Para Ingrid Betancourt, Colômbia precisa escapar da polarização; leia entrevista


Ex-senadora, que foi refém das Farc, se coloca como alternativa da terceira via na eleição presidencial de maio

Por Fernanda Simas

Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán. Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada. “O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz”, disse. A seguir, trechos da entrevista de Ingrid ao Estadão.

Qual é a importância das eleições deste ano?

São as eleições no meio de um caminho. Primeiro, Colômbia parece voltar a enfrentar a polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, que são as forças russas, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão em nosso continente.

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Sobre a guerra na Ucrânia, se fala da oportunidade comercial que surge para a América Latina. Como a sra. vê esse cenário?

Acredito que a Colômbia tem uma posição geopolítica estratégica por estar no Caribe, no Pacífico, ao lado do Canal do Panamá e ser uma ponte entre a América Central e o continente sul-americano. Temos uma crise comercial evidente depois da pandemia, uma crise na cadeia de suprimentos que afeta o mundo todo e está na origem de um aumento da inflação global.

Acredito que a Colômbia tem a oportunidade de gerar uma nova lógica comercial. Os EUA e o Canadá estão tentando ter opções que os deixem menos dependentes da China e do Sudeste Asiático justamente pelo o que ocorreu na pandemia. A América Latina poderia ser um sócio muito importante para restabelecer fluxos comerciais que permitam enfrentar essa crise de suprimentos e colocar todo o continente em uma grande política, para deixarmos de ser o quintal dos EUA e nos tornarmos sócios comerciais de pleno direito.

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Ingrid Betancourt anuncia sua candidatura em Bogotá, em 18 de janeiro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Para fazer isso, a Colômbia precisa ter infraestrutura, desenvolver o plano de ferrovias. Os trens são a maneira de transportar carga rapidamente, com segurança e, acima de tudo, sem impacto de carbono. Essa deveria ser a política de integração da América Latina: um grande projeto de ferrovias, que nos permita conectar desde a Colômbia até a Patagônia. Além disso, é possível obter investimentos estrangeiros.

Também temos o desafio da segurança alimentar, uma realidade em todos os nossos países. Vemos o que a guerra na Ucrânia causou, o impacto sobre o preço da farinha, dos combustíveis, dos suprimentos agrícolas, de todos os fertilizantes. Precisamos ser capazes de produzir com custos baratos e em grande volume. Pensando na integração de nossos países, essa pode ser uma grande oportunidade para nos recompormos comercialmente.

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O candidato de extrema esquerda (Petro) quer voltar a tornar a Colômbia um país isolado do mundo, com altas tarifas alfandegárias. Pensamos que isso é um retorno aos anos 70 e é uma tentação muito perigosa quando se estão abrindo oportunidades de negócios regionais que não tivemos antes.

Para aproveitar essa oportunidade, precisamos investir em infraestrutura e segurança. A Colômbia continua sendo um país afetado pelo narcotráfico e pela violência das guerrilhas. Precisamos de uma política integrada, a Colômbia não pode enfrentar essas máfias sozinha. É muito importante que haja um acordo regional para enfrentar de alguma forma a guerra contra as drogas e investir em nossas regiões para devolver à região seu sentido de dispensa agrícola do mundo e isso precisamos fazer por meio de uma política de união na região e não com políticas isoladas ou binacionais entre EUA e Colômbia.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

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O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Precisamos ter um enfrentamento diferente, por meio de uma política regional, com acordos, por exemplo, nos quais toda a região descriminaliza o consumo da droga. Obviamente, isso deve ser criado dentro de um marco de segurança e saúde pública para que não seja legal vender a droga, mas sim, consumi-la e esse consumo seja gratuito por parte do Estado.

Assim, rompemos a rentabilidade da delinquência e podemos romper a lógica econômica da proibição. Todo o músculo financeiro dos EUA e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como pensar a questão ambiental?

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Precisamos pagar a população pelo serviço de manter a selva nativa, criar uma força militar de proteção da Amazônia porque os grupos que atuam ilegalmente na região são grupos armados. E precisamos do apoio da comunidade internacional para financiar esse Exército. Sabemos que o Brasil vive algo parecido, não com a droga, mas com empresas que querem desenvolver a Amazônia e estão gerando um custo muito grande à sobrevivência do planeta. A responsabilidade de todos que têm uma parte do território da Amazônia é muito grande e precisamos chegar a um acordo para sua gestão e proteção.

Os candidatos à eleição na Colômbia, da esquerda para a direita Sergio Fajardo, Enrique Gomez, Ingrid Betancourt e Federico Gutierrez Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

É preciso ter uma coordenação regional muito grande para enfrentar o narcotráfico, o desflorestamento, a posse desses terrenos por atores marginais. E precisamos preservar a vida dos líderes locais, são eles que pagam com suas vidas a defesa do território, eles são a trincheira que impede que essas organizações criminosas expandam seu domínio territorial. E o Estado colombiano precisa assegurar a vida dessas pessoas, com proteção militar, mas também com presença estatal. A Justiça, a promotoria também precisam estar presentes porque vemos que esses atores criminosos entram, matam e não há consequências. Para isso, é preciso vontade política ou não será possível enfrentar essas organizações. E muitas vezes na Colômbia, a delinquência política está associada à delinquência do narcotráfico, o que leva à impunidade.

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Há cinco anos se assinou o acordo de paz com as Farc, mas pouco seguiu adiante. O que precisa mudar?

O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz. Por isso, é estratégico acelerar a implementação do acordo, o governo atual desacelerou essa implementação. Temos monitores internacionais que nos informam quais itens foram deixados para trás e vemos que há uma motivação política. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e, então, não podem viver de suas terras, com produção moderna. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos.

Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Precisamos que essas sentenças cheguem e de uma forma que não haja impunidade, ou seja, que a sentença não seja plantar árvores. Precisa haver uma perda de liberdade, não a cadeia porque aceitamos que os atores no processo de paz não serão presos, mas é preciso haver alguma restrição à mobilidade. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização. Se esses crimes não pararem, será muito difícil ampliar o processo de paz ao ELN ou outras guerrilhas que mostraram vontade de ao menos dialogar com o governo. Então, para nós, a aceleração da implementação dos acordos de paz é vital para a Colômbia.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação. Não basta justificar o crime, é preciso haver a oportunidade de entender humanamente o que isso significou. Estamos atrasados nesse processo.

Qual é a importância de ver o outro lado do conflito?

Para que o autor do crime não volte a reincidir nessa conduta. Enquanto houver uma opção de justificativa, isso leva a reincidentes condutas delinquentes. A única maneira de parar essa repetição é se a pessoa que vitimizou e torturou, matou, prendeu, violou, sequestrou…tiver a capacidade de sentir a dor do que isso significa e puder se colocar no espaço humano da vítima. Se eles não são capazes de sentir repulsa por essas ações, é provável que o exemplo que darão a outras gerações seja: é justificável ter essas condutas quando se tem um motivo político e isso é o que precisamos erradicar.

A candidata Ingrid Betancourt em evendo político na Universidade Externado, Bogotá, em 29 de março Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

A sra. foi criticada por colombianos quando pediu indenização do Estado pelo sequestro que sofreu e, posteriormente, por deixar o país. Como responder a isso?

Acredito que essas críticas fazem parte de uma narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei colombiana estabelecia o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a um sistema de reparações. O Estado colombiano, e um governo em particular, utilizou uma narrativa muito perversa que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Agora, todas as vítimas passam pela necessidade de se isolar. Quando se sai de um sequestro, a pessoa precisa recompor sua vida, se isolar de tudo para poder reconstruir as relações familiares. Isso leva tempo. Eu precisei me afastar do país, estar em outro espaço, para poder me curar. Criticar uma vítima por isso é também parte de uma narrativa de vitimização que tem um interesse político, é como dizer ‘se você se foi do país então não tem direito a ser colombiana’. A situação é muito mais complexa. Há interesses políticos quando se fazem essas críticas, mas também mexe com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por motivos de violência. Voltar à Colômbia não é fácil para as vítimas e fazer isso é um ato de amor ao país.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Foi uma decisão que levei tempo a tomar e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família e até que eu pudesse recompor esse espaço, não pude voltar. Ao conseguir isso e sentir que a família voltou a ser família, então se abriu a possibilidade de trabalhar com a família maior, a família Colômbia. A decisão de participar na política veio após um processo de reflexão muito particular diante da constatação de que a Colômbia precisa de uma opção diferente, que não podemos seguir vivendo entre o ódio e o medo, e os candidatos que se apresentam têm essas características de fomentar ou o ódio ou o medo para chegar à presidência. Considero que Colômbia precisa sair dessa esquizofrenia política.

Qual é a importância da sra, como mulher, estar envolvida nesse processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência. Uma poeta colombiana, Maria Mercedes Carranza, tem um poema muito lindo, no qual fala ‘tantos mortos pela liberdade e democracia para finalmente cair de novo na pátria boa’. Isso tem uma grande ressonância hoje. Se queremos fazer uma mudança real de prioridades, de uso dos recursos, de como funciona o Estado, ser mulher implica realmente essa revolução.

Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán. Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada. “O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz”, disse. A seguir, trechos da entrevista de Ingrid ao Estadão.

Qual é a importância das eleições deste ano?

São as eleições no meio de um caminho. Primeiro, Colômbia parece voltar a enfrentar a polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, que são as forças russas, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão em nosso continente.

Sobre a guerra na Ucrânia, se fala da oportunidade comercial que surge para a América Latina. Como a sra. vê esse cenário?

Acredito que a Colômbia tem uma posição geopolítica estratégica por estar no Caribe, no Pacífico, ao lado do Canal do Panamá e ser uma ponte entre a América Central e o continente sul-americano. Temos uma crise comercial evidente depois da pandemia, uma crise na cadeia de suprimentos que afeta o mundo todo e está na origem de um aumento da inflação global.

Acredito que a Colômbia tem a oportunidade de gerar uma nova lógica comercial. Os EUA e o Canadá estão tentando ter opções que os deixem menos dependentes da China e do Sudeste Asiático justamente pelo o que ocorreu na pandemia. A América Latina poderia ser um sócio muito importante para restabelecer fluxos comerciais que permitam enfrentar essa crise de suprimentos e colocar todo o continente em uma grande política, para deixarmos de ser o quintal dos EUA e nos tornarmos sócios comerciais de pleno direito.

Ingrid Betancourt anuncia sua candidatura em Bogotá, em 18 de janeiro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Para fazer isso, a Colômbia precisa ter infraestrutura, desenvolver o plano de ferrovias. Os trens são a maneira de transportar carga rapidamente, com segurança e, acima de tudo, sem impacto de carbono. Essa deveria ser a política de integração da América Latina: um grande projeto de ferrovias, que nos permita conectar desde a Colômbia até a Patagônia. Além disso, é possível obter investimentos estrangeiros.

Também temos o desafio da segurança alimentar, uma realidade em todos os nossos países. Vemos o que a guerra na Ucrânia causou, o impacto sobre o preço da farinha, dos combustíveis, dos suprimentos agrícolas, de todos os fertilizantes. Precisamos ser capazes de produzir com custos baratos e em grande volume. Pensando na integração de nossos países, essa pode ser uma grande oportunidade para nos recompormos comercialmente.

O candidato de extrema esquerda (Petro) quer voltar a tornar a Colômbia um país isolado do mundo, com altas tarifas alfandegárias. Pensamos que isso é um retorno aos anos 70 e é uma tentação muito perigosa quando se estão abrindo oportunidades de negócios regionais que não tivemos antes.

Para aproveitar essa oportunidade, precisamos investir em infraestrutura e segurança. A Colômbia continua sendo um país afetado pelo narcotráfico e pela violência das guerrilhas. Precisamos de uma política integrada, a Colômbia não pode enfrentar essas máfias sozinha. É muito importante que haja um acordo regional para enfrentar de alguma forma a guerra contra as drogas e investir em nossas regiões para devolver à região seu sentido de dispensa agrícola do mundo e isso precisamos fazer por meio de uma política de união na região e não com políticas isoladas ou binacionais entre EUA e Colômbia.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Precisamos ter um enfrentamento diferente, por meio de uma política regional, com acordos, por exemplo, nos quais toda a região descriminaliza o consumo da droga. Obviamente, isso deve ser criado dentro de um marco de segurança e saúde pública para que não seja legal vender a droga, mas sim, consumi-la e esse consumo seja gratuito por parte do Estado.

Assim, rompemos a rentabilidade da delinquência e podemos romper a lógica econômica da proibição. Todo o músculo financeiro dos EUA e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como pensar a questão ambiental?

Precisamos pagar a população pelo serviço de manter a selva nativa, criar uma força militar de proteção da Amazônia porque os grupos que atuam ilegalmente na região são grupos armados. E precisamos do apoio da comunidade internacional para financiar esse Exército. Sabemos que o Brasil vive algo parecido, não com a droga, mas com empresas que querem desenvolver a Amazônia e estão gerando um custo muito grande à sobrevivência do planeta. A responsabilidade de todos que têm uma parte do território da Amazônia é muito grande e precisamos chegar a um acordo para sua gestão e proteção.

Os candidatos à eleição na Colômbia, da esquerda para a direita Sergio Fajardo, Enrique Gomez, Ingrid Betancourt e Federico Gutierrez Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

É preciso ter uma coordenação regional muito grande para enfrentar o narcotráfico, o desflorestamento, a posse desses terrenos por atores marginais. E precisamos preservar a vida dos líderes locais, são eles que pagam com suas vidas a defesa do território, eles são a trincheira que impede que essas organizações criminosas expandam seu domínio territorial. E o Estado colombiano precisa assegurar a vida dessas pessoas, com proteção militar, mas também com presença estatal. A Justiça, a promotoria também precisam estar presentes porque vemos que esses atores criminosos entram, matam e não há consequências. Para isso, é preciso vontade política ou não será possível enfrentar essas organizações. E muitas vezes na Colômbia, a delinquência política está associada à delinquência do narcotráfico, o que leva à impunidade.

Há cinco anos se assinou o acordo de paz com as Farc, mas pouco seguiu adiante. O que precisa mudar?

O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz. Por isso, é estratégico acelerar a implementação do acordo, o governo atual desacelerou essa implementação. Temos monitores internacionais que nos informam quais itens foram deixados para trás e vemos que há uma motivação política. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e, então, não podem viver de suas terras, com produção moderna. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos.

Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Precisamos que essas sentenças cheguem e de uma forma que não haja impunidade, ou seja, que a sentença não seja plantar árvores. Precisa haver uma perda de liberdade, não a cadeia porque aceitamos que os atores no processo de paz não serão presos, mas é preciso haver alguma restrição à mobilidade. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização. Se esses crimes não pararem, será muito difícil ampliar o processo de paz ao ELN ou outras guerrilhas que mostraram vontade de ao menos dialogar com o governo. Então, para nós, a aceleração da implementação dos acordos de paz é vital para a Colômbia.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação. Não basta justificar o crime, é preciso haver a oportunidade de entender humanamente o que isso significou. Estamos atrasados nesse processo.

Qual é a importância de ver o outro lado do conflito?

Para que o autor do crime não volte a reincidir nessa conduta. Enquanto houver uma opção de justificativa, isso leva a reincidentes condutas delinquentes. A única maneira de parar essa repetição é se a pessoa que vitimizou e torturou, matou, prendeu, violou, sequestrou…tiver a capacidade de sentir a dor do que isso significa e puder se colocar no espaço humano da vítima. Se eles não são capazes de sentir repulsa por essas ações, é provável que o exemplo que darão a outras gerações seja: é justificável ter essas condutas quando se tem um motivo político e isso é o que precisamos erradicar.

A candidata Ingrid Betancourt em evendo político na Universidade Externado, Bogotá, em 29 de março Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

A sra. foi criticada por colombianos quando pediu indenização do Estado pelo sequestro que sofreu e, posteriormente, por deixar o país. Como responder a isso?

Acredito que essas críticas fazem parte de uma narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei colombiana estabelecia o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a um sistema de reparações. O Estado colombiano, e um governo em particular, utilizou uma narrativa muito perversa que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Agora, todas as vítimas passam pela necessidade de se isolar. Quando se sai de um sequestro, a pessoa precisa recompor sua vida, se isolar de tudo para poder reconstruir as relações familiares. Isso leva tempo. Eu precisei me afastar do país, estar em outro espaço, para poder me curar. Criticar uma vítima por isso é também parte de uma narrativa de vitimização que tem um interesse político, é como dizer ‘se você se foi do país então não tem direito a ser colombiana’. A situação é muito mais complexa. Há interesses políticos quando se fazem essas críticas, mas também mexe com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por motivos de violência. Voltar à Colômbia não é fácil para as vítimas e fazer isso é um ato de amor ao país.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Foi uma decisão que levei tempo a tomar e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família e até que eu pudesse recompor esse espaço, não pude voltar. Ao conseguir isso e sentir que a família voltou a ser família, então se abriu a possibilidade de trabalhar com a família maior, a família Colômbia. A decisão de participar na política veio após um processo de reflexão muito particular diante da constatação de que a Colômbia precisa de uma opção diferente, que não podemos seguir vivendo entre o ódio e o medo, e os candidatos que se apresentam têm essas características de fomentar ou o ódio ou o medo para chegar à presidência. Considero que Colômbia precisa sair dessa esquizofrenia política.

Qual é a importância da sra, como mulher, estar envolvida nesse processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência. Uma poeta colombiana, Maria Mercedes Carranza, tem um poema muito lindo, no qual fala ‘tantos mortos pela liberdade e democracia para finalmente cair de novo na pátria boa’. Isso tem uma grande ressonância hoje. Se queremos fazer uma mudança real de prioridades, de uso dos recursos, de como funciona o Estado, ser mulher implica realmente essa revolução.

Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán. Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada. “O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz”, disse. A seguir, trechos da entrevista de Ingrid ao Estadão.

Qual é a importância das eleições deste ano?

São as eleições no meio de um caminho. Primeiro, Colômbia parece voltar a enfrentar a polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, que são as forças russas, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão em nosso continente.

Sobre a guerra na Ucrânia, se fala da oportunidade comercial que surge para a América Latina. Como a sra. vê esse cenário?

Acredito que a Colômbia tem uma posição geopolítica estratégica por estar no Caribe, no Pacífico, ao lado do Canal do Panamá e ser uma ponte entre a América Central e o continente sul-americano. Temos uma crise comercial evidente depois da pandemia, uma crise na cadeia de suprimentos que afeta o mundo todo e está na origem de um aumento da inflação global.

Acredito que a Colômbia tem a oportunidade de gerar uma nova lógica comercial. Os EUA e o Canadá estão tentando ter opções que os deixem menos dependentes da China e do Sudeste Asiático justamente pelo o que ocorreu na pandemia. A América Latina poderia ser um sócio muito importante para restabelecer fluxos comerciais que permitam enfrentar essa crise de suprimentos e colocar todo o continente em uma grande política, para deixarmos de ser o quintal dos EUA e nos tornarmos sócios comerciais de pleno direito.

Ingrid Betancourt anuncia sua candidatura em Bogotá, em 18 de janeiro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Para fazer isso, a Colômbia precisa ter infraestrutura, desenvolver o plano de ferrovias. Os trens são a maneira de transportar carga rapidamente, com segurança e, acima de tudo, sem impacto de carbono. Essa deveria ser a política de integração da América Latina: um grande projeto de ferrovias, que nos permita conectar desde a Colômbia até a Patagônia. Além disso, é possível obter investimentos estrangeiros.

Também temos o desafio da segurança alimentar, uma realidade em todos os nossos países. Vemos o que a guerra na Ucrânia causou, o impacto sobre o preço da farinha, dos combustíveis, dos suprimentos agrícolas, de todos os fertilizantes. Precisamos ser capazes de produzir com custos baratos e em grande volume. Pensando na integração de nossos países, essa pode ser uma grande oportunidade para nos recompormos comercialmente.

O candidato de extrema esquerda (Petro) quer voltar a tornar a Colômbia um país isolado do mundo, com altas tarifas alfandegárias. Pensamos que isso é um retorno aos anos 70 e é uma tentação muito perigosa quando se estão abrindo oportunidades de negócios regionais que não tivemos antes.

Para aproveitar essa oportunidade, precisamos investir em infraestrutura e segurança. A Colômbia continua sendo um país afetado pelo narcotráfico e pela violência das guerrilhas. Precisamos de uma política integrada, a Colômbia não pode enfrentar essas máfias sozinha. É muito importante que haja um acordo regional para enfrentar de alguma forma a guerra contra as drogas e investir em nossas regiões para devolver à região seu sentido de dispensa agrícola do mundo e isso precisamos fazer por meio de uma política de união na região e não com políticas isoladas ou binacionais entre EUA e Colômbia.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Precisamos ter um enfrentamento diferente, por meio de uma política regional, com acordos, por exemplo, nos quais toda a região descriminaliza o consumo da droga. Obviamente, isso deve ser criado dentro de um marco de segurança e saúde pública para que não seja legal vender a droga, mas sim, consumi-la e esse consumo seja gratuito por parte do Estado.

Assim, rompemos a rentabilidade da delinquência e podemos romper a lógica econômica da proibição. Todo o músculo financeiro dos EUA e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como pensar a questão ambiental?

Precisamos pagar a população pelo serviço de manter a selva nativa, criar uma força militar de proteção da Amazônia porque os grupos que atuam ilegalmente na região são grupos armados. E precisamos do apoio da comunidade internacional para financiar esse Exército. Sabemos que o Brasil vive algo parecido, não com a droga, mas com empresas que querem desenvolver a Amazônia e estão gerando um custo muito grande à sobrevivência do planeta. A responsabilidade de todos que têm uma parte do território da Amazônia é muito grande e precisamos chegar a um acordo para sua gestão e proteção.

Os candidatos à eleição na Colômbia, da esquerda para a direita Sergio Fajardo, Enrique Gomez, Ingrid Betancourt e Federico Gutierrez Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

É preciso ter uma coordenação regional muito grande para enfrentar o narcotráfico, o desflorestamento, a posse desses terrenos por atores marginais. E precisamos preservar a vida dos líderes locais, são eles que pagam com suas vidas a defesa do território, eles são a trincheira que impede que essas organizações criminosas expandam seu domínio territorial. E o Estado colombiano precisa assegurar a vida dessas pessoas, com proteção militar, mas também com presença estatal. A Justiça, a promotoria também precisam estar presentes porque vemos que esses atores criminosos entram, matam e não há consequências. Para isso, é preciso vontade política ou não será possível enfrentar essas organizações. E muitas vezes na Colômbia, a delinquência política está associada à delinquência do narcotráfico, o que leva à impunidade.

Há cinco anos se assinou o acordo de paz com as Farc, mas pouco seguiu adiante. O que precisa mudar?

O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz. Por isso, é estratégico acelerar a implementação do acordo, o governo atual desacelerou essa implementação. Temos monitores internacionais que nos informam quais itens foram deixados para trás e vemos que há uma motivação política. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e, então, não podem viver de suas terras, com produção moderna. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos.

Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Precisamos que essas sentenças cheguem e de uma forma que não haja impunidade, ou seja, que a sentença não seja plantar árvores. Precisa haver uma perda de liberdade, não a cadeia porque aceitamos que os atores no processo de paz não serão presos, mas é preciso haver alguma restrição à mobilidade. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização. Se esses crimes não pararem, será muito difícil ampliar o processo de paz ao ELN ou outras guerrilhas que mostraram vontade de ao menos dialogar com o governo. Então, para nós, a aceleração da implementação dos acordos de paz é vital para a Colômbia.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação. Não basta justificar o crime, é preciso haver a oportunidade de entender humanamente o que isso significou. Estamos atrasados nesse processo.

Qual é a importância de ver o outro lado do conflito?

Para que o autor do crime não volte a reincidir nessa conduta. Enquanto houver uma opção de justificativa, isso leva a reincidentes condutas delinquentes. A única maneira de parar essa repetição é se a pessoa que vitimizou e torturou, matou, prendeu, violou, sequestrou…tiver a capacidade de sentir a dor do que isso significa e puder se colocar no espaço humano da vítima. Se eles não são capazes de sentir repulsa por essas ações, é provável que o exemplo que darão a outras gerações seja: é justificável ter essas condutas quando se tem um motivo político e isso é o que precisamos erradicar.

A candidata Ingrid Betancourt em evendo político na Universidade Externado, Bogotá, em 29 de março Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

A sra. foi criticada por colombianos quando pediu indenização do Estado pelo sequestro que sofreu e, posteriormente, por deixar o país. Como responder a isso?

Acredito que essas críticas fazem parte de uma narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei colombiana estabelecia o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a um sistema de reparações. O Estado colombiano, e um governo em particular, utilizou uma narrativa muito perversa que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Agora, todas as vítimas passam pela necessidade de se isolar. Quando se sai de um sequestro, a pessoa precisa recompor sua vida, se isolar de tudo para poder reconstruir as relações familiares. Isso leva tempo. Eu precisei me afastar do país, estar em outro espaço, para poder me curar. Criticar uma vítima por isso é também parte de uma narrativa de vitimização que tem um interesse político, é como dizer ‘se você se foi do país então não tem direito a ser colombiana’. A situação é muito mais complexa. Há interesses políticos quando se fazem essas críticas, mas também mexe com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por motivos de violência. Voltar à Colômbia não é fácil para as vítimas e fazer isso é um ato de amor ao país.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Foi uma decisão que levei tempo a tomar e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família e até que eu pudesse recompor esse espaço, não pude voltar. Ao conseguir isso e sentir que a família voltou a ser família, então se abriu a possibilidade de trabalhar com a família maior, a família Colômbia. A decisão de participar na política veio após um processo de reflexão muito particular diante da constatação de que a Colômbia precisa de uma opção diferente, que não podemos seguir vivendo entre o ódio e o medo, e os candidatos que se apresentam têm essas características de fomentar ou o ódio ou o medo para chegar à presidência. Considero que Colômbia precisa sair dessa esquizofrenia política.

Qual é a importância da sra, como mulher, estar envolvida nesse processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência. Uma poeta colombiana, Maria Mercedes Carranza, tem um poema muito lindo, no qual fala ‘tantos mortos pela liberdade e democracia para finalmente cair de novo na pátria boa’. Isso tem uma grande ressonância hoje. Se queremos fazer uma mudança real de prioridades, de uso dos recursos, de como funciona o Estado, ser mulher implica realmente essa revolução.

Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán. Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada. “O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz”, disse. A seguir, trechos da entrevista de Ingrid ao Estadão.

Qual é a importância das eleições deste ano?

São as eleições no meio de um caminho. Primeiro, Colômbia parece voltar a enfrentar a polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, que são as forças russas, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão em nosso continente.

Sobre a guerra na Ucrânia, se fala da oportunidade comercial que surge para a América Latina. Como a sra. vê esse cenário?

Acredito que a Colômbia tem uma posição geopolítica estratégica por estar no Caribe, no Pacífico, ao lado do Canal do Panamá e ser uma ponte entre a América Central e o continente sul-americano. Temos uma crise comercial evidente depois da pandemia, uma crise na cadeia de suprimentos que afeta o mundo todo e está na origem de um aumento da inflação global.

Acredito que a Colômbia tem a oportunidade de gerar uma nova lógica comercial. Os EUA e o Canadá estão tentando ter opções que os deixem menos dependentes da China e do Sudeste Asiático justamente pelo o que ocorreu na pandemia. A América Latina poderia ser um sócio muito importante para restabelecer fluxos comerciais que permitam enfrentar essa crise de suprimentos e colocar todo o continente em uma grande política, para deixarmos de ser o quintal dos EUA e nos tornarmos sócios comerciais de pleno direito.

Ingrid Betancourt anuncia sua candidatura em Bogotá, em 18 de janeiro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Para fazer isso, a Colômbia precisa ter infraestrutura, desenvolver o plano de ferrovias. Os trens são a maneira de transportar carga rapidamente, com segurança e, acima de tudo, sem impacto de carbono. Essa deveria ser a política de integração da América Latina: um grande projeto de ferrovias, que nos permita conectar desde a Colômbia até a Patagônia. Além disso, é possível obter investimentos estrangeiros.

Também temos o desafio da segurança alimentar, uma realidade em todos os nossos países. Vemos o que a guerra na Ucrânia causou, o impacto sobre o preço da farinha, dos combustíveis, dos suprimentos agrícolas, de todos os fertilizantes. Precisamos ser capazes de produzir com custos baratos e em grande volume. Pensando na integração de nossos países, essa pode ser uma grande oportunidade para nos recompormos comercialmente.

O candidato de extrema esquerda (Petro) quer voltar a tornar a Colômbia um país isolado do mundo, com altas tarifas alfandegárias. Pensamos que isso é um retorno aos anos 70 e é uma tentação muito perigosa quando se estão abrindo oportunidades de negócios regionais que não tivemos antes.

Para aproveitar essa oportunidade, precisamos investir em infraestrutura e segurança. A Colômbia continua sendo um país afetado pelo narcotráfico e pela violência das guerrilhas. Precisamos de uma política integrada, a Colômbia não pode enfrentar essas máfias sozinha. É muito importante que haja um acordo regional para enfrentar de alguma forma a guerra contra as drogas e investir em nossas regiões para devolver à região seu sentido de dispensa agrícola do mundo e isso precisamos fazer por meio de uma política de união na região e não com políticas isoladas ou binacionais entre EUA e Colômbia.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Precisamos ter um enfrentamento diferente, por meio de uma política regional, com acordos, por exemplo, nos quais toda a região descriminaliza o consumo da droga. Obviamente, isso deve ser criado dentro de um marco de segurança e saúde pública para que não seja legal vender a droga, mas sim, consumi-la e esse consumo seja gratuito por parte do Estado.

Assim, rompemos a rentabilidade da delinquência e podemos romper a lógica econômica da proibição. Todo o músculo financeiro dos EUA e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como pensar a questão ambiental?

Precisamos pagar a população pelo serviço de manter a selva nativa, criar uma força militar de proteção da Amazônia porque os grupos que atuam ilegalmente na região são grupos armados. E precisamos do apoio da comunidade internacional para financiar esse Exército. Sabemos que o Brasil vive algo parecido, não com a droga, mas com empresas que querem desenvolver a Amazônia e estão gerando um custo muito grande à sobrevivência do planeta. A responsabilidade de todos que têm uma parte do território da Amazônia é muito grande e precisamos chegar a um acordo para sua gestão e proteção.

Os candidatos à eleição na Colômbia, da esquerda para a direita Sergio Fajardo, Enrique Gomez, Ingrid Betancourt e Federico Gutierrez Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

É preciso ter uma coordenação regional muito grande para enfrentar o narcotráfico, o desflorestamento, a posse desses terrenos por atores marginais. E precisamos preservar a vida dos líderes locais, são eles que pagam com suas vidas a defesa do território, eles são a trincheira que impede que essas organizações criminosas expandam seu domínio territorial. E o Estado colombiano precisa assegurar a vida dessas pessoas, com proteção militar, mas também com presença estatal. A Justiça, a promotoria também precisam estar presentes porque vemos que esses atores criminosos entram, matam e não há consequências. Para isso, é preciso vontade política ou não será possível enfrentar essas organizações. E muitas vezes na Colômbia, a delinquência política está associada à delinquência do narcotráfico, o que leva à impunidade.

Há cinco anos se assinou o acordo de paz com as Farc, mas pouco seguiu adiante. O que precisa mudar?

O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz. Por isso, é estratégico acelerar a implementação do acordo, o governo atual desacelerou essa implementação. Temos monitores internacionais que nos informam quais itens foram deixados para trás e vemos que há uma motivação política. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e, então, não podem viver de suas terras, com produção moderna. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos.

Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Precisamos que essas sentenças cheguem e de uma forma que não haja impunidade, ou seja, que a sentença não seja plantar árvores. Precisa haver uma perda de liberdade, não a cadeia porque aceitamos que os atores no processo de paz não serão presos, mas é preciso haver alguma restrição à mobilidade. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização. Se esses crimes não pararem, será muito difícil ampliar o processo de paz ao ELN ou outras guerrilhas que mostraram vontade de ao menos dialogar com o governo. Então, para nós, a aceleração da implementação dos acordos de paz é vital para a Colômbia.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação. Não basta justificar o crime, é preciso haver a oportunidade de entender humanamente o que isso significou. Estamos atrasados nesse processo.

Qual é a importância de ver o outro lado do conflito?

Para que o autor do crime não volte a reincidir nessa conduta. Enquanto houver uma opção de justificativa, isso leva a reincidentes condutas delinquentes. A única maneira de parar essa repetição é se a pessoa que vitimizou e torturou, matou, prendeu, violou, sequestrou…tiver a capacidade de sentir a dor do que isso significa e puder se colocar no espaço humano da vítima. Se eles não são capazes de sentir repulsa por essas ações, é provável que o exemplo que darão a outras gerações seja: é justificável ter essas condutas quando se tem um motivo político e isso é o que precisamos erradicar.

A candidata Ingrid Betancourt em evendo político na Universidade Externado, Bogotá, em 29 de março Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

A sra. foi criticada por colombianos quando pediu indenização do Estado pelo sequestro que sofreu e, posteriormente, por deixar o país. Como responder a isso?

Acredito que essas críticas fazem parte de uma narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei colombiana estabelecia o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a um sistema de reparações. O Estado colombiano, e um governo em particular, utilizou uma narrativa muito perversa que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Agora, todas as vítimas passam pela necessidade de se isolar. Quando se sai de um sequestro, a pessoa precisa recompor sua vida, se isolar de tudo para poder reconstruir as relações familiares. Isso leva tempo. Eu precisei me afastar do país, estar em outro espaço, para poder me curar. Criticar uma vítima por isso é também parte de uma narrativa de vitimização que tem um interesse político, é como dizer ‘se você se foi do país então não tem direito a ser colombiana’. A situação é muito mais complexa. Há interesses políticos quando se fazem essas críticas, mas também mexe com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por motivos de violência. Voltar à Colômbia não é fácil para as vítimas e fazer isso é um ato de amor ao país.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Foi uma decisão que levei tempo a tomar e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família e até que eu pudesse recompor esse espaço, não pude voltar. Ao conseguir isso e sentir que a família voltou a ser família, então se abriu a possibilidade de trabalhar com a família maior, a família Colômbia. A decisão de participar na política veio após um processo de reflexão muito particular diante da constatação de que a Colômbia precisa de uma opção diferente, que não podemos seguir vivendo entre o ódio e o medo, e os candidatos que se apresentam têm essas características de fomentar ou o ódio ou o medo para chegar à presidência. Considero que Colômbia precisa sair dessa esquizofrenia política.

Qual é a importância da sra, como mulher, estar envolvida nesse processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência. Uma poeta colombiana, Maria Mercedes Carranza, tem um poema muito lindo, no qual fala ‘tantos mortos pela liberdade e democracia para finalmente cair de novo na pátria boa’. Isso tem uma grande ressonância hoje. Se queremos fazer uma mudança real de prioridades, de uso dos recursos, de como funciona o Estado, ser mulher implica realmente essa revolução.

Em fevereiro de 2002, Ingrid Betancourt tinha pouco apoio nas pesquisas para a presidência da Colômbia. Crítica das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), a então candidata independente foi sequestrada durante ato de campanha na região de Caguán. Vinte anos depois, ela retorna à disputa presidencial, mais uma vez como candidata independente, após deixar a coalizão de centro, e aposta em ser a terceira via em uma eleição polarizada. “O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz”, disse. A seguir, trechos da entrevista de Ingrid ao Estadão.

Qual é a importância das eleições deste ano?

São as eleições no meio de um caminho. Primeiro, Colômbia parece voltar a enfrentar a polarização. Temos dois candidatos na liderança que são de extrema esquerda, (Gustavo) Petro, e de extrema direita, Fico (Federico Gutiérrez). E o que vemos é que Colômbia está tentada a voltar a uma situação anterior ao acordo de paz, o que poderia levar novamente a situações de violência. Por outro lado, temos a crise na Ucrânia e a Colômbia se torna um espaço geopolítico de interesse para forças que estão gravitando na região por meio da Venezuela, que são as forças russas, que têm interesse em quebrar as alianças tradicionais da Colômbia com o Hemisfério Norte. Isso leva à tentação de cair em esquemas que colocam em risco a democracia e a liberdade de expressão em nosso continente.

Sobre a guerra na Ucrânia, se fala da oportunidade comercial que surge para a América Latina. Como a sra. vê esse cenário?

Acredito que a Colômbia tem uma posição geopolítica estratégica por estar no Caribe, no Pacífico, ao lado do Canal do Panamá e ser uma ponte entre a América Central e o continente sul-americano. Temos uma crise comercial evidente depois da pandemia, uma crise na cadeia de suprimentos que afeta o mundo todo e está na origem de um aumento da inflação global.

Acredito que a Colômbia tem a oportunidade de gerar uma nova lógica comercial. Os EUA e o Canadá estão tentando ter opções que os deixem menos dependentes da China e do Sudeste Asiático justamente pelo o que ocorreu na pandemia. A América Latina poderia ser um sócio muito importante para restabelecer fluxos comerciais que permitam enfrentar essa crise de suprimentos e colocar todo o continente em uma grande política, para deixarmos de ser o quintal dos EUA e nos tornarmos sócios comerciais de pleno direito.

Ingrid Betancourt anuncia sua candidatura em Bogotá, em 18 de janeiro Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

Para fazer isso, a Colômbia precisa ter infraestrutura, desenvolver o plano de ferrovias. Os trens são a maneira de transportar carga rapidamente, com segurança e, acima de tudo, sem impacto de carbono. Essa deveria ser a política de integração da América Latina: um grande projeto de ferrovias, que nos permita conectar desde a Colômbia até a Patagônia. Além disso, é possível obter investimentos estrangeiros.

Também temos o desafio da segurança alimentar, uma realidade em todos os nossos países. Vemos o que a guerra na Ucrânia causou, o impacto sobre o preço da farinha, dos combustíveis, dos suprimentos agrícolas, de todos os fertilizantes. Precisamos ser capazes de produzir com custos baratos e em grande volume. Pensando na integração de nossos países, essa pode ser uma grande oportunidade para nos recompormos comercialmente.

O candidato de extrema esquerda (Petro) quer voltar a tornar a Colômbia um país isolado do mundo, com altas tarifas alfandegárias. Pensamos que isso é um retorno aos anos 70 e é uma tentação muito perigosa quando se estão abrindo oportunidades de negócios regionais que não tivemos antes.

Para aproveitar essa oportunidade, precisamos investir em infraestrutura e segurança. A Colômbia continua sendo um país afetado pelo narcotráfico e pela violência das guerrilhas. Precisamos de uma política integrada, a Colômbia não pode enfrentar essas máfias sozinha. É muito importante que haja um acordo regional para enfrentar de alguma forma a guerra contra as drogas e investir em nossas regiões para devolver à região seu sentido de dispensa agrícola do mundo e isso precisamos fazer por meio de uma política de união na região e não com políticas isoladas ou binacionais entre EUA e Colômbia.

Como enfrentar o narcotráfico e responder aos jovens que saíram às ruas do país nos últimos anos?

O tema da droga é crítico, já não somos apenas um país produtor, mas um país consumidor. Os consumidores colombianos também estão contribuindo para as rendas dos grupos narcotraficantes, todos os países consumidores estão. É preciso passar de uma política de criminalização do consumo para uma política de saúde pública do consumo. Precisamos ter um enfrentamento diferente, por meio de uma política regional, com acordos, por exemplo, nos quais toda a região descriminaliza o consumo da droga. Obviamente, isso deve ser criado dentro de um marco de segurança e saúde pública para que não seja legal vender a droga, mas sim, consumi-la e esse consumo seja gratuito por parte do Estado.

Assim, rompemos a rentabilidade da delinquência e podemos romper a lógica econômica da proibição. Todo o músculo financeiro dos EUA e o esforço militar da Colômbia não conseguiram acabar com essa situação, assim como no México e no restante da nossa região. Se conseguirmos um acordo desse tipo, teremos de ter a capacidade de enfrentar os danos locais. Na Colômbia, o desflorestamento em razão do tráfico de drogas é enorme e leva à perda da Amazônia.

Como pensar a questão ambiental?

Precisamos pagar a população pelo serviço de manter a selva nativa, criar uma força militar de proteção da Amazônia porque os grupos que atuam ilegalmente na região são grupos armados. E precisamos do apoio da comunidade internacional para financiar esse Exército. Sabemos que o Brasil vive algo parecido, não com a droga, mas com empresas que querem desenvolver a Amazônia e estão gerando um custo muito grande à sobrevivência do planeta. A responsabilidade de todos que têm uma parte do território da Amazônia é muito grande e precisamos chegar a um acordo para sua gestão e proteção.

Os candidatos à eleição na Colômbia, da esquerda para a direita Sergio Fajardo, Enrique Gomez, Ingrid Betancourt e Federico Gutierrez Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

É preciso ter uma coordenação regional muito grande para enfrentar o narcotráfico, o desflorestamento, a posse desses terrenos por atores marginais. E precisamos preservar a vida dos líderes locais, são eles que pagam com suas vidas a defesa do território, eles são a trincheira que impede que essas organizações criminosas expandam seu domínio territorial. E o Estado colombiano precisa assegurar a vida dessas pessoas, com proteção militar, mas também com presença estatal. A Justiça, a promotoria também precisam estar presentes porque vemos que esses atores criminosos entram, matam e não há consequências. Para isso, é preciso vontade política ou não será possível enfrentar essas organizações. E muitas vezes na Colômbia, a delinquência política está associada à delinquência do narcotráfico, o que leva à impunidade.

Há cinco anos se assinou o acordo de paz com as Farc, mas pouco seguiu adiante. O que precisa mudar?

O acordo de paz é praticamente um programa de governo. Se conseguirmos implementá-lo, vamos conseguir a paz. Por isso, é estratégico acelerar a implementação do acordo, o governo atual desacelerou essa implementação. Temos monitores internacionais que nos informam quais itens foram deixados para trás e vemos que há uma motivação política. Por exemplo, não se acelerou a restituição de terras às vítimas deslocadas e não se está dando os títulos de posse das propriedades com celeridade suficiente. Se isso não for feito, as pessoas que voltam às suas terras não têm acesso ao crédito e, então, não podem viver de suas terras, com produção moderna. Outro gargalo é com as instituições de transição. A Justiça Transicional tem um número de processos enorme e pouco tempo, até 2028, para sentenciar e condenar os atores criminosos.

Depois de cinco anos, ainda não temos nem a primeira sentença, mesmo em crimes tão óbvios, como os de sequestros das Farc. Precisamos que essas sentenças cheguem e de uma forma que não haja impunidade, ou seja, que a sentença não seja plantar árvores. Precisa haver uma perda de liberdade, não a cadeia porque aceitamos que os atores no processo de paz não serão presos, mas é preciso haver alguma restrição à mobilidade. Por último, é muito importante que os colombianos que apostaram na paz tenham sua vida protegida. Tivemos mais de 600 assassinatos de pessoas vinculadas à desmobilização. Se esses crimes não pararem, será muito difícil ampliar o processo de paz ao ELN ou outras guerrilhas que mostraram vontade de ao menos dialogar com o governo. Então, para nós, a aceleração da implementação dos acordos de paz é vital para a Colômbia.

Como é a relação com os ex-integrantes das Farc no contexto político?

Ela já existe porque eles já são um partido político. O que a Colômbia precisa é mais do que uma voz política por parte do (partido) Comunes, é uma reconciliação com o país. Essa reconciliação tardou porque havia uma dificuldade em criar cenários de reconciliação, na qual membros do secretariado das Farc pudessem entender a dor das vítimas e saíssem da narrativa de justificativa do que fizeram para uma narrativa de reparação. Não basta justificar o crime, é preciso haver a oportunidade de entender humanamente o que isso significou. Estamos atrasados nesse processo.

Qual é a importância de ver o outro lado do conflito?

Para que o autor do crime não volte a reincidir nessa conduta. Enquanto houver uma opção de justificativa, isso leva a reincidentes condutas delinquentes. A única maneira de parar essa repetição é se a pessoa que vitimizou e torturou, matou, prendeu, violou, sequestrou…tiver a capacidade de sentir a dor do que isso significa e puder se colocar no espaço humano da vítima. Se eles não são capazes de sentir repulsa por essas ações, é provável que o exemplo que darão a outras gerações seja: é justificável ter essas condutas quando se tem um motivo político e isso é o que precisamos erradicar.

A candidata Ingrid Betancourt em evendo político na Universidade Externado, Bogotá, em 29 de março Foto: Luisa Gonzalez/Reuters

A sra. foi criticada por colombianos quando pediu indenização do Estado pelo sequestro que sofreu e, posteriormente, por deixar o país. Como responder a isso?

Acredito que essas críticas fazem parte de uma narrativa vendida por um Estado corrupto. A lei colombiana estabelecia o direito às vítimas do terrorismo de recorrer a um sistema de reparações. O Estado colombiano, e um governo em particular, utilizou uma narrativa muito perversa que foi dizer aos colombianos que querer a reparação era abusar do Estado. Agora, todas as vítimas passam pela necessidade de se isolar. Quando se sai de um sequestro, a pessoa precisa recompor sua vida, se isolar de tudo para poder reconstruir as relações familiares. Isso leva tempo. Eu precisei me afastar do país, estar em outro espaço, para poder me curar. Criticar uma vítima por isso é também parte de uma narrativa de vitimização que tem um interesse político, é como dizer ‘se você se foi do país então não tem direito a ser colombiana’. A situação é muito mais complexa. Há interesses políticos quando se fazem essas críticas, mas também mexe com a realidade de milhões de colombianos que saíram da Colômbia por motivos de violência. Voltar à Colômbia não é fácil para as vítimas e fazer isso é um ato de amor ao país.

Como foi a decisão de voltar ao país agora e se candidatar?

Foi uma decisão que levei tempo a tomar e foi pelo amor à Colômbia. Tenho aqui meus filhos e minha família e até que eu pudesse recompor esse espaço, não pude voltar. Ao conseguir isso e sentir que a família voltou a ser família, então se abriu a possibilidade de trabalhar com a família maior, a família Colômbia. A decisão de participar na política veio após um processo de reflexão muito particular diante da constatação de que a Colômbia precisa de uma opção diferente, que não podemos seguir vivendo entre o ódio e o medo, e os candidatos que se apresentam têm essas características de fomentar ou o ódio ou o medo para chegar à presidência. Considero que Colômbia precisa sair dessa esquizofrenia política.

Qual é a importância da sra, como mulher, estar envolvida nesse processo político?

Falar como mulher é uma revolução na Colômbia, um país muito patriarcal, com esquemas machistas muito fortes, mas também com uma presença feminina muito importante, no sentido de que as mulheres fizeram a Colômbia. Esse é um país onde 40% dos lares têm uma mulher como chefe de família. As mulheres aqui aceitam ser mães apesar de o homem não estar presente. Essa realidade traz uma responsabilidade e um compromisso muito forte. Durante 200 anos de nossa independência, fomos marcados por uma visão masculina de gerenciamento do tema público, ou seja, de confrontação verbal, física, de muita violência. Uma poeta colombiana, Maria Mercedes Carranza, tem um poema muito lindo, no qual fala ‘tantos mortos pela liberdade e democracia para finalmente cair de novo na pátria boa’. Isso tem uma grande ressonância hoje. Se queremos fazer uma mudança real de prioridades, de uso dos recursos, de como funciona o Estado, ser mulher implica realmente essa revolução.

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