Para os heróis do Dia D, esta reunião pode ser o último adeus


Invasão aliada da Normandia completa 80 anos, e a idade média dos veteranos beira os 100 anos, deixando a dúvida de como seus feitos serão lembrados

Por Catherine Porter

Para muitos, será a última grande celebração. A última reunião.

Oitenta anos após os Exércitos Aliados invadirem as praias da Normandia, marcando um ponto de inflexão definitivo na 2.ª Guerra, veteranos americanos, britânicos e canadenses ainda vivos e fortes o suficiente voltam esta semana à França para celebrar aquele momento — com cautela, vagar e alegria.

Hoje eles são menos de 200. Sua média etária é de aproximadamente 100 anos.

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Conforme alguns veteranos chegavam, na segunda-feira, desembarcando de um enorme 767 na pista do pequeno Aeroporto de Deauville — às vezes com a ajuda de vários cuidadores — muitas pessoas que foram lá cumprimentá-los ficaram com os olhos marejados entre as salvas de palmas.

No lugar impregnado pela história daquela grande ofensiva, quando cerca de 156 mil soldados Aliados chegaram à costa e começaram a expulsar os alemães ocupantes da Normandia e posteriormente de toda a França, a sensação de nostalgia é profunda.

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“É muito emocionante”, afirmou a diretora do aeroporto, Maryline Haize-Hagron, que, como a maioria dos normandos, tem uma história pessoal sobre o Dia D. Seu avô Henri Desmet, depois de ver os paraquedistas americanos aterrissarem nos brejos próximos à sua fazenda, em 6 de junho, usou sua balsa para levar para a terra seca dezenas de soldados, para eles poderem seguir lutando.

“É uma honra imensa poder lhes dar as boas-vindas novamente”, afirmou ela.

Henri Desmet, como a maioria das testemunhas, morreu. E este aniversário ocorre num momento que parece obscuramente crítico — há uma guerra na Europa, movimentos de direita estão ganhando força em todo o continente, há um movimento político de ódio.

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Os veteranos, de sua parte, têm razões individuais para retornar. Alguns vêm honrar seus camaradas mortos. Outros querem desfrutar de todo essa tietagem pela última vez.

Coronel Joseph Peterburs, de 99 anos, um veterano do 55º Esquadrão de Caça, chegando ao aeroporto em Deauville, França, na segunda-feira, 3. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Essas pessoas nos amam tanto. É avassalador”, afirmou Bill Becker, de 98 anos, momentos após pisar na pista do aeroporto, onde uma grande multidão de crianças e dignatários, incluindo a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o saudava.

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Becker foi atirador de torre superior em missões secretas do Escritório de Serviços Estratégicos, que antecedeu a CIA, recém-criado pelos Estados Unidos. Sua tripulação transportava suprimentos e agentes secretos para membros da Resistência atrás das linhas inimigas em voos noturnos de seu B-24 Liberator preto iluminados apenas pela lua.

Sua mala estava pronta no bangalô onde ele vive em uma comunidade de aposentados em Hemet, no Sul da Califórnia, havia meses — um totem à esperança de que algum dia ele retornaria à França, apesar de seus tantos problemas de saúde.

“Consegui”, disse ele com um sorriso cansado.

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Se esta for a última grande comemoração em honra aos caídos — assim como celebração da liberdade — a contar com a presença de tantos veteranos, também será a maior. O programa da semana de eventos ao longo dos 80 quilômetros de praias tem mais de 30 páginas — com concertos, paradas, shows de paraquedistas, comboios e cerimônias. O presidente francês, Emmanuel Macron, comparecerá a oito cerimônias de comemoração em três dias. Duas dúzias de chefes de Estado são aguardadas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

Cadeiras de rodas foram preparadas para a chegada de 48 veteranos americanos trazidos pela organização sem fins lucrativos Best Defense Foundation. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na pista do aeroporto de Deauville, uma banda do Exército americano tocava clássicos do jazz-swing, e membros da Quarta Divisão de Infantaria formavam uma guarda de honra. Um grupo de aficcionados na história da 2.ª Guerra posicionou-se ao lado de seus jipes militares antigos, trajando uniformes de 80 anos atrás. Alunos de uma escola de ensino fundamental das proximidades agitavam bandeiras francesas e americanas.

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Ao sair do avião, cada veterano era apresentado à multidão pelos megafones. Alguns batiam continência. Outros acenavam.

“Vou fazer 100 anos”, gritou um deles, triunfante.

Uma frota de cadeiras de rodas aguardava a chegada dos veteranos.

“Vai ser a última farra”, afirmou Kathryn Edwards, que, juntamente com seu marido, Donnie Edwards, administra a ONG Best Defense Foundation, que levou à Normandia 48 veteranos americanos para uma viagem de nove dias em celebração ao Dia D.

Na primeira vez que levou veteranos da 2.ª Guerra para comemorar o Dia D, em 2006, Donnie Edwards os transportou em uma van alugada e eles conseguiam subir escadas que os levavam aos seus quartos em um château e comer em qualquer restaurante pelo caminho. Na época, Edwards era jogador de futebol profissional do San Diego Chargers e gostava de participar de reencenações de campos de batalha da 2.ª Guerra quando seu time não estava disputando campeonatos.

Tripulação de aeroporto da França e simpatizantes esperam pelos veteranos americanos do Dia D que chegam em Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Ao perceber como as multidões vibravam quando os veteranos desfilavam nas paradas em pequenos vilarejos da Normandia e dos Países Baixos, Edwards decidiu que precisava levar outros para lá.

“Todo veterano precisa voltar e experimentar isso”, afirmou Edwards. “Saber que suas ações ainda são respeitadas e honradas.” Ele continuou com as excursões de veteranos bancando as viagens com seus próprios recursos. Então, em 2018, fundou a ONG com sua mulher.

Ao longo dos anos, Kathryn e Donnie tiveram de fazer adaptações. Nada de vans. Nada de escadas. Nada de restaurantes desconhecidos no caminho, cuja comida possa constipar senhores de 100 anos.

Neste ano, os veteranos são acompanhados por uma equipe médica de 15 profissionais, incluindo fisioterapeuta e urologista.

Todos os veteranos viajam acompanhados de um cuidador pessoal. O ritmo da agenda foi diminuído, para lhes dar mais tempo para descansar.

A intenção do governo francês foi reduzir o tempo das cerimônias para uma hora, com objetivo de poupar os centenários, afirmou o general aposentado do Exército Michel Delion, que ajuda a administrar a programação de aniversário, chamada Mission Libération.

Hoje são menos de 200 veteranos do Dia D, e sua média etária é de aproximadamente 100 anos. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Mesmo para a França — cujo presidente tem um “conselheiro memorial” oficial — a faixa de terra ao longo das praias onde os paraquedistas aterrissaram leva a comemoração para um novo nível.   As laterais das estreitas estradas são pontuadas por placas comemorativas, estátuas e monumentos funerários. As imediações foram decoradas com tanques antigos e outros equipamentos militares. Cartazes com os rostos dos jovens soldados caídos ficam pendurados em postes de luz.

Nesta semana, os habitantes locais instalaram suas decorações de comemoração ao Dia D. Ainda mais bandeiras — americanas, britânicas, canadenses e francesas — tremulam.

Todo pequeno vilarejo tem seus próprios mortos e histórias de libertação.

Na relativamente pequena região de Calvados, onde ficam quatro das cinco praias invadidas no Dia D, 600 cerimônias de celebração estão programadas, de acordo com o prefeito da localidade, Stéphane Bredin.

“É a última vez que esses lugares saudarão seus veteranos”, afirmou Bredin.

Muitos preocupam-se com o que acontecerá quando todos os soldados tiverem morrido.

“É uma pergunta que nos fazemos há muito tempo”, afirmou Marc Lefèvre, que, como prefeito de Ste.-Mère-Église há 30 anos, coordenou muitos encontros calorosos entre habitantes locais e veteranos americanos que lutaram na vizinhança. A resposta? “Honestamente, eu não sei”, admitiu ele.

Mas dada a densidade dos monumentos memoriais e museus na região, afirmou Lefèvre, ele tem esperança de que a história do 6 de junho de 1944 perdure.

O historiador Denis Peschanski, diretor do conselho científico de 15 membros da Mission Libération, afirmou que o Dia D ficou tão vinculado à identidade francesa que sua memória seguirá viva mesmo quando todos os veteranos tiverem partido.

“Temos a Revolução”, afirmou ele, referindo-se à deposição do antigo regime, em 1789, “e a ofensiva da 2.ª Guerra, quando trabalhamos juntos para derrotar os nazistas. Isso é fundamental”.

As memórias dos veteranos são cada vez mais desconexas e desapareceram com o tempo. Muitos só falaram sobre a guerra muitos anos depois — ou nunca conversaram a respeito do assunto.

Becker fez um juramento para manter sigilo até os anos 80, quando as informações sobre a sua unidade — conhecida como “carpetbaggers” — foram tornadas públicas.

Quando aterrissaram no Aeroporto de Harrington, na Inglaterra, no início de 1945, cerca de 10 meses depois do Dia D e após meses de treinamento nos EUA, Becker e sua tripulação foram levados para uma sala.

General comandante do Exército dos EUA na Europa e África, saúda os veteranos americanos do Dia D na sua chegada a Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Eles nos falaram, ‘Se vocês disserem qualquer coisa lá fora, levarão um tiro’”, recordou-se Becker. Os planos de batalha no território inimigo eram tão sensíveis que somente o navegador e o piloto sabiam para onde a tripulação rumava. O trabalho de Becker, de sua torre, era proteger sua aeronave de aviões inimigos e artilharia antiaérea — uma função crítica quando a tripulação voava a apenas 180 ou 120 metros de altitude, orientando-se com a luz da lua.

Em algumas ocasiões, seu avião voltou com buracos de bala e galhos de árvores na fuselagem. Becker afirmou que seu segundo voo foi tão assustador que o primeiro fio de cabelo branco lhe saiu na cabeça. “Minhas pernas tremiam”, disse ele, que tinha 19 anos na época.

Becker nunca contou à sua mulher nem aos seus três filhos exatamente o que fez durante a guerra. Agora que pode falar sobre isso, ele quer que todos saibam a respeito dos carpetbaggers.

Esta é a segunda viagem de Becker às celebrações na Normandia e é uma ocasião particularmente comovente, já que ele está acompanhado do único outro membro remanescente de sua tripulação: Hewitt Gomez, de 99 anos.

Becker falou por meses que compraria uma garrafa de champanhe para compartilhar com o camarada. Uma reunião dentro da reunião. “Fico muito feliz por termos feito algo para ajudar a ganharmos a guerra”, afirmou Becker. “Fizemos algo que tornou este mundo melhor.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Para muitos, será a última grande celebração. A última reunião.

Oitenta anos após os Exércitos Aliados invadirem as praias da Normandia, marcando um ponto de inflexão definitivo na 2.ª Guerra, veteranos americanos, britânicos e canadenses ainda vivos e fortes o suficiente voltam esta semana à França para celebrar aquele momento — com cautela, vagar e alegria.

Hoje eles são menos de 200. Sua média etária é de aproximadamente 100 anos.

Conforme alguns veteranos chegavam, na segunda-feira, desembarcando de um enorme 767 na pista do pequeno Aeroporto de Deauville — às vezes com a ajuda de vários cuidadores — muitas pessoas que foram lá cumprimentá-los ficaram com os olhos marejados entre as salvas de palmas.

No lugar impregnado pela história daquela grande ofensiva, quando cerca de 156 mil soldados Aliados chegaram à costa e começaram a expulsar os alemães ocupantes da Normandia e posteriormente de toda a França, a sensação de nostalgia é profunda.

“É muito emocionante”, afirmou a diretora do aeroporto, Maryline Haize-Hagron, que, como a maioria dos normandos, tem uma história pessoal sobre o Dia D. Seu avô Henri Desmet, depois de ver os paraquedistas americanos aterrissarem nos brejos próximos à sua fazenda, em 6 de junho, usou sua balsa para levar para a terra seca dezenas de soldados, para eles poderem seguir lutando.

“É uma honra imensa poder lhes dar as boas-vindas novamente”, afirmou ela.

Henri Desmet, como a maioria das testemunhas, morreu. E este aniversário ocorre num momento que parece obscuramente crítico — há uma guerra na Europa, movimentos de direita estão ganhando força em todo o continente, há um movimento político de ódio.

Os veteranos, de sua parte, têm razões individuais para retornar. Alguns vêm honrar seus camaradas mortos. Outros querem desfrutar de todo essa tietagem pela última vez.

Coronel Joseph Peterburs, de 99 anos, um veterano do 55º Esquadrão de Caça, chegando ao aeroporto em Deauville, França, na segunda-feira, 3. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Essas pessoas nos amam tanto. É avassalador”, afirmou Bill Becker, de 98 anos, momentos após pisar na pista do aeroporto, onde uma grande multidão de crianças e dignatários, incluindo a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o saudava.

Becker foi atirador de torre superior em missões secretas do Escritório de Serviços Estratégicos, que antecedeu a CIA, recém-criado pelos Estados Unidos. Sua tripulação transportava suprimentos e agentes secretos para membros da Resistência atrás das linhas inimigas em voos noturnos de seu B-24 Liberator preto iluminados apenas pela lua.

Sua mala estava pronta no bangalô onde ele vive em uma comunidade de aposentados em Hemet, no Sul da Califórnia, havia meses — um totem à esperança de que algum dia ele retornaria à França, apesar de seus tantos problemas de saúde.

“Consegui”, disse ele com um sorriso cansado.

Se esta for a última grande comemoração em honra aos caídos — assim como celebração da liberdade — a contar com a presença de tantos veteranos, também será a maior. O programa da semana de eventos ao longo dos 80 quilômetros de praias tem mais de 30 páginas — com concertos, paradas, shows de paraquedistas, comboios e cerimônias. O presidente francês, Emmanuel Macron, comparecerá a oito cerimônias de comemoração em três dias. Duas dúzias de chefes de Estado são aguardadas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

Cadeiras de rodas foram preparadas para a chegada de 48 veteranos americanos trazidos pela organização sem fins lucrativos Best Defense Foundation. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na pista do aeroporto de Deauville, uma banda do Exército americano tocava clássicos do jazz-swing, e membros da Quarta Divisão de Infantaria formavam uma guarda de honra. Um grupo de aficcionados na história da 2.ª Guerra posicionou-se ao lado de seus jipes militares antigos, trajando uniformes de 80 anos atrás. Alunos de uma escola de ensino fundamental das proximidades agitavam bandeiras francesas e americanas.

Ao sair do avião, cada veterano era apresentado à multidão pelos megafones. Alguns batiam continência. Outros acenavam.

“Vou fazer 100 anos”, gritou um deles, triunfante.

Uma frota de cadeiras de rodas aguardava a chegada dos veteranos.

“Vai ser a última farra”, afirmou Kathryn Edwards, que, juntamente com seu marido, Donnie Edwards, administra a ONG Best Defense Foundation, que levou à Normandia 48 veteranos americanos para uma viagem de nove dias em celebração ao Dia D.

Na primeira vez que levou veteranos da 2.ª Guerra para comemorar o Dia D, em 2006, Donnie Edwards os transportou em uma van alugada e eles conseguiam subir escadas que os levavam aos seus quartos em um château e comer em qualquer restaurante pelo caminho. Na época, Edwards era jogador de futebol profissional do San Diego Chargers e gostava de participar de reencenações de campos de batalha da 2.ª Guerra quando seu time não estava disputando campeonatos.

Tripulação de aeroporto da França e simpatizantes esperam pelos veteranos americanos do Dia D que chegam em Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Ao perceber como as multidões vibravam quando os veteranos desfilavam nas paradas em pequenos vilarejos da Normandia e dos Países Baixos, Edwards decidiu que precisava levar outros para lá.

“Todo veterano precisa voltar e experimentar isso”, afirmou Edwards. “Saber que suas ações ainda são respeitadas e honradas.” Ele continuou com as excursões de veteranos bancando as viagens com seus próprios recursos. Então, em 2018, fundou a ONG com sua mulher.

Ao longo dos anos, Kathryn e Donnie tiveram de fazer adaptações. Nada de vans. Nada de escadas. Nada de restaurantes desconhecidos no caminho, cuja comida possa constipar senhores de 100 anos.

Neste ano, os veteranos são acompanhados por uma equipe médica de 15 profissionais, incluindo fisioterapeuta e urologista.

Todos os veteranos viajam acompanhados de um cuidador pessoal. O ritmo da agenda foi diminuído, para lhes dar mais tempo para descansar.

A intenção do governo francês foi reduzir o tempo das cerimônias para uma hora, com objetivo de poupar os centenários, afirmou o general aposentado do Exército Michel Delion, que ajuda a administrar a programação de aniversário, chamada Mission Libération.

Hoje são menos de 200 veteranos do Dia D, e sua média etária é de aproximadamente 100 anos. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Mesmo para a França — cujo presidente tem um “conselheiro memorial” oficial — a faixa de terra ao longo das praias onde os paraquedistas aterrissaram leva a comemoração para um novo nível.   As laterais das estreitas estradas são pontuadas por placas comemorativas, estátuas e monumentos funerários. As imediações foram decoradas com tanques antigos e outros equipamentos militares. Cartazes com os rostos dos jovens soldados caídos ficam pendurados em postes de luz.

Nesta semana, os habitantes locais instalaram suas decorações de comemoração ao Dia D. Ainda mais bandeiras — americanas, britânicas, canadenses e francesas — tremulam.

Todo pequeno vilarejo tem seus próprios mortos e histórias de libertação.

Na relativamente pequena região de Calvados, onde ficam quatro das cinco praias invadidas no Dia D, 600 cerimônias de celebração estão programadas, de acordo com o prefeito da localidade, Stéphane Bredin.

“É a última vez que esses lugares saudarão seus veteranos”, afirmou Bredin.

Muitos preocupam-se com o que acontecerá quando todos os soldados tiverem morrido.

“É uma pergunta que nos fazemos há muito tempo”, afirmou Marc Lefèvre, que, como prefeito de Ste.-Mère-Église há 30 anos, coordenou muitos encontros calorosos entre habitantes locais e veteranos americanos que lutaram na vizinhança. A resposta? “Honestamente, eu não sei”, admitiu ele.

Mas dada a densidade dos monumentos memoriais e museus na região, afirmou Lefèvre, ele tem esperança de que a história do 6 de junho de 1944 perdure.

O historiador Denis Peschanski, diretor do conselho científico de 15 membros da Mission Libération, afirmou que o Dia D ficou tão vinculado à identidade francesa que sua memória seguirá viva mesmo quando todos os veteranos tiverem partido.

“Temos a Revolução”, afirmou ele, referindo-se à deposição do antigo regime, em 1789, “e a ofensiva da 2.ª Guerra, quando trabalhamos juntos para derrotar os nazistas. Isso é fundamental”.

As memórias dos veteranos são cada vez mais desconexas e desapareceram com o tempo. Muitos só falaram sobre a guerra muitos anos depois — ou nunca conversaram a respeito do assunto.

Becker fez um juramento para manter sigilo até os anos 80, quando as informações sobre a sua unidade — conhecida como “carpetbaggers” — foram tornadas públicas.

Quando aterrissaram no Aeroporto de Harrington, na Inglaterra, no início de 1945, cerca de 10 meses depois do Dia D e após meses de treinamento nos EUA, Becker e sua tripulação foram levados para uma sala.

General comandante do Exército dos EUA na Europa e África, saúda os veteranos americanos do Dia D na sua chegada a Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Eles nos falaram, ‘Se vocês disserem qualquer coisa lá fora, levarão um tiro’”, recordou-se Becker. Os planos de batalha no território inimigo eram tão sensíveis que somente o navegador e o piloto sabiam para onde a tripulação rumava. O trabalho de Becker, de sua torre, era proteger sua aeronave de aviões inimigos e artilharia antiaérea — uma função crítica quando a tripulação voava a apenas 180 ou 120 metros de altitude, orientando-se com a luz da lua.

Em algumas ocasiões, seu avião voltou com buracos de bala e galhos de árvores na fuselagem. Becker afirmou que seu segundo voo foi tão assustador que o primeiro fio de cabelo branco lhe saiu na cabeça. “Minhas pernas tremiam”, disse ele, que tinha 19 anos na época.

Becker nunca contou à sua mulher nem aos seus três filhos exatamente o que fez durante a guerra. Agora que pode falar sobre isso, ele quer que todos saibam a respeito dos carpetbaggers.

Esta é a segunda viagem de Becker às celebrações na Normandia e é uma ocasião particularmente comovente, já que ele está acompanhado do único outro membro remanescente de sua tripulação: Hewitt Gomez, de 99 anos.

Becker falou por meses que compraria uma garrafa de champanhe para compartilhar com o camarada. Uma reunião dentro da reunião. “Fico muito feliz por termos feito algo para ajudar a ganharmos a guerra”, afirmou Becker. “Fizemos algo que tornou este mundo melhor.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Para muitos, será a última grande celebração. A última reunião.

Oitenta anos após os Exércitos Aliados invadirem as praias da Normandia, marcando um ponto de inflexão definitivo na 2.ª Guerra, veteranos americanos, britânicos e canadenses ainda vivos e fortes o suficiente voltam esta semana à França para celebrar aquele momento — com cautela, vagar e alegria.

Hoje eles são menos de 200. Sua média etária é de aproximadamente 100 anos.

Conforme alguns veteranos chegavam, na segunda-feira, desembarcando de um enorme 767 na pista do pequeno Aeroporto de Deauville — às vezes com a ajuda de vários cuidadores — muitas pessoas que foram lá cumprimentá-los ficaram com os olhos marejados entre as salvas de palmas.

No lugar impregnado pela história daquela grande ofensiva, quando cerca de 156 mil soldados Aliados chegaram à costa e começaram a expulsar os alemães ocupantes da Normandia e posteriormente de toda a França, a sensação de nostalgia é profunda.

“É muito emocionante”, afirmou a diretora do aeroporto, Maryline Haize-Hagron, que, como a maioria dos normandos, tem uma história pessoal sobre o Dia D. Seu avô Henri Desmet, depois de ver os paraquedistas americanos aterrissarem nos brejos próximos à sua fazenda, em 6 de junho, usou sua balsa para levar para a terra seca dezenas de soldados, para eles poderem seguir lutando.

“É uma honra imensa poder lhes dar as boas-vindas novamente”, afirmou ela.

Henri Desmet, como a maioria das testemunhas, morreu. E este aniversário ocorre num momento que parece obscuramente crítico — há uma guerra na Europa, movimentos de direita estão ganhando força em todo o continente, há um movimento político de ódio.

Os veteranos, de sua parte, têm razões individuais para retornar. Alguns vêm honrar seus camaradas mortos. Outros querem desfrutar de todo essa tietagem pela última vez.

Coronel Joseph Peterburs, de 99 anos, um veterano do 55º Esquadrão de Caça, chegando ao aeroporto em Deauville, França, na segunda-feira, 3. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Essas pessoas nos amam tanto. É avassalador”, afirmou Bill Becker, de 98 anos, momentos após pisar na pista do aeroporto, onde uma grande multidão de crianças e dignatários, incluindo a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o saudava.

Becker foi atirador de torre superior em missões secretas do Escritório de Serviços Estratégicos, que antecedeu a CIA, recém-criado pelos Estados Unidos. Sua tripulação transportava suprimentos e agentes secretos para membros da Resistência atrás das linhas inimigas em voos noturnos de seu B-24 Liberator preto iluminados apenas pela lua.

Sua mala estava pronta no bangalô onde ele vive em uma comunidade de aposentados em Hemet, no Sul da Califórnia, havia meses — um totem à esperança de que algum dia ele retornaria à França, apesar de seus tantos problemas de saúde.

“Consegui”, disse ele com um sorriso cansado.

Se esta for a última grande comemoração em honra aos caídos — assim como celebração da liberdade — a contar com a presença de tantos veteranos, também será a maior. O programa da semana de eventos ao longo dos 80 quilômetros de praias tem mais de 30 páginas — com concertos, paradas, shows de paraquedistas, comboios e cerimônias. O presidente francês, Emmanuel Macron, comparecerá a oito cerimônias de comemoração em três dias. Duas dúzias de chefes de Estado são aguardadas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

Cadeiras de rodas foram preparadas para a chegada de 48 veteranos americanos trazidos pela organização sem fins lucrativos Best Defense Foundation. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na pista do aeroporto de Deauville, uma banda do Exército americano tocava clássicos do jazz-swing, e membros da Quarta Divisão de Infantaria formavam uma guarda de honra. Um grupo de aficcionados na história da 2.ª Guerra posicionou-se ao lado de seus jipes militares antigos, trajando uniformes de 80 anos atrás. Alunos de uma escola de ensino fundamental das proximidades agitavam bandeiras francesas e americanas.

Ao sair do avião, cada veterano era apresentado à multidão pelos megafones. Alguns batiam continência. Outros acenavam.

“Vou fazer 100 anos”, gritou um deles, triunfante.

Uma frota de cadeiras de rodas aguardava a chegada dos veteranos.

“Vai ser a última farra”, afirmou Kathryn Edwards, que, juntamente com seu marido, Donnie Edwards, administra a ONG Best Defense Foundation, que levou à Normandia 48 veteranos americanos para uma viagem de nove dias em celebração ao Dia D.

Na primeira vez que levou veteranos da 2.ª Guerra para comemorar o Dia D, em 2006, Donnie Edwards os transportou em uma van alugada e eles conseguiam subir escadas que os levavam aos seus quartos em um château e comer em qualquer restaurante pelo caminho. Na época, Edwards era jogador de futebol profissional do San Diego Chargers e gostava de participar de reencenações de campos de batalha da 2.ª Guerra quando seu time não estava disputando campeonatos.

Tripulação de aeroporto da França e simpatizantes esperam pelos veteranos americanos do Dia D que chegam em Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Ao perceber como as multidões vibravam quando os veteranos desfilavam nas paradas em pequenos vilarejos da Normandia e dos Países Baixos, Edwards decidiu que precisava levar outros para lá.

“Todo veterano precisa voltar e experimentar isso”, afirmou Edwards. “Saber que suas ações ainda são respeitadas e honradas.” Ele continuou com as excursões de veteranos bancando as viagens com seus próprios recursos. Então, em 2018, fundou a ONG com sua mulher.

Ao longo dos anos, Kathryn e Donnie tiveram de fazer adaptações. Nada de vans. Nada de escadas. Nada de restaurantes desconhecidos no caminho, cuja comida possa constipar senhores de 100 anos.

Neste ano, os veteranos são acompanhados por uma equipe médica de 15 profissionais, incluindo fisioterapeuta e urologista.

Todos os veteranos viajam acompanhados de um cuidador pessoal. O ritmo da agenda foi diminuído, para lhes dar mais tempo para descansar.

A intenção do governo francês foi reduzir o tempo das cerimônias para uma hora, com objetivo de poupar os centenários, afirmou o general aposentado do Exército Michel Delion, que ajuda a administrar a programação de aniversário, chamada Mission Libération.

Hoje são menos de 200 veteranos do Dia D, e sua média etária é de aproximadamente 100 anos. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Mesmo para a França — cujo presidente tem um “conselheiro memorial” oficial — a faixa de terra ao longo das praias onde os paraquedistas aterrissaram leva a comemoração para um novo nível.   As laterais das estreitas estradas são pontuadas por placas comemorativas, estátuas e monumentos funerários. As imediações foram decoradas com tanques antigos e outros equipamentos militares. Cartazes com os rostos dos jovens soldados caídos ficam pendurados em postes de luz.

Nesta semana, os habitantes locais instalaram suas decorações de comemoração ao Dia D. Ainda mais bandeiras — americanas, britânicas, canadenses e francesas — tremulam.

Todo pequeno vilarejo tem seus próprios mortos e histórias de libertação.

Na relativamente pequena região de Calvados, onde ficam quatro das cinco praias invadidas no Dia D, 600 cerimônias de celebração estão programadas, de acordo com o prefeito da localidade, Stéphane Bredin.

“É a última vez que esses lugares saudarão seus veteranos”, afirmou Bredin.

Muitos preocupam-se com o que acontecerá quando todos os soldados tiverem morrido.

“É uma pergunta que nos fazemos há muito tempo”, afirmou Marc Lefèvre, que, como prefeito de Ste.-Mère-Église há 30 anos, coordenou muitos encontros calorosos entre habitantes locais e veteranos americanos que lutaram na vizinhança. A resposta? “Honestamente, eu não sei”, admitiu ele.

Mas dada a densidade dos monumentos memoriais e museus na região, afirmou Lefèvre, ele tem esperança de que a história do 6 de junho de 1944 perdure.

O historiador Denis Peschanski, diretor do conselho científico de 15 membros da Mission Libération, afirmou que o Dia D ficou tão vinculado à identidade francesa que sua memória seguirá viva mesmo quando todos os veteranos tiverem partido.

“Temos a Revolução”, afirmou ele, referindo-se à deposição do antigo regime, em 1789, “e a ofensiva da 2.ª Guerra, quando trabalhamos juntos para derrotar os nazistas. Isso é fundamental”.

As memórias dos veteranos são cada vez mais desconexas e desapareceram com o tempo. Muitos só falaram sobre a guerra muitos anos depois — ou nunca conversaram a respeito do assunto.

Becker fez um juramento para manter sigilo até os anos 80, quando as informações sobre a sua unidade — conhecida como “carpetbaggers” — foram tornadas públicas.

Quando aterrissaram no Aeroporto de Harrington, na Inglaterra, no início de 1945, cerca de 10 meses depois do Dia D e após meses de treinamento nos EUA, Becker e sua tripulação foram levados para uma sala.

General comandante do Exército dos EUA na Europa e África, saúda os veteranos americanos do Dia D na sua chegada a Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Eles nos falaram, ‘Se vocês disserem qualquer coisa lá fora, levarão um tiro’”, recordou-se Becker. Os planos de batalha no território inimigo eram tão sensíveis que somente o navegador e o piloto sabiam para onde a tripulação rumava. O trabalho de Becker, de sua torre, era proteger sua aeronave de aviões inimigos e artilharia antiaérea — uma função crítica quando a tripulação voava a apenas 180 ou 120 metros de altitude, orientando-se com a luz da lua.

Em algumas ocasiões, seu avião voltou com buracos de bala e galhos de árvores na fuselagem. Becker afirmou que seu segundo voo foi tão assustador que o primeiro fio de cabelo branco lhe saiu na cabeça. “Minhas pernas tremiam”, disse ele, que tinha 19 anos na época.

Becker nunca contou à sua mulher nem aos seus três filhos exatamente o que fez durante a guerra. Agora que pode falar sobre isso, ele quer que todos saibam a respeito dos carpetbaggers.

Esta é a segunda viagem de Becker às celebrações na Normandia e é uma ocasião particularmente comovente, já que ele está acompanhado do único outro membro remanescente de sua tripulação: Hewitt Gomez, de 99 anos.

Becker falou por meses que compraria uma garrafa de champanhe para compartilhar com o camarada. Uma reunião dentro da reunião. “Fico muito feliz por termos feito algo para ajudar a ganharmos a guerra”, afirmou Becker. “Fizemos algo que tornou este mundo melhor.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Para muitos, será a última grande celebração. A última reunião.

Oitenta anos após os Exércitos Aliados invadirem as praias da Normandia, marcando um ponto de inflexão definitivo na 2.ª Guerra, veteranos americanos, britânicos e canadenses ainda vivos e fortes o suficiente voltam esta semana à França para celebrar aquele momento — com cautela, vagar e alegria.

Hoje eles são menos de 200. Sua média etária é de aproximadamente 100 anos.

Conforme alguns veteranos chegavam, na segunda-feira, desembarcando de um enorme 767 na pista do pequeno Aeroporto de Deauville — às vezes com a ajuda de vários cuidadores — muitas pessoas que foram lá cumprimentá-los ficaram com os olhos marejados entre as salvas de palmas.

No lugar impregnado pela história daquela grande ofensiva, quando cerca de 156 mil soldados Aliados chegaram à costa e começaram a expulsar os alemães ocupantes da Normandia e posteriormente de toda a França, a sensação de nostalgia é profunda.

“É muito emocionante”, afirmou a diretora do aeroporto, Maryline Haize-Hagron, que, como a maioria dos normandos, tem uma história pessoal sobre o Dia D. Seu avô Henri Desmet, depois de ver os paraquedistas americanos aterrissarem nos brejos próximos à sua fazenda, em 6 de junho, usou sua balsa para levar para a terra seca dezenas de soldados, para eles poderem seguir lutando.

“É uma honra imensa poder lhes dar as boas-vindas novamente”, afirmou ela.

Henri Desmet, como a maioria das testemunhas, morreu. E este aniversário ocorre num momento que parece obscuramente crítico — há uma guerra na Europa, movimentos de direita estão ganhando força em todo o continente, há um movimento político de ódio.

Os veteranos, de sua parte, têm razões individuais para retornar. Alguns vêm honrar seus camaradas mortos. Outros querem desfrutar de todo essa tietagem pela última vez.

Coronel Joseph Peterburs, de 99 anos, um veterano do 55º Esquadrão de Caça, chegando ao aeroporto em Deauville, França, na segunda-feira, 3. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Essas pessoas nos amam tanto. É avassalador”, afirmou Bill Becker, de 98 anos, momentos após pisar na pista do aeroporto, onde uma grande multidão de crianças e dignatários, incluindo a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o saudava.

Becker foi atirador de torre superior em missões secretas do Escritório de Serviços Estratégicos, que antecedeu a CIA, recém-criado pelos Estados Unidos. Sua tripulação transportava suprimentos e agentes secretos para membros da Resistência atrás das linhas inimigas em voos noturnos de seu B-24 Liberator preto iluminados apenas pela lua.

Sua mala estava pronta no bangalô onde ele vive em uma comunidade de aposentados em Hemet, no Sul da Califórnia, havia meses — um totem à esperança de que algum dia ele retornaria à França, apesar de seus tantos problemas de saúde.

“Consegui”, disse ele com um sorriso cansado.

Se esta for a última grande comemoração em honra aos caídos — assim como celebração da liberdade — a contar com a presença de tantos veteranos, também será a maior. O programa da semana de eventos ao longo dos 80 quilômetros de praias tem mais de 30 páginas — com concertos, paradas, shows de paraquedistas, comboios e cerimônias. O presidente francês, Emmanuel Macron, comparecerá a oito cerimônias de comemoração em três dias. Duas dúzias de chefes de Estado são aguardadas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

Cadeiras de rodas foram preparadas para a chegada de 48 veteranos americanos trazidos pela organização sem fins lucrativos Best Defense Foundation. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na pista do aeroporto de Deauville, uma banda do Exército americano tocava clássicos do jazz-swing, e membros da Quarta Divisão de Infantaria formavam uma guarda de honra. Um grupo de aficcionados na história da 2.ª Guerra posicionou-se ao lado de seus jipes militares antigos, trajando uniformes de 80 anos atrás. Alunos de uma escola de ensino fundamental das proximidades agitavam bandeiras francesas e americanas.

Ao sair do avião, cada veterano era apresentado à multidão pelos megafones. Alguns batiam continência. Outros acenavam.

“Vou fazer 100 anos”, gritou um deles, triunfante.

Uma frota de cadeiras de rodas aguardava a chegada dos veteranos.

“Vai ser a última farra”, afirmou Kathryn Edwards, que, juntamente com seu marido, Donnie Edwards, administra a ONG Best Defense Foundation, que levou à Normandia 48 veteranos americanos para uma viagem de nove dias em celebração ao Dia D.

Na primeira vez que levou veteranos da 2.ª Guerra para comemorar o Dia D, em 2006, Donnie Edwards os transportou em uma van alugada e eles conseguiam subir escadas que os levavam aos seus quartos em um château e comer em qualquer restaurante pelo caminho. Na época, Edwards era jogador de futebol profissional do San Diego Chargers e gostava de participar de reencenações de campos de batalha da 2.ª Guerra quando seu time não estava disputando campeonatos.

Tripulação de aeroporto da França e simpatizantes esperam pelos veteranos americanos do Dia D que chegam em Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Ao perceber como as multidões vibravam quando os veteranos desfilavam nas paradas em pequenos vilarejos da Normandia e dos Países Baixos, Edwards decidiu que precisava levar outros para lá.

“Todo veterano precisa voltar e experimentar isso”, afirmou Edwards. “Saber que suas ações ainda são respeitadas e honradas.” Ele continuou com as excursões de veteranos bancando as viagens com seus próprios recursos. Então, em 2018, fundou a ONG com sua mulher.

Ao longo dos anos, Kathryn e Donnie tiveram de fazer adaptações. Nada de vans. Nada de escadas. Nada de restaurantes desconhecidos no caminho, cuja comida possa constipar senhores de 100 anos.

Neste ano, os veteranos são acompanhados por uma equipe médica de 15 profissionais, incluindo fisioterapeuta e urologista.

Todos os veteranos viajam acompanhados de um cuidador pessoal. O ritmo da agenda foi diminuído, para lhes dar mais tempo para descansar.

A intenção do governo francês foi reduzir o tempo das cerimônias para uma hora, com objetivo de poupar os centenários, afirmou o general aposentado do Exército Michel Delion, que ajuda a administrar a programação de aniversário, chamada Mission Libération.

Hoje são menos de 200 veteranos do Dia D, e sua média etária é de aproximadamente 100 anos. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Mesmo para a França — cujo presidente tem um “conselheiro memorial” oficial — a faixa de terra ao longo das praias onde os paraquedistas aterrissaram leva a comemoração para um novo nível.   As laterais das estreitas estradas são pontuadas por placas comemorativas, estátuas e monumentos funerários. As imediações foram decoradas com tanques antigos e outros equipamentos militares. Cartazes com os rostos dos jovens soldados caídos ficam pendurados em postes de luz.

Nesta semana, os habitantes locais instalaram suas decorações de comemoração ao Dia D. Ainda mais bandeiras — americanas, britânicas, canadenses e francesas — tremulam.

Todo pequeno vilarejo tem seus próprios mortos e histórias de libertação.

Na relativamente pequena região de Calvados, onde ficam quatro das cinco praias invadidas no Dia D, 600 cerimônias de celebração estão programadas, de acordo com o prefeito da localidade, Stéphane Bredin.

“É a última vez que esses lugares saudarão seus veteranos”, afirmou Bredin.

Muitos preocupam-se com o que acontecerá quando todos os soldados tiverem morrido.

“É uma pergunta que nos fazemos há muito tempo”, afirmou Marc Lefèvre, que, como prefeito de Ste.-Mère-Église há 30 anos, coordenou muitos encontros calorosos entre habitantes locais e veteranos americanos que lutaram na vizinhança. A resposta? “Honestamente, eu não sei”, admitiu ele.

Mas dada a densidade dos monumentos memoriais e museus na região, afirmou Lefèvre, ele tem esperança de que a história do 6 de junho de 1944 perdure.

O historiador Denis Peschanski, diretor do conselho científico de 15 membros da Mission Libération, afirmou que o Dia D ficou tão vinculado à identidade francesa que sua memória seguirá viva mesmo quando todos os veteranos tiverem partido.

“Temos a Revolução”, afirmou ele, referindo-se à deposição do antigo regime, em 1789, “e a ofensiva da 2.ª Guerra, quando trabalhamos juntos para derrotar os nazistas. Isso é fundamental”.

As memórias dos veteranos são cada vez mais desconexas e desapareceram com o tempo. Muitos só falaram sobre a guerra muitos anos depois — ou nunca conversaram a respeito do assunto.

Becker fez um juramento para manter sigilo até os anos 80, quando as informações sobre a sua unidade — conhecida como “carpetbaggers” — foram tornadas públicas.

Quando aterrissaram no Aeroporto de Harrington, na Inglaterra, no início de 1945, cerca de 10 meses depois do Dia D e após meses de treinamento nos EUA, Becker e sua tripulação foram levados para uma sala.

General comandante do Exército dos EUA na Europa e África, saúda os veteranos americanos do Dia D na sua chegada a Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Eles nos falaram, ‘Se vocês disserem qualquer coisa lá fora, levarão um tiro’”, recordou-se Becker. Os planos de batalha no território inimigo eram tão sensíveis que somente o navegador e o piloto sabiam para onde a tripulação rumava. O trabalho de Becker, de sua torre, era proteger sua aeronave de aviões inimigos e artilharia antiaérea — uma função crítica quando a tripulação voava a apenas 180 ou 120 metros de altitude, orientando-se com a luz da lua.

Em algumas ocasiões, seu avião voltou com buracos de bala e galhos de árvores na fuselagem. Becker afirmou que seu segundo voo foi tão assustador que o primeiro fio de cabelo branco lhe saiu na cabeça. “Minhas pernas tremiam”, disse ele, que tinha 19 anos na época.

Becker nunca contou à sua mulher nem aos seus três filhos exatamente o que fez durante a guerra. Agora que pode falar sobre isso, ele quer que todos saibam a respeito dos carpetbaggers.

Esta é a segunda viagem de Becker às celebrações na Normandia e é uma ocasião particularmente comovente, já que ele está acompanhado do único outro membro remanescente de sua tripulação: Hewitt Gomez, de 99 anos.

Becker falou por meses que compraria uma garrafa de champanhe para compartilhar com o camarada. Uma reunião dentro da reunião. “Fico muito feliz por termos feito algo para ajudar a ganharmos a guerra”, afirmou Becker. “Fizemos algo que tornou este mundo melhor.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Para muitos, será a última grande celebração. A última reunião.

Oitenta anos após os Exércitos Aliados invadirem as praias da Normandia, marcando um ponto de inflexão definitivo na 2.ª Guerra, veteranos americanos, britânicos e canadenses ainda vivos e fortes o suficiente voltam esta semana à França para celebrar aquele momento — com cautela, vagar e alegria.

Hoje eles são menos de 200. Sua média etária é de aproximadamente 100 anos.

Conforme alguns veteranos chegavam, na segunda-feira, desembarcando de um enorme 767 na pista do pequeno Aeroporto de Deauville — às vezes com a ajuda de vários cuidadores — muitas pessoas que foram lá cumprimentá-los ficaram com os olhos marejados entre as salvas de palmas.

No lugar impregnado pela história daquela grande ofensiva, quando cerca de 156 mil soldados Aliados chegaram à costa e começaram a expulsar os alemães ocupantes da Normandia e posteriormente de toda a França, a sensação de nostalgia é profunda.

“É muito emocionante”, afirmou a diretora do aeroporto, Maryline Haize-Hagron, que, como a maioria dos normandos, tem uma história pessoal sobre o Dia D. Seu avô Henri Desmet, depois de ver os paraquedistas americanos aterrissarem nos brejos próximos à sua fazenda, em 6 de junho, usou sua balsa para levar para a terra seca dezenas de soldados, para eles poderem seguir lutando.

“É uma honra imensa poder lhes dar as boas-vindas novamente”, afirmou ela.

Henri Desmet, como a maioria das testemunhas, morreu. E este aniversário ocorre num momento que parece obscuramente crítico — há uma guerra na Europa, movimentos de direita estão ganhando força em todo o continente, há um movimento político de ódio.

Os veteranos, de sua parte, têm razões individuais para retornar. Alguns vêm honrar seus camaradas mortos. Outros querem desfrutar de todo essa tietagem pela última vez.

Coronel Joseph Peterburs, de 99 anos, um veterano do 55º Esquadrão de Caça, chegando ao aeroporto em Deauville, França, na segunda-feira, 3. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Essas pessoas nos amam tanto. É avassalador”, afirmou Bill Becker, de 98 anos, momentos após pisar na pista do aeroporto, onde uma grande multidão de crianças e dignatários, incluindo a primeira-dama francesa, Brigitte Macron, o saudava.

Becker foi atirador de torre superior em missões secretas do Escritório de Serviços Estratégicos, que antecedeu a CIA, recém-criado pelos Estados Unidos. Sua tripulação transportava suprimentos e agentes secretos para membros da Resistência atrás das linhas inimigas em voos noturnos de seu B-24 Liberator preto iluminados apenas pela lua.

Sua mala estava pronta no bangalô onde ele vive em uma comunidade de aposentados em Hemet, no Sul da Califórnia, havia meses — um totem à esperança de que algum dia ele retornaria à França, apesar de seus tantos problemas de saúde.

“Consegui”, disse ele com um sorriso cansado.

Se esta for a última grande comemoração em honra aos caídos — assim como celebração da liberdade — a contar com a presença de tantos veteranos, também será a maior. O programa da semana de eventos ao longo dos 80 quilômetros de praias tem mais de 30 páginas — com concertos, paradas, shows de paraquedistas, comboios e cerimônias. O presidente francês, Emmanuel Macron, comparecerá a oito cerimônias de comemoração em três dias. Duas dúzias de chefes de Estado são aguardadas, incluindo o presidente da Ucrânia, Volodmir Zelenski.

Cadeiras de rodas foram preparadas para a chegada de 48 veteranos americanos trazidos pela organização sem fins lucrativos Best Defense Foundation. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Na pista do aeroporto de Deauville, uma banda do Exército americano tocava clássicos do jazz-swing, e membros da Quarta Divisão de Infantaria formavam uma guarda de honra. Um grupo de aficcionados na história da 2.ª Guerra posicionou-se ao lado de seus jipes militares antigos, trajando uniformes de 80 anos atrás. Alunos de uma escola de ensino fundamental das proximidades agitavam bandeiras francesas e americanas.

Ao sair do avião, cada veterano era apresentado à multidão pelos megafones. Alguns batiam continência. Outros acenavam.

“Vou fazer 100 anos”, gritou um deles, triunfante.

Uma frota de cadeiras de rodas aguardava a chegada dos veteranos.

“Vai ser a última farra”, afirmou Kathryn Edwards, que, juntamente com seu marido, Donnie Edwards, administra a ONG Best Defense Foundation, que levou à Normandia 48 veteranos americanos para uma viagem de nove dias em celebração ao Dia D.

Na primeira vez que levou veteranos da 2.ª Guerra para comemorar o Dia D, em 2006, Donnie Edwards os transportou em uma van alugada e eles conseguiam subir escadas que os levavam aos seus quartos em um château e comer em qualquer restaurante pelo caminho. Na época, Edwards era jogador de futebol profissional do San Diego Chargers e gostava de participar de reencenações de campos de batalha da 2.ª Guerra quando seu time não estava disputando campeonatos.

Tripulação de aeroporto da França e simpatizantes esperam pelos veteranos americanos do Dia D que chegam em Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Ao perceber como as multidões vibravam quando os veteranos desfilavam nas paradas em pequenos vilarejos da Normandia e dos Países Baixos, Edwards decidiu que precisava levar outros para lá.

“Todo veterano precisa voltar e experimentar isso”, afirmou Edwards. “Saber que suas ações ainda são respeitadas e honradas.” Ele continuou com as excursões de veteranos bancando as viagens com seus próprios recursos. Então, em 2018, fundou a ONG com sua mulher.

Ao longo dos anos, Kathryn e Donnie tiveram de fazer adaptações. Nada de vans. Nada de escadas. Nada de restaurantes desconhecidos no caminho, cuja comida possa constipar senhores de 100 anos.

Neste ano, os veteranos são acompanhados por uma equipe médica de 15 profissionais, incluindo fisioterapeuta e urologista.

Todos os veteranos viajam acompanhados de um cuidador pessoal. O ritmo da agenda foi diminuído, para lhes dar mais tempo para descansar.

A intenção do governo francês foi reduzir o tempo das cerimônias para uma hora, com objetivo de poupar os centenários, afirmou o general aposentado do Exército Michel Delion, que ajuda a administrar a programação de aniversário, chamada Mission Libération.

Hoje são menos de 200 veteranos do Dia D, e sua média etária é de aproximadamente 100 anos. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

Mesmo para a França — cujo presidente tem um “conselheiro memorial” oficial — a faixa de terra ao longo das praias onde os paraquedistas aterrissaram leva a comemoração para um novo nível.   As laterais das estreitas estradas são pontuadas por placas comemorativas, estátuas e monumentos funerários. As imediações foram decoradas com tanques antigos e outros equipamentos militares. Cartazes com os rostos dos jovens soldados caídos ficam pendurados em postes de luz.

Nesta semana, os habitantes locais instalaram suas decorações de comemoração ao Dia D. Ainda mais bandeiras — americanas, britânicas, canadenses e francesas — tremulam.

Todo pequeno vilarejo tem seus próprios mortos e histórias de libertação.

Na relativamente pequena região de Calvados, onde ficam quatro das cinco praias invadidas no Dia D, 600 cerimônias de celebração estão programadas, de acordo com o prefeito da localidade, Stéphane Bredin.

“É a última vez que esses lugares saudarão seus veteranos”, afirmou Bredin.

Muitos preocupam-se com o que acontecerá quando todos os soldados tiverem morrido.

“É uma pergunta que nos fazemos há muito tempo”, afirmou Marc Lefèvre, que, como prefeito de Ste.-Mère-Église há 30 anos, coordenou muitos encontros calorosos entre habitantes locais e veteranos americanos que lutaram na vizinhança. A resposta? “Honestamente, eu não sei”, admitiu ele.

Mas dada a densidade dos monumentos memoriais e museus na região, afirmou Lefèvre, ele tem esperança de que a história do 6 de junho de 1944 perdure.

O historiador Denis Peschanski, diretor do conselho científico de 15 membros da Mission Libération, afirmou que o Dia D ficou tão vinculado à identidade francesa que sua memória seguirá viva mesmo quando todos os veteranos tiverem partido.

“Temos a Revolução”, afirmou ele, referindo-se à deposição do antigo regime, em 1789, “e a ofensiva da 2.ª Guerra, quando trabalhamos juntos para derrotar os nazistas. Isso é fundamental”.

As memórias dos veteranos são cada vez mais desconexas e desapareceram com o tempo. Muitos só falaram sobre a guerra muitos anos depois — ou nunca conversaram a respeito do assunto.

Becker fez um juramento para manter sigilo até os anos 80, quando as informações sobre a sua unidade — conhecida como “carpetbaggers” — foram tornadas públicas.

Quando aterrissaram no Aeroporto de Harrington, na Inglaterra, no início de 1945, cerca de 10 meses depois do Dia D e após meses de treinamento nos EUA, Becker e sua tripulação foram levados para uma sala.

General comandante do Exército dos EUA na Europa e África, saúda os veteranos americanos do Dia D na sua chegada a Deauville. Foto: Laetitia Vancon/The New York Times

“Eles nos falaram, ‘Se vocês disserem qualquer coisa lá fora, levarão um tiro’”, recordou-se Becker. Os planos de batalha no território inimigo eram tão sensíveis que somente o navegador e o piloto sabiam para onde a tripulação rumava. O trabalho de Becker, de sua torre, era proteger sua aeronave de aviões inimigos e artilharia antiaérea — uma função crítica quando a tripulação voava a apenas 180 ou 120 metros de altitude, orientando-se com a luz da lua.

Em algumas ocasiões, seu avião voltou com buracos de bala e galhos de árvores na fuselagem. Becker afirmou que seu segundo voo foi tão assustador que o primeiro fio de cabelo branco lhe saiu na cabeça. “Minhas pernas tremiam”, disse ele, que tinha 19 anos na época.

Becker nunca contou à sua mulher nem aos seus três filhos exatamente o que fez durante a guerra. Agora que pode falar sobre isso, ele quer que todos saibam a respeito dos carpetbaggers.

Esta é a segunda viagem de Becker às celebrações na Normandia e é uma ocasião particularmente comovente, já que ele está acompanhado do único outro membro remanescente de sua tripulação: Hewitt Gomez, de 99 anos.

Becker falou por meses que compraria uma garrafa de champanhe para compartilhar com o camarada. Uma reunião dentro da reunião. “Fico muito feliz por termos feito algo para ajudar a ganharmos a guerra”, afirmou Becker. “Fizemos algo que tornou este mundo melhor.”/TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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