Os riscos de um retorno de Rafael Correa e seus aliados ao poder no Equador


Eleições antecipadas no Equador poderiam devolver o poder ao movimento de Rafael Correa, que pode ter aprendido algumas lições nos anos que passou apartado

Por Will Freeman*

Um líder no exílio — ou, de acordo com o governo, fugitivo da Justiça. Importantes associados na cadeia ou espalhados pelo planeta. Uma sociedade ainda em processo de cura das feridas de uma década de polarização.

Não se tratam exatamente dos marcos de um retorno à política. Mas não digam isso ao ex-presidente esquerdo-populista Rafael Correa e seus apoiadores. Logo após vitórias nas urnas e nas cortes, o correísmo está novamente na iminência de conquistar o Executivo nacional.

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Em 17 de maio, Correa e seus apoiadores receberam a notícia pela qual vinham aguardando: sitiado, o presidente conservador do Equador, Guillermo Lasso, declarou “muerte cruzada”, dissolvendo a Assembleia Nacional para evitar uma votação de impeachment que ele parecia fadado a perder. De acordo com a Constituição, Lasso passa a governar por decreto por até seis meses, conforme o país realiza eleições gerais antecipadas. A vitória correísta não é uma garantia — mas é provavelmente o desfecho mais provável.

Presidente do Equador, Guillermo Lasso, ao lado de militares após uma sessão da Assembleia Nacional, no dia 16. Lasso dissolveu o Parlamento no dia seguinte Foto: Dolores Ochoa/AP

Por mais que o Equador precise de mudança, há sinais de que o correísmo não está totalmente preparado para traçar um novo caminho. A visão dos líderes de seu partido sobre o país e seus problemas parece atolada em assuntos falecidos, do tempo em que o Equador desfrutava de preços estratosféricos de commodities, fácil acesso ao crédito chinês e baixos índices de criminalidade. Ninguém sabe como eles pretendem lidar com os novos desafios: o aumento na incidência de crimes violentos e as condições mais restritivas das finanças globais. Acima de tudo, Rafael Correa ainda dá as cartas — e não quer arriscar perder o poder novamente. Se ele retornar para o país, a recente ascensão do correísmo “moderado” poderia se encerrar abruptamente.

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Perdedores em uma onda de boa sorte

Até um ano atrás, o correísmo estava sem sorte. Após Correa deixar a presidência, em 2017, seu sucessor escolhido a dedo, Lenín Moreno, rompeu com ele quase imediatamente, expurgando apoiadores de Correa das instituições de Estado. Novas autoridades do Judiciário lançaram uma investigação ampla contra Correa e seus aliados, que definiram o movimento como “guerra judicial”.

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Vários líderes do partido foram parar na cadeia. Outros se espalharam por países latino-americanos e europeus. Correa estabeleceu residência na Bélgica para evitar uma condenação por corrupção, segundo ele, infundada. As eleições de 2021 foram uma má fase, com o candidato do correísmo ficando aquém das expectativas no segundo turno contra Lasso.

Mas então o Equador se despedaçou. Em meio a cada vez mais pessoas passando fome, uma economia moribunda e os piores índices de criminalidade da história do país, Correa e seu partido renovado, o Movimento Revolução Cidadã (RC), têm surfado uma onda de boa sorte. Jorge Glas e Alexis Mera, ex-autoridades do governo Correa, foram libertados da prisão nos meses recentes — supostamente como resultado de um acordo com Lasso, apesar do presidente negar que isso tenha ocorrido. Mais condenações poderão ser revertidas logo — e os correístas não estão vencendo apenas batalhas judiciais: eles também alcançaram vitórias recentes nas urnas.

Em fevereiro, candidatos do RC conquistaram o controle do dobro de prefeituras do que qualquer outro partido nas eleições locais, vencendo em Quito, a capital, e Guayaquil, maior cidade do Equador e bastião de longa data do conservadorismo anticorreísta. Os correístas venceram até na Província de Azuay, reduto da oposição indígena ao correísmo. É verdade que a maioria desses prefeitos venceu em campos fragmentados. Mas no fraco sistema partidário do Equador ser o menos fraco é suficiente.

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Agora o correísmo se posiciona para conquistas maiores do que qualquer outra força em eleições antecipadas. Não surpreendeu que Correa tenha definido a declaração de muerte cruzada, de Lasso, uma “oportunidade”, e que líderes de seu partido tenham celebrado a notícia nos degraus da Assembleia — mesmo que isso tenha custado seus cargos.

Correísmo 2.0?

Os resultados das recentes eleições locais — que o correísmo disputou com candidatos moderados e se saiu bem — pareceram sinalizar que um correísmo mais gentil e amável emergiu dos tempos que passou distante.

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Há um grão de verdade nessa afirmação. Ultimamente, o RC parece mais um grande partido guarda-chuva da esquerda disposto a se ramificar para além de seu modelo antigo: desenvolvimentismo estatizante pesado em indústrias extrativistas e redistribuição mas leve em proteções para o meio ambiente, as comunidades indígenas, mulheres e as minorias sexuais.

O prefeito eleito de Quito, Pabel Muñoz, que vem das bases do partido, apoiou recentemente um movimento ambiental popular. Fontes correístas que entrevistei para a elaboração deste artigo expressaram desejo de “transcender o extrativismo” e transformar o Equador na “Dubai da energia limpa”.

Em relação a questões sociais, muitos líderes correístas também vinham repensado seu conservadorismo apesar de o próprio Correa manter-se firme nele. Marcela Aguiñaga, correísta eleita prefeita de Guayas que antes ecoava as posições socialmente conservadoras de Correa, se reinventou recentemente: “Queremos os votos de jovens, feministas e ambientalistas”, afirmou ela recentemente. No ano passado, o partido permitiu aos seus legisladores votar segundo sua consciência sobre uma proposta de descriminalização do aborto em caso de estupro.

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O correísmo 2.0 poderia ser mais moderado também economicamente. Parece haver consenso de que o próximo governo correísta não pode gastar ilimitadamente e assumir dívidas enormes, como no passado, e terá, em vez disso, de se conformar com um orçamento mais apertado. Em relação a política externa, a liderança correísta ansia afastar-se de Washington e adotar as posições de não alinhamento características de outros presidentes esquerdistas eleitos recentemente na América Latina. Eles acreditam que o Equador está perdendo uma chance de explorar a ordem mundial reformulada e aprofundar laços com outros países latino-americanos.

De volta ao poder, o correísmo tende a adotar políticas sociais e econômicas mais próximas de Gustavo Petro que Nicolás Maduro — ou de Correa 1.0. Mas quando se trata de instituições democráticas, a história é outra. Parece não haver muita disposição de acertar contas com o passado. Questionados sobre as tendências iliberais do correísmo 1.0, líderes correístas e figuras próximas ao seu partido que entrevistei ocasionalmente reconheceram “excessos” — um termo polido para a espionagem e a censura da imprensa ocorridas durante os governos de Correa. Mas não parece haver muito apetite para reconciliações com políticos rivais nem críticos do correísmo na sociedade civil — especialmente depois do que muitos no partido consideraram anos de perseguição e exclusão por essas forças.

Correa não escondeu suas ambições: no mês passado, afirmou que pretende convocar uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição de 2008, que ele mesmo ajudou a forjar. A substituição do texto constitucional ocasionaria um expurgo na burocracia do Estado e desmantelaria contrapesos sobre o poder Executivo. Limpar os registros judiciais de Correa e seus aliados é outra prioridade — que requer controle do Judiciário. Enquanto o brasileiro Lula da Silva e o colombiano Petro alcançaram o poder oferecendo ramos de oliveira a antigos rivais, Correa não parece nada disposto a perdoar e esquecer.

O mais preocupante é a elevação explosiva na atividade do crime organizado no Equador. Não está claro se Correa e seu partido têm alguma resposta além de restaurar a antiga política de segurança: aumento nos gastos na área social e — talvez — o retorno da abordagem de não confrontação ao tráfico de drogas que caracterizou o correísmo 1.0. É improvável que essa receita funcione para pacificar o novo ambiente criminal do Equador, com uma criminalidade mais bem financiada, organizada e disposta a cooptar — ou, se isso não funcionar, atacar — as autoridades do Estado do que antes. Com o alto comando militar colocando-se abertamente ao lado de Lasso no atual desdobramento e a polícia e Correa historicamente em querelas, também é razoável prever ficção entre forças de segurança e um novo governo correísta.

Há chance de que o correísmo envolva uma direção mais moderada e democrática. Mas tênue. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Will Freeman, Ph.D, é pesquisador de assuntos latino-americanos no Council on Foreign Relations

Um líder no exílio — ou, de acordo com o governo, fugitivo da Justiça. Importantes associados na cadeia ou espalhados pelo planeta. Uma sociedade ainda em processo de cura das feridas de uma década de polarização.

Não se tratam exatamente dos marcos de um retorno à política. Mas não digam isso ao ex-presidente esquerdo-populista Rafael Correa e seus apoiadores. Logo após vitórias nas urnas e nas cortes, o correísmo está novamente na iminência de conquistar o Executivo nacional.

Em 17 de maio, Correa e seus apoiadores receberam a notícia pela qual vinham aguardando: sitiado, o presidente conservador do Equador, Guillermo Lasso, declarou “muerte cruzada”, dissolvendo a Assembleia Nacional para evitar uma votação de impeachment que ele parecia fadado a perder. De acordo com a Constituição, Lasso passa a governar por decreto por até seis meses, conforme o país realiza eleições gerais antecipadas. A vitória correísta não é uma garantia — mas é provavelmente o desfecho mais provável.

Presidente do Equador, Guillermo Lasso, ao lado de militares após uma sessão da Assembleia Nacional, no dia 16. Lasso dissolveu o Parlamento no dia seguinte Foto: Dolores Ochoa/AP

Por mais que o Equador precise de mudança, há sinais de que o correísmo não está totalmente preparado para traçar um novo caminho. A visão dos líderes de seu partido sobre o país e seus problemas parece atolada em assuntos falecidos, do tempo em que o Equador desfrutava de preços estratosféricos de commodities, fácil acesso ao crédito chinês e baixos índices de criminalidade. Ninguém sabe como eles pretendem lidar com os novos desafios: o aumento na incidência de crimes violentos e as condições mais restritivas das finanças globais. Acima de tudo, Rafael Correa ainda dá as cartas — e não quer arriscar perder o poder novamente. Se ele retornar para o país, a recente ascensão do correísmo “moderado” poderia se encerrar abruptamente.

Perdedores em uma onda de boa sorte

Até um ano atrás, o correísmo estava sem sorte. Após Correa deixar a presidência, em 2017, seu sucessor escolhido a dedo, Lenín Moreno, rompeu com ele quase imediatamente, expurgando apoiadores de Correa das instituições de Estado. Novas autoridades do Judiciário lançaram uma investigação ampla contra Correa e seus aliados, que definiram o movimento como “guerra judicial”.

Vários líderes do partido foram parar na cadeia. Outros se espalharam por países latino-americanos e europeus. Correa estabeleceu residência na Bélgica para evitar uma condenação por corrupção, segundo ele, infundada. As eleições de 2021 foram uma má fase, com o candidato do correísmo ficando aquém das expectativas no segundo turno contra Lasso.

Mas então o Equador se despedaçou. Em meio a cada vez mais pessoas passando fome, uma economia moribunda e os piores índices de criminalidade da história do país, Correa e seu partido renovado, o Movimento Revolução Cidadã (RC), têm surfado uma onda de boa sorte. Jorge Glas e Alexis Mera, ex-autoridades do governo Correa, foram libertados da prisão nos meses recentes — supostamente como resultado de um acordo com Lasso, apesar do presidente negar que isso tenha ocorrido. Mais condenações poderão ser revertidas logo — e os correístas não estão vencendo apenas batalhas judiciais: eles também alcançaram vitórias recentes nas urnas.

Em fevereiro, candidatos do RC conquistaram o controle do dobro de prefeituras do que qualquer outro partido nas eleições locais, vencendo em Quito, a capital, e Guayaquil, maior cidade do Equador e bastião de longa data do conservadorismo anticorreísta. Os correístas venceram até na Província de Azuay, reduto da oposição indígena ao correísmo. É verdade que a maioria desses prefeitos venceu em campos fragmentados. Mas no fraco sistema partidário do Equador ser o menos fraco é suficiente.

Agora o correísmo se posiciona para conquistas maiores do que qualquer outra força em eleições antecipadas. Não surpreendeu que Correa tenha definido a declaração de muerte cruzada, de Lasso, uma “oportunidade”, e que líderes de seu partido tenham celebrado a notícia nos degraus da Assembleia — mesmo que isso tenha custado seus cargos.

Correísmo 2.0?

Os resultados das recentes eleições locais — que o correísmo disputou com candidatos moderados e se saiu bem — pareceram sinalizar que um correísmo mais gentil e amável emergiu dos tempos que passou distante.

Há um grão de verdade nessa afirmação. Ultimamente, o RC parece mais um grande partido guarda-chuva da esquerda disposto a se ramificar para além de seu modelo antigo: desenvolvimentismo estatizante pesado em indústrias extrativistas e redistribuição mas leve em proteções para o meio ambiente, as comunidades indígenas, mulheres e as minorias sexuais.

O prefeito eleito de Quito, Pabel Muñoz, que vem das bases do partido, apoiou recentemente um movimento ambiental popular. Fontes correístas que entrevistei para a elaboração deste artigo expressaram desejo de “transcender o extrativismo” e transformar o Equador na “Dubai da energia limpa”.

Em relação a questões sociais, muitos líderes correístas também vinham repensado seu conservadorismo apesar de o próprio Correa manter-se firme nele. Marcela Aguiñaga, correísta eleita prefeita de Guayas que antes ecoava as posições socialmente conservadoras de Correa, se reinventou recentemente: “Queremos os votos de jovens, feministas e ambientalistas”, afirmou ela recentemente. No ano passado, o partido permitiu aos seus legisladores votar segundo sua consciência sobre uma proposta de descriminalização do aborto em caso de estupro.

O correísmo 2.0 poderia ser mais moderado também economicamente. Parece haver consenso de que o próximo governo correísta não pode gastar ilimitadamente e assumir dívidas enormes, como no passado, e terá, em vez disso, de se conformar com um orçamento mais apertado. Em relação a política externa, a liderança correísta ansia afastar-se de Washington e adotar as posições de não alinhamento características de outros presidentes esquerdistas eleitos recentemente na América Latina. Eles acreditam que o Equador está perdendo uma chance de explorar a ordem mundial reformulada e aprofundar laços com outros países latino-americanos.

De volta ao poder, o correísmo tende a adotar políticas sociais e econômicas mais próximas de Gustavo Petro que Nicolás Maduro — ou de Correa 1.0. Mas quando se trata de instituições democráticas, a história é outra. Parece não haver muita disposição de acertar contas com o passado. Questionados sobre as tendências iliberais do correísmo 1.0, líderes correístas e figuras próximas ao seu partido que entrevistei ocasionalmente reconheceram “excessos” — um termo polido para a espionagem e a censura da imprensa ocorridas durante os governos de Correa. Mas não parece haver muito apetite para reconciliações com políticos rivais nem críticos do correísmo na sociedade civil — especialmente depois do que muitos no partido consideraram anos de perseguição e exclusão por essas forças.

Correa não escondeu suas ambições: no mês passado, afirmou que pretende convocar uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição de 2008, que ele mesmo ajudou a forjar. A substituição do texto constitucional ocasionaria um expurgo na burocracia do Estado e desmantelaria contrapesos sobre o poder Executivo. Limpar os registros judiciais de Correa e seus aliados é outra prioridade — que requer controle do Judiciário. Enquanto o brasileiro Lula da Silva e o colombiano Petro alcançaram o poder oferecendo ramos de oliveira a antigos rivais, Correa não parece nada disposto a perdoar e esquecer.

O mais preocupante é a elevação explosiva na atividade do crime organizado no Equador. Não está claro se Correa e seu partido têm alguma resposta além de restaurar a antiga política de segurança: aumento nos gastos na área social e — talvez — o retorno da abordagem de não confrontação ao tráfico de drogas que caracterizou o correísmo 1.0. É improvável que essa receita funcione para pacificar o novo ambiente criminal do Equador, com uma criminalidade mais bem financiada, organizada e disposta a cooptar — ou, se isso não funcionar, atacar — as autoridades do Estado do que antes. Com o alto comando militar colocando-se abertamente ao lado de Lasso no atual desdobramento e a polícia e Correa historicamente em querelas, também é razoável prever ficção entre forças de segurança e um novo governo correísta.

Há chance de que o correísmo envolva uma direção mais moderada e democrática. Mas tênue. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Will Freeman, Ph.D, é pesquisador de assuntos latino-americanos no Council on Foreign Relations

Um líder no exílio — ou, de acordo com o governo, fugitivo da Justiça. Importantes associados na cadeia ou espalhados pelo planeta. Uma sociedade ainda em processo de cura das feridas de uma década de polarização.

Não se tratam exatamente dos marcos de um retorno à política. Mas não digam isso ao ex-presidente esquerdo-populista Rafael Correa e seus apoiadores. Logo após vitórias nas urnas e nas cortes, o correísmo está novamente na iminência de conquistar o Executivo nacional.

Em 17 de maio, Correa e seus apoiadores receberam a notícia pela qual vinham aguardando: sitiado, o presidente conservador do Equador, Guillermo Lasso, declarou “muerte cruzada”, dissolvendo a Assembleia Nacional para evitar uma votação de impeachment que ele parecia fadado a perder. De acordo com a Constituição, Lasso passa a governar por decreto por até seis meses, conforme o país realiza eleições gerais antecipadas. A vitória correísta não é uma garantia — mas é provavelmente o desfecho mais provável.

Presidente do Equador, Guillermo Lasso, ao lado de militares após uma sessão da Assembleia Nacional, no dia 16. Lasso dissolveu o Parlamento no dia seguinte Foto: Dolores Ochoa/AP

Por mais que o Equador precise de mudança, há sinais de que o correísmo não está totalmente preparado para traçar um novo caminho. A visão dos líderes de seu partido sobre o país e seus problemas parece atolada em assuntos falecidos, do tempo em que o Equador desfrutava de preços estratosféricos de commodities, fácil acesso ao crédito chinês e baixos índices de criminalidade. Ninguém sabe como eles pretendem lidar com os novos desafios: o aumento na incidência de crimes violentos e as condições mais restritivas das finanças globais. Acima de tudo, Rafael Correa ainda dá as cartas — e não quer arriscar perder o poder novamente. Se ele retornar para o país, a recente ascensão do correísmo “moderado” poderia se encerrar abruptamente.

Perdedores em uma onda de boa sorte

Até um ano atrás, o correísmo estava sem sorte. Após Correa deixar a presidência, em 2017, seu sucessor escolhido a dedo, Lenín Moreno, rompeu com ele quase imediatamente, expurgando apoiadores de Correa das instituições de Estado. Novas autoridades do Judiciário lançaram uma investigação ampla contra Correa e seus aliados, que definiram o movimento como “guerra judicial”.

Vários líderes do partido foram parar na cadeia. Outros se espalharam por países latino-americanos e europeus. Correa estabeleceu residência na Bélgica para evitar uma condenação por corrupção, segundo ele, infundada. As eleições de 2021 foram uma má fase, com o candidato do correísmo ficando aquém das expectativas no segundo turno contra Lasso.

Mas então o Equador se despedaçou. Em meio a cada vez mais pessoas passando fome, uma economia moribunda e os piores índices de criminalidade da história do país, Correa e seu partido renovado, o Movimento Revolução Cidadã (RC), têm surfado uma onda de boa sorte. Jorge Glas e Alexis Mera, ex-autoridades do governo Correa, foram libertados da prisão nos meses recentes — supostamente como resultado de um acordo com Lasso, apesar do presidente negar que isso tenha ocorrido. Mais condenações poderão ser revertidas logo — e os correístas não estão vencendo apenas batalhas judiciais: eles também alcançaram vitórias recentes nas urnas.

Em fevereiro, candidatos do RC conquistaram o controle do dobro de prefeituras do que qualquer outro partido nas eleições locais, vencendo em Quito, a capital, e Guayaquil, maior cidade do Equador e bastião de longa data do conservadorismo anticorreísta. Os correístas venceram até na Província de Azuay, reduto da oposição indígena ao correísmo. É verdade que a maioria desses prefeitos venceu em campos fragmentados. Mas no fraco sistema partidário do Equador ser o menos fraco é suficiente.

Agora o correísmo se posiciona para conquistas maiores do que qualquer outra força em eleições antecipadas. Não surpreendeu que Correa tenha definido a declaração de muerte cruzada, de Lasso, uma “oportunidade”, e que líderes de seu partido tenham celebrado a notícia nos degraus da Assembleia — mesmo que isso tenha custado seus cargos.

Correísmo 2.0?

Os resultados das recentes eleições locais — que o correísmo disputou com candidatos moderados e se saiu bem — pareceram sinalizar que um correísmo mais gentil e amável emergiu dos tempos que passou distante.

Há um grão de verdade nessa afirmação. Ultimamente, o RC parece mais um grande partido guarda-chuva da esquerda disposto a se ramificar para além de seu modelo antigo: desenvolvimentismo estatizante pesado em indústrias extrativistas e redistribuição mas leve em proteções para o meio ambiente, as comunidades indígenas, mulheres e as minorias sexuais.

O prefeito eleito de Quito, Pabel Muñoz, que vem das bases do partido, apoiou recentemente um movimento ambiental popular. Fontes correístas que entrevistei para a elaboração deste artigo expressaram desejo de “transcender o extrativismo” e transformar o Equador na “Dubai da energia limpa”.

Em relação a questões sociais, muitos líderes correístas também vinham repensado seu conservadorismo apesar de o próprio Correa manter-se firme nele. Marcela Aguiñaga, correísta eleita prefeita de Guayas que antes ecoava as posições socialmente conservadoras de Correa, se reinventou recentemente: “Queremos os votos de jovens, feministas e ambientalistas”, afirmou ela recentemente. No ano passado, o partido permitiu aos seus legisladores votar segundo sua consciência sobre uma proposta de descriminalização do aborto em caso de estupro.

O correísmo 2.0 poderia ser mais moderado também economicamente. Parece haver consenso de que o próximo governo correísta não pode gastar ilimitadamente e assumir dívidas enormes, como no passado, e terá, em vez disso, de se conformar com um orçamento mais apertado. Em relação a política externa, a liderança correísta ansia afastar-se de Washington e adotar as posições de não alinhamento características de outros presidentes esquerdistas eleitos recentemente na América Latina. Eles acreditam que o Equador está perdendo uma chance de explorar a ordem mundial reformulada e aprofundar laços com outros países latino-americanos.

De volta ao poder, o correísmo tende a adotar políticas sociais e econômicas mais próximas de Gustavo Petro que Nicolás Maduro — ou de Correa 1.0. Mas quando se trata de instituições democráticas, a história é outra. Parece não haver muita disposição de acertar contas com o passado. Questionados sobre as tendências iliberais do correísmo 1.0, líderes correístas e figuras próximas ao seu partido que entrevistei ocasionalmente reconheceram “excessos” — um termo polido para a espionagem e a censura da imprensa ocorridas durante os governos de Correa. Mas não parece haver muito apetite para reconciliações com políticos rivais nem críticos do correísmo na sociedade civil — especialmente depois do que muitos no partido consideraram anos de perseguição e exclusão por essas forças.

Correa não escondeu suas ambições: no mês passado, afirmou que pretende convocar uma Assembleia Constituinte para substituir a Constituição de 2008, que ele mesmo ajudou a forjar. A substituição do texto constitucional ocasionaria um expurgo na burocracia do Estado e desmantelaria contrapesos sobre o poder Executivo. Limpar os registros judiciais de Correa e seus aliados é outra prioridade — que requer controle do Judiciário. Enquanto o brasileiro Lula da Silva e o colombiano Petro alcançaram o poder oferecendo ramos de oliveira a antigos rivais, Correa não parece nada disposto a perdoar e esquecer.

O mais preocupante é a elevação explosiva na atividade do crime organizado no Equador. Não está claro se Correa e seu partido têm alguma resposta além de restaurar a antiga política de segurança: aumento nos gastos na área social e — talvez — o retorno da abordagem de não confrontação ao tráfico de drogas que caracterizou o correísmo 1.0. É improvável que essa receita funcione para pacificar o novo ambiente criminal do Equador, com uma criminalidade mais bem financiada, organizada e disposta a cooptar — ou, se isso não funcionar, atacar — as autoridades do Estado do que antes. Com o alto comando militar colocando-se abertamente ao lado de Lasso no atual desdobramento e a polícia e Correa historicamente em querelas, também é razoável prever ficção entre forças de segurança e um novo governo correísta.

Há chance de que o correísmo envolva uma direção mais moderada e democrática. Mas tênue. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

* Will Freeman, Ph.D, é pesquisador de assuntos latino-americanos no Council on Foreign Relations

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