Como os jovens ultraortodoxos lidam com a obrigatoriedade de ir para o Exército em Israel


Os judeus ultraortodoxos de Israel já foram isentos do serviço militar, mas agora estão sendo recrutados

Por Jack Nicas e Adam Sella

Eles não deveriam lutar.

Na ocasião da fundação de Israel, em 1948, os líderes do novo país concordaram que os homens ultraortodoxos — conhecidos como Haredim, ou tementes a Deus, em hebraico — seriam poupados do serviço militar obrigatório. Em troca, os líderes Haredi deram seu apoio ao Estado amplamente secular.

O acordo foi mantido pelos primeiros 75 anos de Israel, até o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

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A guerra resultante em Gaza atraiu centenas de milhares de israelenses para a batalha — mas quase nenhum ultraortodoxo. A dinâmica exacerbou as tensões que já vinham fervendo há anos.

Os Haredim, que têm em média mais de seis filhos por família, agora representam 14% do país, ante 5% em 1948. Mantida a trajetória, em 40 anos, eles estão a caminho de representar metade de todas as crianças israelenses.

Conforme o número de Haredim cresceu, muitos israelenses ficaram frustrados porque seus próprios filhos e filhas foram enviados para lutar enquanto os Haredim recebiam subsídios do governo para estudar a Torá.

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No verão passado, as tensões vieram à tona. Sob pressão, a Suprema Corte israelense decidiu que os homens ultraortodoxos não estavam mais isentos do serviço militar. Desde então, os militares enviaram ordens de recrutamento para 10 mil homens Haredim. Apenas 338 compareceram ao alistamento.

Israel agora está enfrentando um de seus dilemas mais complicados e fundamentais: o fato de sua seita de crescimento mais rápido se recusar a servir nas forças armadas.

Após a decisão da Suprema Corte, o New York Times começou a seguir três adolescentes Haredim que representam os caminhos divergentes para os Haredim e Israel.

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Chaim Krausz, 19 anos, estuda a Torá por 14 horas por dia, assim como seu pai antes dele. Ele protestou contra a decisão da Suprema Corte e acredita que o serviço armado não é apenas um pecado, mas também uma ameaça às tradições ultraortodoxas.

Itamar Greenberg, 18 anos, um ex-aluno de seminário ultraortodoxo, também protestou contra o estado israelense, mas suas razões não são religiosas. “Eles estão cometendo um massacre em Gaza”, disse ele.

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Yechiel Wais, 19 anos, também estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa e partiu para o mercado de trabalho. Então, suas ordens de recrutamento chegaram.

“Não é um bilhete de entrada para a sociedade israelense”, disse Wais a respeito de uma posição no Exército israelense. “Mas é o requisito mínimo.”

O soldado

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Yechiel Wais, 19, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Ele agora está no exército.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Yechiel Wais, 19 anos, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Agora ele está no Exército.

Quando criança, Wais usava um terno preto e branco. Como a maioria dos homens ultraortodoxos, era praticamente sua única roupa.

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Mas, certo ano, para o Purim, um feriado judaico quando muitas crianças usam fantasias, ele se vestiu como um soldado israelense. Ele morava perto de uma base da Força Aérea Israelense e adorava assistir aos caças F-16 de trás de uma cerca.

A ideia dele, um garoto Haredi, crescer para ser um soldado parecia impossível. “Eu nem fantasiava em relação a isso”, ele disse.

Homens ultraortodoxos devem se dedicar a uma vida de estudo e oração. Para muitos, isso inclui isolamento do mundo exterior e secular: nada de internet, nada de televisão e nada de rádio.

Wais, o segundo da esquerda para a frente, em treinamento de aptidão pré-militar para jovens Haredi. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais faz sua mudança de Bnei Brak para Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Na casa de Wais, até o CD player era “kosher” — sua antena de rádio foi removida. Um dia, quando Wais estava ouvindo música, ele de repente ouviu uma voz em meio à estática. Seus fones de ouvido involuntariamente captaram um sinal de rádio. Depois disso, ele passou horas ouvindo rádio secretamente, descobrindo um mundo muito diferente.

Foi o início de sua saída de uma vida ultraortodoxa rigorosa. Quando ele fez 17 anos, em 2022, ele disse aos pais que queria deixar a yeshiva para trabalhar. Eles ficaram surpresos, mas concordaram. Eles o levaram a um shopping para comprar roupas para sua nova vida.

Ele encontrou um emprego fora de Tel-Aviv. Então, quando soube da decisão da Suprema Corte, ele encontrou um novo caminho, lutando por seu país.

O estudante

Chaim Krausz, segundo a partir da esquerda, que estuda a Torá por 14 horas por dia, em um casamento ultraortodoxo em Beit Shemesh, Israel, em setembro.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Chaim Krausz não tem interesse na sociedade israelense secular.

Ele passa a maior parte do tempo sob a tutela de rabinos que alertam contra uma longa lista de pecados, incluindo qualquer contato com mulheres fora de sua família antes do casamento. Ele dificilmente sai de seu bairro ultraortodoxo densamente povoado, onde placas — incluindo acima da casa da sua família — alertam os transeuntes para se vestirem modestamente para não ofender os moradores.

É assim que ele quer viver. Milhares de homens Haredi em Israel recebem subsídios do governo para estudar a Torá, enquanto suas esposas frequentemente trabalham. Em Israel, 53% dos homens Haredi são empregados, contra 80% das mulheres Haredi. Para israelenses que não são ultraortodoxos, as taxas de emprego excedem 80%.

A população Haredi também está aumentando — de 40 mil em 1948 para 1,3 milhão hoje. Krausz é um dentre 18 irmãos. Em sua casa de quatro cômodos, as pessoas dormem ao redor da mesa de jantar. Ele quer a mesma família grande. “Quanto mais, melhor”, ele disse. Seus pais estão procurando uma esposa para ele.

Chaim Krausz se prepara para o jantar de Shabat com sua família em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Os haredim agora representam 14% da população israelense. Eram 5% em 1948.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Os Haredim agora representam 14% da nação, ante 5% em 1948. O governo financiou por muito tempo pelo menos um quinto dos orçamentos das yeshivas; os doadores cobrem o resto. Então, no início deste ano, um tribunal israelense suspendeu o financiamento público para yeshivas que ensinam para homens em idade militar, parte do esforço para colocar mais Haredim no Exército.

A decisão não incomoda Krausz. Uma das razões pelas quais ele resiste ao serviço militar é que ele se opõe ao conceito de Estado israelense.

A seita de Krausz, Yahadut Haharedi, diz que não deve haver um Estado judeu até que o messias chegue.

O ativista

Itamar Greenberg, ex-membro da comunidade ultraortodoxa, em manifestação contra guerra no ano passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Nas semanas antes de sua nova vida no Exército, Wais saiu para uma noite com amigos. Entrando no carro, Wais franziu o nariz e disse: “O esquerdista sentado ao meu lado está suado”.

O “esquerdista” a que ele se referiu era seu amigo, Greenberg, que de fato estava muito à esquerda ideologicamente — e suado. Ele tinha vindo diretamente de uma manifestação antiguerra e tinha adesivos em sua camisa para mostrar isso.

Os dois se conheceram nas redes sociais meses antes e formaram uma amizade como jovens homens Haredi tentando se encaixar na sociedade mais ampla.

Aos 12 anos, Greenberg começou a questionar sua fé com uma versão censurada da internet como guia, sonhando com a vida fora de sua comunidade. “A única maneira de se tornar parte da sociedade israelense é ser convocado”, ele se lembra de ter pensado. “Essa foi uma das percepções mais claras que tive na minha vida.”

Aos 16, seus pontos de vista evoluíram ainda mais — e para a esquerda. Ele se tornou vegano, parou de acreditar em Deus e desenvolveu uma oposição feroz à ocupação israelense.

Ele também se opõe ao recrutamento dos ultraortodoxos, mas por razões diferentes da maioria. “É importante integrar o povo ultraortodoxo à sociedade israelense”, disse ele. “E trabalhar pela igualdade. Mas não quero igualdade na matança e na opressão.”

No caminho de carro para Jerusalém, Wais e Greenberg trocaram provocações de brincadeira. Eles beberam coquetéis coloridos no apartamento de um amigo e depois foram para um reduto Haredi que servia comidas judaicas tradicionais como fígado picado e cholent, um ensopado cozido lentamente. Mais tarde, a conversa acabou mudando para a política.

Itamar Greenberg recebe carinho da mãe enquanto testa travesseiro antes de ir para prisão.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Não estou disposto a participar de um sistema que comete tais crimes”, disse Greenberg a Wais no carro.

“Quais crimes?”, respondeu Wais. “Você quer uma lista?”, disse Greenberg.

Seria a última noite deles juntos. Ambos haviam sido recrutados. Enquanto Wais se preparava para o treinamento básico, Greenberg se preparava para se apresentar em uma prisão militar por objeção de consciência. Sua família ultraortodoxa aceitou relutantemente seus novos pontos de vista, incluindo o pai, um raro homem Haredi que serve na reserva do Exército.

Ele não foi aceito por seus companheiros de beliche. Uma vez na prisão, Greenberg percebeu que seus companheiros não eram ativistas como ele, mas soldados acusados de crimes. Eles o provocavam e ameaçavam, ele disse, e os guardas às vezes o colocavam em confinamento solitário para sua própria proteção. “Eles odeiam o Exército”, ele disse a respeito dos outros prisioneiros, “mas eles me odeiam mais”.

No mês passado, após 197 dias encarcerado em cinco períodos separados de detenção, Greenberg saiu da cadeia pelo que ele esperava ser a última vez. “O Exército decidiu me libertar”, ele disse, vestido com um moletom verde com rostos sorridentes.

“Mas o objetivo mais amplo era construir um futuro melhor para todos, da Jordânia ao mar”, ele acrescentou. “Ainda não terminei com isso.”

Um pelotão ultraortodoxo

Yechiel Wais agora é técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Wais agora é um técnico de aeronaves em uma unidade ultraortodoxa especial do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. Nas décadas mais recentes, centenas de homens Haredi desafiaram sua comunidade e se voluntariaram para o serviço militar, mas a maioria foi mantida longe do combate. Wais queria ser diferente: ele queria lutar.

“Eu não gosto de guerra”, ele disse. “Mas eu gosto de ação nas ruas — os soldados e os foguetes.”

No entanto, depois que um exame médico revelou que ele precisava de uma cirurgia no ouvido, oficiais militares disseram que ele não estava preparado para o combate. Em vez disso, ele faria a manutenção de aeronaves.

Em agosto, ele chegou a uma base da força aérea no norte de Israel e foi designado para uma unidade com mais de vinte outros soldados Haredi. Eles trocaram seus trajes tradicionais preto e branco por macacões de mecânico, mas mantiveram seus kipás, ou solidéus. Muitos também usavam ainda payot, ou cachos laterais, comuns entre os ultraortodoxos. Wais havia raspado os seus anos antes.

Yechiel Wais foi recebido pelos amigos enquanto começava o serviço militar.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais ouve sermão de rabino Haredi em Base Aérea.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Seus alojamentos e mesas de almoço eram separados de outros soldados para evitar a convivêncvia com mulheres, o que poderia violar os princípios Haredi. Sua comida era preparada de acordo com padrões kosher ainda mais rigorosos. Eles rezavam e estudavam textos religiosos por duas a três horas por dia — o máximo que Wais disse ter estudado desde que deixou o seminário.

“Não há um soldado aqui que possa reclamar de como estamos sendo tratados em relação a questões religiosas”, disse ele.

Em um dia recente, Wais e dois colegas soldados Haredi passaram pelo treinamento final de manutenção de um jato de caça F-16. Eram os mesmos jatos que ele costumava observar quando criança.

Depois, os soldados se reuniram para um sermão de um rabino Haredi. Eles estavam prontos para se formar no treinamento no dia seguinte.

“Estamos no meio da maior guerra de todas”, disse o rabino David Viseman aos adolescentes. “Vocês têm que preparar suas almas para se apegarem à bondade no mundo”, acrescentou. “Para apagar o mal.”

Agora ele está trabalhando como técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. “Nós somos os novos pioneiros”, ele disse. “Estamos marchando à frente de um movimento.”

Um protesto ultraortodoxo

Homens haredi protestam contra serviço militar em frente à base de Tel Hashomer em agosto passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Para Krausz, o mal são os Haredim nas forças armadas.

“É a maneira como vejo qualquer judeu que rompe o Shabat”, disse ele, referindo-se ao dia de descanso judaico. “É proibido amá-los.”

Ele era mais indulgente com os soldados seculares. “É claro que eles não sabem o que estão fazendo”, disse ele, fumando um cigarro eletrônico com sabor de morango e kiwi na mesa de jantar, com prateleiras de textos religiosos atrás dele.

Seu maior medo é que a fé ultraortodoxa não sobreviva se os homens Haredi tiverem que lutar.

Após a decisão da Suprema Corte, Krausz se juntou a milhares de outros homens Haredi nas ruas. Eles se aglomeraram em torno de um escritório de alistamento e assediaram os recrutas Haredi que estavam entrando.

“Quem entra para o exército sai completamente secular”, disse Krausz, o segundo da esquerda.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Chaim Krausz na sua casa em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Quem entra para o Exército sai completamente secularizado”, disse Krausz.

O Exército israelense disse em uma declaração que os homens Haredi que ignoram as ordens de alistamento “podem enfrentar sanções criminais”.

No entanto, diferentemente de Greenberg, que se entregou às autoridades, Krausz e seus pares evitaram amplamente as consequências.

Qualquer esforço para forçá-los a servir, Krausz alertou, seria respondido com forte resistência.

“Estamos dispostos a morrer para não ir para o Exército”, disse ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Eles não deveriam lutar.

Na ocasião da fundação de Israel, em 1948, os líderes do novo país concordaram que os homens ultraortodoxos — conhecidos como Haredim, ou tementes a Deus, em hebraico — seriam poupados do serviço militar obrigatório. Em troca, os líderes Haredi deram seu apoio ao Estado amplamente secular.

O acordo foi mantido pelos primeiros 75 anos de Israel, até o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

A guerra resultante em Gaza atraiu centenas de milhares de israelenses para a batalha — mas quase nenhum ultraortodoxo. A dinâmica exacerbou as tensões que já vinham fervendo há anos.

Os Haredim, que têm em média mais de seis filhos por família, agora representam 14% do país, ante 5% em 1948. Mantida a trajetória, em 40 anos, eles estão a caminho de representar metade de todas as crianças israelenses.

Conforme o número de Haredim cresceu, muitos israelenses ficaram frustrados porque seus próprios filhos e filhas foram enviados para lutar enquanto os Haredim recebiam subsídios do governo para estudar a Torá.

No verão passado, as tensões vieram à tona. Sob pressão, a Suprema Corte israelense decidiu que os homens ultraortodoxos não estavam mais isentos do serviço militar. Desde então, os militares enviaram ordens de recrutamento para 10 mil homens Haredim. Apenas 338 compareceram ao alistamento.

Israel agora está enfrentando um de seus dilemas mais complicados e fundamentais: o fato de sua seita de crescimento mais rápido se recusar a servir nas forças armadas.

Após a decisão da Suprema Corte, o New York Times começou a seguir três adolescentes Haredim que representam os caminhos divergentes para os Haredim e Israel.

Chaim Krausz, 19 anos, estuda a Torá por 14 horas por dia, assim como seu pai antes dele. Ele protestou contra a decisão da Suprema Corte e acredita que o serviço armado não é apenas um pecado, mas também uma ameaça às tradições ultraortodoxas.

Itamar Greenberg, 18 anos, um ex-aluno de seminário ultraortodoxo, também protestou contra o estado israelense, mas suas razões não são religiosas. “Eles estão cometendo um massacre em Gaza”, disse ele.

Yechiel Wais, 19 anos, também estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa e partiu para o mercado de trabalho. Então, suas ordens de recrutamento chegaram.

“Não é um bilhete de entrada para a sociedade israelense”, disse Wais a respeito de uma posição no Exército israelense. “Mas é o requisito mínimo.”

O soldado

Yechiel Wais, 19, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Ele agora está no exército.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Yechiel Wais, 19 anos, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Agora ele está no Exército.

Quando criança, Wais usava um terno preto e branco. Como a maioria dos homens ultraortodoxos, era praticamente sua única roupa.

Mas, certo ano, para o Purim, um feriado judaico quando muitas crianças usam fantasias, ele se vestiu como um soldado israelense. Ele morava perto de uma base da Força Aérea Israelense e adorava assistir aos caças F-16 de trás de uma cerca.

A ideia dele, um garoto Haredi, crescer para ser um soldado parecia impossível. “Eu nem fantasiava em relação a isso”, ele disse.

Homens ultraortodoxos devem se dedicar a uma vida de estudo e oração. Para muitos, isso inclui isolamento do mundo exterior e secular: nada de internet, nada de televisão e nada de rádio.

Wais, o segundo da esquerda para a frente, em treinamento de aptidão pré-militar para jovens Haredi. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais faz sua mudança de Bnei Brak para Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Na casa de Wais, até o CD player era “kosher” — sua antena de rádio foi removida. Um dia, quando Wais estava ouvindo música, ele de repente ouviu uma voz em meio à estática. Seus fones de ouvido involuntariamente captaram um sinal de rádio. Depois disso, ele passou horas ouvindo rádio secretamente, descobrindo um mundo muito diferente.

Foi o início de sua saída de uma vida ultraortodoxa rigorosa. Quando ele fez 17 anos, em 2022, ele disse aos pais que queria deixar a yeshiva para trabalhar. Eles ficaram surpresos, mas concordaram. Eles o levaram a um shopping para comprar roupas para sua nova vida.

Ele encontrou um emprego fora de Tel-Aviv. Então, quando soube da decisão da Suprema Corte, ele encontrou um novo caminho, lutando por seu país.

O estudante

Chaim Krausz, segundo a partir da esquerda, que estuda a Torá por 14 horas por dia, em um casamento ultraortodoxo em Beit Shemesh, Israel, em setembro.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Chaim Krausz não tem interesse na sociedade israelense secular.

Ele passa a maior parte do tempo sob a tutela de rabinos que alertam contra uma longa lista de pecados, incluindo qualquer contato com mulheres fora de sua família antes do casamento. Ele dificilmente sai de seu bairro ultraortodoxo densamente povoado, onde placas — incluindo acima da casa da sua família — alertam os transeuntes para se vestirem modestamente para não ofender os moradores.

É assim que ele quer viver. Milhares de homens Haredi em Israel recebem subsídios do governo para estudar a Torá, enquanto suas esposas frequentemente trabalham. Em Israel, 53% dos homens Haredi são empregados, contra 80% das mulheres Haredi. Para israelenses que não são ultraortodoxos, as taxas de emprego excedem 80%.

A população Haredi também está aumentando — de 40 mil em 1948 para 1,3 milhão hoje. Krausz é um dentre 18 irmãos. Em sua casa de quatro cômodos, as pessoas dormem ao redor da mesa de jantar. Ele quer a mesma família grande. “Quanto mais, melhor”, ele disse. Seus pais estão procurando uma esposa para ele.

Chaim Krausz se prepara para o jantar de Shabat com sua família em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Os haredim agora representam 14% da população israelense. Eram 5% em 1948.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Os Haredim agora representam 14% da nação, ante 5% em 1948. O governo financiou por muito tempo pelo menos um quinto dos orçamentos das yeshivas; os doadores cobrem o resto. Então, no início deste ano, um tribunal israelense suspendeu o financiamento público para yeshivas que ensinam para homens em idade militar, parte do esforço para colocar mais Haredim no Exército.

A decisão não incomoda Krausz. Uma das razões pelas quais ele resiste ao serviço militar é que ele se opõe ao conceito de Estado israelense.

A seita de Krausz, Yahadut Haharedi, diz que não deve haver um Estado judeu até que o messias chegue.

O ativista

Itamar Greenberg, ex-membro da comunidade ultraortodoxa, em manifestação contra guerra no ano passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Nas semanas antes de sua nova vida no Exército, Wais saiu para uma noite com amigos. Entrando no carro, Wais franziu o nariz e disse: “O esquerdista sentado ao meu lado está suado”.

O “esquerdista” a que ele se referiu era seu amigo, Greenberg, que de fato estava muito à esquerda ideologicamente — e suado. Ele tinha vindo diretamente de uma manifestação antiguerra e tinha adesivos em sua camisa para mostrar isso.

Os dois se conheceram nas redes sociais meses antes e formaram uma amizade como jovens homens Haredi tentando se encaixar na sociedade mais ampla.

Aos 12 anos, Greenberg começou a questionar sua fé com uma versão censurada da internet como guia, sonhando com a vida fora de sua comunidade. “A única maneira de se tornar parte da sociedade israelense é ser convocado”, ele se lembra de ter pensado. “Essa foi uma das percepções mais claras que tive na minha vida.”

Aos 16, seus pontos de vista evoluíram ainda mais — e para a esquerda. Ele se tornou vegano, parou de acreditar em Deus e desenvolveu uma oposição feroz à ocupação israelense.

Ele também se opõe ao recrutamento dos ultraortodoxos, mas por razões diferentes da maioria. “É importante integrar o povo ultraortodoxo à sociedade israelense”, disse ele. “E trabalhar pela igualdade. Mas não quero igualdade na matança e na opressão.”

No caminho de carro para Jerusalém, Wais e Greenberg trocaram provocações de brincadeira. Eles beberam coquetéis coloridos no apartamento de um amigo e depois foram para um reduto Haredi que servia comidas judaicas tradicionais como fígado picado e cholent, um ensopado cozido lentamente. Mais tarde, a conversa acabou mudando para a política.

Itamar Greenberg recebe carinho da mãe enquanto testa travesseiro antes de ir para prisão.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Não estou disposto a participar de um sistema que comete tais crimes”, disse Greenberg a Wais no carro.

“Quais crimes?”, respondeu Wais. “Você quer uma lista?”, disse Greenberg.

Seria a última noite deles juntos. Ambos haviam sido recrutados. Enquanto Wais se preparava para o treinamento básico, Greenberg se preparava para se apresentar em uma prisão militar por objeção de consciência. Sua família ultraortodoxa aceitou relutantemente seus novos pontos de vista, incluindo o pai, um raro homem Haredi que serve na reserva do Exército.

Ele não foi aceito por seus companheiros de beliche. Uma vez na prisão, Greenberg percebeu que seus companheiros não eram ativistas como ele, mas soldados acusados de crimes. Eles o provocavam e ameaçavam, ele disse, e os guardas às vezes o colocavam em confinamento solitário para sua própria proteção. “Eles odeiam o Exército”, ele disse a respeito dos outros prisioneiros, “mas eles me odeiam mais”.

No mês passado, após 197 dias encarcerado em cinco períodos separados de detenção, Greenberg saiu da cadeia pelo que ele esperava ser a última vez. “O Exército decidiu me libertar”, ele disse, vestido com um moletom verde com rostos sorridentes.

“Mas o objetivo mais amplo era construir um futuro melhor para todos, da Jordânia ao mar”, ele acrescentou. “Ainda não terminei com isso.”

Um pelotão ultraortodoxo

Yechiel Wais agora é técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Wais agora é um técnico de aeronaves em uma unidade ultraortodoxa especial do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. Nas décadas mais recentes, centenas de homens Haredi desafiaram sua comunidade e se voluntariaram para o serviço militar, mas a maioria foi mantida longe do combate. Wais queria ser diferente: ele queria lutar.

“Eu não gosto de guerra”, ele disse. “Mas eu gosto de ação nas ruas — os soldados e os foguetes.”

No entanto, depois que um exame médico revelou que ele precisava de uma cirurgia no ouvido, oficiais militares disseram que ele não estava preparado para o combate. Em vez disso, ele faria a manutenção de aeronaves.

Em agosto, ele chegou a uma base da força aérea no norte de Israel e foi designado para uma unidade com mais de vinte outros soldados Haredi. Eles trocaram seus trajes tradicionais preto e branco por macacões de mecânico, mas mantiveram seus kipás, ou solidéus. Muitos também usavam ainda payot, ou cachos laterais, comuns entre os ultraortodoxos. Wais havia raspado os seus anos antes.

Yechiel Wais foi recebido pelos amigos enquanto começava o serviço militar.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais ouve sermão de rabino Haredi em Base Aérea.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Seus alojamentos e mesas de almoço eram separados de outros soldados para evitar a convivêncvia com mulheres, o que poderia violar os princípios Haredi. Sua comida era preparada de acordo com padrões kosher ainda mais rigorosos. Eles rezavam e estudavam textos religiosos por duas a três horas por dia — o máximo que Wais disse ter estudado desde que deixou o seminário.

“Não há um soldado aqui que possa reclamar de como estamos sendo tratados em relação a questões religiosas”, disse ele.

Em um dia recente, Wais e dois colegas soldados Haredi passaram pelo treinamento final de manutenção de um jato de caça F-16. Eram os mesmos jatos que ele costumava observar quando criança.

Depois, os soldados se reuniram para um sermão de um rabino Haredi. Eles estavam prontos para se formar no treinamento no dia seguinte.

“Estamos no meio da maior guerra de todas”, disse o rabino David Viseman aos adolescentes. “Vocês têm que preparar suas almas para se apegarem à bondade no mundo”, acrescentou. “Para apagar o mal.”

Agora ele está trabalhando como técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. “Nós somos os novos pioneiros”, ele disse. “Estamos marchando à frente de um movimento.”

Um protesto ultraortodoxo

Homens haredi protestam contra serviço militar em frente à base de Tel Hashomer em agosto passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Para Krausz, o mal são os Haredim nas forças armadas.

“É a maneira como vejo qualquer judeu que rompe o Shabat”, disse ele, referindo-se ao dia de descanso judaico. “É proibido amá-los.”

Ele era mais indulgente com os soldados seculares. “É claro que eles não sabem o que estão fazendo”, disse ele, fumando um cigarro eletrônico com sabor de morango e kiwi na mesa de jantar, com prateleiras de textos religiosos atrás dele.

Seu maior medo é que a fé ultraortodoxa não sobreviva se os homens Haredi tiverem que lutar.

Após a decisão da Suprema Corte, Krausz se juntou a milhares de outros homens Haredi nas ruas. Eles se aglomeraram em torno de um escritório de alistamento e assediaram os recrutas Haredi que estavam entrando.

“Quem entra para o exército sai completamente secular”, disse Krausz, o segundo da esquerda.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Chaim Krausz na sua casa em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Quem entra para o Exército sai completamente secularizado”, disse Krausz.

O Exército israelense disse em uma declaração que os homens Haredi que ignoram as ordens de alistamento “podem enfrentar sanções criminais”.

No entanto, diferentemente de Greenberg, que se entregou às autoridades, Krausz e seus pares evitaram amplamente as consequências.

Qualquer esforço para forçá-los a servir, Krausz alertou, seria respondido com forte resistência.

“Estamos dispostos a morrer para não ir para o Exército”, disse ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Eles não deveriam lutar.

Na ocasião da fundação de Israel, em 1948, os líderes do novo país concordaram que os homens ultraortodoxos — conhecidos como Haredim, ou tementes a Deus, em hebraico — seriam poupados do serviço militar obrigatório. Em troca, os líderes Haredi deram seu apoio ao Estado amplamente secular.

O acordo foi mantido pelos primeiros 75 anos de Israel, até o ataque liderado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

A guerra resultante em Gaza atraiu centenas de milhares de israelenses para a batalha — mas quase nenhum ultraortodoxo. A dinâmica exacerbou as tensões que já vinham fervendo há anos.

Os Haredim, que têm em média mais de seis filhos por família, agora representam 14% do país, ante 5% em 1948. Mantida a trajetória, em 40 anos, eles estão a caminho de representar metade de todas as crianças israelenses.

Conforme o número de Haredim cresceu, muitos israelenses ficaram frustrados porque seus próprios filhos e filhas foram enviados para lutar enquanto os Haredim recebiam subsídios do governo para estudar a Torá.

No verão passado, as tensões vieram à tona. Sob pressão, a Suprema Corte israelense decidiu que os homens ultraortodoxos não estavam mais isentos do serviço militar. Desde então, os militares enviaram ordens de recrutamento para 10 mil homens Haredim. Apenas 338 compareceram ao alistamento.

Israel agora está enfrentando um de seus dilemas mais complicados e fundamentais: o fato de sua seita de crescimento mais rápido se recusar a servir nas forças armadas.

Após a decisão da Suprema Corte, o New York Times começou a seguir três adolescentes Haredim que representam os caminhos divergentes para os Haredim e Israel.

Chaim Krausz, 19 anos, estuda a Torá por 14 horas por dia, assim como seu pai antes dele. Ele protestou contra a decisão da Suprema Corte e acredita que o serviço armado não é apenas um pecado, mas também uma ameaça às tradições ultraortodoxas.

Itamar Greenberg, 18 anos, um ex-aluno de seminário ultraortodoxo, também protestou contra o estado israelense, mas suas razões não são religiosas. “Eles estão cometendo um massacre em Gaza”, disse ele.

Yechiel Wais, 19 anos, também estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa e partiu para o mercado de trabalho. Então, suas ordens de recrutamento chegaram.

“Não é um bilhete de entrada para a sociedade israelense”, disse Wais a respeito de uma posição no Exército israelense. “Mas é o requisito mínimo.”

O soldado

Yechiel Wais, 19, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Ele agora está no exército.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Yechiel Wais, 19 anos, estudou em um seminário, mas sonhava com uma vida fora de sua comunidade ultraortodoxa rigorosa. Agora ele está no Exército.

Quando criança, Wais usava um terno preto e branco. Como a maioria dos homens ultraortodoxos, era praticamente sua única roupa.

Mas, certo ano, para o Purim, um feriado judaico quando muitas crianças usam fantasias, ele se vestiu como um soldado israelense. Ele morava perto de uma base da Força Aérea Israelense e adorava assistir aos caças F-16 de trás de uma cerca.

A ideia dele, um garoto Haredi, crescer para ser um soldado parecia impossível. “Eu nem fantasiava em relação a isso”, ele disse.

Homens ultraortodoxos devem se dedicar a uma vida de estudo e oração. Para muitos, isso inclui isolamento do mundo exterior e secular: nada de internet, nada de televisão e nada de rádio.

Wais, o segundo da esquerda para a frente, em treinamento de aptidão pré-militar para jovens Haredi. Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais faz sua mudança de Bnei Brak para Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Na casa de Wais, até o CD player era “kosher” — sua antena de rádio foi removida. Um dia, quando Wais estava ouvindo música, ele de repente ouviu uma voz em meio à estática. Seus fones de ouvido involuntariamente captaram um sinal de rádio. Depois disso, ele passou horas ouvindo rádio secretamente, descobrindo um mundo muito diferente.

Foi o início de sua saída de uma vida ultraortodoxa rigorosa. Quando ele fez 17 anos, em 2022, ele disse aos pais que queria deixar a yeshiva para trabalhar. Eles ficaram surpresos, mas concordaram. Eles o levaram a um shopping para comprar roupas para sua nova vida.

Ele encontrou um emprego fora de Tel-Aviv. Então, quando soube da decisão da Suprema Corte, ele encontrou um novo caminho, lutando por seu país.

O estudante

Chaim Krausz, segundo a partir da esquerda, que estuda a Torá por 14 horas por dia, em um casamento ultraortodoxo em Beit Shemesh, Israel, em setembro.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Chaim Krausz não tem interesse na sociedade israelense secular.

Ele passa a maior parte do tempo sob a tutela de rabinos que alertam contra uma longa lista de pecados, incluindo qualquer contato com mulheres fora de sua família antes do casamento. Ele dificilmente sai de seu bairro ultraortodoxo densamente povoado, onde placas — incluindo acima da casa da sua família — alertam os transeuntes para se vestirem modestamente para não ofender os moradores.

É assim que ele quer viver. Milhares de homens Haredi em Israel recebem subsídios do governo para estudar a Torá, enquanto suas esposas frequentemente trabalham. Em Israel, 53% dos homens Haredi são empregados, contra 80% das mulheres Haredi. Para israelenses que não são ultraortodoxos, as taxas de emprego excedem 80%.

A população Haredi também está aumentando — de 40 mil em 1948 para 1,3 milhão hoje. Krausz é um dentre 18 irmãos. Em sua casa de quatro cômodos, as pessoas dormem ao redor da mesa de jantar. Ele quer a mesma família grande. “Quanto mais, melhor”, ele disse. Seus pais estão procurando uma esposa para ele.

Chaim Krausz se prepara para o jantar de Shabat com sua família em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Os haredim agora representam 14% da população israelense. Eram 5% em 1948.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Os Haredim agora representam 14% da nação, ante 5% em 1948. O governo financiou por muito tempo pelo menos um quinto dos orçamentos das yeshivas; os doadores cobrem o resto. Então, no início deste ano, um tribunal israelense suspendeu o financiamento público para yeshivas que ensinam para homens em idade militar, parte do esforço para colocar mais Haredim no Exército.

A decisão não incomoda Krausz. Uma das razões pelas quais ele resiste ao serviço militar é que ele se opõe ao conceito de Estado israelense.

A seita de Krausz, Yahadut Haharedi, diz que não deve haver um Estado judeu até que o messias chegue.

O ativista

Itamar Greenberg, ex-membro da comunidade ultraortodoxa, em manifestação contra guerra no ano passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Nas semanas antes de sua nova vida no Exército, Wais saiu para uma noite com amigos. Entrando no carro, Wais franziu o nariz e disse: “O esquerdista sentado ao meu lado está suado”.

O “esquerdista” a que ele se referiu era seu amigo, Greenberg, que de fato estava muito à esquerda ideologicamente — e suado. Ele tinha vindo diretamente de uma manifestação antiguerra e tinha adesivos em sua camisa para mostrar isso.

Os dois se conheceram nas redes sociais meses antes e formaram uma amizade como jovens homens Haredi tentando se encaixar na sociedade mais ampla.

Aos 12 anos, Greenberg começou a questionar sua fé com uma versão censurada da internet como guia, sonhando com a vida fora de sua comunidade. “A única maneira de se tornar parte da sociedade israelense é ser convocado”, ele se lembra de ter pensado. “Essa foi uma das percepções mais claras que tive na minha vida.”

Aos 16, seus pontos de vista evoluíram ainda mais — e para a esquerda. Ele se tornou vegano, parou de acreditar em Deus e desenvolveu uma oposição feroz à ocupação israelense.

Ele também se opõe ao recrutamento dos ultraortodoxos, mas por razões diferentes da maioria. “É importante integrar o povo ultraortodoxo à sociedade israelense”, disse ele. “E trabalhar pela igualdade. Mas não quero igualdade na matança e na opressão.”

No caminho de carro para Jerusalém, Wais e Greenberg trocaram provocações de brincadeira. Eles beberam coquetéis coloridos no apartamento de um amigo e depois foram para um reduto Haredi que servia comidas judaicas tradicionais como fígado picado e cholent, um ensopado cozido lentamente. Mais tarde, a conversa acabou mudando para a política.

Itamar Greenberg recebe carinho da mãe enquanto testa travesseiro antes de ir para prisão.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Não estou disposto a participar de um sistema que comete tais crimes”, disse Greenberg a Wais no carro.

“Quais crimes?”, respondeu Wais. “Você quer uma lista?”, disse Greenberg.

Seria a última noite deles juntos. Ambos haviam sido recrutados. Enquanto Wais se preparava para o treinamento básico, Greenberg se preparava para se apresentar em uma prisão militar por objeção de consciência. Sua família ultraortodoxa aceitou relutantemente seus novos pontos de vista, incluindo o pai, um raro homem Haredi que serve na reserva do Exército.

Ele não foi aceito por seus companheiros de beliche. Uma vez na prisão, Greenberg percebeu que seus companheiros não eram ativistas como ele, mas soldados acusados de crimes. Eles o provocavam e ameaçavam, ele disse, e os guardas às vezes o colocavam em confinamento solitário para sua própria proteção. “Eles odeiam o Exército”, ele disse a respeito dos outros prisioneiros, “mas eles me odeiam mais”.

No mês passado, após 197 dias encarcerado em cinco períodos separados de detenção, Greenberg saiu da cadeia pelo que ele esperava ser a última vez. “O Exército decidiu me libertar”, ele disse, vestido com um moletom verde com rostos sorridentes.

“Mas o objetivo mais amplo era construir um futuro melhor para todos, da Jordânia ao mar”, ele acrescentou. “Ainda não terminei com isso.”

Um pelotão ultraortodoxo

Yechiel Wais agora é técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Wais agora é um técnico de aeronaves em uma unidade ultraortodoxa especial do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. Nas décadas mais recentes, centenas de homens Haredi desafiaram sua comunidade e se voluntariaram para o serviço militar, mas a maioria foi mantida longe do combate. Wais queria ser diferente: ele queria lutar.

“Eu não gosto de guerra”, ele disse. “Mas eu gosto de ação nas ruas — os soldados e os foguetes.”

No entanto, depois que um exame médico revelou que ele precisava de uma cirurgia no ouvido, oficiais militares disseram que ele não estava preparado para o combate. Em vez disso, ele faria a manutenção de aeronaves.

Em agosto, ele chegou a uma base da força aérea no norte de Israel e foi designado para uma unidade com mais de vinte outros soldados Haredi. Eles trocaram seus trajes tradicionais preto e branco por macacões de mecânico, mas mantiveram seus kipás, ou solidéus. Muitos também usavam ainda payot, ou cachos laterais, comuns entre os ultraortodoxos. Wais havia raspado os seus anos antes.

Yechiel Wais foi recebido pelos amigos enquanto começava o serviço militar.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Yechiel Wais ouve sermão de rabino Haredi em Base Aérea.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Seus alojamentos e mesas de almoço eram separados de outros soldados para evitar a convivêncvia com mulheres, o que poderia violar os princípios Haredi. Sua comida era preparada de acordo com padrões kosher ainda mais rigorosos. Eles rezavam e estudavam textos religiosos por duas a três horas por dia — o máximo que Wais disse ter estudado desde que deixou o seminário.

“Não há um soldado aqui que possa reclamar de como estamos sendo tratados em relação a questões religiosas”, disse ele.

Em um dia recente, Wais e dois colegas soldados Haredi passaram pelo treinamento final de manutenção de um jato de caça F-16. Eram os mesmos jatos que ele costumava observar quando criança.

Depois, os soldados se reuniram para um sermão de um rabino Haredi. Eles estavam prontos para se formar no treinamento no dia seguinte.

“Estamos no meio da maior guerra de todas”, disse o rabino David Viseman aos adolescentes. “Vocês têm que preparar suas almas para se apegarem à bondade no mundo”, acrescentou. “Para apagar o mal.”

Agora ele está trabalhando como técnico de aeronaves em uma unidade especial ultraortodoxa do 105º Esquadrão Scorpion da Força Aérea Israelense. “Nós somos os novos pioneiros”, ele disse. “Estamos marchando à frente de um movimento.”

Um protesto ultraortodoxo

Homens haredi protestam contra serviço militar em frente à base de Tel Hashomer em agosto passado.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

Para Krausz, o mal são os Haredim nas forças armadas.

“É a maneira como vejo qualquer judeu que rompe o Shabat”, disse ele, referindo-se ao dia de descanso judaico. “É proibido amá-los.”

Ele era mais indulgente com os soldados seculares. “É claro que eles não sabem o que estão fazendo”, disse ele, fumando um cigarro eletrônico com sabor de morango e kiwi na mesa de jantar, com prateleiras de textos religiosos atrás dele.

Seu maior medo é que a fé ultraortodoxa não sobreviva se os homens Haredi tiverem que lutar.

Após a decisão da Suprema Corte, Krausz se juntou a milhares de outros homens Haredi nas ruas. Eles se aglomeraram em torno de um escritório de alistamento e assediaram os recrutas Haredi que estavam entrando.

“Quem entra para o exército sai completamente secular”, disse Krausz, o segundo da esquerda.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times
Chaim Krausz na sua casa em Jerusalém.  Foto: Sergey Ponomarev/The New York Times

“Quem entra para o Exército sai completamente secularizado”, disse Krausz.

O Exército israelense disse em uma declaração que os homens Haredi que ignoram as ordens de alistamento “podem enfrentar sanções criminais”.

No entanto, diferentemente de Greenberg, que se entregou às autoridades, Krausz e seus pares evitaram amplamente as consequências.

Qualquer esforço para forçá-los a servir, Krausz alertou, seria respondido com forte resistência.

“Estamos dispostos a morrer para não ir para o Exército”, disse ele. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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