O mais graduado diplomata dos Estados Unidos retornou de seu quinto giro pelo Oriente Médio em tempo de guerra com a cara marcada por um tapa virtual do líder de Israel. Depois de uma blitz diplomática que percorreu capitais árabes, o secretário de Estado Antony Blinken levava no bolso uma nova série de propostas definindo uma possível trégua entre Israel e o grupo terrorista Hamas e a libertação dos reféns israelenses mantidos em Gaza.
Blinken também transmitiu suas “profundas preocupações” às autoridades israelenses a respeito do dano causado por sua guerra ao grupo terrorista Hamas após o ataque terrorista perpetrado pela facção palestina em 7 de outubro contra o sul de Israel. Desde então, pelo menos 27.708 pessoas foram mortas em Gaza — a maioria mulheres e crianças — e 67.147 ficaram feridas, segundo autoridades locais de saúde.
Mas o primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, expressou oposição a um acordo durante toda a semana e rejeitou-o absolutamente na quarta-feira, classificando as demandas do Hamas como “delirantes” e prometendo seguir pressionando com as ofensivas militares de Israel em Gaza. Blinken disse a repórteres que ainda havia “espaço para continuar a buscar um acordo (…) e nós temos intenção de buscar”. Mas Netanyahu deixou claras suas prioridades alegando que a “vitória total” sobre o Hamas está “ao alcance” e prometendo o “desarmamento eterno de Gaza”.
Quando a imprensa lhe pediu que explicasse melhor o que uma “vitória total” significa no contexto atual, Netanyahu invocou uma metáfora assustadora, citando a maneira com que alguém estilhaça um vidro “em pedaços pequenos e então continua a esmagar em pedaços ainda menores e continua a esmagar”.
Israel já esmagou muita coisa. Os ataques aéreos e as ofensivas terrestres israelenses arrasaram grande parte da densamente povoada Faixa de Gaza, deixaram desabrigados 90% da população e desencadearam uma catástrofe humanitária imensa e sem precedentes.
“Os civis palestinos, mulheres, crianças e homens, que não morreram nos combates correm o risco de morrer de fome ou doenças”, afirmou em um comunicado emitido nesta semana o vice-presidente de emergências do Comitê Internacional de Resgate, Bob Kitchen. “Não haverá nenhuma área ‘segura’ para os palestinos acudirem conforme suas residências, seus mercados e seus serviços de saúde forem aniquilados.”
Pode ser esse o plano. “Autoridades e embaixadores israelenses compararam a campanha aérea ao bombardeio de Dresden”, notou o jornalista Tom Stevenson em uma análise incisiva. “A escala da matança, por mais extraordinária que seja, foi superada pela destruição sistemática da infraestrutura civil.”
Mas o Hamas segue entrincheirado. Suas redes de túneis são provavelmente vastas e complexas demais para Israel destruir completamente. E uma possível ofensiva israelense contra o último grande reduto, em Rafah, na fronteira sul, com o Egito, coloca em risco mais de 1 milhão de refugiados que foram obrigados a se deslocar para a cidade ao longo da atual guerra.
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Outras autoridades proeminentes de Israel são mais sanguíneas em relação às complexidades estratégicas deste momento. Em entrevista a uma TV israelense, no mês passado, o ex-comandante das Forças de Defesa de Israel Gadi Eisenkot, que hoje compõe o gabinete de guerra de Netanyahu, concordou que as capacidades do Hamas foram significativamente degradadas no norte da Faixa de Gaza, mas enfatizou que “qualquer um que fale a respeito de uma derrota absoluta (do Hamas em Gaza) e do grupo não ter mais disposição ou capacidade (de atacar Israel) não está dizendo a verdade”.
Foi um cutucão óbvio em Netanyahu, por quem Eisenkot sente pouco afeto. O ex-comandante israelense perdeu um filho e um sobrinho nos combates em Gaza e acusou Netanyahu esta semana de hesitar e evitar as deliberações necessárias a respeito do que deve suceder em Gaza depois da guerra.
“Com o primeiro-ministro indo com calma e não tomando decisões sobre assuntos importantes, o Hamas está restaurando algumas de suas capacidades, retornando para o norte da Faixa de Gaza e controlando a ajuda humanitária”, disse Eisenkot aos seus colegas de partido, de acordo com uma reportagem israelense.
Netanyahu também luta pelo seu futuro político. Cedendo, como sempre, a uma base de direita, ele rejeitou propostas americanas e árabes sobre a Autoridade Palestina assumir a administração de Gaza. E fez pouco para subjugar os aliados de extrema direita em seu campo que conclamam uma limpeza étnica de facto em Gaza, assim como um possível reassentamento de colonos israelenses no território.
Não faltam especulações sobre Netanyahu pretender usar a guerra para permanecer no poder até a eleição presidencial dos EUA, que poderão ver o ex-presidente Donald Trump, um amigo mais próximo que o presidente Joe Biden, retornar à Casa Branca. Mas dentro de Israel há crescentes chamados pela saída de Netanyahu e por novas eleições.
“Pesquisas mostram ele com apenas 16% dos votos na hipótese de novas eleições, com cerca de um terço de sua base no Likud virando as costas para o partido”, noticiaram minhas colegas Loveday Morris e Shira Rubin. Isso o deixa “completamente dependente” dos membros de extrema direita de seu governo, acrescentaram elas.
“Netanyahu acompanha as pesquisas. Ele sabe que a maioria do público israelense ainda acredita numa vitória total sobre o Hamas. E segue fielmente o sentimento do público sobre isso”, disse um ministro do governo israelense ao jornalista Anshel Pfeffer, do Haaretz, esta semana. “O problema de Netanyahu é que ele se recusa a entender outra coisa que as pesquisas deixam clara: que as pessoas não querem mais nem ouvir sua voz; mesmo que ele esteja falando coisas que as pessoas queiram escutar.”
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Há assuntos mais difíceis dos quais muitos israelenses, tanto apoiadores quanto oponentes de Netanyahu, não querem tratar. Nos escombros de Gaza, autoridades americanas, europeias e árabes veem a necessidade da restauração de um processo político entre Israel e os palestinos. Netanyahu passou grande parte de sua carreira deliberadamente trabalhando contra uma solução de dois Estados e encorajando divisões dentro do movimento nacional palestino ao mesmo tempo que convencia o público israelense e interlocutores de outros países de que o conflito poderia ser “administrado” indefinidamente.
Isso funcionou por um longo tempo: por anos, os EUA e outros países europeus praticamente não se esforçaram para controlar a constante expansão dos assentamentos ilegais de colonos judeus na Cisjordânia ocupada. Choques entre facções palestinas armadas e Israel ocasionariam exercícios periódicos de “aparar a grama” — campanhas israelenses desproporcionais contra grupos como o Hamas que infligiram danos civis consideráveis, controlaram brevemente ameaças de militantes e alcançaram pouco além disso.
A ausência de direitos iguais para milhões de palestinos não representou nenhum impedimento para os acordos de normalização intermediados pelo governo Trump entre Israel e algumas monarquias árabes. Em setembro, Netanyahu anunciou o advento de um “novo” Oriente Médio, exibindo um mapa de uma região mais integrada no palanque da Assembleia Geral da ONU, onde a Palestina simplesmente não existe.
Mas na esteira do 7 de Outubro e da catastrófica guerra Israel-Hamas a necessidade de uma solução duradoura requer atenção imediata. Líderes árabes, incluindo os influentes sauditas, afirmam agora que um caminho para o estatuto de Estado dos palestinos é um prerrequisito para qualquer relação em um cenário posterior à guerra em Gaza.
Alguns legisladores americanos concordam. Há sugestões de que um governo Biden frustrado poderia reconhecer formalmente um Estado palestino mesmo se, enquanto entidade, ele continuar mais teórico que real.
Será difícil os israelenses de hoje se convencerem, a maioria dos quais preferiria o status quo a qualquer outra concessão para os palestinos. Mas o status quo, alertam alguns analistas israelenses, é insustentável. “Com ou sem Netanyahu, ‘gestão de conflito’ e ‘aparar a grama’ seguirão sendo políticas de Estado — o que significa mais ocupação, assentamentos e deslocamentos”, escreveu Aluf Benn na revista Foreign Affairs. “Essa estratégia pode parecer a opção menos arriscada, pelo menos para um público israelense marcado pelos horrores do 7 de Outubro e ensurdecido para novas sugestões de paz. Mas só ocasionará mais catástrofe.” / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO
*Ishaan Tharoor é colunista de relações internacionais no Washington Post e autor da coluna WorldView. Em 2021, foi premiado pela Academia Americana de Diplomacia.