Palestinos vivem com medo dos seus governantes, e radicais fomentam desinformação; leia a análise


Palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta; mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco

Por Bret Stephens*

THE NEW YORK TIMES — Muitos anos atrás, quando comecei a cobrir o conflito israelo-palestino, eu conheci um talentoso jornalista palestino que, por razões que se tornarão aparentes em um momento, eu identificarei apenas por seu primeiro nome, Said.

Como muitos outros jornalistas palestinos, a principal fonte de renda de Said era trabalhar para repórteres estrangeiros como “fixer”, um profissional capaz de marcar reuniões difíceis, traduzir da língua árabe e guiar-lhes pela região. Said tinha uma posição independente e não era fã de Yasser Arafat, o que fazia dele especialmente proveitoso para ajudar correspondentes estrangeiros a ver além da propaganda grandiloquente da Autoridade Palestina.

Com Said, eu entrevistei graduadas lideranças do Hamas em Gaza, autoridades em Ramallah, terroristas aposentados em Nablus, dissidentes políticos em Jenin e trabalhadores de construção civil em Hebron.

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Um homem iraniano segura a bandeira da Palestina no topo de um prédio enquanto milhares de apoiadores pró-Palestina se reúnem durante uma manifestação para mostrar sua solidariedade com o povo de Gaza na praça Enghelab após a greve do hospital de Gaza, em Teerã, Irã, em 18 de outubro de 2023.  Foto: ABEDIN TAHERKENAREH / EFE

Nós desenvolvemos uma amizade. Então, pouco após 11 de setembro de 2001, ele me ligou em pânico porque algo que eu tinha escrito no Wall Street Journal tinha desagradado membros da Autoridades Palestina. Capangas a seu serviço, afirmou ele, tinham feito uma visita de advertência ao seu apartamento, e ele queria que eu tirasse a matéria do ar — o que estava fora de questão, eu lhe disse. Nunca mais foi seguro voltarmos a trabalhar juntos.

Eu conto esta história nas esteira da veiculação da reportagem sensacionalista noticiando um ataque israelense que matou cerca de 500 pessoas em um hospital de Gaza — com informações atribuídas de maneiras variadas a “autoridades palestinas”, ao “Ministério da Saúde de Gaza” e a “autoridades de saúde no enclave sitiado”. A matéria produziu protestos violentos por todo o Oriente Médio.

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Desde então, ficou evidente que quase todos os elementos daquela reportagem eram, para colocar gentilmente, dúbios.

O míssil não atingiu o hospital, explodiu em um estacionamento ao lado. Evidências profusas, confirmadas por análises de inteligência dos Estados Unidos e de entes independentes, indicam que a explosão foi causada por um míssil disparado dentro de Gaza, com objetivo de matar israelenses, mas que apresentou defeito e caiu. Não há nenhuma razão sólida para acreditar que o número de mortos chegou perto de 500.

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E o “Ministério da Saúde de Gaza” não é um organismo apolítico, mas uma entidade controlada pelo Hamas, atendendo qualquer demanda da organização terrorista e promovendo suas narrativas.

Eu deixarei a crítica aos meios de imprensa para outros observadores. Mas as audiências ocidentais jamais compreenderão a natureza do atual conflito enquanto não internalizarem um fato central. Em Israel, como em toda democracia, autoridades políticas e militares mentem às vezes — mas os jornalistas apontam suas responsabilidades, contam as histórias que querem contar e não vivem com medo de que batam na porta de sua casa à meia-noite.

Os territórios palestinos, em contraste, são repúblicas do medo — medo da Autoridade Palestina na Cisjordânia e do Hamas em Gaza. Os palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta. Mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco.

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Palestinos cavalgam pela destruição causada pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de Maghazi, em Deir Al-Balah, quarta-feira, 25 de outubro de 2023.  Foto: Hatem Moussa / AP

Esta é uma verdade que raramente dá na vista — mas quando o faz, é reveladora.

Durante a primeira grande guerra Israel-Hamas, em 2008 e 2009, grupos palestinos alegavam que os mortos em Gaza eram sobretudo civis, com cerca de 1,4 mil baixas. Mas um médico palestino que trabalhava no Hospital Al-Shifa, em Gaza, contou uma história diferente. “O número de mortes não passa de 500 a 600″, afirmou ele. “A maioria dos mortos é de jovens com idades entre 17 e 23 anos recrutados para integrar as fileiras do Hamas, que os mandou para a morte”, afirmou ele. Reveladoramente, segundo o site de notícias israelense YNet, “o médico preferiu não se identificar, temendo por sua vida”.

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Ou vejamos o caso de Hani al-Agha, um jornalista palestino que foi preso e torturado durante semanas pelo Hamas em 2019. Nesse caso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos assumiu uma posição incomum, de condenar a prisão e tortura de Agha qualificando a ação como “uma tentativa de intimidar jornalistas na Faixa de Gaza, que são sujeitados a uma autoridade policial repressiva”. Mas, exceto por alguns comunicados públicos, a notícia recebeu pouca cobertura dos meios de imprensa maiores.

Ocasionalmente, organizações de direitos humanos cessam suas contínuas críticas a Israel e prestam atenção nesse tipo de repressão atroz. Mas raramente as audiências ocidentais entendem a plena dimensão em que a informação que emerge de Gaza é suspeita — pelo menos até que a informação tenha sido extensamente e independentemente checada e corroborada por jornalistas que não vivem com medo do Hamas nem têm de proteger alguém com medo.

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Voluntários ajudam a empacotar ajuda para a Faixa de Gaza em um centro de doações montado pelo Crescente Vermelho dos Emirados em Dubai, em 21 de outubro de 2023. Foto: KARIM SAHIB / AFP

Leitores que normalmente não se inclinariam a acreditar em entrevistas de transeuntes no espaço público, digamos, de Pyongyang, ou em pronunciamentos do Kremlin, deveriam ficar igualmente céticos ao ler a expressão “afirmam autoridades palestinas”.

Os meios de imprensa ainda precisam de fixers e freelancers para contar histórias completas em zonas de guerra. Mas as pessoas que consomem essas notícias deveriam saber a respeito das ameaças, pressões e culturas entre as quais esses jornalistas operam — não necessariamente por desconfiarmos deles individualmente, mas porque nós compreendemos as circunstâncias perigosas nas quais eles se encontram.

Da próxima vez que uma reportagem sobre alguma suposta atrocidade de Israel em Gaza for publicada, os leitores merecem saber como a informação foi obtida e de quem. O Hamas tiranizar palestinos e aterrorizar israelenses já é ruim o suficiente. Não devemos permitir que o grupo desinforme o restante de nós. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Bret Stephens é colunista de Opinião do Times, escreve sobre relações internacionais, política doméstica e temas culturais

THE NEW YORK TIMES — Muitos anos atrás, quando comecei a cobrir o conflito israelo-palestino, eu conheci um talentoso jornalista palestino que, por razões que se tornarão aparentes em um momento, eu identificarei apenas por seu primeiro nome, Said.

Como muitos outros jornalistas palestinos, a principal fonte de renda de Said era trabalhar para repórteres estrangeiros como “fixer”, um profissional capaz de marcar reuniões difíceis, traduzir da língua árabe e guiar-lhes pela região. Said tinha uma posição independente e não era fã de Yasser Arafat, o que fazia dele especialmente proveitoso para ajudar correspondentes estrangeiros a ver além da propaganda grandiloquente da Autoridade Palestina.

Com Said, eu entrevistei graduadas lideranças do Hamas em Gaza, autoridades em Ramallah, terroristas aposentados em Nablus, dissidentes políticos em Jenin e trabalhadores de construção civil em Hebron.

Um homem iraniano segura a bandeira da Palestina no topo de um prédio enquanto milhares de apoiadores pró-Palestina se reúnem durante uma manifestação para mostrar sua solidariedade com o povo de Gaza na praça Enghelab após a greve do hospital de Gaza, em Teerã, Irã, em 18 de outubro de 2023.  Foto: ABEDIN TAHERKENAREH / EFE

Nós desenvolvemos uma amizade. Então, pouco após 11 de setembro de 2001, ele me ligou em pânico porque algo que eu tinha escrito no Wall Street Journal tinha desagradado membros da Autoridades Palestina. Capangas a seu serviço, afirmou ele, tinham feito uma visita de advertência ao seu apartamento, e ele queria que eu tirasse a matéria do ar — o que estava fora de questão, eu lhe disse. Nunca mais foi seguro voltarmos a trabalhar juntos.

Eu conto esta história nas esteira da veiculação da reportagem sensacionalista noticiando um ataque israelense que matou cerca de 500 pessoas em um hospital de Gaza — com informações atribuídas de maneiras variadas a “autoridades palestinas”, ao “Ministério da Saúde de Gaza” e a “autoridades de saúde no enclave sitiado”. A matéria produziu protestos violentos por todo o Oriente Médio.

Desde então, ficou evidente que quase todos os elementos daquela reportagem eram, para colocar gentilmente, dúbios.

O míssil não atingiu o hospital, explodiu em um estacionamento ao lado. Evidências profusas, confirmadas por análises de inteligência dos Estados Unidos e de entes independentes, indicam que a explosão foi causada por um míssil disparado dentro de Gaza, com objetivo de matar israelenses, mas que apresentou defeito e caiu. Não há nenhuma razão sólida para acreditar que o número de mortos chegou perto de 500.

E o “Ministério da Saúde de Gaza” não é um organismo apolítico, mas uma entidade controlada pelo Hamas, atendendo qualquer demanda da organização terrorista e promovendo suas narrativas.

Eu deixarei a crítica aos meios de imprensa para outros observadores. Mas as audiências ocidentais jamais compreenderão a natureza do atual conflito enquanto não internalizarem um fato central. Em Israel, como em toda democracia, autoridades políticas e militares mentem às vezes — mas os jornalistas apontam suas responsabilidades, contam as histórias que querem contar e não vivem com medo de que batam na porta de sua casa à meia-noite.

Os territórios palestinos, em contraste, são repúblicas do medo — medo da Autoridade Palestina na Cisjordânia e do Hamas em Gaza. Os palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta. Mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco.

Palestinos cavalgam pela destruição causada pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de Maghazi, em Deir Al-Balah, quarta-feira, 25 de outubro de 2023.  Foto: Hatem Moussa / AP

Esta é uma verdade que raramente dá na vista — mas quando o faz, é reveladora.

Durante a primeira grande guerra Israel-Hamas, em 2008 e 2009, grupos palestinos alegavam que os mortos em Gaza eram sobretudo civis, com cerca de 1,4 mil baixas. Mas um médico palestino que trabalhava no Hospital Al-Shifa, em Gaza, contou uma história diferente. “O número de mortes não passa de 500 a 600″, afirmou ele. “A maioria dos mortos é de jovens com idades entre 17 e 23 anos recrutados para integrar as fileiras do Hamas, que os mandou para a morte”, afirmou ele. Reveladoramente, segundo o site de notícias israelense YNet, “o médico preferiu não se identificar, temendo por sua vida”.

Ou vejamos o caso de Hani al-Agha, um jornalista palestino que foi preso e torturado durante semanas pelo Hamas em 2019. Nesse caso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos assumiu uma posição incomum, de condenar a prisão e tortura de Agha qualificando a ação como “uma tentativa de intimidar jornalistas na Faixa de Gaza, que são sujeitados a uma autoridade policial repressiva”. Mas, exceto por alguns comunicados públicos, a notícia recebeu pouca cobertura dos meios de imprensa maiores.

Ocasionalmente, organizações de direitos humanos cessam suas contínuas críticas a Israel e prestam atenção nesse tipo de repressão atroz. Mas raramente as audiências ocidentais entendem a plena dimensão em que a informação que emerge de Gaza é suspeita — pelo menos até que a informação tenha sido extensamente e independentemente checada e corroborada por jornalistas que não vivem com medo do Hamas nem têm de proteger alguém com medo.

Voluntários ajudam a empacotar ajuda para a Faixa de Gaza em um centro de doações montado pelo Crescente Vermelho dos Emirados em Dubai, em 21 de outubro de 2023. Foto: KARIM SAHIB / AFP

Leitores que normalmente não se inclinariam a acreditar em entrevistas de transeuntes no espaço público, digamos, de Pyongyang, ou em pronunciamentos do Kremlin, deveriam ficar igualmente céticos ao ler a expressão “afirmam autoridades palestinas”.

Os meios de imprensa ainda precisam de fixers e freelancers para contar histórias completas em zonas de guerra. Mas as pessoas que consomem essas notícias deveriam saber a respeito das ameaças, pressões e culturas entre as quais esses jornalistas operam — não necessariamente por desconfiarmos deles individualmente, mas porque nós compreendemos as circunstâncias perigosas nas quais eles se encontram.

Da próxima vez que uma reportagem sobre alguma suposta atrocidade de Israel em Gaza for publicada, os leitores merecem saber como a informação foi obtida e de quem. O Hamas tiranizar palestinos e aterrorizar israelenses já é ruim o suficiente. Não devemos permitir que o grupo desinforme o restante de nós. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Bret Stephens é colunista de Opinião do Times, escreve sobre relações internacionais, política doméstica e temas culturais

THE NEW YORK TIMES — Muitos anos atrás, quando comecei a cobrir o conflito israelo-palestino, eu conheci um talentoso jornalista palestino que, por razões que se tornarão aparentes em um momento, eu identificarei apenas por seu primeiro nome, Said.

Como muitos outros jornalistas palestinos, a principal fonte de renda de Said era trabalhar para repórteres estrangeiros como “fixer”, um profissional capaz de marcar reuniões difíceis, traduzir da língua árabe e guiar-lhes pela região. Said tinha uma posição independente e não era fã de Yasser Arafat, o que fazia dele especialmente proveitoso para ajudar correspondentes estrangeiros a ver além da propaganda grandiloquente da Autoridade Palestina.

Com Said, eu entrevistei graduadas lideranças do Hamas em Gaza, autoridades em Ramallah, terroristas aposentados em Nablus, dissidentes políticos em Jenin e trabalhadores de construção civil em Hebron.

Um homem iraniano segura a bandeira da Palestina no topo de um prédio enquanto milhares de apoiadores pró-Palestina se reúnem durante uma manifestação para mostrar sua solidariedade com o povo de Gaza na praça Enghelab após a greve do hospital de Gaza, em Teerã, Irã, em 18 de outubro de 2023.  Foto: ABEDIN TAHERKENAREH / EFE

Nós desenvolvemos uma amizade. Então, pouco após 11 de setembro de 2001, ele me ligou em pânico porque algo que eu tinha escrito no Wall Street Journal tinha desagradado membros da Autoridades Palestina. Capangas a seu serviço, afirmou ele, tinham feito uma visita de advertência ao seu apartamento, e ele queria que eu tirasse a matéria do ar — o que estava fora de questão, eu lhe disse. Nunca mais foi seguro voltarmos a trabalhar juntos.

Eu conto esta história nas esteira da veiculação da reportagem sensacionalista noticiando um ataque israelense que matou cerca de 500 pessoas em um hospital de Gaza — com informações atribuídas de maneiras variadas a “autoridades palestinas”, ao “Ministério da Saúde de Gaza” e a “autoridades de saúde no enclave sitiado”. A matéria produziu protestos violentos por todo o Oriente Médio.

Desde então, ficou evidente que quase todos os elementos daquela reportagem eram, para colocar gentilmente, dúbios.

O míssil não atingiu o hospital, explodiu em um estacionamento ao lado. Evidências profusas, confirmadas por análises de inteligência dos Estados Unidos e de entes independentes, indicam que a explosão foi causada por um míssil disparado dentro de Gaza, com objetivo de matar israelenses, mas que apresentou defeito e caiu. Não há nenhuma razão sólida para acreditar que o número de mortos chegou perto de 500.

E o “Ministério da Saúde de Gaza” não é um organismo apolítico, mas uma entidade controlada pelo Hamas, atendendo qualquer demanda da organização terrorista e promovendo suas narrativas.

Eu deixarei a crítica aos meios de imprensa para outros observadores. Mas as audiências ocidentais jamais compreenderão a natureza do atual conflito enquanto não internalizarem um fato central. Em Israel, como em toda democracia, autoridades políticas e militares mentem às vezes — mas os jornalistas apontam suas responsabilidades, contam as histórias que querem contar e não vivem com medo de que batam na porta de sua casa à meia-noite.

Os territórios palestinos, em contraste, são repúblicas do medo — medo da Autoridade Palestina na Cisjordânia e do Hamas em Gaza. Os palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta. Mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco.

Palestinos cavalgam pela destruição causada pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de Maghazi, em Deir Al-Balah, quarta-feira, 25 de outubro de 2023.  Foto: Hatem Moussa / AP

Esta é uma verdade que raramente dá na vista — mas quando o faz, é reveladora.

Durante a primeira grande guerra Israel-Hamas, em 2008 e 2009, grupos palestinos alegavam que os mortos em Gaza eram sobretudo civis, com cerca de 1,4 mil baixas. Mas um médico palestino que trabalhava no Hospital Al-Shifa, em Gaza, contou uma história diferente. “O número de mortes não passa de 500 a 600″, afirmou ele. “A maioria dos mortos é de jovens com idades entre 17 e 23 anos recrutados para integrar as fileiras do Hamas, que os mandou para a morte”, afirmou ele. Reveladoramente, segundo o site de notícias israelense YNet, “o médico preferiu não se identificar, temendo por sua vida”.

Ou vejamos o caso de Hani al-Agha, um jornalista palestino que foi preso e torturado durante semanas pelo Hamas em 2019. Nesse caso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos assumiu uma posição incomum, de condenar a prisão e tortura de Agha qualificando a ação como “uma tentativa de intimidar jornalistas na Faixa de Gaza, que são sujeitados a uma autoridade policial repressiva”. Mas, exceto por alguns comunicados públicos, a notícia recebeu pouca cobertura dos meios de imprensa maiores.

Ocasionalmente, organizações de direitos humanos cessam suas contínuas críticas a Israel e prestam atenção nesse tipo de repressão atroz. Mas raramente as audiências ocidentais entendem a plena dimensão em que a informação que emerge de Gaza é suspeita — pelo menos até que a informação tenha sido extensamente e independentemente checada e corroborada por jornalistas que não vivem com medo do Hamas nem têm de proteger alguém com medo.

Voluntários ajudam a empacotar ajuda para a Faixa de Gaza em um centro de doações montado pelo Crescente Vermelho dos Emirados em Dubai, em 21 de outubro de 2023. Foto: KARIM SAHIB / AFP

Leitores que normalmente não se inclinariam a acreditar em entrevistas de transeuntes no espaço público, digamos, de Pyongyang, ou em pronunciamentos do Kremlin, deveriam ficar igualmente céticos ao ler a expressão “afirmam autoridades palestinas”.

Os meios de imprensa ainda precisam de fixers e freelancers para contar histórias completas em zonas de guerra. Mas as pessoas que consomem essas notícias deveriam saber a respeito das ameaças, pressões e culturas entre as quais esses jornalistas operam — não necessariamente por desconfiarmos deles individualmente, mas porque nós compreendemos as circunstâncias perigosas nas quais eles se encontram.

Da próxima vez que uma reportagem sobre alguma suposta atrocidade de Israel em Gaza for publicada, os leitores merecem saber como a informação foi obtida e de quem. O Hamas tiranizar palestinos e aterrorizar israelenses já é ruim o suficiente. Não devemos permitir que o grupo desinforme o restante de nós. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Bret Stephens é colunista de Opinião do Times, escreve sobre relações internacionais, política doméstica e temas culturais

THE NEW YORK TIMES — Muitos anos atrás, quando comecei a cobrir o conflito israelo-palestino, eu conheci um talentoso jornalista palestino que, por razões que se tornarão aparentes em um momento, eu identificarei apenas por seu primeiro nome, Said.

Como muitos outros jornalistas palestinos, a principal fonte de renda de Said era trabalhar para repórteres estrangeiros como “fixer”, um profissional capaz de marcar reuniões difíceis, traduzir da língua árabe e guiar-lhes pela região. Said tinha uma posição independente e não era fã de Yasser Arafat, o que fazia dele especialmente proveitoso para ajudar correspondentes estrangeiros a ver além da propaganda grandiloquente da Autoridade Palestina.

Com Said, eu entrevistei graduadas lideranças do Hamas em Gaza, autoridades em Ramallah, terroristas aposentados em Nablus, dissidentes políticos em Jenin e trabalhadores de construção civil em Hebron.

Um homem iraniano segura a bandeira da Palestina no topo de um prédio enquanto milhares de apoiadores pró-Palestina se reúnem durante uma manifestação para mostrar sua solidariedade com o povo de Gaza na praça Enghelab após a greve do hospital de Gaza, em Teerã, Irã, em 18 de outubro de 2023.  Foto: ABEDIN TAHERKENAREH / EFE

Nós desenvolvemos uma amizade. Então, pouco após 11 de setembro de 2001, ele me ligou em pânico porque algo que eu tinha escrito no Wall Street Journal tinha desagradado membros da Autoridades Palestina. Capangas a seu serviço, afirmou ele, tinham feito uma visita de advertência ao seu apartamento, e ele queria que eu tirasse a matéria do ar — o que estava fora de questão, eu lhe disse. Nunca mais foi seguro voltarmos a trabalhar juntos.

Eu conto esta história nas esteira da veiculação da reportagem sensacionalista noticiando um ataque israelense que matou cerca de 500 pessoas em um hospital de Gaza — com informações atribuídas de maneiras variadas a “autoridades palestinas”, ao “Ministério da Saúde de Gaza” e a “autoridades de saúde no enclave sitiado”. A matéria produziu protestos violentos por todo o Oriente Médio.

Desde então, ficou evidente que quase todos os elementos daquela reportagem eram, para colocar gentilmente, dúbios.

O míssil não atingiu o hospital, explodiu em um estacionamento ao lado. Evidências profusas, confirmadas por análises de inteligência dos Estados Unidos e de entes independentes, indicam que a explosão foi causada por um míssil disparado dentro de Gaza, com objetivo de matar israelenses, mas que apresentou defeito e caiu. Não há nenhuma razão sólida para acreditar que o número de mortos chegou perto de 500.

E o “Ministério da Saúde de Gaza” não é um organismo apolítico, mas uma entidade controlada pelo Hamas, atendendo qualquer demanda da organização terrorista e promovendo suas narrativas.

Eu deixarei a crítica aos meios de imprensa para outros observadores. Mas as audiências ocidentais jamais compreenderão a natureza do atual conflito enquanto não internalizarem um fato central. Em Israel, como em toda democracia, autoridades políticas e militares mentem às vezes — mas os jornalistas apontam suas responsabilidades, contam as histórias que querem contar e não vivem com medo de que batam na porta de sua casa à meia-noite.

Os territórios palestinos, em contraste, são repúblicas do medo — medo da Autoridade Palestina na Cisjordânia e do Hamas em Gaza. Os palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta. Mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco.

Palestinos cavalgam pela destruição causada pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de Maghazi, em Deir Al-Balah, quarta-feira, 25 de outubro de 2023.  Foto: Hatem Moussa / AP

Esta é uma verdade que raramente dá na vista — mas quando o faz, é reveladora.

Durante a primeira grande guerra Israel-Hamas, em 2008 e 2009, grupos palestinos alegavam que os mortos em Gaza eram sobretudo civis, com cerca de 1,4 mil baixas. Mas um médico palestino que trabalhava no Hospital Al-Shifa, em Gaza, contou uma história diferente. “O número de mortes não passa de 500 a 600″, afirmou ele. “A maioria dos mortos é de jovens com idades entre 17 e 23 anos recrutados para integrar as fileiras do Hamas, que os mandou para a morte”, afirmou ele. Reveladoramente, segundo o site de notícias israelense YNet, “o médico preferiu não se identificar, temendo por sua vida”.

Ou vejamos o caso de Hani al-Agha, um jornalista palestino que foi preso e torturado durante semanas pelo Hamas em 2019. Nesse caso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos assumiu uma posição incomum, de condenar a prisão e tortura de Agha qualificando a ação como “uma tentativa de intimidar jornalistas na Faixa de Gaza, que são sujeitados a uma autoridade policial repressiva”. Mas, exceto por alguns comunicados públicos, a notícia recebeu pouca cobertura dos meios de imprensa maiores.

Ocasionalmente, organizações de direitos humanos cessam suas contínuas críticas a Israel e prestam atenção nesse tipo de repressão atroz. Mas raramente as audiências ocidentais entendem a plena dimensão em que a informação que emerge de Gaza é suspeita — pelo menos até que a informação tenha sido extensamente e independentemente checada e corroborada por jornalistas que não vivem com medo do Hamas nem têm de proteger alguém com medo.

Voluntários ajudam a empacotar ajuda para a Faixa de Gaza em um centro de doações montado pelo Crescente Vermelho dos Emirados em Dubai, em 21 de outubro de 2023. Foto: KARIM SAHIB / AFP

Leitores que normalmente não se inclinariam a acreditar em entrevistas de transeuntes no espaço público, digamos, de Pyongyang, ou em pronunciamentos do Kremlin, deveriam ficar igualmente céticos ao ler a expressão “afirmam autoridades palestinas”.

Os meios de imprensa ainda precisam de fixers e freelancers para contar histórias completas em zonas de guerra. Mas as pessoas que consomem essas notícias deveriam saber a respeito das ameaças, pressões e culturas entre as quais esses jornalistas operam — não necessariamente por desconfiarmos deles individualmente, mas porque nós compreendemos as circunstâncias perigosas nas quais eles se encontram.

Da próxima vez que uma reportagem sobre alguma suposta atrocidade de Israel em Gaza for publicada, os leitores merecem saber como a informação foi obtida e de quem. O Hamas tiranizar palestinos e aterrorizar israelenses já é ruim o suficiente. Não devemos permitir que o grupo desinforme o restante de nós. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

*Bret Stephens é colunista de Opinião do Times, escreve sobre relações internacionais, política doméstica e temas culturais

THE NEW YORK TIMES — Muitos anos atrás, quando comecei a cobrir o conflito israelo-palestino, eu conheci um talentoso jornalista palestino que, por razões que se tornarão aparentes em um momento, eu identificarei apenas por seu primeiro nome, Said.

Como muitos outros jornalistas palestinos, a principal fonte de renda de Said era trabalhar para repórteres estrangeiros como “fixer”, um profissional capaz de marcar reuniões difíceis, traduzir da língua árabe e guiar-lhes pela região. Said tinha uma posição independente e não era fã de Yasser Arafat, o que fazia dele especialmente proveitoso para ajudar correspondentes estrangeiros a ver além da propaganda grandiloquente da Autoridade Palestina.

Com Said, eu entrevistei graduadas lideranças do Hamas em Gaza, autoridades em Ramallah, terroristas aposentados em Nablus, dissidentes políticos em Jenin e trabalhadores de construção civil em Hebron.

Um homem iraniano segura a bandeira da Palestina no topo de um prédio enquanto milhares de apoiadores pró-Palestina se reúnem durante uma manifestação para mostrar sua solidariedade com o povo de Gaza na praça Enghelab após a greve do hospital de Gaza, em Teerã, Irã, em 18 de outubro de 2023.  Foto: ABEDIN TAHERKENAREH / EFE

Nós desenvolvemos uma amizade. Então, pouco após 11 de setembro de 2001, ele me ligou em pânico porque algo que eu tinha escrito no Wall Street Journal tinha desagradado membros da Autoridades Palestina. Capangas a seu serviço, afirmou ele, tinham feito uma visita de advertência ao seu apartamento, e ele queria que eu tirasse a matéria do ar — o que estava fora de questão, eu lhe disse. Nunca mais foi seguro voltarmos a trabalhar juntos.

Eu conto esta história nas esteira da veiculação da reportagem sensacionalista noticiando um ataque israelense que matou cerca de 500 pessoas em um hospital de Gaza — com informações atribuídas de maneiras variadas a “autoridades palestinas”, ao “Ministério da Saúde de Gaza” e a “autoridades de saúde no enclave sitiado”. A matéria produziu protestos violentos por todo o Oriente Médio.

Desde então, ficou evidente que quase todos os elementos daquela reportagem eram, para colocar gentilmente, dúbios.

O míssil não atingiu o hospital, explodiu em um estacionamento ao lado. Evidências profusas, confirmadas por análises de inteligência dos Estados Unidos e de entes independentes, indicam que a explosão foi causada por um míssil disparado dentro de Gaza, com objetivo de matar israelenses, mas que apresentou defeito e caiu. Não há nenhuma razão sólida para acreditar que o número de mortos chegou perto de 500.

E o “Ministério da Saúde de Gaza” não é um organismo apolítico, mas uma entidade controlada pelo Hamas, atendendo qualquer demanda da organização terrorista e promovendo suas narrativas.

Eu deixarei a crítica aos meios de imprensa para outros observadores. Mas as audiências ocidentais jamais compreenderão a natureza do atual conflito enquanto não internalizarem um fato central. Em Israel, como em toda democracia, autoridades políticas e militares mentem às vezes — mas os jornalistas apontam suas responsabilidades, contam as histórias que querem contar e não vivem com medo de que batam na porta de sua casa à meia-noite.

Os territórios palestinos, em contraste, são repúblicas do medo — medo da Autoridade Palestina na Cisjordânia e do Hamas em Gaza. Os palestinos não são mais nem menos honestos que nenhum outro povo do planeta. Mas, como em qualquer regime tirânico ou fanático, quem se afasta da linha oficial se coloca em sério risco.

Palestinos cavalgam pela destruição causada pelo bombardeio israelense na Faixa de Gaza, no campo de refugiados de Maghazi, em Deir Al-Balah, quarta-feira, 25 de outubro de 2023.  Foto: Hatem Moussa / AP

Esta é uma verdade que raramente dá na vista — mas quando o faz, é reveladora.

Durante a primeira grande guerra Israel-Hamas, em 2008 e 2009, grupos palestinos alegavam que os mortos em Gaza eram sobretudo civis, com cerca de 1,4 mil baixas. Mas um médico palestino que trabalhava no Hospital Al-Shifa, em Gaza, contou uma história diferente. “O número de mortes não passa de 500 a 600″, afirmou ele. “A maioria dos mortos é de jovens com idades entre 17 e 23 anos recrutados para integrar as fileiras do Hamas, que os mandou para a morte”, afirmou ele. Reveladoramente, segundo o site de notícias israelense YNet, “o médico preferiu não se identificar, temendo por sua vida”.

Ou vejamos o caso de Hani al-Agha, um jornalista palestino que foi preso e torturado durante semanas pelo Hamas em 2019. Nesse caso, o Sindicato dos Jornalistas Palestinos assumiu uma posição incomum, de condenar a prisão e tortura de Agha qualificando a ação como “uma tentativa de intimidar jornalistas na Faixa de Gaza, que são sujeitados a uma autoridade policial repressiva”. Mas, exceto por alguns comunicados públicos, a notícia recebeu pouca cobertura dos meios de imprensa maiores.

Ocasionalmente, organizações de direitos humanos cessam suas contínuas críticas a Israel e prestam atenção nesse tipo de repressão atroz. Mas raramente as audiências ocidentais entendem a plena dimensão em que a informação que emerge de Gaza é suspeita — pelo menos até que a informação tenha sido extensamente e independentemente checada e corroborada por jornalistas que não vivem com medo do Hamas nem têm de proteger alguém com medo.

Voluntários ajudam a empacotar ajuda para a Faixa de Gaza em um centro de doações montado pelo Crescente Vermelho dos Emirados em Dubai, em 21 de outubro de 2023. Foto: KARIM SAHIB / AFP

Leitores que normalmente não se inclinariam a acreditar em entrevistas de transeuntes no espaço público, digamos, de Pyongyang, ou em pronunciamentos do Kremlin, deveriam ficar igualmente céticos ao ler a expressão “afirmam autoridades palestinas”.

Os meios de imprensa ainda precisam de fixers e freelancers para contar histórias completas em zonas de guerra. Mas as pessoas que consomem essas notícias deveriam saber a respeito das ameaças, pressões e culturas entre as quais esses jornalistas operam — não necessariamente por desconfiarmos deles individualmente, mas porque nós compreendemos as circunstâncias perigosas nas quais eles se encontram.

Da próxima vez que uma reportagem sobre alguma suposta atrocidade de Israel em Gaza for publicada, os leitores merecem saber como a informação foi obtida e de quem. O Hamas tiranizar palestinos e aterrorizar israelenses já é ruim o suficiente. Não devemos permitir que o grupo desinforme o restante de nós. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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