O debate entre o presidente Joe Biden e o ex-presidente Donald Trump nesta semana será o momento mais arriscado da reedição de sua disputa, mergulhando ambos em um confronto extraordinariamente precoce diante de uma nação dividida e enfurecida.
Para Biden, o debate em Atlanta oferecerá uma oportunidade para recordar os eleitores do caos da liderança de seu antecessor e de suas condenações criminais, além de alertar a respeito da possibilidade de um futuro ainda mais sombrio caso o ex-presidente conquiste um segundo mandato. Para Trump, será uma chance para argumentar que os Estados Unidos ficaram mais caros, mais fracos e mais perigosos sob seu sucessor.
Mas o duelo na quinta-feira, 27, também engendra riscos significativos para dois homens — ambos os candidatos mais velhos em todos os tempos a concorrer à presidência americana — atados a uma contenciosa rivalidade definida por um rancor mútuo há mais de quatro anos. Essa animosidade intensifica a imprevisibilidade desta noite. Algum vacilo notável — um tropeço físico, um lapso mental ou uma barragem de insultos pessoais demais — poderia reverberar por meses, em razão do período excepcionalmente longo até eles se encontrarem novamente para o segundo debate, em setembro.
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“Será um grande ponto de inflexão”, afirmou Karl Rove, um dos principais estrategistas republicanos, que liderou as duas bem-sucedidas campanhas presidenciais de George W. Bush. “Biden conseguirá ser consistentemente convincente, fazendo as pessoas pensarem, ‘Bem, pode ser que o velho seja capaz’? E Trump será suficientemente contido ao ponto das pessoas pensarem, ‘Quer saber, isso é realmente sobre nós, não sobre ele’?”
Este debate presidencial será o mais precoce na história do país, notavelmente diferente dos encontros entre candidatos com que muitos americanos estão acostumados. Organizado pela CNN em vez de uma comissão não partidária, o evento será transmitido simultaneamente por mais de cinco redes de telecomunicações e não terá plateia nem declarações de abertura. Cada candidato terá dois minutos para responder às perguntas, seguidos de réplicas e tréplicas de um minuto — e seus microfones permanecerão desligados quando não for sua vez de falar.
O presidente e o ex-presidente adotam abordagens marcadamente distintas para sua preparação. Biden juntou seus assessores em Camp David para simular situações do debate, esperava-se que com o papel de Trump interpretado por Bob Bauer, o advogado pessoal do presidente. A abordagem do ex-presidente é mais frouxa, mas ele está participando de mais “sessões políticas” que em 2020.
Os conselheiros de Trump esperam que ele mantenha o foco sobre temas amplamente considerados grandes vulnerabilidades de Biden — inflação e imigração — e evite discussões sobre suas falsas alegações a respeito da eleição de 2020 ter sido fraudada e contra o sistema Judiciário, que ele alega ser manipulado para prejudicá-lo.
A equipe de Biden vê uma oportunidade para colocar o foco em eleitores democratas, independentes e até republicanos moderados, falando sobre como um segundo governo de Trump poderá ser muito mais radical que o primeiro. Mas os democratas preparam-se para uma performance muito mais disciplinada de Trump em comparação ao primeiro debate, de 2020, quando o confronto caótico foi classificado como um desastre absoluto.
“Este debate é uma oportunidade para mostrar ao povo americano o que nós, que acompanhamos os passos de Donald Trump todos os dias, profissionalmente, estamos vendo: que ele está mais ensandecido, mais perigoso, mais vingativo. E qualquer coisa que volte a atenção do povo americano diretamente para isso é uma rede positiva para nós”, afirmou o subchefe da campanha de Biden, Rob Flaherty.
De sua parte, Trump prepara-se para responder perguntas sobre ameaças à democracia americana e sua promessa de perdoar os arruaceiros envolvidos no ataque de 6 de janeiro de 2021 contra o Capitólio. O ex-presidente disse a pessoas próximas que pretende enfatizar que analisará “caso a caso” os perdões para os envolvidos no 6 de janeiro e fará distinção entre os indivíduos que cometeram atos de violência e quem não cometeu.
E após meses colocando em dúvida a capacidade de Biden conseguir aguentar um debate de 90 minutos, muito menos desempenhar em nível máximo, Trump mudou sua narrativa tentando restabelecer expectativas maiores.
“Não quero subestimá-lo”, afirmou o ex-presidente em um podcast, recentemente. Trump citou o debate vice-presidencial de 2012, elogiando as habilidades de Biden. “Ele acabou com o Paul Ryan. Então, não vou subestimá-lo”, afirmou o ex-presidente.
O diretor de comunicações de Trump, Steven Cheung, culpou os meios de comunicação por estabelecer baixas expectativas em relação a Biden.
“O comparativo real para o debate da quinta-feira deveria ser se Joe Biden é ou não capaz de defender seu registro desastroso em relação à inflação e à invasão descontrolada na fronteira versus o registro inquestionável de sucesso do primeiro mandato do (ex-)presidente Trump”, disse Cheung.
O evento desta quinta-feira será a primeira vez que os eleitores americanos verão Biden e Trump em confronto direto desde outubro de 2020, quando eles se encontraram no debate final da última disputa. Será também a primeira vez que eles estarão num mesmo recinto desde então.
Muita coisa mudou nesse interim. O país vivenciou uma pandemia, incerteza econômica, um ataque contra o Capitólio e a queda dos direitos federais ao aborto — e se envolveu em dois sangrentos conflitos mundiais. Trump é agora um criminoso condenado por 34 acusações pelo Tribunal do Júri de Nova York. E Biden virou um presidente impopular, enfrentando profunda oposição não apenas dos republicanos, mas também da base de seu partido.
Mesmo assim as pesquisas têm mostrado pouca mudança nas margens entre Trump e Biden. Ambos têm ampla rejeição em grandes regiões do país, e a disputa é acirrada — mas na maioria das pesquisas nacionais realizadas este ano Trump apareceu ligeiramente à frente.
O deputado James Clyburn, democrata da Carolina do Sul e aliado próximo de Biden, descreveu o debate como um momento potencialmente “crucial” para a trajetória do presidente na disputa.
“Ele está começando a subir”, afirmou Clyburn, apontando para uma recente melhora de Biden nas pesquisas nacionais para a presidência. “Este debate poderia ser determinante sobre seguirmos nessa toada ou nos enroscarmos.”
Quase ninguém espera — incluindo os estrategistas mais graduados de Biden — que o debate mude drasticamente uma disputa entre dois candidatos extremamente bem definidos. Os assessores de Biden consideram este debate o primeiro round da briga eleitoral, um evento que produzirá uma oportunidade importante para definir o terreno da disputa. Eles buscaram com sucesso adiantar o debate em meses para ajudar a estimular o público a prestar mais atenção.
“Será uma disputa longa e apertada”, afirmou Molly Murphy, especialista em pesquisas da campanha de Biden. “Disciplina na mensagem, persistência e estar cara a cara com os eleitores em todos os momentos será, em última instância, o mais importante.”
Ambos os candidatos, cada um à sua maneira, buscam reeleição. Mas este debate inverte sua posição de incumbente em relação a 2020. Quatro anos atrás, Trump era forçado a defender seu registro em meio a uma pandemia feroz. Agora Biden será atacado pela maneira com que cuidou de uma economia que tem se definido para muitos eleitores por preços altos, ainda que seja forte segundo certos índices, e pelo aperto no mercado imobiliário.
Trump tem foco particularmente em uma tríade de desdobramentos que, segundo ele, retrata seu governo sob uma luz mais favorável em relação ao mandato de Biden — a inflação mais alta, o envolvimento americano em duas novas guerras no exterior e o aumento no número de imigrantes atravessando a fronteira. Trump culpa regularmente as políticas de Biden em relação à fronteira pela criminalidade doméstica.
O deputado Juan Ciscomani, republicano do Arizona que concorre à reeleição em um dos distritos mais competitivos do país, afirma que um contraste tão focado poderia favorecer Trump. Segundo Ciscomani, os eleitores de seu distrito, na região de Tucson, conseguem facilmente comparar como eram suas vidas nesses períodos de quatro anos.
“Você pode ignorar as notícias, mas não o fato de não conseguir comprar alimentos”, afirmou Ciscomani. “Da fronteira à inflação, as pessoas sentem que hoje sua situação é pior do que três ou quatro anos atrás.”
Conselheiros de Biden afirmam que o presidente planeja sublinhar algumas das propostas mais polarizadoras apoiadas por Trump e seu alto escalão, incluindo a possibilidade da deportação de milhões de imigrantes indocumentados e da imposição de uma nova taxa, de 10%, sobre as importações, para pintar um quadro sombrio do que pode acontecer caso o ex-presidente volte a ser eleito.
Da mesma forma que os democratas vêm fazendo há meses, Biden planeja definir Trump como uma ameaça contra o que eles consideram liberdades fundamentais dos americanos, como o aborto e os direitos eleitorais. Eles planejam associar esses ataques ao argumento econômico de que Trump daria preferência às grandes empresas e aos bilionários em vez de ajudar os americanos comuns. Nos dias recentes, Biden sinalizou disposição de ligar o argumento econômico ao registro criminal de Trump, definindo a disputa em um anúncio como uma escolha “entre um criminoso condenado, que só quer saber de si mesmo, e um presidente que luta pela sua família”.
Biden também quer culpar Trump pela queda de Roe versus Wade, que o ex-presidente ajudou a engendrar com suas nomeações de ministros à Suprema Corte. Quatro anos atrás, Biden alertou que Roe estava em plebiscito — uma acusação que Trump rejeitou em seu primeiro debate, afirmando: “Por que isso está em consulta? Isso não está na cédula”.
Trump não deverá desviar do assunto com tanta facilidade nesta campanha, após quase dois anos de uma sequência contínua não apenas de banimentos ao aborto, mas também de esforços de cristãos conservadores em restringir fertilização in vitro e outros procedimentos amplamente populares. Trump consultou sua ex-conselheira Kellyanne Conway, que passou décadas fazendo pesquisas sobre o tema, e é provável que ele repita a posição que adotou recentemente: cabe aos Estados decidir sobre o aborto.
Os democratas sinalizaram que Biden vai rebater argumentando que Trump irá mais longe se reconquistar a Casa Branca, impondo novas restrições federais sobre o acesso ao aborto.
A estrategista republicana Gail Gitcho argumentou que confrontos retóricos desse tipo poderiam importar menos do que normalmente, dadas as experiências dos eleitores com os governos de Biden e Trump. “O que importa para os eleitores é como foi sua vida sob o (ex-)presidente Trump e como é sua vida sob o presidente Biden”, afirmou ela. “Eles escolherão entre presidências ou personalidades — e é mais provável que escolham entre presidências.”/ TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO