Países do Leste Europeu temem ser o novo alvo de Putin; leia o artigo


Historicamente vítimas do expansionismo russo, povos do leste veem a invasão da Ucrânia como parte de um processo que pode chegar a suas fronteiras

Por Karolina Wigura e Jaroslaw Kuisz
Atualização:

NEW YORK TIMES - O simbolismo foi marcante. Em 12 de março, pouco mais de duas semanas após o início dos bombardeios da Rússia contra a Ucrânia, os líderes de França e Alemanha realizaram uma chamada conjunta com Vladimir Putin. Dias depois, três premiês da Europa pós-comunista – de Polônia, República Checa e Eslovênia – viajaram de trem para Kiev, apesar do perigo.

Essa disparidade expôs a distinção na maneira que membros da Otan, do Oriente e do Ocidente, veem a guerra. Para países ocidentais, incluindo os EUA, o conflito, além de um desastre para os ucranianos, representa o perigo de uma guerra global.

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Para a Europa Central e do Leste, a coisa é diferente. Esses vizinhos da Rússia tendem a ver a guerra não como um evento isolado, mas como um processo. Para eles, a invasão parece ser mais um passo de uma série de ataques aterradores da Rússia contra outros países, que remonta aos bombardeios à Chechênia e à guerra na Geórgia. Para eles, parece insensato concluir que Putin se contentará com a Ucrânia. O perigo é imediato.

Protesto contra a invasão da Ucrânia em Varsóvia: poloneses veem agressão russa com apreensão  Foto: Slawomir Kaminski/Agencja Wyborcza.pl/Reuters

Uma guerra que já começou

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Enquanto o Ocidente acredita que tem o dever de evitar a terceira guerra mundial, o Oriente considera que, qualquer que seja o nome dado a esse conflito, a guerra contra a democracia liberal, suas instituições e estilos de vida já começou. Ambas as posições têm mérito. Mas a visita de Joe Biden à Polônia, um dia após uma cúpula da Otan, é uma oportunidade para forjar um entendimento comum. Ambos os lados devem apresentar uma frente unida contra a agressão russa. A alternativa a isso é desordem e destruição.

Na raiz dessa disparidade jaz a história. Por séculos, a Europa Central e do Leste experimentaram as assustadoras consequências do imperialismo russo. Entre a Rússia czarista e a União Soviética, muitos países da região viram sua independência erradicada, suas sociedades oprimidas e suas culturas marginalizadas. O trauma é um dos elementos mais importantes da identidade coletiva da região.

Muitos centro-europeus e europeus do leste compartilham de uma visão inquieta sobre si mesmos, uma soberania apreensiva. Sua independência, restaurada com esforço após 1989, poderia se perder outra vez, como o século 20 demonstrou. No destino da Ucrânia, e anteriormente na Chechênia e na Geórgia, eles veem não só o passado traumático, mas também seu futuro. “Seremos os próximos” é uma frase que sai de muitas bocas.

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Os ecos de Munique, 1938

Nessa atmosfera febril, os passos cautelosos da Otan soam para muitos como um eco da guerra de 1939, quando França e Reino Unido adotaram ações militares limitadas e não salvaram a Polônia. Naquela época, da mesma forma, histórias horríveis sobre bombardeios em Varsóvia e outras cidades ocupavam as manchetes da imprensa. Ainda assim, os aliados se aferraram a sua determinação de não se envolver demais no conflito. A inação atrasou a guerra, mas não impediu que ela acontecesse.

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Oportuna ou não, essa analogia expressa uma intuição a respeito do que pode vir depois – que é visível na maneira que Oriente e Ocidente abordam a guerra. Desde o início, os países geograficamente mais próximos à Rússia pedem uma resposta mais dura. Agora que a brutalidade russa se revelou plenamente, países ocidentais oscilam entre impor mais sanções, enviar mais armas para a Ucrânia e intensificar os esforços diplomáticos.

Já os países do leste preferem ir além. Medidas sugeridas incluem impor uma zona se exclusão aérea – como pede a Ucrânia – ou enviar tropas da Otan para o país, mesmo que em missão de paz. O governo polonês ofereceu seus caças MiG-29 para a Ucrânia, o que os aliados ocidentais consideraram um passo ousado demais.

Presidente Joe Biden tira selfie com soldado americano em Rzeszow, na Polônia Foto: EVELYN HOCKSTEIN
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O medo do expansionismo russo

Ainda assim, centro-europeus e europeus do leste estão convencidos de que estão certos, e a moral está ao seu lado. Eles acreditam que estão certos desde o início, com seus alertas sobre o gasoduto Nord Stream e outros projetos geoestratégicos que envolveram a Ucrânia e outros antigos Estados soviéticos. Por muito tempo, essas opiniões foram rejeitadas, qualificadas como russofobia, e consideradas irrelevantes em face dos frutos da cooperação com a Rússia. Hoje, esses alertas parecem premonitórios.

Isso não significa que os líderes da região devam se render à autocongratulação, nem amaldiçoar a “estupidez” do Ocidente – como colocou Czeslaw Milosz, escritor polonês ganhador do Nobel – por seus fracassos de previsão. Seu foco, em vez disso, deveria ser se comunicar melhor com os parceiros ocidentais, algo que Zelenski, em seus discursos ao redor do mundo, mostrou bem como fazer.

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Isso é de suma importância. Uma Otan dividida é algo que Putin quer, exatamente como a aliança agiu em resposta às agressões militares do Kremlin em 2008 e 2014. Essas ações retomaram as partições na região, juntamente com líderes fantoche pró-Moscou, sequestro político e eleições forjadas. A invasão da Ucrânia, na visão dos países do leste, é apenas a mais recente tentativa da Rússia de subverter a ordem geopolítica valendo-se de captura de território.

Os líderes dos países da região estão em posição ímpar para explanar o que está em jogo e ajudar o Ocidente a entender melhor o nível desse risco. Ainda assim, persiste o fato de que países da Europa Central e do Leste Europeu gostariam de envolver a Otan no conflito em uma escala maior, enquanto países do Ocidente continuam a priorizar a paz global. Trata-se de um dilema trágico que, em vez de se aproximar de uma resolução, parece estar só começando. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*São pesquisadores da Academia Robert Bosch, em Berlim e da Universidade de Cambridge

NEW YORK TIMES - O simbolismo foi marcante. Em 12 de março, pouco mais de duas semanas após o início dos bombardeios da Rússia contra a Ucrânia, os líderes de França e Alemanha realizaram uma chamada conjunta com Vladimir Putin. Dias depois, três premiês da Europa pós-comunista – de Polônia, República Checa e Eslovênia – viajaram de trem para Kiev, apesar do perigo.

Essa disparidade expôs a distinção na maneira que membros da Otan, do Oriente e do Ocidente, veem a guerra. Para países ocidentais, incluindo os EUA, o conflito, além de um desastre para os ucranianos, representa o perigo de uma guerra global.

Para a Europa Central e do Leste, a coisa é diferente. Esses vizinhos da Rússia tendem a ver a guerra não como um evento isolado, mas como um processo. Para eles, a invasão parece ser mais um passo de uma série de ataques aterradores da Rússia contra outros países, que remonta aos bombardeios à Chechênia e à guerra na Geórgia. Para eles, parece insensato concluir que Putin se contentará com a Ucrânia. O perigo é imediato.

Protesto contra a invasão da Ucrânia em Varsóvia: poloneses veem agressão russa com apreensão  Foto: Slawomir Kaminski/Agencja Wyborcza.pl/Reuters

Uma guerra que já começou

Enquanto o Ocidente acredita que tem o dever de evitar a terceira guerra mundial, o Oriente considera que, qualquer que seja o nome dado a esse conflito, a guerra contra a democracia liberal, suas instituições e estilos de vida já começou. Ambas as posições têm mérito. Mas a visita de Joe Biden à Polônia, um dia após uma cúpula da Otan, é uma oportunidade para forjar um entendimento comum. Ambos os lados devem apresentar uma frente unida contra a agressão russa. A alternativa a isso é desordem e destruição.

Na raiz dessa disparidade jaz a história. Por séculos, a Europa Central e do Leste experimentaram as assustadoras consequências do imperialismo russo. Entre a Rússia czarista e a União Soviética, muitos países da região viram sua independência erradicada, suas sociedades oprimidas e suas culturas marginalizadas. O trauma é um dos elementos mais importantes da identidade coletiva da região.

Muitos centro-europeus e europeus do leste compartilham de uma visão inquieta sobre si mesmos, uma soberania apreensiva. Sua independência, restaurada com esforço após 1989, poderia se perder outra vez, como o século 20 demonstrou. No destino da Ucrânia, e anteriormente na Chechênia e na Geórgia, eles veem não só o passado traumático, mas também seu futuro. “Seremos os próximos” é uma frase que sai de muitas bocas.

Os ecos de Munique, 1938

Nessa atmosfera febril, os passos cautelosos da Otan soam para muitos como um eco da guerra de 1939, quando França e Reino Unido adotaram ações militares limitadas e não salvaram a Polônia. Naquela época, da mesma forma, histórias horríveis sobre bombardeios em Varsóvia e outras cidades ocupavam as manchetes da imprensa. Ainda assim, os aliados se aferraram a sua determinação de não se envolver demais no conflito. A inação atrasou a guerra, mas não impediu que ela acontecesse.

Oportuna ou não, essa analogia expressa uma intuição a respeito do que pode vir depois – que é visível na maneira que Oriente e Ocidente abordam a guerra. Desde o início, os países geograficamente mais próximos à Rússia pedem uma resposta mais dura. Agora que a brutalidade russa se revelou plenamente, países ocidentais oscilam entre impor mais sanções, enviar mais armas para a Ucrânia e intensificar os esforços diplomáticos.

Já os países do leste preferem ir além. Medidas sugeridas incluem impor uma zona se exclusão aérea – como pede a Ucrânia – ou enviar tropas da Otan para o país, mesmo que em missão de paz. O governo polonês ofereceu seus caças MiG-29 para a Ucrânia, o que os aliados ocidentais consideraram um passo ousado demais.

Presidente Joe Biden tira selfie com soldado americano em Rzeszow, na Polônia Foto: EVELYN HOCKSTEIN

O medo do expansionismo russo

Ainda assim, centro-europeus e europeus do leste estão convencidos de que estão certos, e a moral está ao seu lado. Eles acreditam que estão certos desde o início, com seus alertas sobre o gasoduto Nord Stream e outros projetos geoestratégicos que envolveram a Ucrânia e outros antigos Estados soviéticos. Por muito tempo, essas opiniões foram rejeitadas, qualificadas como russofobia, e consideradas irrelevantes em face dos frutos da cooperação com a Rússia. Hoje, esses alertas parecem premonitórios.

Isso não significa que os líderes da região devam se render à autocongratulação, nem amaldiçoar a “estupidez” do Ocidente – como colocou Czeslaw Milosz, escritor polonês ganhador do Nobel – por seus fracassos de previsão. Seu foco, em vez disso, deveria ser se comunicar melhor com os parceiros ocidentais, algo que Zelenski, em seus discursos ao redor do mundo, mostrou bem como fazer.

Isso é de suma importância. Uma Otan dividida é algo que Putin quer, exatamente como a aliança agiu em resposta às agressões militares do Kremlin em 2008 e 2014. Essas ações retomaram as partições na região, juntamente com líderes fantoche pró-Moscou, sequestro político e eleições forjadas. A invasão da Ucrânia, na visão dos países do leste, é apenas a mais recente tentativa da Rússia de subverter a ordem geopolítica valendo-se de captura de território.

Os líderes dos países da região estão em posição ímpar para explanar o que está em jogo e ajudar o Ocidente a entender melhor o nível desse risco. Ainda assim, persiste o fato de que países da Europa Central e do Leste Europeu gostariam de envolver a Otan no conflito em uma escala maior, enquanto países do Ocidente continuam a priorizar a paz global. Trata-se de um dilema trágico que, em vez de se aproximar de uma resolução, parece estar só começando. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*São pesquisadores da Academia Robert Bosch, em Berlim e da Universidade de Cambridge

NEW YORK TIMES - O simbolismo foi marcante. Em 12 de março, pouco mais de duas semanas após o início dos bombardeios da Rússia contra a Ucrânia, os líderes de França e Alemanha realizaram uma chamada conjunta com Vladimir Putin. Dias depois, três premiês da Europa pós-comunista – de Polônia, República Checa e Eslovênia – viajaram de trem para Kiev, apesar do perigo.

Essa disparidade expôs a distinção na maneira que membros da Otan, do Oriente e do Ocidente, veem a guerra. Para países ocidentais, incluindo os EUA, o conflito, além de um desastre para os ucranianos, representa o perigo de uma guerra global.

Para a Europa Central e do Leste, a coisa é diferente. Esses vizinhos da Rússia tendem a ver a guerra não como um evento isolado, mas como um processo. Para eles, a invasão parece ser mais um passo de uma série de ataques aterradores da Rússia contra outros países, que remonta aos bombardeios à Chechênia e à guerra na Geórgia. Para eles, parece insensato concluir que Putin se contentará com a Ucrânia. O perigo é imediato.

Protesto contra a invasão da Ucrânia em Varsóvia: poloneses veem agressão russa com apreensão  Foto: Slawomir Kaminski/Agencja Wyborcza.pl/Reuters

Uma guerra que já começou

Enquanto o Ocidente acredita que tem o dever de evitar a terceira guerra mundial, o Oriente considera que, qualquer que seja o nome dado a esse conflito, a guerra contra a democracia liberal, suas instituições e estilos de vida já começou. Ambas as posições têm mérito. Mas a visita de Joe Biden à Polônia, um dia após uma cúpula da Otan, é uma oportunidade para forjar um entendimento comum. Ambos os lados devem apresentar uma frente unida contra a agressão russa. A alternativa a isso é desordem e destruição.

Na raiz dessa disparidade jaz a história. Por séculos, a Europa Central e do Leste experimentaram as assustadoras consequências do imperialismo russo. Entre a Rússia czarista e a União Soviética, muitos países da região viram sua independência erradicada, suas sociedades oprimidas e suas culturas marginalizadas. O trauma é um dos elementos mais importantes da identidade coletiva da região.

Muitos centro-europeus e europeus do leste compartilham de uma visão inquieta sobre si mesmos, uma soberania apreensiva. Sua independência, restaurada com esforço após 1989, poderia se perder outra vez, como o século 20 demonstrou. No destino da Ucrânia, e anteriormente na Chechênia e na Geórgia, eles veem não só o passado traumático, mas também seu futuro. “Seremos os próximos” é uma frase que sai de muitas bocas.

Os ecos de Munique, 1938

Nessa atmosfera febril, os passos cautelosos da Otan soam para muitos como um eco da guerra de 1939, quando França e Reino Unido adotaram ações militares limitadas e não salvaram a Polônia. Naquela época, da mesma forma, histórias horríveis sobre bombardeios em Varsóvia e outras cidades ocupavam as manchetes da imprensa. Ainda assim, os aliados se aferraram a sua determinação de não se envolver demais no conflito. A inação atrasou a guerra, mas não impediu que ela acontecesse.

Oportuna ou não, essa analogia expressa uma intuição a respeito do que pode vir depois – que é visível na maneira que Oriente e Ocidente abordam a guerra. Desde o início, os países geograficamente mais próximos à Rússia pedem uma resposta mais dura. Agora que a brutalidade russa se revelou plenamente, países ocidentais oscilam entre impor mais sanções, enviar mais armas para a Ucrânia e intensificar os esforços diplomáticos.

Já os países do leste preferem ir além. Medidas sugeridas incluem impor uma zona se exclusão aérea – como pede a Ucrânia – ou enviar tropas da Otan para o país, mesmo que em missão de paz. O governo polonês ofereceu seus caças MiG-29 para a Ucrânia, o que os aliados ocidentais consideraram um passo ousado demais.

Presidente Joe Biden tira selfie com soldado americano em Rzeszow, na Polônia Foto: EVELYN HOCKSTEIN

O medo do expansionismo russo

Ainda assim, centro-europeus e europeus do leste estão convencidos de que estão certos, e a moral está ao seu lado. Eles acreditam que estão certos desde o início, com seus alertas sobre o gasoduto Nord Stream e outros projetos geoestratégicos que envolveram a Ucrânia e outros antigos Estados soviéticos. Por muito tempo, essas opiniões foram rejeitadas, qualificadas como russofobia, e consideradas irrelevantes em face dos frutos da cooperação com a Rússia. Hoje, esses alertas parecem premonitórios.

Isso não significa que os líderes da região devam se render à autocongratulação, nem amaldiçoar a “estupidez” do Ocidente – como colocou Czeslaw Milosz, escritor polonês ganhador do Nobel – por seus fracassos de previsão. Seu foco, em vez disso, deveria ser se comunicar melhor com os parceiros ocidentais, algo que Zelenski, em seus discursos ao redor do mundo, mostrou bem como fazer.

Isso é de suma importância. Uma Otan dividida é algo que Putin quer, exatamente como a aliança agiu em resposta às agressões militares do Kremlin em 2008 e 2014. Essas ações retomaram as partições na região, juntamente com líderes fantoche pró-Moscou, sequestro político e eleições forjadas. A invasão da Ucrânia, na visão dos países do leste, é apenas a mais recente tentativa da Rússia de subverter a ordem geopolítica valendo-se de captura de território.

Os líderes dos países da região estão em posição ímpar para explanar o que está em jogo e ajudar o Ocidente a entender melhor o nível desse risco. Ainda assim, persiste o fato de que países da Europa Central e do Leste Europeu gostariam de envolver a Otan no conflito em uma escala maior, enquanto países do Ocidente continuam a priorizar a paz global. Trata-se de um dilema trágico que, em vez de se aproximar de uma resolução, parece estar só começando. /TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*São pesquisadores da Academia Robert Bosch, em Berlim e da Universidade de Cambridge

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