A ONU e o governo do Paquistão fizeram um apelo por doações nesta terça-feira, 30, com o objetivo de arrecadar US$ 160 milhões (R$ 817, 7 milhões) para suprir gastos com ajuda emergencial às vítimas das enchentes históricas que deixaram um terço do país debaixo d’água, mataram 1.136 pessoas - número que deve aumentar - e deixaram milhares de desabrigados.
As Nações Unidas já enviaram cerca de US$ 7 milhões (R$ 35,8 milhões) por meio de suas agências e parceiros para atender necessidades mais urgentes, como alimentos, água, equipamentos médicos, saúde materna e abrigo. No entanto, com 33 milhões de pessoas afetadas pela chuva - o equivalente a um em cada sete paquistaneses, segundo o governo - os recursos são insuficientes para o tamanho dos danos, estimados em até US$ 10 bilhões (R$ 51 bi).
“Estamos lidando com uma situação que nunca vi na minha vida”, disse o primeiro-ministro Shehbaz Sharif em entrevista coletiva nesta terça, em frase registrada pelo jornal britânico The Guardian. “Mais de um milhão de casas estão danificadas ou destruídas. Setenta e dois distritos do Paquistão estão em calamidade e todos os quatro cantos do Paquistão estão submersos e mais de 3.500 quilômetros de estradas foram levadas pela água. Cerca de um milhão de animais morreram”, acrescentou.
Após as inundações letais que desalojaram milhões de pessoas, abrigos improvisados para os desabrigados surgiram em todo o país: em escolas, rodovias e bases militares. Mas nesses lugares as vítimas ficam divididas entre o alívio de terem sobrevivido e o desespero de perceber que perderam tudo.
Em Nowshera, na província de Khaiber Pastunjuá, no noroeste do país, uma escola técnica foi transformada em abrigo para cerca de 2.500 pessoas. Lonas foram montadas no jardim desta escola. As salas de aula estão reservadas para as mulheres, as primeiras a chegar. Outros são forçados a viver amontoados em corredores onde também existem alguns bens que as pessoas conseguiram salvar do desastre. As vítimas, sobrecarregadas pelo calor, mal recebem ajuda alimentar e água para se lavarem.
“A única coisa que comemos nos últimos três dias foi arroz. Nunca pensei que um dia sofreria algo assim. Perdemos nosso paraíso e agora somos obrigados a viver uma vida de miséria”, disse Malang Jan, de 60 anos, que foi resgatado com a família de barco, após sua casa ser varrida pelas águas.
Além dos objetos, os deslocados também trouxeram seus animais, enquanto cabras e galinhas perambulam pelo pátio do abrigo, gerido com a ajuda de várias organizações humanitárias locais. Voluntários distribuem barracas, colchões, água, lentilhas e pão.
“Uma situação de pânico está se formando”, diz Mushfiq ur Rehman, um funcionário do tribunal distrital que veio ajudar a supervisionar a distribuição de alimentos. “Há comida suficiente, mas as pessoas estão em pânico porque não sabem quando vão fazer a próxima refeição”, explica.
A situação é especialmente difícil para as mulheres desta região conservadora do país, onde muitas usam burca, véu cheio com uma malha para esconder os olhos, e que têm o cuidado de não se misturar com os homens. “Somos pashtuns: não saímos de nossas casas com frequência, mas agora somos forçados a sair”, declara Yasmin Shah, de 56 anos.
As mulheres mais velhas ocupam os primeiros lugares nas filas de distribuição para garantir que recebam comida.
O calor tenaz torna-se difícil de suportar quando os poucos ventiladores que existem param de funcionar devido a um corte de energia. Não há chuveiros e apenas poucos banheiros. “Nossa dignidade está em jogo. Estou fedendo, mas não tem onde tomar banho”, reclama Fazal e Malik, que mora em uma barraca com sete membros de sua família.
Quando as refeições chegam à escola, as famílias desesperadas correm para a frente e às vezes são repelidas pela polícia, que bate nas pessoas com cassetetes. “As pessoas enviam ajuda humanitária, mas a distribuição não é bem organizada”, lamenta Yasmin.
“Normalmente há brigas e as pessoas têm que lutar para conseguir comida. No final, alguns ficam com mais e outros ficam sem nada”, conclui./ AFP