Da perspectiva da China, os ataques dos Estados Unidos apenas continuam surgindo. Sanções e controles de exportação contra a repressão em Xinjiang. Um alerta às empresas internacionais sobre o clima de deterioração em Hong Kong. A rejeição de vistos para estudantes e pesquisadores suspeitos de terem ligações com o Exército de Libertação Popular.
Agora os EUA reuniram um vasto conjunto de países para acusar o Ministério de Segurança do Estado da China não apenas de ciberespionagem, mas também de hackear para obter lucro e intriga política.
A enxurrada de ataques enfureceu Pequim, mas seis meses após o início domandato do presidente Joe Biden, a liderança do Partido Comunista ainda precisa encontrar uma estratégia eficaz para conter os movimentos americanos.
Na visão de Pequim, Biden tem adotado um modo de agir mais estratégico do que seu antecessor, conseguindo aliados para se juntarem à sua campanha contra a conduta chinesa de maneiras que parecem ter frustrado as autoridades. A China recorreu ao seu instinto habitual de medidas olho por olho, ao mesmo tempo em que atacava com uma forte dose de causticidade e sarcasmo.
Embora ambos os lados tenham dito que querem evitar uma nova Guerra Fria, eles estão mergulhando em um conflito cada vez mais ideológico que mostra poucos sinais de abrandamento. O resultado tem sido uma deterioração das relações que, para surpresa de muitos em Pequim, superou até os quatro tumultuosos anos lidando com o presidente Donald Trump.
"Os EUA declararam seu retorno, mas o mundo mudou", disse Le Yucheng, vice-ministro de Relações Exteriores, em uma entrevista recente ao site nacionalista de notícias Guancha.cn; fazendo referência a um slogan do governo Biden."Os EUA precisam ver essas mudanças, adaptar-se a elas, refletir e corrigir seus erros do passado."
Não está claro se o líder chinês Xi Jinping sinalizou formalmente uma mudança na estratégia de política externa, mas a julgar pelas declarações e ações públicas nas últimas semanas, a paciência com o governo Biden se esgotou.
A China tem adotado retaliações contra as sanções americanas e europeias sobre a repressão política da China em Hong Kong e Xinjiang com sanções próprias. Ela freou as ofertas públicas de empresas chinesas nas bolsas de valores americanas. E intensificou a atividade militar no Mar da China Meridional, nas águas e no espaço aéreo ao redor de Taiwan, em resposta à política americana mais visceral de apoio à democracia da ilha sob Biden.
A aceleração no ritmo das operações militares aumenta as chances de confronto armado - mesmo que acidental. A linguagem incendiária oferecida por algumas autoridades funcionários e pela mídia estatal na China torna uma amenização ainda mais difícil, dado o clima nacionalista em casa.
Xi usou um discurso em 1º de julho na comemoração do 100º aniversário da fundação do partido Comunista da China para alertar que qualquer pessoa que desafiasse a soberania do país "quebraria a cabeça e derramaria sangue na Grande Muralha de aço construída com a carne e o sangue de 1,4 bilhão de chineses".
Shi Yinhong, professor de relações internacionais da Universidade Renmin em Pequim, disse: "O governo chinês percebeu muito claramente até agora a pressão e os desafios sem precedentes que a China enfrenta no mundo".
"O problema é que eles sabem que mudar isso significa que a China tem que mudar sua política fundamental, que os líderes chineses consideram firmemente impossível, ou sequer vale a pena", acrescentou.
As tensões vêm aumentando desde que os principais diplomatas dos dois lados se encontraram no Alasca em março. Essas reuniões começaram com uma troca extraordinariamente rancorosa em relação às questões que os dividem.
O enviado especial de Biden para as mudanças climáticas, John Kerry, fez uma visita a Xangai em abril, mas uma declaração conjunta prometendo reduzir as emissões não incluiu novas iniciativas para trabalhar juntos. Desde então, a cooperação em qualquer assunto tem sido escassa. Em vez disso, tem havido uma troca quase diária de recriminações.
A animosidade se tornou tão intensa que até mesmo uma visita da nova subsecretária de Estado, Wendy R. Sherman, tornou-se uma disputa diplomática, com autoridades de ambos os lados lutando para ver quem compareceria a qual reunião, provisoriamente agendadas para a próxima semana.
Biden, que já se encontrou com outro ruidoso adversário americano, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ainda não anunciou um encontro presencial com Xi.
Biden e Xi, que se encontraram muitas vezes como vice-presidentes de seus países, não se falam desde o telefonema de mais de duas horas em fevereiro, durante o primeiro mês do mandato do presidente americano.
Zhao Lijian, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, classificou as mais recentes acusações lideradas pelos EUA como "inventadas do nada". Ele disse que os EUA são o líder mundial em ataques cibernéticos.
Wu Qiang, analista político independente em Pequim, disse que a suspeita mútua estava impedindo o retorno a relações mais estáveis. "Há falta de confiança política", disse ele. "Este é o maior obstáculo."
Em Pequim, não há dúvida de quem seja a culpa. A visão é que os movimentos de Biden refletem uma intenção americana de minar o crescente poder econômico e militar da China. A estratégia para conseguir aliados para a iniciativa parece ter sido particularmente irritante.
"O governo Biden está isolando a China com uma estratégia de clube multilateral", escreveu Yan Xuetong, reitor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade Tsinghua, em Pequim, em resposta às questões. "Esta estratégia tem trazido muito mais dificuldades para o desenvolvimento econômico da China e pressão sobre as relações diplomáticas da China do que a estratégia unilateral de Trump."
Xi parece destemido. Mesmo antes de Biden vencer a eleição, foi relatado que ele tem repetido um tema que, desde então, apareceu com muito mais frequência nas discussões públicas. "O Oriente está crescendo, enquanto o Ocidente está diminuindo", disse ele em uma reunião do partido no ano passado.
Deng Yuwen, ex-editor de um jornal do Partido Comunista que agora mora nos EUA, disse que muitos na China acreditam que os próximos cinco anos seriam o período mais tenso nas relações até agora.
"A visão da China agora é que ‘Somos tão fortes que não há problema para nós em confrontar vocês. Podemos confrontá-los pelo tempo que for necessário'", disse ele./ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA