrados na Constituição”, uma traição em preto e branco ao juramento que ele havia feito em 2017. Ele se reuniu em Mar-a-Lago para jantar com o rapper Ye, anteriormente conhecido como Kanye West, que recentemente prometeu “matar o povo judeu”, e Nick Fuentes, um supremacista branco e antissemita que marchou em Charlottesville no mortal comício dos nacionalistas brancos em 2017.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, discursa em um vídeo reproduzido pela televisão francesa em um café na cidade de Paris  Foto: Aurelien Morissard/AP

Houve outros reveses - uma batida do FBI em Mar-a-Lago, dezenas de acusações federais, acusações estaduais, uma constatação civil de agressão sexual, uma constatação de fraude por parte de sua empresa em Nova York e a decisão do governador da Flórida, Ron DeSantis, de desafiar Trump com o apoio de alguns dos bolsos mais fundos da política republicana.

Diante de tudo isso, Wiles impôs a ordem. Pela primeira vez em três campanhas, Trump tinha um comando unificado trabalhando em seu nome, executando calmamente o básico. Wiles havia dito à equipe que queria que todos eles levassem uma única mensagem ao chefe. Eles tentariam defender uns aos outros.

Um dos objetivos, disse Wiles aos outros, era mudar a forma como as pessoas o viam. Trump havia aperfeiçoado sua personalidade política em seus comícios - um homem forte que rompia limites com um lado de stand-up borscht belt. Mas a campanha precisava de algo mais. Os assessores disseram a ele para publicar fotos de seus netos.

“Isso deu trabalho”, disse um assessor. “Ele tem uma certa visão que quer projetar, de um líder empresarial, em um terno de negócios, que é muito sério.”

Família de Donald Trump participa de um comício após o patriarca ser eleito presidente pela segunda vez  Foto: Evan Vucci/AP

Alex Bruesewitz, um prodígio das mídias sociais que estava no ensino médio quando Trump o retuitou pela primeira vez, ligou para o ex-presidente em um dia de golfe em julho para propor uma aparição no podcast de Theo Von, o popular comediante de stand-up de cabelo espetado. Ele poderia obter o efeito de audiência da Nielsen de uma semana de MSNBC, argumentou Bruesewitz. Trump não tinha certeza.

“Pergunte a Barron”, disse o ex-presidente sobre seu filho mais novo, agora com 18 anos e 1,80 m de altura.

Jared Kushner, genro do presidente, conectou Barron a Bruesewitz. “Ah, sim, você definitivamente deveria fazer Theo Von. Eu assisto o tempo todo”, disse o filho mais novo de Trump, de acordo com uma pessoa informada sobre a conversa. “E então ele disse: ‘Você deveria fazer Adin Ross em seguida’”.

O padrão estava estabelecido, com um pai orgulhoso obedecendo a seu filho mais novo. “Barron aprovou isso?” perguntou Trump quando os assessores o abordaram com outra proposta.

O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, acena para apoiadores ao lado da esposa Melania Trump e o filho Barron Trump  Foto: Evan Vucci/AP

A campanha colocou Trump em uma bodega no Harlem, em uma barbearia do Bronx, atrás da janela do drive-through do McDonald’s e com um colete laranja de trabalhador, andando como espingarda em um caminhão de lixo. (O Serviço Secreto dos EUA negou o pedido de Trump para andar no caminhão durante a carreata, disse uma pessoa presente).

Em Von, Trump falou em detalhes sobre o vício em álcool de seu irmão falecido. No podcast de Joe Rogan, talvez o maior do país, ele especulou sobre a vida em Marte. Quando uma tentativa de assassinato quase lhe tirou a vida em Butler, Pensilvânia, ele se levantou desafiador, com o punho no ar e sangue espalhado pelo rosto. As imagens de Trump de antes - um empresário famoso no palco do debate, um presidente desafiador tropeçando em uma pandemia - foram lentamente substituídas.

“Eles o fizeram parecer normal, um cara de quem você gostaria, não como o cara que está gritando com você. O McDonald’s foi a coisa mais inteligente que eu já vi ele fazer”, disse Brad Parscale, gerente de campanha de Trump para 2020. “Ninguém prestava atenção em seus comícios, os americanos pararam de ouvir, e isso realmente o ajudou.”

Donald Trump discursa em um comício no Madison Square Garden, em Nova York  Foto: Evan Vucci/AP

Mas o conselho só foi até certo ponto. Trump se ajustaria, mas não seria contido. Ele permaneceu ultrajante no palanque. Atacava verbalmente os doadores a portas fechadas. Repetidamente, os auxiliares de Trump o diziam para se concentrar na economia, a coisa que a pesquisa mostrou que os eleitores mais se importavam, assim como o Future Forward estava fazendo. Trump, em vez disso, questionaria a raça de Kamala Harris, ou faria longos desvios em comícios sobre 2020, custando dias de ciclos de notícias à campanha.

“Mas as pessoas querem um show”, Trump disse aos assessores em agosto na Pensilvânia, quando o encorajaram a manter seus discursos mais curtos — e no teleprompter. Em outro momento, ele segurou uma pasta de pontos de discussão econômica e os considerou “chatos”, disse uma pessoa que ouviu seus comentários.

“Ele acha que pode ganhar mais do que achamos realista”, disse o assessor. “É sobre encontrar maneiras de fazer o que ele quer.”

Ninguém sabia o que viria a seguir. Um dia, ele estava focado em um novo projeto de negócios. “Ele adora esse tipo de coisa”, disse uma pessoa, descrevendo a frustração entre os assessores. Em outro dia, ele estava criando brigas com pessoas que deveriam ser seus aliados.

Trump enviou uma mensagem desagradável para Miriam Adelson, que estava gastando 110 milhões de dólares para ajudá-lo a se eleger, forçando aliados a intermediar a paz. Trump teve um encontro de reconciliação com DeSantis em seu clube de golfe que foi inicialmente incrivelmente desagradável, segundo uma pessoa com conhecimento do evento. (Taryn Fenske, porta-voz do governador, negou essa caracterização do encontro.)

Wiles estava nos bastidores em Atlanta no início de agosto, chocado enquanto Trump criticava o governador da Geórgia, Brian Kemp, e sua esposa. “Ele é o cara mais desleal que eu acho que já vi”, trovejou Trump.

Após o evento, vários assessores de Trump, incluindo Steve Witkoff, o melhor amigo do ex-presidente, imploraram a Kemp por uma détente. Witkoff voou para Atlanta para intermediar um acordo. “Kemp é um governador popular, e o aparelho no estado é totalmente controlado por ele”, disse um assessor. “Precisávamos fazer as pazes.”

O então candidato presiencial republicano, Donald Trump, participa da convenção nacional do Partido Republicano, em Milwaukee, Wisconsin  Foto: Julia Nikhinson/AP

O governador apareceu na Fox News para elogiar Trump e prometer seu voto, enquanto os assessores garantiam que Trump estivesse assistindo. O ex-presidente respondeu nas redes sociais. “Obrigado a #BrianKempGA.” Em questão de semanas, a raiva havia sido apagada, como é tão frequentemente o caso com Trump, em troca de algo que o beneficiava.

Outras tentativas de reconciliação falharam. Depois de enviar Witkoff para Kiawah Island, Carolina do Sul, os assessores de Trump pensaram ter persuadido um Trump relutante a fazer campanha com a ex-embaixadora da ONU, Nikki Haley, possivelmente uma de suas melhores potenciais substitutas para eleitores do GOP relutantes, especialmente mulheres. Um encontro na cidade com a Fox foi discutido, mas o planejamento fracassou.

Trump ainda estava furioso com os ataques de Haley durante as primárias. Em um encontro de verão com doadores em Nova York, ele chamou seus ataques de “muito desagradáveis”. “Eu não gosto dela”, disse a eles. Em meados de outubro, até mesmo a menção do nome dela o irritava. “Eles continuam falando sobre Nikki. Nikki, eu gosto da Nikki. Nikki, acho que ela não deveria ter feito o que fez”, disse ele na Fox News em 18 de outubro.

Ela respondeu semanas depois na mesma rede, criticando a campanha por permitir os insultos aos porto-riquenhos e latinos no Garden. “Este não é o momento para eles exagerarem na masculinidade com essa coisa de bromance que eles têm,” disse Haley. “Cinquenta e três por cento do eleitorado são mulheres. As mulheres vão votar.”

Então, quando as coisas ficaram difíceis em agosto, Trump tentou misturar as coisas. Ele contratou Corey Lewandowski, um ex-gerente de campanha que havia sido acusado de assédio sexual por um doador.

Apoiadores de Donald Trump erguem bandeiras do republicano em Lafayette, Califórnia  Foto: Gabrielle Lurie/AP

Lewandowski começou a ligar para todos que trabalhavam na campanha, perguntando se tinham tudo o que precisavam. Ele concluiu que a decisão inicial da campanha de investir pesadamente em mala direta foi uma má prática. Havia confusão sobre quem estava no comando.

“Ele começou a destruir o moral; começou a destruir tudo imediatamente. Ele andava de um lado para o outro e tentava obter informações e jogar as pessoas umas contra as outras - eis por que tudo o que a campanha está fazendo é errado”, disse uma pessoa daquela época. “Ele simplesmente escolhia coisas que sabia que poderia tentar - escolher as feridas do chefe.”

Por fim, Wiles e LaCivita se sentaram com Trump e disseram que não era sustentável para eles trabalharem com Lewandowski. No avião, mais tarde naquele dia, Trump disse a Lewandowski para ir à TV e ir para seu estado natal e vencer em New Hampshire.

“Eles estão no comando”, disse ele sobre Wiles e LaCivita.

Semanas depois, o Daily Beast publicou uma matéria alegando que LaCivita estava recebendo quantias “reveladoras” da campanha. Trump leu a matéria, forçando LaCivita a reunir sua própria papelada para defender seu caso com o chefe em uma reunião de 20 minutos no avião. O número não era exato, disseram LaCivita e os assessores de Trump.

Em vez de agitar ainda mais o barco, Trump concordou em seguir em frente. Mas Lewandowski também ficou por perto, voando regularmente no avião de Trump. Ele foi visto sorrindo na festa da noite da eleição na terça-feira.

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, cumprimenta o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em Osaka, Japão, no dia 28 de junho de 2019  Foto: Susan Walsh/AP

‘Um novo caminho a seguir’

Assim que Harris saiu do palco do debate de setembro, sua campanha sabia que ela tinha um problema. Era uma vitória clara - o vice-presidente havia dominado Trump. Mas ainda faltavam oito semanas para o dia da eleição e não havia grandes momentos no calendário. Todos nos Estados Unidos tinham uma opinião sobre Trump, mas muitos dos eleitores que ela precisava alcançar ainda não sabiam quem ela era.

Eles imediatamente desafiaram Trump para outro debate e passaram semanas provocando-o sobre isso. Chegaram até a considerar a possibilidade de debater na Fox News, a casa de Trump. Mas Wiles e LaCivita foram espertos o suficiente para perceber o desespero. Trump deixou de lado as classificações de sucesso.

David Plouffe, um consultor sênior, apresentou à equipe sua teoria do caso: A campanha tinha que encontrar uma maneira de ser a campanha mais interessante todos os dias - um padrão elevado, dada a capacidade inigualável de Trump de atrair atenção. Ela teria que criar seus próprios momentos. Depois de meses de controles rígidos sobre sua mensagem, a campanha a enviou para o circuito de palestras.

Harris procurou conquistar as mulheres no podcast “Call Her Daddy”, os homens negros no podcast “All The Smoke” e os conservadores na Fox News em uma entrevista. Ela participou de uma reunião da CNN e respondeu a algumas perguntas da equipe de imprensa que viajava com ela quase todos os dias.

O campos da Howard University depois de um comício que festejaria uma vitória de Kamala Harris, mas foi cancelado  Foto: Susan Walsh/AP

A Kamala Harris de 2021 não teria concordado tão facilmente. Ela entrou na Casa Branca com um relacionamento difícil com a mídia, sentindo-se queimada por sua curta candidatura presidencial em 2019. Embora tivesse acabado de sair de dias de preparação intensiva para o debate, ela exigiu que seus assessores apresentassem um caso convincente sobre por que ela deveria dar muitas das entrevistas, disseram os assessores.

“Qual é o público?”, ela perguntava. “O que eu preciso fazer? Quais são meus objetivos?”

O risco dessa estratégia ficou claro em uma aparição no início de outubro no programa “The View” da ABC, que a liderança da campanha considerou seu único grande erro do ciclo. Quando lhe perguntaram o que ela teria feito de diferente de Biden nos últimos quatro anos, ela hesitou. Ela havia sido preparada para uma pergunta como essa. Havia uma resposta correta - desviar, falar sobre a importância da mudança geracional e suas próprias propostas de novas políticas para o futuro. Em vez disso, ela disse: “Não há nada que me venha à mente”.

As pessoas próximas a ela interpretaram a gafe como apenas mais um exemplo de quanta lealdade ela ainda sentia por Biden, mas a equipe de Trump ficou em êxtase - sua sala de guerra irrompeu em descrença encantada no momento em que as palavras saíram de sua boca - e o momento logo começou a circular em anúncios da campanha de Trump.

Seu vínculo com o presidente logo seria testado novamente, mesmo com os dois líderes mantendo contato regular nos bastidores. Em uma passagem por New Hampshire, Biden disse que gostaria de prender Trump, antes de se corrigir rapidamente. Então, pouco antes de Harris fazer seu discurso de encerramento na Elipse da Casa Branca, Biden fez uma chamada pelo Zoom para responder aos comentários sobre o “lixo” de Garden.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversa com a vice-presidente Kamala Harris, em Washington  Foto: Tom Brenner/Washington Post

“O único lixo que vejo flutuando por aí são seus apoiadores”, disse Biden. Alguns dos principais assessores de Harris não estavam cientes da crise crescente dentro da Casa Branca, pois estavam do lado de fora do prédio com serviço telefônico limitado e sem WiFi. Quando souberam, ficaram exasperados. Biden queria resolver o problema, e a Casa Branca propôs à campanha uma postagem de Biden no X. Na manhã seguinte, Harris se distanciou do comentário, e sua campanha tentou afastar o presidente dos principais públicos.

Outros dilemas para a equipe de Harris não tinham uma resposta óbvia. O primeiro anúncio que eles lançaram, “Fearless”, era “um centauro”, disse uma pessoa envolvida - um compromisso entre dois anúncios diferentes. O primeiro era uma peça emocional com suas próprias palavras, usando imagens de seu comício em Milwaukee logo após a desistência de Biden. O segundo foi um spot puramente biográfico, abordando seu histórico como promotora.

Os pesquisadores e a equipe de Harris gostaram da biografia. O’Malley Dillon e os criativos gostaram de Harris em suas próprias palavras. Foi um sinal inicial do que estava por vir, uma rodada constante de telefonemas e conversas por sinal sobre como pilotar o avião com uma nova equipe, clima incerto e mapas que estavam sendo desenhados à medida que avançavam. Às vezes, decisões simples, como a emissão de uma declaração, podiam levar muito mais tempo do que deveriam, disseram os assessores da campanha.

O’Malley Dillon trouxe uma nova equipe, contratando Cutter, Plouffe e seu antigo parceiro de campo Mitch Stewart. Ela rejeitou a ideia de um único consultor de publicidade, optando por uma equipe. Ela fez questão de ouvir todos, trazendo os pesquisadores para reuniões das quais eram excluídos antes, disseram os assessores. Mas todos foram claros: as decisões finais eram dela. Ela ajudou a conduzir a decisão de ir ao Texas nas últimas semanas para se apoiar nos direitos reprodutivos. Ela defendeu o discurso na Ellipse - o argumento final de Harris argumentando que Trump era um perigo e que seu segundo mandato seria mais complicado do que o primeiro.

Apoiadores de Kamala Harris escutam a vice-presidente discursar após a derrota para Donald Trump, em Washington  Foto: Terrance Williams/AP

Eles decidiram que Harris era “Um novo caminho a seguir” poucas semanas depois de assumirem o controle. Mas o enquadramento negativo para Trump levou meses. O’Malley Dillon e outros não estavam convencidos de que o “perigoso” - que os pesquisadores estavam promovendo - era o ideal. Os números mostravam que ex-conselheiros republicanos, que haviam se desentendido com Trump, deveriam transmitir a mensagem, o que levou O’Malley Dillon a trabalhar nos telefones com a ex-congressista republicana Liz Cheney (Wyoming) e até mesmo com o ex-governador de Nova Jersey Chris Christie, que nunca se manifestou.

Harris e sua equipe procuraram atrair os republicanos e os independentes na reta final, fazendo campanha com Cheney e frequentemente focando nos principais ex-assessores de Trump que o criticavam. Mas alguns membros da campanha questionaram se isso funcionaria, mesmo quando Harris avançava, perguntando-se quantos eleitores indecisos existiam. Um assessor perguntou: o que a campanha estava fazendo para resolver seus problemas com outros grupos com maior probabilidade de votar?

A solução definitiva, que só veio em outubro, foi um triplo negativo aliterativo, difícil de lembrar e abrangente: “Unhinged, unstable and unchecked”.

O Future Forward, por sua vez, escolheu sua estratégia de mensagem logo no início e nunca vacilou, direcionando US$ 450 milhões em anúncios para Harris. O grupo mediu 3,71 bilhões de impressões de vídeo de seus anúncios, quase todos focados no contraste econômico entre Harris e Trump, incluindo anúncios em tagalo, mandarim, coreano, vietnamita, hindi, árabe, hmong e espanhol.

Donald Trump e Kamala Harris participam de um debate na Filadélfia, Pensilvânia  Foto: Demetrius Freeman/The Washington Post

Eles enfrentaram vários oponentes que apoiavam Trump, o Preserve America, apoiado por Adelson, o MAGA PAC, criado por Trump, e o Right for America, com o ex-executivo da Marvel, Ike Perlmutter, comandando o programa.

Mas o Future Forward não era apenas mais um super PAC. Era uma câmara de compensação, uma fundação, mais bem financiada do que o próprio Partido Democrata. A máquina silenciosa produziu 1.048 anúncios nos primeiros 100 dias da candidatura de Harris, divulgando apenas uma porcentagem de um dígito. Ela testou e classificou mais de 700 clipes de Trump quanto à reação dos eleitores, os principais clipes de notícias, os principais memes de mídia social. Distribuiu dezenas de milhões de dólares para outros grupos, incluindo influenciadores pagos e campanhas de bater de porta em porta.

Repetidamente, o teste encontrou um único clipe que chegou ao topo - um vídeo de celular de Trump em Mar-a-Lago elogiando a riqueza das pessoas em sua plateia e prometendo torná-las mais ricas.

“‘Você é rico pra caramba’ e ‘Nós vamos lhe dar cortes de impostos’ era a nossa versão da Geico dizendo que você pode ‘Economizar 15% ou mais no seguro do seu carro’”, disse McLean, presidente da Future Forward.

A centralização da operação enfureceu muitos dos grupos que vinham se preparando há anos para apoiar os democratas, alimentando as críticas que os assessores de Biden sempre fizeram sobre a miopia das pesquisas e dos testes. Os anúncios que reuniam informações em 30 segundos geralmente eram os mais bem testados, mas isso não significava que fossem sempre os melhores, especialmente com abstrações como a democracia em votação.

“As melhores abordagens tendem a misturar arte e ciência e, às vezes, alguns de nossos financiadores, em particular, nos empurraram para uma ênfase exagerada na eficiência marginal que, na verdade, não se traduz em 2024″, disse outro estrategista democrata.

O governador de Minnesota, Tim Walz, acena para a plateia após o discurso de Kamala Harris, na Howard University, em Washington  Foto: Stephanie Scarbrough/AP

‘Perigosamente liberal’

Quando a equipe sênior de Trump se reuniu por telefone depois que Biden abandonou a campanha, Tony Fabrizio, o pesquisador da campanha, previu que Harris cresceria, tornando a disputa muito mais difícil. A campanha tinha que defini-la antes que ela se definisse. Eles começaram a trabalhar, mesmo quando o próprio Trump se esforçava para seguir em frente, reclamando amargamente, em público e em particular, que tinha de enfrentar um novo oponente.

Em poucos dias, eles tinham sua mensagem. Os testes mostraram que os eleitores não achavam que ela estava falando sério, então Trump a mostrou dançando em seus anúncios. “Fracassada, fraca e perigosamente liberal”, era o slogan. As duas primeiras palavras haviam sido planejadas para Biden. A piada se baseou no passado de São Francisco do novo candidato democrata.

Os próprios assessores de Trump sabiam que ele tinha um teto que provavelmente girava em torno de 48%. Eles tinham que manter o teto dela mais baixo, principalmente entre os homens negros, árabes americanos e outros, disseram dois assessores de campanha. “Temos que deixá-los incrivelmente desconfortáveis com ela”, disse uma dessas pessoas.

Trump recorreu ao pai do marido de sua filha Tiffany, o empresário libanês-americano Massad Boulos, para fazer contato com a comunidade árabe-americana. O ex-presidente, que havia sido eleito em 2016 com base em um plano para proibir a entrada de pessoas de seis países de maioria muçulmana, começou a ligar para Michigan para mostrar aos muçulmanos que ele se importava. O prefeito de Hamtramck, Amer Ghalib, que é descendente de iemenitas, acabou participando da reunião e apoiou a candidatura.

O então presidente dos Estados Unidos Donald Trump conversa com o presidente da China, Xi Jinping, em Osaka, Japão  Foto: Susan Walsh/AP

Seus conselheiros acreditavam que uma mensagem poderosa contra os democratas era a maneira desastrada de lidar com a saída do Afeganistão, que eles acreditavam ser um erro palpável do qual os americanos se lembravam.

Nenhum anúncio de Trump foi mais bem testado do que aqueles que usaram as próprias palavras de Harris em uma parada de campanha em 2019, quando ela se gabou de ter pressionado as prisões da Califórnia a oferecer atendimento médico de afirmação de gênero aos presos transgêneros, de acordo com quatro assessores. Alguns assessores esperavam que a economia e a imigração fossem suas principais mensagens.

“Não foi nem de perto”, disse uma dessas pessoas. “As questões trans e os homens em esportes femininos, todo esse tópico é o tema mais animador nos comícios de Trump, mas fiquei um pouco surpreso que isso tenha se estendido aos democratas e a todos, inclusive aos homens negros.”

Até o dia da eleição, a campanha havia gasto US$ 12 milhões ou mais em oito anúncios, de acordo com a AdImpact. Três deles eram sobre a economia. Dois deles eram sobre o tropeço de Harris no programa “The View”. Três deles eram sobre a questão dos transgêneros. “Kamala é para eles/elas. Trump é para você”, dizia um deles. Eles tentaram até mesmo traduzir os anúncios sobre transgêneros para o espanhol, mas não conseguiram descobrir como fazer isso funcionar.

A equipe de Harris nunca teve uma resposta para o ataque aos transgêneros e teve dificuldades durante todo o ciclo para encontrar respostas para outros anúncios também. O problema é que Harris apoiou a assistência médica para transgêneros aos detentos e foi filmada dizendo isso com suas próprias palavras. Essa ainda era a política, inclusive dentro do governo federal. Ela não renunciou a isso. A equipe dela apenas dobrou a mensagem sobre seus planos para o futuro.

Quando Harris disse aos apresentadores do “The View” que não discordava de Biden em nada, aplausos eclodiram dentro do quartel-general da campanha. Quando ela, eventualmente, foi forçada a visitar a fronteira EUA-México, a campanha acreditava que estava ganhando, disseram vários assessores.

“Nossa sensação sempre foi que ele vence na política. Se déssemos a ela uma luta de personalidades, estaríamos jogando no campo dela. Se tivéssemos uma campanha de vibrações, estaríamos jogando no campo dela. Se a corrida fosse sobre aborto, estaríamos jogando no campo dela”, disse outro assessor.

Enquanto isso, a equipe de Trump tentava reconstruir a maquinaria da política republicana. Quando os oficiais de Trump assumiram o RNC, eles queriam lealdade completa à campanha. Entre as primeiras perguntas que faziam aos potenciais empregados: Você acredita que a eleição de 2020 foi roubada?

Apoiadores de Donald Trump celebram após a vitória do republicano, em Lors Valley, Pensilvânia  Foto: Robert F. Bukaty/AP

Eles acreditavam que o RNC no passado tinha dados falhos, tinha gastado muito dinheiro em contato com eleitores e tinha sido preenchido com republicanos do establishment. Um conjunto de dados identificou Wiles, uma mulher branca de 60 anos, como uma mulher negra de 20 anos. Eles imediatamente descartaram os planos do RNC para os estados-chave, desistindo de planos para contratar equipe e abrir escritórios imediatamente.

“Susie queria acumular recursos até o final”, disse uma pessoa envolvida na campanha, uma estratégia que permitiu a Trump ficar empatado ou à frente de Harris em propaganda de outubro.

Ao mesmo tempo, veio a opinião de que grupos externos poderiam coordenar com a campanha nos esforços de campo. Um novo plano foi formado. “Reunimos esses grupos e explicamos nossa tese sobre a corrida, os eleitores de baixa propensão são uma necessidade, não um luxo, como vimos nas eleições intermediárias de ‘18 e ‘22″, disse um importante assessor de campanha.

Era uma grande aposta, feita não por força, mas por fraqueza. O esforço de campo democrata por fora já era muito maior. Funcionários da campanha admitiram privadamente que entregar os esforços para tirar o voto às pessoas como Charlie Kirk, chefe do Turning Point USA, e o bilionário Elon Musk era arriscado. Mas Wiles disse a outros que queriam mudar como o Partido Republicano funcionava. “Não teremos que voltar ao velho jeito”, disse ela em certo ponto, se a campanha fosse vencer.

Trump frequentemente fazia acordos transacionais, dizendo a chefes corporativos que estavam céticos em relação a ele que baixaria seus impostos. Ele prometeu aos bilionários do petróleo uma série de coisas que queriam e os incentivou a dar 1 bilhão de dólares para sua campanha. Ele disse a garçonetes e outros que não haveria impostos sobre gorjetas em uma jogada por votos. Ele deu amplo apoio à indústria de criptomoedas, que uma vez chamou de “golpe”, depois que se tornaram grandes doadores.

Dentro da operação de Trump, um sentimento de paranoia que às vezes beirava o humor macabro sustentava os últimos meses da campanha. Houve duas tentativas de assassinato, hacks iranianos de e-mail e alegações de que os chineses acreditavam estar interceptando ligações de Trump, seu companheiro de chapa JD Vance e outros.

A presença do Serviço Secreto inflou ao seu redor. De repente, havia atiradores de elite por toda parte. Ele estava sempre em frente a vidro à prova de balas. Ele não podia mais jogar golfe. Os assessores de campanha começaram a usar telefones descartáveis e pararam de usar email para grande parte do trabalho.

O republicano Donald Trump participa de um comício em Greensboro, Carolina do Norte  Foto: Jabin Botsford/The Washington Post

Trump, que quase havia morrido, estava entre os menos impressionados. “Trump disse, ‘Eu não vou desistir do meu número de telefone, presumo que eles estejam ouvindo de qualquer maneira. O que eu me importo?’” disse um assessor.

Todos na sala Para um garoto do Queens, uma lotação completa no Madison Square Garden era o melhor que poderia conseguir — horas de homenagens planejadas e não apenas os burocratas políticos: Hulk Hogan, Dr. Phil, um Kennedy, até mesmo o homem mais rico do mundo.

Trump disse a seus principais assessores para fazerem a viagem, não importando a multidão ou o tráfego, as filas que deixavam até mesmo os ricos esperando horas. Ele colocou bilionários com sua família na carreata pela Quinta Avenida, para que pudessem ver as ruas alinhadas como em um desfile. Ele os reuniu todos nos bastidores, no vestiário do New York Rangers. Howard Lutnick da Cantor Fitzgerald, o garoto de Long Island conduzindo a transição, andava por aí apertando mãos.

“Todos na sala achavam que ele ia ganhar,” disse um assessor.

Era o Trump como sempre fora, um rei em sua corte, cercado por espetáculo e adulação. As pesquisas de Trump o mostravam em uma posição mais forte até mesmo que em 2016, quando ele virou de cabeça para baixo a mesa política da nação e tomou a Casa Branca de assalto.

“Nós vamos alcançar um sucesso que ninguém pode imaginar,” ele disse à multidão quando chegou ao palco, não importando as declarações ofensivas de seu ato de abertura, que preencheriam as manchetes por uma semana. “Esta será a nova era dourada da América.”

Claro, quando ele saiu do palco, estava furioso. Um comediante e outros artistas fizeram comentários grosseiros que estavam roubando as manchetes, provocando vários dias de cobertura negativa. Dentre eles estava a piada de que Porto Rico era uma “ilha flutuante de lixo.” Trump, que raramente expressa arrependimento, enfureceu-se por dias. “Não posso acreditar,” ele disse em um momento. “Aquele comediante me magoou, hein?” ele refletiu em outro.

Nos últimos dias da campanha, a raiva se ergueu dentro dele. Ele zombou dos outros enquanto fazia campanha, irritou-se com seu microfone, pintou imagens violentas do que as armas poderiam fazer à mídia e a um de seus oponentes políticos. Ele disse que nunca deveria ter deixado a Casa Branca quando perdeu em 2020.

Sua equipe o instou a relaxar. Ele estava ganhando. Eles tinham certeza disso — um argumento que foi validado além de algumas de suas previsões.

Wiles, seu principal assessor, fez uma jogada rara. Ela apareceu publicamente, olhando fixamente para ele no palco até que ele encerrasse o evento. No avião, a equipe implorou para que ele voltasse à mensagem, advertindo que ele poderia afastar os eleitores de que precisava. “Ele ouviu muitas, muitas pessoas. As pessoas estavam tentando fazer com que ele voltasse a se concentrar,” disse um aliado.

Apoiadores de Donald Trump escutam o então candidato republicano em um comício em Salem, Virginia  Foto: Tom Brenner/The Washington Post

Quando ele apareceu na sede de sua campanha em West Palm Beach na terça-feira pela primeira vez no ciclo, ele elogiou Wiles enquanto ela estava por perto. Toda a equipe aplaudiu e comemorou.

Então, ele disse à sala o que realmente acreditava: Não deveria haver cédulas por correio. Deveria haver votação apenas em papel no Dia da Eleição.

Nesse ponto, não importava o que ele pensasse. A mensagem vencedora já havia sido divulgada. Ele seria presidente dos Estados Unidos novamente.

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